SUMÁRIO:
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Um erro de registo na contabilidade não é impeditivo que o interessado possa, através de documentos idóneos e adequados, provar que operações registadas indevidamente como operações comunitárias consubstanciam operações extracomunitárias suscetíveis de beneficiar da isenção prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, ainda que o faça em sede de procedimento impugnatório de natureza graciosa, judicial ou arbitral.
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A fundamentação de correção ou de ato tributário tem de ser contextual e contemporânea do ato, não sendo admissível a requalificação jurídico-tributária dos factos, o que equivaleria a fundamentação à posterior, não lhe podendo ser atribuída relevância jurídica.
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Os documentos devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes ou até 20 dias antes de se realizar a audiência final, devendo, todavia, ser admitidos se a sua apresentação se tiver tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr.ª Filipa Barros e Dr. Jesuíno Alcântara Martins (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06 de junho de 2023, acordam no seguinte:
I – Relatório
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A contribuinte A..., Unipessoal, Ld.ª, com o NIPC ..., com sede em Rua ..., n.º ... –..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente), apresentou, no dia 28 de março de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º e do n.º 2 dos artigos 6.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida).
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A Requerente formulou o pedido de pronúncia arbitral (ppa) solicitando a declaração de ilegalidade do despacho de 27.12.2022, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, que, ao abrigo de delegação de competências, indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2021..., notificado através do ofício n.º ..., de 28.12.2022, da Direção de Finanças de Lisboa, e a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA, no valor de € 99.641,25, acrescidos de juros compensatórios, relativos aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro a agosto de 2019, cuja identificação consta no quadro infra:
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Em 30.03.2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
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O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
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O Tribunal Arbitral Coletivo ficou regularmente constituído em 06 de junho de 2023.
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Em 06 de junho de 2023, nos termos artigo 17.º do RJAT, a AT foi notificada para apresentar a resposta.
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Em 12 de julho de 2023, a AT apresentou a sua Resposta e nela sustenta que o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado improcedente. Todavia, a Requerida não apresentou, com a sua resposta, o processo administrativo. Por despacho de 21 de setembro de 2023 foi concedido à Requerida um prazo de 10 dias para apresentar o processo administrativo, tendo este sido apresentado em 22.09.2023.
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Não havendo lugar à produção de prova testemunhal, e não tendo sido suscitada matéria de exceção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade do processo arbitral (cfr. art.ºs. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT), através do despacho de 23 de julho de 2023, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. Foi ainda decidido notificar as partes para, no prazo de quinze dias a partir da notificação do referido despacho, apresentarem alegações escritas, sendo que foi concedida à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pela Requerente. Por fim, no referido despacho foi determinado que a decisão arbitral seria prolatada até ao dia 06 de dezembro de 2023.
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A Requerente apresentou as suas alegações em 18 de setembro de 2023. Com as alegações, a Requerente apresentou documentos relativos às exportações, bem como através de Requerimento de 20 de setembro completou a apresentação dos documentos mencionados no artigo 50.º das suas alegações.
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Em 23 de setembro de 2023, a Requerente foi notificada da junção do processo administrativo aos autos, nada tendo dito sobre o mesmo.
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A Requerida apresentou as suas alegações em 27 de setembro de 2023, e nelas, para além de se ter pronunciado sobre a apresentação dos documentos que a Requerente juntou com as alegações, renovou a sua posição quanto à improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
II. RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES
II.1 Pela Requerente
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A Requerente considera que os atos de liquidação adicional de IVA impugnados no presente pedido de pronúncia arbitral são ilegais, visto que enfermam de vício de lei, na medida em que resultam da sujeição a IVA em território nacional, à taxa de 23%, de vendas extracomunitárias de bens, as quais se encontram isentas de IVA de acordo com o disposto no artigo 14.º do Código do IVA.
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A Requerente invoca que as liquidações adicionais de IVA têm por fundamento duas correções efetuadas pela AT no âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2020... .
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As correções incidiram sobre as vendas realizadas pela Requente à sociedade B... e SARL, VAT(LU) ..., em relação às quais foi apurado um diferencial no valor de € 246.808,65, tendo este determinado uma correção no valor de € 56.765,99, e sobre as vendas à distâncias efetuadas na Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, porquanto, os serviços de inspeção tributária identificaram entre os documentos facultados pela Requerente para suportar os registos efetuadas nas subcontas da conta #71121 – vendas comunitárias – regime de IVA local, e o valor do IVA pago nos Estados Membros onde as vendas à distância foram efetuadas um diferencial no valor de € 228.297,03, o qual determinou uma correção de imposto no valor de € 52.508,31, correções que totalizaram o valor de € 109.274,30.
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A Requerente não concorda com as correções realizadas pela AT, uma vez que em relação às vendas à distância procedeu à regularização da situação tributária com o pagamento do IVA nos respetivos Estados Membros e em relação às vendas identificadas como efetuadas à sociedade B... SARL, o que está efetivamente em causa são vendas extracomunitárias.
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De entre as razões aduzidas pela AT para fundamentar a realização das correções no valor de € 109.274,30, a Requerente identifica um excerto do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), o no qual a inspeção tributária descreve que
““a. [e]mbora o sujeito passivo tenha faturado as suas transmissões à ASE, e as tenha declarado como isentas de IVA, nos termos do artigo 14.º do RITI, nas DP’s entregues, a ASE não compra nem vende bens e sua função consiste apenas e só, na prestação de serviços aos sujeitos passivos utilizadores (vendedores) dos Marketplace;
b. [e]mbora notificado o sujeito passivo não apresentou elementos que nos indiquem quem foram os clientes finais, nomeadamente o nome e país de residência e se os mesmos são sujeitos passivos de IVA no seu país de residência, como tal, as operações em causa não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 14º do RITI sendo tributadas no território nacional à taxa normal de IVA prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA, e
c. o sujeito passivo não [ter declarado] a totalidade dos rendimentos por si obtidos nos países mencionados, [pelo que] a diferença, entre o valor registado na contabilidade e o valor declarado nos países mencionados (€ 228.297,03) não pode beneficiar do disposto no artigo 10º do RITI, sendo considerada uma transmissão no mercado nacional e como tal sujeita a imposto e tributada à taxa normal de IVA nos termos do artigo 18º do Código do IVA”.
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A Requerente reagiu contra as correções realizadas pela AT através de Reclamação Graciosa, a qual, não obstante as razões e elementos probatórios aduzidos pela Requerente, foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.
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A Requerente considera que as correções e as subsequentes liquidações adicionais de IVA não se podem manter na ordem jurídica, devendo, consequentemente, ser anuladas, atendendo a que
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em relação às correções relativas a “Vendas faturadas à sociedade B... SARL, VAT (LU), ...”, as quais ascendem a título de imposto ao valor de € 56.765,99, têm por base as vendas registadas na conta #71128, designada na contabilidade por “71128 – Mercadorias – Comunitários – Isentos de IVA”, se verificou um lapso na sua denominação e inscrição, na medida em que tal designação não corresponde à realidade subjacente às operações tituladas pelas faturas registadas naquela conta. As faturas, lançadas nessa conta #71128 correspondem a vendas Extracomunitárias de bens e, consequentemente, estão isentas de IVA nos termos do artigo14.º do CIVA;
ii) em relação às correções relativas a “Vendas à distância – Conta #71121” as quais ascendem a título de imposto ao valor de € 52.508,31, têm por base transações intracomunitárias de bens que, à data da inspeção tributária, não se encontravam totalmente declaradas juntos dos Estados Membros onde foram efetuadas as vendas à distância. Porém, a situação identificada pela AT foi regularizada pela Requerente junto dos respetivos Estados Membros, pelo que o imposto relativo às operações em causa foi efetivamente pago, nada sendo devido em território nacional a esse título, sob pena de se verificar uma situação de dupla tributação, o que seria ilegal.
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A Requerente considera que a AT incorreu em erro sobre os pressupostos de facto, por falta de análise da documentação subjacente aos registos contabilísticos lançados na conta #71128, sendo que uma análise concreta dos registos contabilísticos feitos nesta conta teria evidenciado que as operações em causa consubstanciam vendas extracomunitárias de bens, respeitando, na maioria dos casos, a vendas de bens para os Estados Unidos da América, conforme se prova pela análise do extrato da conta #71128 – cfr. Doc. 4 do ppa.
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Como elementos probatórios, a Requerente juntou ao ppa (Doc. 5) um universo de mais de 1246 faturas, as quais, segundo alega a Requerente, correspondem exatamente às faturas que constam do anexo 3 do RIT. A Requerente sublinha que a fatura n.º 219/530, no valor de € 3.035,00, não se refere a vendas à B..., mas sim à sociedade “C... Ltd.”, tal como se pode verificar através da cópia da fatura n.º 2019/530, junta em anexo ao ppa – Doc. 7. A Requerente reconhece que, por lapso, aquela fatura consta do extrato da conta #71128 como venda à B..., mas que tal, como provado, não corresponde à realidade dos factos.
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A Requerente considera que em face das razões aduzidas e dos elementos probatório juntos ao pedido de pronúncia arbitral, a Requerente reconhece que se verificou um lapso na descrição do nome da conta #71128, a qual, ao invés de referir “71128 – Mercadorias – Comunitários – Isentos de IVA”, deveria fazer referência a mercadorias Extracomunitárias. Todavia, a Requerente sublinha que um erro na designação da conta não altera a natureza nem a substância das operações nela registadas e que constituem a matéria controvertida, operações essas que respeitam a transações extracomunitárias, as quais, nos termos do artigo 14.º do CIVA, estão isentas de IVA.
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Em relação à correção das vendas à distância – conta #71121 – no valor de € 52.508,31, resultante da diferença entre o valor contabilizado em relação às vendas à distância efetuadas na Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido e o valor constante das declarações de IVA e o imposto pago em cada Estado Membro, a Requerente realça que, já após o decurso da ação de inspeção tributária, a A.. (a Requerente) procedeu à entrega de Declarações fiscais retificativas nos diferentes Estados Membros onde foram efetuadas as vendas à distância em causa e realizou o pagamento do imposto em falta.
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A Requerente sublinha que através das declarações fiscais retificativas declarou nos Estados Membros (Espanha, França e Reino Unido) vendas à distância no valor de € 1.417.185,94, ao invés de € 1.178.188,29 como resulta do RIT, isto é, a título de correção das vendas à distância relativas do ano de 2019, foi declarado o valor de € 238.997,65, pelo que a situação das vendas à distância se encontra corrigida e regularizada. A Requerente sublinha que as cópias das declarações fiscais retificativas foram juntas à reclamação graciosa, tal como foram juntas ao ppa como documentos 8 a 15, conforme discriminação infra
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A Requerente invoca que as vendas às distâncias se encontram declaradas, na totalidade, nos Estados Membros onde foram realizadas, pelo que não existe fundamento para a manutenção da correção efetuada pela AT, no valor de € 52.508,31. E nesta conformidade, em face da sua ilegalidade, as respetivas liquidações adicionais de IVA devem ser anuladas.
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Em relação às vendas escrituradas como vendas à B..., SARL, mas que consubstanciaram vendas extracomunitárias, irregularidade que determinou uma correção no valor de € 56.765,99, em face dos elementos probatórios apresentados, a Requerente entende que a correção em causa não pode ser mantida na ordem jurídica, devendo ser anulada, bem como as correlativas liquidações adicionais, atenta a sua ilegalidade.
II.2 Pela Requerida
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A Requerida considera que os factos controvertidos são os que constam do processo administrativo (pa), pelo que impugna todos os factos alegados pela Requerente que se encontrem em contradição com aqueles ou que sejam omissos nos documentos integrantes do pa, devendo o pedido de pronúncia arbitral ser considerado improcedente.
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A Requerida destaca a circunstância da Requerente alegar que vendeu bens para países terceiros, isto é, que os exportou e pretender efetuar a prova de tais vendas através não de faturas, mas sim de listagens de faturas, com vista à aplicação da isenção de IVA prevista para as exportações no artigo 14.º do CIVA.
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A Requerida sublinha que a Requerente não juntou qualquer documento alfandegário apropriado à prova da certificação dos bens com destino a um país terceiro, bem como não junta qualquer documento que prove que tivesse enviado os bens, nem qualquer declaração dos adquirentes a referir tê-los recebido.
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A Requerida considera que deve ser dado como não provado que a Requerente tenha enviado os bens relativos às faturas em questão para clientes em países terceiros e, bem assim, que os bens hajam saído do território nacional.
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A Requerida realça a circunstância da Requerente alegar ter apresentado declarações retificativas de imposto, (entre outros, no artigo 42.º do ppa) no Reino Unido em Espanha e em França e se propor fazer prova de tal alegação com os documentos 8 a 15 que juntou ao ppa.
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A Requerida sublinha que de tais documentos não consta qualquer referência a que a Requerente tenha apresentado qualquer declaração retificativa de imposto em qualquer daqueles países, senão em Espanha e que mesmo as declarações de Espanha, apenas demonstram que foram entregues, pois, a Requerente não junta qualquer prova de que as mesmas não foram substituídas e que foram aquelas as Declarações que ficaram válidas para os períodos em questão.
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A Requerida considera que não deve ser dado como provado que a Requerente haja substituído os montantes inicialmente declarados em Espanha, Reino Unido e França.
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Quanto à fundamentação de direito das correções que constituem a matéria controvertida no presente pedido de pronúncia arbitral a Requerida remente para o Relatório de inspeção tributária.
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A Requerida destaca a circunstância de, segundo o mapa/listagem em Doc. 4 junto ao presente PPA, se tratar de vendas efetuadas para países terceiros [artigo 1.º, n.º 2, alínea c) do Código do IVA], isto é, uma exportação isenta de IVA. E que a isenção invocada pela Requerente abrange “(…) transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste” [cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA e artigo 146.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, doravante “Diretiva IVA”].
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A Requerida sublinha que a aplicação desta isenção tem como pressupostos essenciais a saída efetiva dos bens do território aduaneiro da União Europeia pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste e a transferência do direito de deles dispor para o adquirente não estabelecido no território nacional. E que a Diretiva IVA, nos seus artigos 131.º e 273.º, atribui aos Estados-membros a incumbência de definir as condições para assegurar a correta aplicação da isenção, que constitui uma derrogação à regra geral de tributação.
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A Requerida destaca que, em relação à isenção prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, o legislador nacional, ao abrigo das normas dos artigos 131.º e 273.º da Diretiva IVA, limitou os meios de prova aos “documentos alfandegários apropriados”, conforme n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA, e que o n.º 9 do artigo 29.º do CIVA, adverte que “[a] falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente”.
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A Requerida, na sua resposta, invoca a doutrina administrativa ínsita nas Informações Vinculativas n.ºs 3092 e 10177, superiormente sancionadas, respetivamente, por despacho de 24.05.2012 e de 31.03.2016, das quais, em síntese, resulta que “(…). 2. A expedição dos bens para fora do território aduaneiro da União configura uma exportação, que por ser um regime aduaneiro implica o cumprimento dos atos e formalidades previstas na regulamentação aduaneira, nomeadamente a entrega de uma declaração e a aplicação de medidas de política comercial a que as mercadorias podem estar sujeitas.
3. Dada a existência de uma previsão legal que prevê a isenção do IVA para as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora do território aduaneiro da União, as transmissões efetuadas pela Requerente podem ser isentas do IVA, por aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, se: o vendedor cumprir as formalidades previstas para o regime aduaneiro da exportação, nomeadamente se a declaração aduaneira for feita em seu nome, independentemente da corrente de tráfego a utilizar e da qualidade do destinatário.
4. Mas, há que atender ao disposto no n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, segundo o qual as transmissões isentas ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo Código devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhe irá ser dado. (…)”.
38. A requerida na sua resposta cita ainda a posição de alguns autores de que se destaca Catarina Rivotti in “O IVA na Exportação”, Cadernos IVA 2013, Coordenação de Sérgio Vasques, p. 90, que diz que “[n]o caso das operações efectuadas com países terceiros, o Código do IVA é claro ao determinar que apenas poderão gozar da isenção de IVA prevista para as exportações, as que sejam devidamente comprovadas, mediante apresentação dos “documentos alfandegários apropriados””, bem como destaca a jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 18.06.2020, no processo n.º 00051/12.2BUPRT, e nas decisões arbitrais de 04.03.2019 e de 20.03.2020, proferidas, respetivamente, nos processo n.ºs 204/2018-T e 476/2019-T (CAAD).
39. A Requerida destaca a circunstância de nas exportações de bens ser exigível que o transmitente/exportador dos bens, enquanto beneficiário da isenção, se encontre na posse dos documentos aduaneiros apropriados, emitidos em seu nome, ou em nome de terceiro por conta deste (identificado nessa qualidade), devidamente certificado pelos serviços aduaneiros nacionais ou, caso a saída dos bens do território comunitário não se verifique em estância aduaneira portuguesa, por documento emitido pelos serviços aduaneiros do Estado-Membro onde ocorra a saída dos bens.
40. A Requerida considera que, pela circunstância da Requerente não apresentar quaisquer documentos alfandegários, tem de se concluir que a informação e documentação que disponibiliza não possibilita à Autoridade Tributária e Aduaneira confirmar os pressupostos de aplicação da isenção do IVA da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA, porquanto, a exigência dos “documentos alfandegários apropriados” não é uma mera formalidade, mas sim uma exigência de fundo, cuja inobservância impõe a exigibilidade do imposto.
41. A Requerida refere, ainda, que a Requerente nem sequer apresenta qualquer outra prova de chegada dos bens no país de destino, por exemplo, as declarações dos adquirentes dos bens, e nem sequer qualquer prova de que os mesmos hajam sido enviados.
42. Em relação às vendas à distância – conta #71121 – a Requerida realça que, estando em causa o ano de 2019, não se aplica a atual legislação que regula esta matéria, cuja redação foi introduzida pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, mas sim o regime das vendas à distância vigente à data dos factos, ínsito nos artigos 10.º e 11.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI).
43. A Requerida destaca que, de acordo com o regime jurídico emergente dos normativos, então, vigentes, resulta que as denominadas vendas à distância estão sujeitas a IVA na origem, isto é, em Portugal, até ser ultrapassado o limiar fixado no EM do adquirente (particular ou não sujeito passivo de IVA). A partir do momento em que as vendas à distância de bens excedem o limite fixado nesse EM, a tributação passa a ser realizada no EM de destino. Neste caso, o fornecedor nacional tem de se registar para efeitos de IVA nesse EM, para cumprir com as obrigações de liquidação do IVA nessas vendas, de faturação, declarativas e de pagamento do imposto, nos termos definidos pelo quadro normativo em vigor nesse EM.
44. E que, caso as transmissões de bens não tenham excedido o limite a partir do qual estão sujeitas a tributação no destino, pode o fornecedor, ainda assim, optar pela sujeição a tributação no EM de destino, devendo permanecer neste regime durante um período de dois anos. Esta opção pode justificar-se, essencialmente, por razões de mercado, uma vez que se a taxa de IVA aplicável no EM de destino for inferior à que é aplicável em Portugal, o preço final de venda, IVA incluído, será menor, o que, certamente, tenderá a revelar-se como uma vantagem comercial não despicienda. Nestas situações, o fornecedor deve registar-se para efeitos do IVA no EM do adquirente, de modo a cumprir com as obrigações que impendem sobre os demais sujeitos passivos nessa jurisdição. Se não se verificarem as condições previstas neste artigo 10.º do RITI para aplicação do regime de derrogação das vendas à distância, aplicam-se as regras gerais de tributação das transmissões de bens, devendo haver lugar à liquidação do IVA, de acordo com o disposto no CIVA.
45. A Requerida considera que não basta à Requerente afirmar que as operações controvertidas foram tributadas em outro Estado-membro, juntando as respetivas declarações fiscais de retificação. O que se impõe comprovar é que, para efeitos de IVA, as transmissões de bens em causa não eram operações localizadas em território nacional, à luz do disposto no artigo 10.º do RITI.
46. Assim, a Requerente teria de demonstrar que se trata efetivamente de vendas à distância, tal como vem definidas no artigo 10.º do RITI, e que excedeu, no ano civil anterior (2018) ou no ano civil em causa (2019), relativamente a cada um desses Estados-membros, “o montante a partir do qual [tais operações] são sujeitas a tributação no Estado membro de destino”, ou que não tendo excedido o referido limiar, optou pela sujeição a tributação no Estado membro de destino, devendo permanecer no regime por que optou durante um período de dois anos.
47. A Requerida considera que as declarações fiscais de retificação apresentadas em outros Estados-membros, “per se”, não comprovam o mais relevante, que se trata de operações localizadas fora do território nacional, à luz do disposto no artigo 10.º do RITI.
48. A Requerida considera que, na verdade, a Requerente não faz prova de que haja procedido à entrega de Declarações retificativas de imposto nos Estados Membros em questão e sublinha que no quadro que consta do ponto 42.º do ppa, com a alegação de terem sido entregues declarações retificativas no Reino Unido, Espanha e França, e que dos Docs. n.ºs 8 a 15 juntos com o PPA, em nome da Requerente, apenas constam declarações retificativas de Espanha e não é feita prova de que estas tenham ficado vigentes para os períodos em questão.
III - SANEAMENTO
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O tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
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As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não enferma de nulidades.
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Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.
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Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa ou que impeçam o tribunal de apreciar e de decidir.
IV. MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
54. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O Tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
54.1 A Requerente é uma sociedade residente para efeitos fiscais em Portugal, sendo, enquanto tal, um sujeito passivo de IRC enquadrado no regime geral, correspondendo o seu período de tributação ao ano civil, e de IVA enquadrado no regime normal com periodicidade mensal, com contabilidade organizada.
54.2 A Requerente tem um objeto social bastante diversificado que integra, entre outras atividades, o “comércio por grosso, retalho e online, em regime de importação e exportação, de todo o tipo de produtos alimentares, café, chás, alimentares para bebés, bebidas alcoólicas e não-alcoólicas, higiene, higiene intima, contracetivos, posters, máquinas de barbear, pequenos eletrodomésticos, perfumes, bebidas achocolatadas, consumíveis para pequenos eletrodomésticos, máquinas de café e seus acessórios, produtos biológicos, objetos e acessórios sexuais; suplementos alimentares, especiarias, ingredientes alimentares, bebidas fermentadas, produtos de limpeza, alimentação animal; Prestação de serviços de consultoria em e-commerce, logística e advisory internacional como serviços de armazenamento, envios e embalamento”.
54.3 À atividade económica desenvolvida pela Requerente correspondem diversos CAEs, sendo que à atividade principal corresponde o CAE 47910, desde 01.08.2019 “Comércio a retalho por correspondência ou via Internet” e às atividades secundárias os CAEs “Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão”, CAE 70220, desde 01.08.2019; de “Organização de feiras, congressos e outros eventos similares”, CAE 82300, desde 01.082019; de “Armazenagem não frigorífica”, CAE 52102; desde 01.08.2019; de “Organização do transporte”, CAE 52291, desde 01.08.2019; e “Outras atividades postais e de Courrier”, CAE 53200.
54.4 Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2020..., a Requerente foi objeto de procedimento de inspeção tributária, de natureza externa e de âmbito parcial (IVA), realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa.
54.5 O procedimento de inspeção tributária realizado pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa teve por finalidade a confirmação dos valores declarados em sede de IVA, nomeadamente a verificação das transmissões intracomunitárias (TIC’s), por forma a confirmar quem é o destinatário dos bens, se a B..., VAT(LU) 19647148, ou se as mesmas não configurariam vendas à distância em países europeus a clientes particulares, a verificação de emissão do suporte documental (faturas ao cliente final) das vendas à distância, bem como do suporte contabilístico das bases tributáveis da liquidação de IVA destas operações nos países europeus onde se realizaram as vendas, e outras rubricas relacionadas com o IVA.
54.6 A Requerente foi notificada do relatório final do procedimento de inspeção tributária, no âmbito do qual, em sede de IVA e com referência aos períodos de tributação do ano de 2019, foram realizadas correções meramente aritméticas no valor total de € 109.274,30 (cento e nove mil, duzentos e setenta e quatro euros e trinta cêntimos).
54.7 Em resultado das referidas correções meramente aritméticas, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA, a que acrescem os correspondentes juros compensatórios, seguintes:
54.8 As correções meramente aritméticas em sede de IVA correspondem as duas situações concretas que consistem nas vendas faturadas à sociedade B... SARL, VAT (LU)..., no valor de € 56.765,99, e nas vendas à distância efetuadas pela Requerente na Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, no valor de € 52.508,31.
54.9 A Requerente, em virtude de não concordar com as correções, no valor de € 109.274,30, propostas pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, para sindicar a legalidade das referidas correções ao IVA liquidado nos períodos de tributação de janeiro a agosto de 2019, em 15 de dezembro de 2021, apresentou uma Reclamação Graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...2021... .
54.10 A referida Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 27.12.2022 do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa, proferido ao abrigo de delegação de competências, e notificado à Requerente através do ofício n.º ..., de 28 de dezembro de 2022, da Direção de Finanças de Lisboa.
54.11 A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário dos atos de liquidação adicional de IVA, supra identificados, relativos aos períodos de tributação de janeiro a agosto de 2019 e, em consequência, da instauração dos correspondentes processos de execução fiscal e subsequente citação, a Requerente solicitou o pagamento em regime prestacional e a concessão de dispensa de prestação de garantia, pretensão que, por despacho de 08 de setembro de 2022, foi autorizada pelo órgão competente da Autoridade Tributária e Aduaneira, estando a dívida exequenda e acrescido a ser paga em prestações mensais ao abrigo do plano de pagamento em prestações n.º ...2022... .
54.12 Em 01.02.023, a Requerente enviou através de ofício para a Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), um Recurso Hierárquico, para reagir contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, o qual não chegou a ser objeto de análise, apreciação e decisão.
54.13 Em ordem a provar a ilegalidade das correções meramente aritméticas em sede de IVA, no valor € 109.274,30, a Requerente com o pedido de pronúncia arbitral apresentou documentos que considerou idóneos (Doc. 4 a 15 do ppa). Todavia, em resultado da resposta apresentada pela Requerida e desta ter arguido que não tinha sido apresentada prova documental idónea para demonstrar as operações de exportação invocadas pela Requerente, esta com as suas alegações apresentou documentos para o efeito, em concreto, o Doc. 1, composto por um CD com 645 despachos alfandegários e protestou juntar o remanescente de 629 despachos alfandegários, logo que estivesse ultrapassado um problema técnico de cariz informático com que se debatia.
54.14 Em 20.09.2023, a Requerente veio juntar não os 629 despachos alfandegários que tinha protestado juntar, mas sim 596 despachos alfandegários, o que perfaz um total de 1.241 despachos alfandegários, documentos que representam 95,44% do total das vendas para a sociedade B... em discussão.
54.15 Por sua vez, a Requerida nas suas alegações considera que tal prova documental é extemporânea e solicita que os documentos apresentados pela Requerente na fase de alegações sejam desentranhados dos presentes autos de arbitragem tributária, temática que será analisada e decida pelo Tribunal à luz dos normativos do artigo 423.º do Código de Processo Civil.
54.16 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 28.03.2023.
IV.2. Factos não provados
55. Não há factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
IV.3. Fundamentação da matéria de facto
56. O juiz (ou, in casu, o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).
57. Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
58. No caso, o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica dos documentos apresentados pela Requerente, nas peças processuais e na cópia do processo instrutor, defesa e alegações apresentadas pela AT.
59. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o que prevê o artigo 110.º do CPPT, e a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
V. MATÉRIA DE DIREITO
60. Em ordem a decidir sobre a matéria controvertida nos presentes autos de arbitragem tributária, importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.
61. Os serviços de inspeção tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira podem, nos termos do artigo 63.º da LGT, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, como por exemplo, examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária.
62. A Autoridade Tributária e Aduaneira beneficia da prorrogativa de, com base em critérios objetivos definidos para o exercício do poder de inspeção tributária, poder selecionar os contribuintes e demais obrigados tributários, em ordem à realização de procedimentos tributários de inspeção com vista à observação das realidades tributárias, à verificação do cumprimento das obrigações tributárias e à prevenção das infrações tributárias.
63. A Requerente, na qualidade de sujeito passivo, enquadrado no regime geral do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com contabilidade organizada, e de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), com enquadramento no regime normal com periodicidade mensal, foi alvo de um procedimento de inspeção tributária de comprovação e verificação, de natureza parcial, com a finalidade de confirmar os valores declarados em sede de IVA, nomeadamente, verificar as transmissões intracomunitárias (TICs), por forma a confirmar quem era o destinatário dos bens, se a B..., VAT(LU) ..., ou se as mesmas não configurariam vendas à distância em países europeus a clientes particulares, bem como verificar da emissão do suporte documental (faturas ao cliente final) das vendas à distância, e bem assim do suporte contabilístico das bases tributáveis da liquidação de IVA das operações efetuadas nos países europeus onde se realizaram as vendas, e outras rubricas relacionadas com o IVA.
64. O procedimento de inspeção tributária foi realizado ao abrigo da Ordem de Serviços n.º OI2020..., e os atos de inspeção tributária tiveram o seu termo inicial em 03.09.2020 e o relatório final do procedimento de inspeção tributária (RIT) foi notificado à Requerente através do ofício n.º ..., de 15 .10.2021, verificando-se, assim, que a ação de inspeção tributária teve uma duração superior a um ano, com a particularidade de, nos termos do artigo 52.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPITA), o inspetor tributário ter beneficiado da circunstância de ter tido como interlocutora a trabalhadora da Requerente –E...– e, posteriormente, o próprio sócio gerente da entidade inspecionada.
65. No âmbito da ação de inspeção tributária foi identificado que a Requerente se encontra inscrita pela atividade principal de "Comércio por grosso não especializado de produtos alimentares, bebidas e tabaco" a que corresponde o código CAE 46390 e pelas atividades secundárias correspondentes aos CAEs: CAE 047910 comércio a retalho por correspondência ou via internet; CAE 070220 outras atividades consultoria para os negócios e a gestão; CAE 082300 organização feiras, congressos e outros eventos similares; CAE 052102 armazenagem não frigorífica; CAE 052291 organização do transporte e outras atividades postais e de courier.
66. Em face da informação recolhida, o inspetor tributário aferiu que a atividade efetivamente exercida, no período em análise – ano de 2019 – correspondia à indicada pelo sujeito passivo, designadamente, foi confirmado que a Requerente (A...) se dedica, há diversos anos, à atividade comercial em plataformas online e que, desde 2014, iniciou as vendas de produtos à B..., desenvolvendo um know-how e um expertise na área do e-commerce que lhe permitiu abordar outros negócios fora desse cliente, tal como a venda de serviços de logística focados em empresas com presença online ou mesmo a revenda de produtos para retalhistas e grossistas espalhados pela Europa e Estados Unidos.
67. No âmbito do procedimento de inspeção tributária foi confirmado pelo inspetor tributário, através do sistema informático, que a Requerente, enquanto sujeito passivo de IRC e de IVA, no triénio 2017 e 2019, não apresentava qualquer falta declarativa, tendo, ainda, sido efetuados procedimentos inspetivos de natureza interna e âmbito parcial para controlo de pedidos de reembolso de IVA nos exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2020, não tendo sido efetuadas correções - cfr. pags. 6 e 7 do RIT.
68. Da análise feita às declarações periódicas de IVA, o inspetor tributário apurou que
i) os valores declarados no campo 7 eram no montante de € 5.176.993,00, sendo este muito divergente do valor declarado como vendas na demonstração de resultados (€ 1.879.370,62) e do valor registado na contabilidade como transmissões intracomunitárias na conta #71121 – vendas comunitárias (€1.406.531,21);
II) Esta divergência, segundo o sujeito passivo, corresponde ao facto de " (…) dos € 5.176.963 declarados nas declarações recapitulativas do ano 2019, € 4.888.309 corresponderem a rendimentos de anos anteriores a 2019, pois, (…) a empresa não conseguiu emitir todas as faturas relacionadas com as vendas entre 2016 e 2018 dentro do prazo legal, por isso foi feito um acréscimo de proveitos no fim de cada um destes anos, sendo que esta situação ficou regularizada em 2019. Efetivamente, os € 4.888.309 correspondem a exercícios anteriores, sendo este valor repartido pelos diferentes anos da seguinte forma: 2016- € 737.771,07, 2017- € 1.828.066.37, 2018-€ 2.322,471,14" – cfr. pág. 10 do RIT.
69. O inspetor tributário verificou que as faturas que suportam as Transmissões Intracomunitárias de bens (TICB), têm como destinatário (cliente) a sociedade B..., SARL, VAT (LU) ..., com sede no Luxemburgo, e que os valores inscritos no campo 8 se referem a transmissões para países terceiros, principalmente os Estados Unidos da América, e que para efeitos de comprovação da isenção do IVA, nos termos do artigo 29, n.º 8, do Código do IVA, em relação às faturas identificadas e selecionadas, que existiam os comprovativos de saída dos bens de território nacional nomeadamente o documento "Certificação de saída para o expedidor/exportador", devidamente certificado pela estância aduaneira de expedição.
70. Em face da análise efetuada e das irregularidades identificadas pelo inspetor tributário, em relação às vendas faturadas à B..., foi efetuada uma correção no valor de € 56.765,99, porquanto, o sujeito passivo não apresentou elementos que indiquem quem foram os clientes finais, nomeadamente, o nome e país de residência e se os mesmos são sujeitos passivos de IVA no seu país de residência, pelo que foi considerado que as operações em causa não podiam beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º do RITI, devendo ser tributadas no território nacional à taxa normal de IVA prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA.
71. Em face da análise realizada à contabilidade do sujeito passivo foi verificado que o valor registado como rendimento referente às vendas à distância efetuadas na Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, conforme extratos da conta #71121 totaliza o montante de € 1.406.485,32, no entanto, o valor declarado nas declarações de IVA entregues em cada um dos EM totaliza o valor de € 1.178.188,29. Deste modo, em face do valor registado na contabilidade e o valor declarado nos EM, foi considerado que a diferença de € 228.297,03 não podia beneficiar do disposto no artigo 10.º do RITI, sendo, consequentemente, considerada uma transmissão no mercado nacional sujeita a imposto e tributada à taxa normal de IVA, nos termos do artigo 18.º do Código do IVA, tendo determinado uma correção, no valor de € 56.765,99, aos meses de janeiro a agosto de 2019.
72. Verifica-se que no decurso do procedimento de inspeção tributária, foram pedidos ao sujeito passivo diversos documentos, elementos e esclarecimentos, e que os mesmos, não obstante a morosidade, terão sido prestados, sendo de realçar um segmento do RIT a página 11 em que o inspetor tributário diz “que algumas das respostas aos nossos pedidos ultrapassaram todos os prazos concedidos, tendo as mesmas sido bastante morosas, explicada pelo facto de o sujeito passivo ter efetuado pedidos de elementos (comprovativos de entrega do imposto referente às vendas à distância) junto de autoridades tributárias europeias, nomeadamente, França, Alemanha, Reino Unido e estes terem demorado a remeter os elementos”.
73. Fica claro que o sujeito passivo, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, teve uma atitude colaborante e que encetou esforços no sentido de esclarecer as divergências e as irregularidades identificadas pelo inspetor tributário, tendo, inclusive, exercido o direito de audição, quer em sede da ação de inspeção tributária, quer no domínio da reclamação graciosa e no âmbito desta apresentou novos documentos.
74. O procedimento de inspeção tributária configura uma forma de procedimento tributário (n.º 6 do art.º 54.º do CPPT) sendo-lhe aplicável os princípios do procedimento tributário plasmados nos artigos 55.º, 58.º e 59.º da Lei Geral Tributária (LGT), com especial enfoque para os princípios do contraditório, da cooperação e da verdade material (art.ºs 6.º, 8.º e 9.º do RCPITA).
75. Atenta a duração do procedimento de inspeção tributária fica um pouco impercetível por que razão no decurso do mesmo não foi equacionada a hipótese do diferencial no valor de € 246,808,65 de vendas à B..., e atenta a circunstância da Requerente fazer vendas para os Estados Unidos – cfr. pág. 5 do RIT – não ter sido equacionada a hipótese de existir erro nos registos contabilísticos e estas vendas faturadas à B... poderem ser vendas extracomunitárias (àquele valor de € 246.808,65 importa descontar a fatura emitida à “C... Ld.d”, no valor de € 3.035,00 – cfr. Doc. 7 do ppa).
76. Tal hipótese não foi equacionada no procedimento de inspeção tributária, mas tal destino das vendas foi logo invocado pela Requerente no âmbito da Reclamação graciosa – cfr. art.º 12.º do articulado do direito de audição na RG – no qual foi dito que “(…), uma análise concreta dos registos contabilísticos subjacentes à conta #71128 teria evidenciado que as operações consubstanciam vendas extracomunitárias de bens, respeitando, na maioria dos casos, a vendas de bens para os Estados Unidos da América, conforme se prova pela análise do extrato da conta #71128, que se junta em anexo como documento n.º 1”.
77. Na verdade, perante a falta de apresentação de elementos que indicassem quem tinham sido os clientes finais, designadamente, o nome e o país de residência e se os clientes eram sujeitos passivos de IVA no seu país de residência, o inspetor tributário considerou que tais vendas não podiam beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º do RITI, tendo realizado a respetiva correção no sentido das mesmas serem tributadas em território nacional à taxa normal do IVA. Não existe no RIT qualquer referência quanto à hipótese das referidas vendas faturadas à B..., ao invés do evidenciado no registo contabilístico, poderem ter sido vendas extracomunitárias.
78. Em face dos normativos do n.º 1 do artigo 63.º do RCPITA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT, a fundamentação das correções à matéria tributável e/ou ao imposto têm de constar do respetivo RIT não podendo posteriormente a AT pretender fazer a requalificação dos factos e pretender atribuir às correções novo enquadramento jurídico-tributário e nessa base exigir ao sujeito passivo a apresentação de novos elementos probatórios, em ordem a fazer o contraditório dessa nova qualificação jurídica. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01436/15, de 06.07.2016, em que se prescreve que [a] decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do ato, não relevando a fundamentação feita a posteriori”.
79. In casu, atenta a fundamentação da correção, no valor de € 56.765,99, a Requerente já apresentou elementos probatórios idóneos a provar que as operações que motivaram a correção em causa consubstanciam vendas extracomunitárias, razão pela qual não devem ser tributadas em território nacional.
80. É certo que com a reclamação graciosa e com o pedido de pronúncia arbitral a Requerente apenas apresentou uma listagem de faturas, mas, em momento posterior, apresentou documentos idóneos para provar que as operações controvertidas configuram vendas para países terceiros, isto é, vendas extracomunitárias, isentas ao abrigo do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA.
81. Estes documentos foram apresentados pela circunstância da Requerida na sua resposta ter invocado que a Requerente não juntara qualquer documento alfandegário apropriado à prova da certificação dos bens com destino a um país terceiro, nem ter juntado qualquer documento que prove que tivesse enviado os bens, nem qualquer declaração dos adquirentes dos mesmos, a referir tê-los recebido.
82. Foi esta motivação que levou a Requerente a apresentar com as suas alegações, e, posteriormente, através de requerimento em 27.09.2023, um conjunto de 1.241 despachos alfandegários, elementos probatórios que representam 95,44% do total das vendas controvertidas, isto é, das vendas contabilizadas como tendo sido vendas para a sociedade B..., mas que na verdade foram vendas com destino aos Estados Unidos.
83. A Requerida invoca a extemporaneidade dos Documentos 1, 2 e 3 apresentados pela Requerente com as alegações, bem como do remanescente do Documento 1 apresentado com o requerimento de 27.09.2023, porém, não lhe assiste razão, na medida em que foram as alegações da Requerida produzidas na resposta que motivaram a apresentação de tais documentos, porquanto, caso contrário, a Requerente não conseguiria fazer o contraditório das razões invocadas pela Requerida, ficando, consequentemente, prejudicado o apuramento da verdade material sobre os factos controvertidos.
84. Sendo certo que, nos termos do normativo do n.º 1 do artigo 423.º do Código de Processo Civil (CPC), “[o]s documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes”, não é menos verdade que, quando os documentos não tenham sido apresentados com os articulados ou até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (termo da produção da prova), nos termos do n.º 3, in fine, do artigo 423.º do CPC, após aquele limite temporal, os documentos ainda podem ser admitidos quando a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior e, in casu, a ocorrência relevante são as razões aduzidas pela Requerida na sua resposta.
85. Nesta medida, atentas as razões que motivaram a sua apresentação, nos termos da lei, os elementos probatórios apresentados pela Requerente com a suas alegações e requerimento posterior mostram-se tempestivos e, visto que foram apresentados em momento prévio à produção das alegações da Requerida, esta teve oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos não se verificando qualquer preterição do princípio do direito ao contraditório.
86. Em face da análise dos elementos probatórios apresentados pela Requerente verifica-se que as operações conexas com as vendas controvertidas registadas por erro na conta #71121, ao invés do que é evidenciado pelo registo contabilístico, a substância das operações traduz a efetivação da realização de vendas extracomunitárias, isto é, operações para países terceiros, designadamente para os Estados Unidos, tal como provado pelos Documentos 1 e 2 apresentados pela Requerente com as suas alegações.
87. Importa, então, considerar o normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA que estabelece que estão isentas de IVA “[a]s transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”.
88. É fundamental considerar que os normativos dos n.ºs 8 e 9 do artigo 29.º do CIVA dos quais resulta a necessidade da apresentação de documentos idóneos para provar o efetivo destino dos bens e a sua saída de território nacional com a correlativa entrada no território do país terceiro, porquanto, uma exportação consiste na saída de bens de território nacional com destino a um país terceiro, sendo este um país que não pertencente à União Europeia (al. c) do n.º 1 do art.º 1.º do CIVA).
89. Aqueles normativos do artigo 29.º do CIVA estabelecem que "[a]s transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado” e que [a] falta dos documentos comprovativos (…) determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente”.
90. Os elementos apresentados pela Requerente são adequados à exigibilidade formal constante do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, bem como da doutrina administrativa ínsita no Ofício Circulado n.º 15327/2015, de 9 de janeiro, bem como da alínea a) do ponto 3.1 da Circular n.º 8/2015, de 27 de julho, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e bem assim com o entendimento constante das Informações vinculativas n.ºs 3092 e 10177, invocadas pela Requerida na sua resposta.
91. Nesta conformidade, estando provado que as vendas faturadas à B... e registadas, por erro, indevidamente na conta #71121 – vendas comunitárias – regime de IVA local, foram vendas de bens cujo destino foi países terceiros, designadamente, os Estados Unidos, estão as mesmas por força do normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 14,º do CIVA isentas de IVA, razão pela qual a correção no valor de € 56.765,99 é insubsistente, devendo ser anulada, bem como os correlativos atos de liquidação adicional de IVA impugnados no presente pedidos de pronúncia arbitral e supra identificados.
92. As vendas à distância consistem em vendas intracomunitárias com destino a não sujeitos passivos. Uma empresa de e-commerce (ou vendas on-line) que efetua vendas à distância deve de as sujeitar a imposto no Estado Membro da sua sede, até as mesmas alcançarem o limiar anual de vendas imposto pelo Estado Membro de chegada dos bens. Quando o limiar do Estado Membro de chegada dos bens é alcançado, o vendedor deve registar-se para efeitos de IVA nesse Estado Membro e aí proceder à entrega do imposto – (cfr. art.ºs 10.º e 11.º do RITI, na redação à data dos fatos (2019)).
93. No RIT não são colocados em causa os pressupostos legais relativos às vendas à distância nem os requisitos para a sua tributação no EM de destino, o que é identificado pelo inspetor tributário, em face da análise da contabilidade da Requerente, é um diferencial no valor de € 228.297,30 entre o valor registado como rendimento referente a vendas à efetuadas na Alemanha, França, Espanha, Itália e Reino Unido, conforme extratos da conta #71121 que totaliza o valor de € 1.406.485,32, e o valor declarado nas declarações de IVA entregues em cada um dos EM, que totaliza o montante de € 1.178.188,29, diferença que motivou a correção no valor de € 56.765,99, com a sua tributação em território nacional com base na taxa normal do IVA.
94. Na fundamentação da correção das vendas à distância (pág. 19 do RIT), o inspetor tributário teve em consideração a doutrina administrativa ínsita no Ofício Circulado N.º 30238, de 26.06.2021, da área de Gestão Tributária – IVA, que no n.º 6 do ponto II (Vendas à distância Intracomunitárias de Bens ) estabelece que “[d]e acordo com a alínea a) do artigo 10.º do RITI não são tributáveis no território nacional as vendas à distância intracomunitárias de bens quando o local de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situar fora deste território”.
95. Em relação às operações traduzidas nas vendas à distância, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, o sujeito passivo não apresentou suporte documental juridicamente relevante emitido em Portugal relativo à totalidade das vendas à distância realizadas na Alemanha, França, Espanha Itália e Reino Unido, verificando-se uma diferença de € 228.297,30 entre o valor registado na contabilidade (€ 1.406.485,32) e o valor declarado nos EM onde foram efetuadas as vendas à distância (€ 1.178.151,298), diferença esta que motivou a correção do valor de € 52.508,31, a qual determinou a realização dos atos de liquidação adicional de IVA impugnados no presente ppa.
96. A Requerente ainda durante o decurso da ação inspetiva procedeu à apresentação de declarações fiscais retificativas nos EM e efetuou o pagamento do imposto em falta, tendo apresentado cópia das referidas declarações aquando do exercício do direito de audição no âmbito da reclamação graciosa e, em face dos argumentos aduzidos pela Requerida na sua defesa, a Requerente apresentou com as suas alegações um Documento 3 que integra os comprovativos do pagamento do imposto em falta relativo ao valor das vendas à distancia nos EM, em concreto, em Espanha, França e Reino Unido.
97. Os argumentos da Requerida no sentido de que não basta à Requerente afirmar que as operações relativas às vendas à distância em causa foram tributadas em outro Estado-membro, juntando as respetivas declarações fiscais de retificação, e que o que se impõe comprovar é que, para efeitos de IVA, as transmissões de bens em causa não eram operações localizadas em território nacional, à luz do disposto no artigo 10.º do RITI, não têm consistência à luz da fundamentação expendida no RIT e conexa com a correção relativa a estas operações. Pois, no RIT não foram postos em causa os pressupostas para a tributação das vendas à distância no EM de destino, os quais foram analisados e confirmados pelo inspetor tributário, apenas foi colocado em causa do valor dos rendimentos declarados nos respetivos EM e daí que tenha sido apurado o diferencial no valor de € 228, 297,03, o qual motivou a correção no valor de € 52,508,31.
98. Como supra já se evidenciou a fundamentação de qualquer correção tem de ser contextual e contemporânea da decisão e/ou do ato tributário, não sendo admissível fundamentação à posterior, ainda que por via de nova qualificação jurídico tributária dos factos.
99. De igual modo, é absolutamente desproporcionada e inusitada a alegação de que os documentos apresentados nada têm a ver com os autos, pela razão de que não são referentes à Requerente, ou seja, dizem respeito a outra pessoa coletiva, isto é, a D... Unipessoal, Ld,ª.
100. Este argumento aduzido pela Requerida não é compreensível, porquanto, mais algum cuidado e rigor, que consubstancie coerência em relação ao rigor e cuidado que é exigido à Requerente no cumprimento das suas obrigações formais, seria fundamental de modo a evitar faltas desta índole, porquanto, no ponto II.3.1 (Caracterização do sujeito passivo) do RIT, consta expressamente que a sociedade unipessoal foi constituída em 10.03.2014 com a denominação (firma) D..., Unipessoal, Ldª, e que em 09.09.2019 alterou a sua denominação (firma) para A..., Unipessoal Ldª.
101. Nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos, ónus que a Requerente está a realizar quando apresenta declarações fiscais retificativas apresentadas em EMs em que se verificaram divergências declarativas, em ordem a corrigir o valor do imposto em falta, sendo que a Requerente, outrossim, apresentou documentos bancários comprovativos do respetivo pagamento, ao que acresce a circunstância de a páginas 6 e 7 do RIT existir abundante informação sobre a idoneidade do comportamento declarativo e de cumprimento em sede de IVA do sujeito passivo, pelo que é desproporcionado e desadequado tratar a Requerente numa base de desconfiança próxima da má-fé, designadamente, quando se afirma que as Declarações de Espanha apenas demonstram que foram entregues, e que a Requerente não junta qualquer prova de que as mesmas não foram substituídas e que foram aquelas as Declarações que ficaram válidas para os períodos em questão. A Requerida parece exigir que a Requerente faça uma prova de facto negativo que a lei não exige.
102. Em face do exposto, e atenta a prova feita pela Requerida, a correção no valor de € 52,508,31 relativa às vendas à distância é insubsistente e carece de fundamento legal, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada, bem como os correlativos atos de liquidação adicional de IVA, com fundamento na sua ilegalidade.
103. Nesta conformidade, a correção relativa às vendas à sociedade B..., que a Requerente provou tratar-se de vendas para países terceiros, bem como a correção às vendas à distância, mostram-se indevidas, porquanto, a Requerente carreou para os presentes autos de arbitragem tributária elementos probatórios idóneos e adequados a provar a insubsistência das referidas correções, demonstrando a sua ilegalidade, pelo que as mesmas têm de ser anuladas, bem como os correlativos atos de liquidação adicional de IVA, no valor de € 99.641, 25 e respetivos juros compensatórios, no valor de € 9.230,09, relativos ao períodos de tributação de janeiro a agosto de 2019, o que se declara.
VI. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
104. Em face da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."
105. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral.
106. O direito a juros indemnizatórios não carece de ser pedido pelo contribuinte (n.º 8 do art.º 61.º do CPPT), mas pressupõe que haja sido pago imposto e/ou juros compensatórios por montante superior ao devido, ou imposto indevido, e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.
107. Ora, in casu, não obstante a procedência do ppa, não se verificou qualquer erro imputável aos serviços da AT, quer na realização das correções meramente aritméticas, quer na efetivação dos atos de liquidação adicionais de IVA impugnados, razão pela qual não há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, em relação ao imposto que já se mostre pago à data da execução da decisão arbitral.
VII. Decisão
Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2021...;
c) Anular as correções meramente aritméticas em sede de IVA impugnadas e os correspondentes atos de liquidação adicional de IVA, relativos aos períodos de tributação de janeiro a agosto de 2019, no valor de € 99.641,25
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
VIII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 109.274,30 (cento e nove mil, duzentos e setenta e quatro euros e trinta cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VII. Custas
O valor das custas é fixado em € 3.060,00 (Três mil e sessenta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 05 de dezembro de 2023
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs
(Presidente)
Jesuíno Alcântara Martins
(Vogal-relator)
Filipa Barros
(Vogal)