Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 245/2023-T
Data da decisão: 2023-10-20  IRC  
Valor do pedido: € 29.708,49
Tema: IRC- Dupla tributação internacional
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SUMÁRIO

1 - A competência dos Tribunais Arbitrais está fixada no artigo 2º do RJAT[1], sendo materialmente competentes para apreciar decisões de reclamações dirigidas contra atos de liquidação mesmo nas situações de auto liquidações em que é obrigatória a precedência de reclamação graciosa.

2 - Considera-se haver dupla tributação jurídica internacional quando, pelo menos, dois ou mais Estados fazem incidir impostos de idêntica natureza, sobre o mesmo facto, sobre o mesmo sujeito passivo e em tempo coincidente. Nas situações em que só um Estado faz a tributação não há lugar ao abatimento a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 90º do CIRC[2] por não haver dupla tributação jurídica internacional.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-Relatório

 

A..., SA, com o NIPC[3] ..., sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, com o capital social declarado de € 3.965.681.012, na qualidade de sociedade dominante de grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades vem, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da LGT[4], 137.º, n.º1, do CIRC e nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT[5], requerer a constituição do Tribunal Arbitral, com vista à apreciação do despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências, de deferimento parcial proferido na reclamação graciosa n.º ...2022..., com a consequente anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC[6] objeto daquela reclamação relativa ao período de 2019 do grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante, sendo a liquidação contestada com o n.º..., que deu origem a um valor de IRC a reembolsar de € 27.186.408,65, conforme demonstração de liquidação de IRC - compensação n.º 2021... (conforme exemplares juntos aos autos) com a condenação da Requerida no reembolso à Requerente da quantia de € 29.708,49, acrescida dos devidos juros indemnizatórios e de juros de mora, se a eles houver lugar.

 O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 06/04/2023 pelo Senhor Presidente do CAAD[7] e automaticamente notificado à AT[8] na mesma data.

Em,29/05/2023 o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da nomeação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do referido Regime, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do seu artigo 11.º sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 19/06/2023, tendo na mesma data dado cumprimento ao disposto no artigo 17º do RJAT.

 

 

II – Saneamento

 

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

 As Partes mostram-se legítimas gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

Na resposta a AT suscitou a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciação do mérito da causa, por, na sua perspetiva, não ter competência para conhecer do pedido de anulação do ato de alteração da desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, pois estamos perante competências que não foram legalmente cometidas ao Tribunal Arbitral, questão que cabe apreciar e decidir antes da decisão final.

 Face à defesa por exceção o Tribunal proferiu o seguinte Despacho:

 “1)      Notificação da Requerente para em 10 dias, querendo, pronunciar-se sobre a exceção dilatória suscitada na resposta;

   2)      Não tendo sido requerida produção de prova adicional, o Tribunal dispensa a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. (artigos. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT).

  3)      Após o decurso do prazo para o exercício do contraditório relativamente à exceção suscitada pela Requerida, conceder às partes, em simultâneo, que até 16 de outubro de 2023, possam produzir, querendo, alegações escritas.

 4)      A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.

 5)      A Requerente deverá cumprir até 16 de outubro de 2023, com o disposto no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (pagamento antes da decisão e pela forma regulamentar, do remanescente da taxa de justiça).”

       A Requerente veio aos autos em 21/09/2023, responder à exceção suscitada pela Requerida e produziu alegações escritas juntas aos autos em 13/10/2023 nas quais mantém o seu ponto de vista exposto na petição, ao mesmo tempo que responde às questões novas suscitadas pela Requerida na resposta relativamente à existência de uma alegada derrama estadual individual, à inexistência de dupla tributação e ainda do alinhamento da jurisprudência do STA com os pontos de vista da Requerida.

        A Requerida juntou aos autos em 17/10/2023 as suas alegações referindo que não se constatam quaisquer elementos passíveis de alterar o entendimento já expendido, concluindo pela procedência da exceção dilatória, ou caso assim não se entenda, deve o pedido de pronúncia ser julgado improcedente, absolvendo-se a Requerida do pedido com as legais consequências.

 Do Alegado pelas Partes quanto à exceção dilatória

     Como já se viu a AT defendeu-se em primeira linha por exceção consubstanciada na incompetência material do Tribunal Arbitral, a qual, a verificarem-se os factos aduzidos, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, determina a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) ambos do CPC[9], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

      Entende a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente materialmente para fazer a apreciação do pedido de condenação da AT ao reconhecimento de um crédito por dupla tributação jurídica internacional e que na verdade o que a Requerente pretende é, no fundo, obter o reconhecimento de um direito, de obter o pagamento de uma determinada quantia, independentemente da anulação de uma liquidação e que o Tribunal reconheça a quantificação de um determinado montante a título de crédito de imposto e a obter o seu pagamento, situação para a qual não tem competência e representaria até uma substituição nas competências da AT, facto que obsta ao conhecimento do pedido e conduzirá à absolvição da Instância nos termos e efeitos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

     Notificada a Requerente para alegar, a mesma veio dizer que no seu pedido de pronúncia arbitral, requere a anulação parcial da decisão final de “Deferimento Parcial” proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2022..., por despacho do Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências, requer também a anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC objeto daquela reclamação relativa ao período de 2019 do grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante (“Liquidação Contestada”) (cf. declaração modelo 22 com o n.º..., e que deu origem a um valor de IRC a reembolsar de € 27.186.408,65, nos termos da demonstração de liquidação de IRC - compensação n.º 2021... condenando-se a AT ao reembolso do IRC no montante de € 29 708,49 acrescida de juros indemnizatórios. Refere também que quer do artigo 2º do RJAT, quer da Portaria de Vinculação resulta que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a ilegalidade de: atos de liquidação de imposto, incluindo de atos de autoliquidação desde que se refiram a impostos administrados pela AT e no caso de atos de autoliquidação, sejam os mesmos sucedidos de reclamação graciosa, verificando-se in casu todas as condições legalmente exigidas, cita ainda jurisprudência conforme requerimento/resposta que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, terminando pedindo a total improcedência da exceção dilatória invocada pela AT, apreciando-se integralmente o pedido de pronúncia arbitral e decidindo-se, a final pela sua integral procedência nos termos peticionados, ou, caso assim não se entenda, deve a absolvição da instância requerida pela AT cingir-se ao pedido de condenação da AT no pagamento do imposto pago em excesso, acrescido de juros.

Decidindo

Nos termos das alíneas d) e p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT a regra de impugnação de atos administrativos em matéria tributária efetua-se por via de impugnação judicial ou ação administrativa, consoante aqueles atos comportem ou não a apreciação de atos de liquidação, o que é relevante em sede de arbitragem tributária, uma vez que nos termos do disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT, complementados com a Portaria n.º112-A/2011, de 22/03, a competência material dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD circunscreve-se ao âmbito de aplicação do processo de impugnação judicial, compreendendo:

A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; e

- A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Delimitada a competência dos Tribunais Arbitrais e considerando que o meio usado pela Requerente foi a impugnação judicial com vista a anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa dirigida contra o ato de auto a liquidação de IRC já referida e que, na  verdade, o artigo 99º do CPPT estabelece que o meio próprio para discutir os atos de liquidação é o processo de impugnação judicial, independentemente de ter ou não ocorrido anteriormente meio gracioso, sendo a ação administrativa usada nos casos em que não há lugar à apreciação de atos de liquidação. Neste sentido, é basta a jurisprudência do STA[10], citando-se a título de exemplo o Acórdão de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18, termos em que se julga improcedente a exceção dilatória suscitada pela Requerida.

 

Deste modo o Tribunal é, face ao exposto, competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram suscitadas outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

  1. Questões a Dirimir
  1. Se o pedido de pronuncia arbitral deverá ser julgado procedente, revogando-se o Despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa nº. ...2022..., com a consequente anulação do ato de autoliquidação referente ao exercício de 2019,por serem ilegais, retirando daí as consequências devidas, incluindo o reembolso à Requerente da quantia de € 29.708,49, acrescida de juros indemnizatórios, se a eles houver lugar;
  2. Ou se pelo contrário, deve ser mantido o indeferimento parcial da reclamação graciosa e consequentemente o ato de autoliquidação contra o qual a mesma se dirigia, por não sofrerem de ilegalidade, julgando improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida dos pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

       

  1. Matéria de facto

         2.1. Factos provados

         a) A Requerente é uma sociedade comercial, registada fiscalmente no Serviço Periférico de Finanças de Lisboa ..., enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS) a que aludem os artigos 69º a 71º do CIRC, sendo a Requerente a sociedade dominante.

          b) No exercício de 2019 faturou serviços à B... no montante de € 198.056,60, respeitante a consultoria e apoio à gestão, valor que só veio a ser recebido em 2021, verificando-se um desfasamento temporal entre o período de tributação em que ocorreu o reconhecimento contabilístico dos rendimentos associados aos serviços prestados (2019) e o período em que esses rendimentos foram objeto de retenção na fonte (2021) no país da fonte (Brasil).

           c) No exercício de 2019 o grupo apurou um prejuízo fiscal, não foi liquidado qualquer valor de IRC, mas apenas de derrama estadual do grupo (€ 8.098.652,44), facto que originou o indeferimento do pedido em sede de reclamação graciosa sob o fundamento de que a Requerente “não apresentou coleta no período de tributação de 2019” e, por outro lado, “a coleta do grupo no período de tributação de 2019 foi constituída somente pela coleta gerada pela derrama estadual, para a qual não contribuiu a empresa A..., aqui Requerente.

          d) Em resultado desse desfasamento, só em 2021 é que tais valores foram sujeitos a retenção na fonte, à taxa de 15% no Brasil, conforme comprovantes de arrecadação do respetivo Ministério da Fazenda e Receita Federal, que totalizou o montante de € 29.708,49, no que a 2019 respeita.

          e) A Requerente procedendo de acordo com a informação vinculativa 3489/05, com despacho de 15/10/2007 do Substituto Legal do Diretor Geral apresentou reclamação graciosa da sua autoliquidação, nos termos da qual, entre outros temas, requereu que fosse reconhecido, com referência a 2019, o crédito de imposto relativo ao imposto que tinha suportado no Brasil em 2021, no valor de € 29.708,49, tendo a AT deferido todos os pedidos da Requerente, com exceção do pedido relativo a este crédito de imposto.

           f) A Requerente, pretendendo o reconhecimento do CIDTJI[11] em causa e a utilização do mesmo no período de tributação de 2019, tendo a reclamação graciosa sido apreciada pela Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, que mereceu despacho de indeferimento, na parte em que pedia este reconhecimento, por considerar ser impossível deduzir em sede do grupo o CIDTJI quando a sociedade que a ele tem direito não apresentou na sua esfera individual derrama estadual.

Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base no declarado e nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes

para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e e) do RJAT.

 

 

2.2 – Factos não provados

 

 

Não se consideraram provados outros factos com relevância para a decisão da causa

 

3 – Matéria de Direito

       Na perspetiva da Requerente o que opõe as partes é a questão de saber se é possível deduzir um crédito por imposto suportado no estrangeiro por uma sociedade integrada num grupo sujeito ao RETGS à derrama estadual do grupo (ou se essa dedução só pode ser feita contra a derrama estadual “individual” dessa sociedade e até esse limite.

       Refere que o imposto retido na fonte no montante de €29.708, 49, pela B... por referência às faturas dos serviços prestados pela Requerente, levou esta, seguindo o entendimento vertido na Informação Vinculativa n.º 3489/05, com despacho de 15/10/2007 do Substituto Legal do Diretor Geral, a apresentar reclamação graciosa da autoliquidação do grupo, nos termos da qual, entre outros temas, requereu que fosse reconhecido, com referência a 2019,o referido crédito de imposto suportado no Brasil.

        Na liquidação contestada, o grupo apurou um prejuízo fiscal, não foi liquidado qualquer valor de IRC, mas apenas de derrama estadual do grupo (€ 8.098.652,44), facto que originou o indeferimento do pedido em sede de reclamação graciosa sob o fundamento de que a Requerente não apresentou coleta no período de tributação de 2019 e, por outro lado, a coleta do grupo no período de tributação de 2019 foi constituída somente pela coleta gerada pela derrama estadual, para a qual não contribuiu a empresa A... Requerente.

        Não concordando com esta posição da AT, por entender que o crédito por imposto suportado no estrangeiro sob contestação pode ser deduzido à derrama estadual do grupo, nos termos do n.º6 do art.º 90.º do CIRC e que da articulação do art.º 87.º- A, do n.º6 do art.º 90.º e do n.º6 do art.º 120.º todos do CIRC, conclui pela clareza do legislador no sentido de que o crédito de imposto se deduza no quadro global do grupo, isto é, à coleta do grupo, e não a nível individual e a uma pretensa “coleta individual” de cada uma das sociedades, tudo como melhor consta na sua petição e que aqui, nessa parte, se dá por integralmente reproduzida.

        Sustenta ainda o seu poto de vista no acórdão arbitral proferido no processo n.º 114/2020-T, de 30/10/2020, nos Acórdãos do STA, processo n.º 03162/16.1BEPRT, de 2022-08-06 e processo n.º 0306/13.9BELRS 0424/17.

        Face ao exposto entende que deveria ter sido permitido à Requerente considerar fiscalmente a dedução à coleta da derrama estadual do grupo no valor de €29.708,49, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional nos termos dos, n.º 2, alínea a) e n.º 6 artigo do 90.º do CIRC e do artigo 23.º da Convenção BR-PT e em conformidade com a jurisprudência acima invocada, concluindo pela anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa bem como a anulação da liquidação contestada com todas as consequências legais.

       Por sua vez a Requerida AT, começa por fazer uma breve introdução, socorrendo do nº 1 do artigo 4º do CIRC que obriga à inclusão na base tributária da totalidade dos rendimentos e gastos obtidos no território nacional e fora dele, facto que pode originar dupla tributação, quando os mesmos rendimentos ficam sujeitos a tributação a ordenamentos jurídicos estatais diferentes, cabendo ao Estado de residência ou sede do sujeito passivo concretizar a sua eliminação ou atenuação, no caso nacional, esse procedimento encontra-se previsto na al. a) do n.º2 do art.º 90.º do CIRC, apurando-se o crédito de imposto por DTJI[12], por aplicação das regras previstas no artigo 91º do mesmo diploma.

        O direito à dedução do crédito de imposto, nasce no momento em que ocorre a inclusão dos rendimentos na base tributável, nos termos do n.º1 do art.º 91.º do CIRC, ou seja, no momento da determinação do período a que respeita e deverão ser incluídos na base tributável pelo seu montante ilíquido nos termos estabelecidos no n.º1 do art.º 68.º do CIRC e nos termos do seu nº 2, sempre que tenha havido retenção na fonte de IRC relativamente a rendimentos englobados para efeitos de tributação, o montante a considerar na determinação da matéria coletável é a respetiva importância ilíquida do imposto retido na fonte, seguindo a derrama estadual o mesmo regime do imposto principal em tudo o que não se encontre expressamente excluído.

        Num grupo de sociedades que seja tributado pelo RETGS, as taxas adicionais a que se refere o n.º1 do citado artigo 87.º-A do CIRC a Derrama Estadual, nos termos do seu nº 3 incide sobre o lucro tributável que exceda €1.500.000,00 apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, pelo que a Derrama Estadual incide, nos termos do n.º1 do art.º 87.º-A do CIRC, sobre o lucro individual de cada uma das sociedades do grupo, tal significa que a Derrama Estadual que a sociedade dominante paga não corresponde a uma Derrama Estadual do Grupo mas sim ao somatório das Derramas Estaduais apuradas em cada sociedade individualmente, exemplificando este seu ponto de vista com o deliberado no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Proc. 742/2019-T.

       No caso dos autos, não obstante ter sido retido imposto no Brasil no período de tributação de 2019, não há lugar à dedução do montante do crédito de imposto por DTJI, uma vez que a mesma só ocorre quando na esfera do mesmo sujeito passivo o mesmo rendimento referente a um mesmo período é tributado em diferentes estados. Embora se reconheça que os rendimentos de prestações de serviços foram tributados no Brasil, verifica-se que em 2019 sobre esses mesmos rendimentos não foi aplicado IRC ou Derrama Estadual passíveis de originar uma situação DTJI, na verdade, a Requerente na qualidade de sociedade dominante do Grupo, ao abrigo da al. a) do n.º6 do art.º 120.º do CIRC, não apresentou coleta de IRC do Grupo na medida em que não apurou matéria coletável do Grupo e individualmente, a Requerente não ficou sujeita à Derrama Estadual no período de 2019, tendo apurado prejuízo fiscal.

        No RETGS, o montante de €1.500.000,00 a partir do qual há sujeição a Derrama Estadual é aferido em relação a cada uma das sociedades e não em relação à totalidade das sociedades do Grupo, não se podendo, por esse facto, falar propriamente de uma Derrama Estadual de Grupo mas sim de um somatório das Derramas Estaduais Individuais, apesar da sociedade dominante ser responsável pelo respetivo pagamento, na verdade a Derrama Estadual não segue, pois, o mesmo regime previsto no art.º70.º do CIRC para a determinação do lucro tributável e da matéria coletável do Grupo

       Concluindo que o crédito de imposto em apreço pudesse ter lugar no período de tributação de 2019 era necessário que a Requerente, enquanto sociedade dominante responsável pela submissão da Dec. Modelo 22 do Grupo, apresentasse matéria coletável do grupo positiva (não nula) e por consequência coleta de IRC do grupo, referente à totalidade das sociedades que compõem o grupo, conforme prevê a al. a) do n.º2 do art.º 90.º do CIRC, ou que a Requerente individualmente considerada apurasse Derrama Estadual o que não sucedeu, termos em que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

 

        Quid júris

        Não existe divergência entre as partes sobre os factos e legislação aplicável e na possibilidade de deduzir um crédito de imposto suportado no estrangeiro, por uma sociedade integrada num grupo sujeito ao RETGS, à derrama estadual do grupo. A divergência situa-se no facto da Requerente entender que o imposto que suportou no Brasil, pode ser deduzido à derrama do grupo, apesar de individualmente não ter suportado derrama, entendendo a Requerida, por isso mesmo, que não pode.

       O Tribunal considera pois que o dissídio centra-se em saber, se há ou não dupla tributação jurídica internacional.

        Vejamos então: Haverá dupla tributação jurídica internacional quando, pelo menos, dois ou mais Estados fazem incidir impostos de idêntica natureza, sobre o mesmo facto tributário praticado pelo mesmo sujeito passivo e em tempo coincidente.

       Na tributação dos RETGS e de harmonia com o nº 1 do artigo 70º do CIRC o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, apurando-se o lucro tributável do grupo. A realidade económica global e a sua capacidade contributiva é mais importante que a realidade económica e capacidade contributiva individual, sucedendo que os lucros tributáveis apurados no âmbito de umas sociedades podem ser diluídos nos prejuízos fiscais de outras do mesmo grupo, sendo o IRC apurado pela sociedade dominante através da aludida operação algébrica dos diferentes resultados apurados na esfera individual de cada uma das sociedades participantes do grupo, apurando-se um resultado único, interligado pelas diferentes realidades de cada uma delas.

       Mas já no que respeita à derrama estadual, introduzida no CIRC através da Lei 12-A/2010 de 30 de Junho ao aditar-lhe o artigo 87º-A que no seu nº 3 determina que as taxas referidas no nº 1 do mesmo normativo incidam sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, havendo um apuramento individual do tributo. Considera o Tribunal que o legislador com esta fórmula de cálculo prevista neste nº 3 fez, nesta matéria de derrama estadual, uma derrogação ao RETGS, o que nos parece intencional, com o intuito de obter mais receita e diminuir o défice orçamental. Na verdade, poderia ter optado por fazer incidir as taxas ao lucro tributável apurado para o grupo, mas não o fez, o que significa que foi quebrada a interligação das diferentes realidades económicas de cada uma das sociedades do grupo no que à derrama estadual respeita. Ora, sendo o lucro individual das sociedades do grupo, incluindo o da sociedade dominante que relevam para efeito do cálculo da derrama, desconsiderando a realidade económica das restantes que não o obtiveram, forçoso é concluir que deve ser considerada a aludida derrogação, que apesar de poder ser criticável, se justifica pela necessidade de maior cobrança com vista ao desiderato de diminuição do défice.

       Sendo assim, a questão não está em saber se o imposto pago no estrangeiro pelas sociedades do grupo pode ser abatido à derrama estadual do grupo, isso já se sabe que pode, por força do nº6 do artigo 90º do CIRC. O que está em causa, primeiro que tudo, é saber se houve ou não dupla tributação e só haverá dupla tributação se houver IRC a pagar pelo grupo e, no caso de não haver, verificar se as participantes que obtiveram rendimentos no estrangeiro, apresentaram lucros que sirva de matéria coletável ao cálculo da derrama estadual, conforme nº 3 do artigo 87º-A do CIRC, é que se não apresentaram lucros não há matéria coletável para derrama.

       Na verdade a formula de cálculo da derrama estadual, quebrou a interligação que a soma algébrica confere ao apuramento do IRC do grupo, apresentando uma caraterística individualista, só sujeitando a derrama as participantes que apresentem lucro. As que não o tenham apurado individualmente e na eventualidade de terem suportado tributação no estrangeiro por rendimentos aí obtidos, também não suportaram derrama estadual o que leva o Tribunal a concluir que, nestas situações, inexiste de dupla tributação.

       Nesta perspetiva vamos indagar o valor dos impostos suportados pelos serviços prestados pela Requerente à B... no montante de € 198.056,60 e desde logo se verifica que no Brasil foi- lhe retido, à taxa de 15%, o valor de € 29.708,49 que agora pretende ver abatido à derrama do grupo mas, como em Portugal, os referidos serviços prestados não sofreram qualquer tributação, na verdade, não houve tributação em IRC, na medida em que o grupo apresentou prejuízo, sendo por isso evidente que os referidos serviços não foram tributados em IRC.

       Quanto à derrama, verificamos que a sociedade dominante do grupo, a Requerente e titular dos rendimentos obtidos no estrangeiro, não apresentou qualquer lucro, resultando deste facto a inexistência de matéria tributável para cálculo de derrama, pelo que sobre os aludidos rendimentos não incidiu qualquer derrama, na verdade o legislador diz que as taxas a que alude o nº 1 do artigo 87º-A do CIRC incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual que, no caso concreto, não foi apurado.

        É para o Tribunal evidente que como já se referiu, no cálculo da derrama foi quebrada a interligação conferida pelo cálculo algébrico no âmbito do IRC, tendo o apuramento da derrama um caráter individualista que pode, como no caso em apreço, afastar a dupla tributação, quando a titular dos rendimentos obtidos no estrangeiro não apresenta lucro para cálculo da mesma.

       Sendo este apuramento individual da derrama estadual que leva o Tribunal a considerar que o legislador fez, neste aspeto, uma derrogação do RETGS que já se referiu, concluindo-se que sobre os aludidos serviços prestados apenas incidiu imposto no Brasil não havendo dupla tributação jurídica internacional e, simplesmente por isso, não há lugar a qualquer abatimento, termos em que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida dos pedidos, ficando, desde logo, também prejudicada, por inútil, a apreciação de outras eventuais questões submetidas a este Tribunal.

4. Juros indemnizatórios

               Face à conclusão a que se chegou fica prejudicado o conhecimento deste pedido.

 

 

IV – DECISÃO

 

             Pelo exposto, o Tribunal decide:  

 

  1. Declarar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo o indeferimento parcial da reclamação graciosa oportunamente apresentada e, consequentemente a autoliquidação contra a qual a mesma se dirigia, atos tributários que deverão permanecer na ordem jurídica por estarem em conformidade com a Lei.
  2. Fixar o valor do processo em € 29.708,49 (vinte e nove mil setecentos e oito euros e quarente e nove cêntimos), considerando as disposições contidas nos artigos 299º nºs 1 e 4do CPC, 97-A, nº 1 alínea b) do CPPT e 3º, nº 2 do RCPAT[13].
  3. Fixar as custas no montante de € 1 530,00 (mil quinhentos e trinta euros) de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da Requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT.

 

Notifique

                                                                           

Lisboa, 20 de outubro de 2023

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

 

O Árbitro singular,

 

 

Arlindo José Francisco



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[2] Acrónimo de Código do Imposto sobre Rendimento das pessoas Coletivas

[3] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Coletiva

[4] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[5] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[6] Acrónimo de Imposto sobre o Rendimento de pessoas Coletivas

[7] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[8] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[9] Acrónimo de Código de Processo Civil

[10] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[11] Acrónimo de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional

[12] Acrónimo de Dupla Tributação Jurídica Internacional

[13] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária