DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 131/2014– T
Tema: IRS – Mais-valias; cláusula antiabuso
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Manuela Roseiro e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte Decisão Arbitral.
I – RELATÓRIO
1. Em 14 de Fevereiro de 2014, “A”, contribuinte fiscal n.º… e “B”, contribuinte fiscal n.º …, doravante designados por “Requerentes”, vieram ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), artigo 140.º, n.º 4.º, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), e nos artigos 99.º, 101.º e 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) apresentar o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2013 …, de 18/11/2013, relativo ao ano de 2009, no valor de € 421.290,00 (quatrocentos e vinte e um mil, duzentos e noventa euros), de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, de 21/11/2013, respeitante ao período compreendido entre 29/05/2010 e 30/07/2013, no valor de € 53.585,13 (cinquenta e três mil, quinhentos e oitenta e cinco euros, treze cêntimos), de liquidação de juros compensatórios de pagamentos por conta n.º 2013…, de 21/11/2013, respeitante ao período compreendido entre 21/07/2009 e 01/10/2009, no valor de € 8,88 (oito euros, oitenta e oito cêntimos), e do acerto de contas datado de 21/11/2013, referente ao ano de 2009, no montante global de € 494.867,87 (quatrocentos e noventa e quatro mil, oitocentos e sessenta e sete euros, oitenta e sete cêntimos).
2. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes optaram por não designar árbitro.
3. Nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral ficou constituído em 17 de Abril de 2014.
5. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi marcada inicialmente para 8 de Julho de 2014, mas veio a ser dispensada a sua realização, de acordo com os princípios da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, dado as Partes terem prescindido da inquirição das testemunhas por si arroladas.
6. O Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para produzirem alegações escritas, sucessivas, no prazo de 10 dias, consignando que a decisão final seria proferida até 30 dias após a apresentação das alegações escritas da Requerida, ou o termo do prazo concedido para o efeito, prazo esse que veio a ser prorrogado até 17 de Novembro de 2014.
6. As alegações escritas da Requerente e da Requerida foram juntas em 14 de Julho de 2014 e 25 de Julho de 2014, respectivamente.
7. O Pedido de pronúncia arbitral
No seu Pedido inicial os Requerentes dizem, em síntese:
- Os Requerentes constituíram as sociedades “C – Restaurantes …, Lda.” (“C, Lda.”), “D – Restaurantes …, Lda.” (“D, Lda.”), “E – Restauração …, Lda.” (“E, Lda.”), “F – Restauração …, Lda.” (“F, Lda.”), respectivamente em 15/09/1994, 25/06/1996, 20/12/1999 e 19/12/2000.
- Nas duas primeiras o capital social era de Esc. 2.000.000$00, sendo o 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de Esc. 1.980.000$00, e a 2ª Requerente de uma quota de Esc. 20.000$00; nas duas últimas, o capital era de € 100.000,00 (cem mil euros), ficando o 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 99.000,00 (noventa e nove mil euros), e a 2.ª Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 1.000,00 (mil euros).
- Todas as empresas referidas têm como objecto “a exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising”.
- Em Julho de 2009, o 1.º Requerente, com vista a obter o consentimento da sociedade “H, Lda.” (“H”) para a transformação das sociedades por quotas “C, Lda.”, “D, Lda.”, “E, Lda.” e “F, Lda.” em sociedades anónimas, e, para a constituição de uma sociedade gestora de participações sociais (“I – SGPS, S.A.”) que ficasse a deter 100% (cem por cento) do capital social de cada uma das mencionadas 4 (quatro) sociedades, elaborou um documento justificativo dos actos e negócios jurídicos a praticar.
- “A”, “B”, “J”, “K” e “L” constituíram, em 11/08/2009, a “I – SGPS, S.A.”, com o objecto social de “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”, com capital social de € 100.000,00 (cem mil euros), detendo o 1.º Requerente acções nominativas no montante de € 99.996,00 e cada um dos restantes accionistas 1 (uma) acção nominativa, no valor nominal de € 1,00 (um euro);
- Em 11/09/2009, as gerências das sociedades “C, Lda.”, “D, Lda.”, “E, Lda.” e “F, Lda.”, nos termos e para os efeitos do artigo 132.º, do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), apresentaram aos sócios os respectivos Relatórios Justificativos da Transformação dessas sociedades por quotas em sociedades por acções, onde se dizia designadamente que “Como sociedades anónimas, em especial a SGPS, estão estas obrigadas a determinados padrões contabilísticos e revisão de contas, o que sempre conferirá ao Sistema “G” uma maior credibilidade e segurança na sua relação com as sociedades cessionárias e destas com a Administração Fiscal e com entidades bancárias, pelo que, do nosso ponto de vista, o Sistema só terá a ganhar em ter no seu seio sociedades cessionárias do tipo anónimo em vez de por quotas” e “Do ponto de vista financeiro e contabilístico, em determinados momentos, sempre que houve necessidade de injectar capital em alguma das sociedades, tal operação revelou-se complicada e por vezes sinuosa, nomeadamente quando havia excedentes financeiros numa sociedade sem qualquer relação societária com a deficitária a que se pretendia socorrer. Do ponto de vista bancário, tal como as sociedades hoje se lhes apresentam, as sinergias financeiras encontram-se dispersas e em muitos aspectos inexistentes, com perdas significativas, no seu conjunto, de remuneração de capital.” (…)”
- Em 11/09/2009, as gerências das sociedades “C, Lda.”, “D, Lda.”, “E, Lda.” e “F, Lda.”, apresentaram aos sócios os respectivos Relatórios Justificativos da Transformação dessas sociedades por quotas em sociedades anónimas, dizendo designadamente “Considero adequar-se melhor à realidade esperada para a Sociedade, a existência de uma estrutura societária do tipo sociedade anónima, em que o capital se encontra dividido em acções representadas por títulos, dando-lhe uma independência que lhe permita seguir as suas opções estratégicas de uma forma flexível, tanto em termos de capitais como em termos de objecto social. A transformação tem ainda como objectivos o aumento do valor e eficiência da sociedade, através de uma estrutura societária habilitada a fazer face aos desafios de mercado.”
- No dia 3 de Novembro de 2011, as quatro sociedades deliberaram em assembleia geral: consentimento da sociedade e dos sócios para a divisão e cessão de quotas; aumento do capital social por incorporação de reservas livres, consentimento da sociedade e dos sócios para a unificação de quotas; transformação da sociedade em sociedade anónima e sobre o modo de conversão das participações sociais, aprovação do relatório organizado pela gerência justificativo da transformação e do balanço social, reportado à data de 31/08/2009; aprovação do contrato social através do qual a sociedade, na sua nova forma jurídica (sociedade anónima), se passará a reger; alteração do objecto social; eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio; transformação em sociedade por acções.
- As acções em qualquer das sociedades ficaram na titularidade de “A”, “B”, “J”, “K” e a “I – SGPS, S.A.”, os três últimos detendo uma participação de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro).
- Em 30/12/2009, os Requerentes cederam as suas acções à “I – SGPS, S.A.
- Na sequência do Relatório da Inspecção Tributária (IT), de que os Requerentes foram notificados em 12/08/2013, foi efectuada a liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios, no montante global de € 494.867,87.
- Em 22/11/2011, na sequência da notificação da AT, os Requerentes entregaram o Anexo G1 da Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2009, na qual consta como mais- valias o resultado da alienação onerosa das identificadas acções por si detidas, pelos valores de realização dando origem à liquidação adicional de IRS e à liquidação de juros compensatórios (e acerto de contas), no montante global de € 494.867,87.
- Mas a liquidação enferma de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porque a AT, violou, por errada interpretação e aplicação, o artigo 38.º, n.º 2, da LGT, e os artigos 10.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS.
- Em suma, e em conclusão: 1º) As transformações das 4 (quatro) sociedades por quotas em sociedades anónimas e subsequente venda de acções à “I - SGPS, S.A.” foram realizadas no âmbito de uma reorganização empresarial; 2º) As transformações das sociedades por quotas em sociedades anónimas – e a subsequente venda de acções – tiveram o propósito de constituir uma relação societária de grupo, com as vantagens daí decorrentes, designadamente no plano comercial e financeiro; 3º) Os actos e negócios jurídicos realizados pelos Requerentes inserem-se numa estrutura de actos e negócios tendentes à expansão da sua actividade comercial, bem como à criação de um grupo de empresas, materializado através da constituição da sociedade anónima com a firma “I, SGPS, S.A.”, que dominará totalmente as transformadas sociedades “C, S.A.”, “D, S.A.”, “E, S.A.” e “F, S.A.”; 4º) In casu, verifica-se um planeamento e uma estrutura de actos e negócios jurídicos, tanto relacionados com a reorganização empresarial, como com o investimento que a motiva, que têm uma evidente justificação económica; 5º) A gestão dos recursos humanos passou a ser feita numa só entidade; 6º) A relação societária de grupo entretanto criada permite um financiamento entre as empresas do mesmo grupo; 7º) O sujeito passivo pode organizar as suas operações de modo a reduzir a sua carga fiscal; 8º) As mais-valias apuradas e decorrentes da transmissão onerosa das participações sociais que eram detidas pelos Requerentes nas sociedades comerciais sob a forma anónima com as denominações “C, S.A.”, “D, S.A.”, “E, S.A.” e “F, S.A.” encontram-se excluídas de tributação, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS; 9º) É o legislador que opta, expressamente, por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda das acções, conforme decorre dos artigos 10.º, n.º 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS; 10º) O legislador fiscal pretendeu excluir de tributação as mais-valias provenientes da alienação onerosa de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 (doze) meses, permitindo, incentivando - e até estimulando - os contribuintes que, nas situações de incorporação de reservas e de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, a determinação do momento de aquisição seja o dos valores mobiliários que lhes deram origem, prevendo expressamente tais meio e forma [no artigo 43.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS] para alcançar o fim em vista [artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do CIRS]; 11º) O resultado fiscalmente menos oneroso foi admitido, tolerado e estimulado pela lei e/ou pelo sistema fiscal em geral, pelo que os actos e negócios jurídicos realizados pelos Requerentes não poderão ser condenáveis e enquadráveis na cláusula geral antiabuso, por inexistência de fraude às normas em causa; 12º) A cláusula geral antiabuso pressupõe a obtenção de uma vantagem fiscal por via de actos em fraude à lei, o que equivale à obtenção de um resultado que a lei e/ou o ordenamento tributário não consentem; 13º) Só serão situações de fraude à lei fiscal - e logo susceptíveis de sujeição à cláusula geral antiabuso - aquelas que, não configurando à partida o facto tributário, atingem o resultado prático e/ou económico idêntico àquele; 14º) Os actos e negócios jurídicos realizados pelos Requerentes não configuram uma actividade de planeamento fiscal agressivo, nos termos do artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro; 15º) As transformações das sociedades por quotas em sociedades anónimas não configuram uma situação de planeamento fiscal abusivo ou um acto elisivo; 16º) A Autoridade Tributária e Aduaneira não teve em consideração as inegáveis vantagens dos actos e negócios jurídicos em análise; 17º) Não se verificam os requisitos exigidos para a aplicação da cláusula geral antiabuso, particularmente os elementos meio, intelectual e normativo, pelo que não há lugar à aplicação da estatuição da norma prevista no n.º 2, do artigo 38.º, da LGT, conducente à ineficácia dos actos e negócios jurídicos no âmbito tributário, contrariamente ao decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira; 18º) Não se verificam os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação da cláusula geral antiabuso; 19º) A Autoridade Tributária e Aduaneira, violou, por errada interpretação e aplicação, os artigos 38.º, n.º 2, da LGT, 10.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), e 43.º, n.º 4, alíneas a) e b), do CIRS; 20º) O acto tributário enferma do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 135º do CPA; 21º) No caso concreto, deverá improceder a fundamentação apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira; 22º) Em consequência, deverão ser anulados os actos de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios (e de acerto de contas) ora impugnados; 23º) A Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a pagar aos Requerentes o imposto indevidamente pago, no montante de € 421.290,00 (quatrocentos e vinte e um mil, duzentos e noventa euros); 24º). Consequentemente, deverá ser reconhecido aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, calculados sobre o imposto que se encontra pago, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 43.º, da LGT.
8. Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
A Requerida respondeu, em síntese:
- No âmbito de uma acção de inspecção e de procedimento previsto no art. 63º do CPPT resultaram correcções meramente aritméticas, na esfera dos Requerentes, em sede de IRS 2009, categoria G, mais-valias de 4.215.900,00 €, e correcção à colecta no valor de 421.590,00 €, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do art. 10º do CIRS e aplicação da taxa especial prevista à data dos factos no art. 72º, nº 4 do CIRS.
- Da aplicação da CGAA resultou a desconsideração, para efeitos fiscais, da transformação em sociedades anónimas das sociedades “E – Restauração …, Lda.”, “D – Restaurantes …, Lda.”, “F – Restauração …, Lda.”, e “C – Restaurantes …, Lda.”, obtido pelos sujeitos passivos com a operação de alienação das respectivas partes sociais, enquanto quotas, uma vez que se considerou que estes ganhos se encontram sujeitos a IRS,
- Os requerentes, casados na comunhão de adquiridos, eram até 17 de Novembro de 2009, detentores em conjunto da totalidade do capital social das sociedades, “E”, “D”, “F”, ou “C”, todas sobre a forma de sociedade por quotas;
- Todas as sociedades referidas operam em regime de contrato de franquia com o grupo “G”, através de contratos de franquia, celebrados com a “H”;
- Em 13 de Agosto de 2009, foi constituída a sociedade I – SGPS S.A., detendo o Requerente marido 124.996 das 125.000 acções nominativas da “I – SGPS S.A.” e sendo o administrador único; os demais accionistas da “I” são a mulher, o Requerente, os dois filhos de ambos, “K” e “J”, e o advogado do requerente, “L”, que detêm uma acção cada, tendo todos constituídos no pacto social usufruto gratuito das suas acções em favor do ora requerente marido
- Em 17 de Novembro de 2009, as sociedades “E”, “D”, “F” e “C”, foram sujeitas à seguinte sucessão de actos: a) aumento de capital; b) divisão de quotas; c) cessão de quotas; d) transformação em sociedade anónima.
- Em 30 de Dezembro de 2009, os sócios singulares transmitiram as participações sociais que detinham nas referidas sociedades para a sociedade I – SGPS S.A.
- Os requerentes apuraram um valor total de 4.675.500,00 € pela venda das acções, que vieram, na sequência de notificação da AT, a declarar em 2011, no anexo G1, respeitante a mais- valias, como excluídas de tributação.
- As sociedades em causa têm como objecto social a exploração de restaurantes da cadeia internacional “G”, operando sob contrato de franquia celebrados estritamente intuitu personae (artigos 12º e 13º dos contratos), obrigando-se o franquiado a «explorar o negócio pessoalmente e dedicar todo o seu tempo e esforços, de modo a fazê-lo prosperar», dependendo a cessão a uma sociedade de consentimento pelo franquiador e tendo que obedecer aos requisitos de «noventa e nove por cento do capital ser detido e totalmente controlado pelo franquiado», ser este «único administrador ou gerente» e deverá ainda este «assumir em nome próprio responsabilidade solidária pelas obrigações do franquiado».
- A transformação societária foi precedida de consentimento do Franquiador, a empresa “H” (“H”) na sequência de carta de Julho de 2009, em que o requerente marido expôs justificações, de carácter genérico, para constituição de uma SGPS que permitisse “racionalizar recursos, quer económicos quer humanos, em especial no que concerne à mobilidade geográfica do pessoal (…) bem como agilizar os fluxos financeiros entre sociedades».
- Quanto à transformação das sociedades por quotas em anónimas, a justificação dada seria que «estas estão obrigadas a determinados padrões contabilísticos e revisão de contas», «uma maior credibilidade e segurança», o que não colhe porque nada impede que os «padrões contabilísticos e revisão de contas» das sociedades anónimas possam ser observados por outro tipo societário.
- O pedido de consentimento à “Sistemas” visa justificar a passagem a um tipo societário pensado para um número maior de detentores do capital, quando o objecto social pressupõe uma franquia outorgada intuitu personae, prometendo que tudo ficará exactamente na mesma, e até que o «quadro apresentado representa um total reforço do carácter intuitu personae dos contratos de franchising.
- Isto porque, efectuados os aumentos de capital por incorporação de reservas, haveria lugar às divisões e cessões de quotas que permitiam a entrada do número mínimo de sócios de molde a viabilizar a transformação em sociedade anónima – “A”, com 99,0 % do capital, a mulher com 0,7% (0,73% num dos casos), os filhos e a SGPS com 0,1% cada (num dos casos 0,09%).
- O administrador único de todas as sociedades é o Requerente marido, não tendo os terceiros qualquer papel minimamente relevante na vida societária (o Requerente explicara, no pedido de consentimento à franquiadora, que «terceiros alheios à minha relação com a “G” de imediato venderão as respectivas acções (títulos) à SGPS.» porque «celebrarão comigo um acordo parassocial com uma cláusula de compra e venda da acção de valor nominal de 1 € (um euro), de que será titular aquela sociedade.».
- Em acordo parassocial consagrou-se o direito de opção de compra das acções da SGPS (detidas pela mulher, pelos filhos e pelo advogado) por parte do Requerente marido, a poder ser exercida a partir da celebração do acordo até ao dia 30 de Junho de 2039.», e estipula-se mesmo uma cláusula penal «no montante de 250 € (duzentos e cinquenta euros) diários, por cada dia em que se verifique o incumprimento e até que o mesmo seja sanado, sem prejuízo de outros valores a que o Outorgante lesado tenha direito» .
- Não resulta qualquer justificação empresarial para a transformação porque: as novas sociedades por acções têm reduzidíssima dispersão de capital, com nulo capital estranho aos ora Requerentes, o número de terceiros apenas visou o mínimo legal, e cedem imediatamente as suas participações à SGPS, com completa dependência da sociedade face a um único titular do capital, em nome próprio e do cônjuge sob o regime de comunhão de adquiridos apenas ficando provada a preocupação de evitar a tributação das mais-valias a gerar na esfera jurídica dos Requerentes com a alienação das partes sociais.
- Está-se perante uma série de actos, que se iniciam com o pedido de consentimento em Julho de 2009, seguida pela constituição da SGPS, em Agosto de 2009, as transformações, em Novembro de 2009 e culminam nas alienações, em Dezembro de 2009, que de modo algum justificam a necessidade ou mesmo só a mera adequação económica das transformações de tipo societário ocorridas em Novembro de 2009, ora em causa.
- Não existe qualquer comprovação externa ou independente (os relatórios da sociedade de ROCs são absolutamente inócuos sobre a necessidade ou tão somente a mera adequação económica das transformações societárias, apenas confirmando que não existem impedimentos legais à transformação, ou seja sobre a admissibilidade da transformação em termos de cumprimento de requisitos patrimoniais e contabilísticos) mas sim apenas a prova documental da autoria do Requerente, que deve ser considerada absolutamente nula.
- As transformações foram absolutamente artificiosas, procurando somente revestir da forma de acções as participações sociais que continuaram a ser verdadeiramente as mesmas quotas antes existentes, inexistindo qualquer indício de racionalidade económica e financeira subjacente às transformações per se.
- Em 2009, já numa altura de contracção de mercado e de forte retracção económica, conseguiram um financiamento no montante de 400.000,00 Euros e efectuaram investimentos no valor de 1.668.830,68 €, inexistindo qualquer nexo de causalidade entre a necessidade de financiamento e a transformação.
- Nem foi prestado depoimento de qualquer representante do franquiador internacional, “H”, empresa cotada na New York Stock Exchange como “M”.
- A constituição da SGPS (que, ela própria, poderia ter sido constituída como sociedade por quotas) não implicava transformação das sociedades subordinadas.
- Cabia aos requerentes a comprovação dos pressupostos de aplicação do regime excepcional, de exclusão de tributação das mais-valias geradas pela alienação de acções detidas mais de 12 meses (art. 74º nº 1 da LGT).
- Encontram-se verificados os pressupostos de aplicação da CGAA, constantes do nº2 do art. 38º da LGT: foi manifestada uma vontade exclusiva ou, pelo menos, predominante de celebrar a venda das participações pela forma que permitisse que os rendimentos auferidos não fossem sujeitos a tributação fiscal; verifica-se uma imbricação de diversos actos, formalmente separados (aumento de capital, divisão de quotas, cessão de quotas, transformação, constituição de usufruto sobre as acções detidas pelos terceiros ou cedência por estes mesmos terceiros das (únicas) acções detidas, para culminar na detenção a 100% do capital social pela SGPS, em absoluto controlada pelo ora Requerente marido) mas que se conjugam com um único fim: o de atingir um (mesmo) resultado económico isento de tributação, sendo que, caso tivesse seguido a conduta negocial típica (para o efeito), teria de suportar oneração fiscal.
- A transformação, absolutamente desnecessária, subsume-se na previsão do nº 2 do art. 38º da LGT que estatui que «São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.»
- O argumento de que é o legislador que convida à transformação, oferecendo por via destas normas o benefício da exclusão da tributação, assenta no pressuposto que o legislador favorece a transformação, por entender que as sociedades anónimas servem melhor o tecido empresarial e o investimento nas empresas, mas isso não se verifica quando a transformação do tipo societário é em tudo artificiosa.
- O benefício fiscal concedido visa incentivar a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas para favorecer o desenvolvimento e crescimento do tecido empresarial. Assim, a aplicação das normas tributárias de nível ordinário, tem de ser feita com base numa interpretação de acordo com a Constituição e com os princípios comunitários.
- Em vez de uma sociedade por acções para captar investimento externo para as empresas verificou-se uma completa concentração do capital social, com sócios “fantasma”, que saem de cena no momento de tempo seguinte à transformação, cedendo de imediato o controlo ao Requerente marido porque essa é uma exigência da exploração de restaurantes “G”, que se liga a um franquiado, pessoalmente.
- O próprio Requerente marido emitiu um documento (pedido de consentimento) a garantir ao franquiador o controlo da totalidade do capital e que o carácter intuitu personae da franquia até sairia reforçado, ciente de que nunca poderia captar investimento externo para a empresa, sob pena de violação do contrato a que se encontra adstrito.
- A não verificação da justificação para atribuição do benefício fiscal, significaria violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado e do princípio de protecção da concorrência, pois que acabaria por funcionar como um auxílio de Estado contrário ao ordenamento comunitário.
- Não há violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, porque houve consciente fraude à lei, assim como existe conhecimento de que podem ser desconsiderados os efeitos fiscais dos negócios que efectuarem de forma artificiosa, em fraude ao objectivo das normas, e com abuso das formas jurídicas.
- Tendo em conta a teoria do abuso de formas ou configurações jurídicas, que justifica a desconsideração «nos seus efeitos fiscais dos negócios jurídicos artificiosos, assentes em meios inadequados e abusivos quanto ao modo como utilizam as possibilidades de configuração contratual outorgadas pela autonomia privada.», tem que se concluir que houve abuso no específico caso concreto de transformação de sociedades por quotas em anónimas por ter sido absolutamente artificiosa e momentânea a formação do número mínimo legal de sócios, por exemplo.
- Justificar a situação dizendo que o legislador encoraja, em geral, a transformação, mediante a consagração da exclusão de tributação das mais valias geradas na alienação das acções e da consideração da antiguidade das quotas para efeitos do tempo de detenção determinante da aplicabilidade do benefício, constitui um erro de raciocínio, porque avalia que não há abuso de formas jurídicas no caso concreto, com base numa intenção geral do legislador.
- Não pode julgar-se que o legislador encoraja até os casos que configuram transformações apenas no papel, pois destas não advêm – nem podem advir, nos termos expostos - as vantagens económicas que caracterizam as sociedades anónimas, e tal resultaria na concessão de uma mera via de poupança fiscal, sem a verificação da correspondente vantagem extra fiscal, como pretendem os Requerentes no presente processo arbitral, configurando concessão de um verdadeiro privilégio fiscal, uma violação do ordenamento jurídico fiscal, ordinário e constitucional.
- Ora, no caso em apreço, verifica-se a existência de factos que revelam a “anormalidade estrutural” da operação levada a cabo, como descrito, sem realização real de outro propósito que não seja a não tributação das mais-valias geradas, encontrando-se reunidos todos os pressupostos legais, estabelecidos no n.º 2 do artigo 38º da LGT, para aplicação da cláusula geral antiabuso à operação sub judice.
- Tanto a proposta, como a decisão final de aplicação da CGAA configurada no procedimento administrativo cumprem, perfeitamente, o disposto no artigo 63.º do CPPT, apontando-se matéria e concretos pontos de facto no sentido de demonstrar a existência de “(…) actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos (…)”.
- Apesar de a fundamentação da aplicação da cláusula no caso em apreço nem sequer estar imperativamente vinculada à apreciação dos elementos «tradicionalmente» convocados à resolução da questão, todos eles - meio, resultado, intelectual e normativo - foram cabalmente ponderados.
- Quanto ao elemento meio, só havia duas vias - a reorganização societária por via da permuta de participações sociais, sugerida num parecer junto aos autos, nunca permitiria a cristalização da valorização (mais valia gerada na alienação, de € 4.215.900,00) num momento em que não seria objecto de tributação - para a obtenção do resultado querido pelos Requerentes: a utilizada pelos Requerentes e que resultou na exclusão de tributação, pela via da prévia transformação das sociedades, ou, a que seria a via normal, a alienação das quotas, mas que seria objecto de tributação, nos termos gerais do art. 10º do CIRS.
- Os actos realizados – que vistos no seu conjunto, permitem apurar que foram exclusiva ou predominantemente dirigidos à obtenção de uma vantagem fiscal que, de outra forma, não seria atingida - permitem falar da verificação dos (imbricados) elemento meio e elemento intelectual, dada a manifesta falta de prova passível de justificar a motivação comercial ou societária que esteve na génese da transformação das sociedades por quotas em anónimas.
- Quanto ao elemento resultado, corresponde à vantagem fiscal dos Requerentes que de outro modo não seria obtida e demonstra igualmente o elemento intelectual, já que os indícios demonstram que a motivação fiscal subjacente à operação de transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas, seguida da venda de acções à SGPS, teve como único propósito a exclusão de tributação.
- Quanto ao elemento normativo, os requerentes não têm razão quanto aos efeitos de uma alegada “lacuna consciente de tributação” (a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, originando uma exclusão de tributação das mais-valias em sede de IRS por virtude da a utilização da opção legislativa em aplicar tal exclusão à venda de acções detidas durante mais de 12 meses, não consubstancia um abuso de qualquer forma jurídica mas a utilização legítima de uma opção concedida pelo legislador) porque o referido elemento prende-se com a desconformidade do resultado obtido, através de acto abusivo, com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal;
- Exigir-se, que a aplicação da CGAA só pode ocorrer quando há uma intenção clara de tributação de certa situação constitui uma contradição nos termos, porque a cláusula existe precisamente para os comportamentos que se movem dentro do que é formalmente legal, mas não servem o propósito visado pela lei, antes visando, única ou primacialmente, a vantagem fiscal.
- Contrariando o entendimento do Requerente, as disposições dos artigos 10.º, nº 2, al. a) e 43.º, nº4, al. a) e b) do CIRS não podem ser lidas de forma isolada, mas antes em conjugação com o artigo 38.º, nº 2, da LGT, bem como com as normas da Constituição – se na génese da exclusão tributária esteve a ideia de estimular o investimento empresarial duradouro e efectivo, atribuindo um tratamento fiscal mais favorável às mais-valias não especulativas, beneficiando os «ganhos de capital de longo prazo», e por isso excluindo de tributação apenas os ganhos provenientes de títulos detidos por mais de 12 meses, quis-se beneficiar os investidores que transformam sociedades de uma natureza societária para outra e necessitam e/ou aproveitam essa mesma nova forma de gestão, e não os que continuam a gerir as sociedades anónimas como as anteriores sociedades por quotas, nomeadamente os que estão vinculado pelos contratos de franquia intuitu personae…
- Outro entendimento e aplicação da lei violaria o artigo 103.º, n.º 1 da CRP (o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza) e os artigos 13º e 104º da CRP (igualdade fiscal), assim como o princípio da legalidade (nº2 do artigo 103º da CRP) e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, decorrente dos aludidos princípios da legalidade e igualdade.
- Ao aplicar a CGAA, a Requerida não se imiscuiu nem nos negócios empresariais, nem pôs em causa a liberdade negocial no caso sub judice, mas antes o abuso das formas jurídicas utilizadas e a evidente fraude à lei fiscal, porque os direitos de liberdade de empresa e de iniciativa económica não são direitos absolutos, não podem ser exercidos de forma abusiva, a fim de subverter o espírito das normas de tributação e de concessão dos benefícios fiscais, e, dessa maneira, atingir um resultado contrário ao Direito.
- É certo que os contribuintes podem e devem escolher, de entre os instrumentos jurídicos postos à sua disposição, aqueles que mais lhes convêm e que, naturalmente, não têm de escolher a opção fiscalmente mais onerosa, mas não subsistem dúvidas que as ditas transformações societárias foram motivadas, principal ou somente pela exclusão de tributação prevista para a alienação de acções detidas há mais de 12 meses.
- Os Requerentes não provaram (artigo 74.º da LGT) que a concreta opção societária e a política empresarial escolhida teve como ponto de partida um verdadeiro e legítimo substrato económico, motivo pelo qual se impõe a aplicação ao caso sub judice do artigo 38.º, n.º 2 , da LGT, resultando na correcção efectuada à matéria colectável dos ora Requerentes, e improcedendo totalmente os pedidos formulados.
9. Questões a decidir
O presente pedido visa a pronúncia do tribunal arbitral sobre as seguintes questões:
- Legalidade dos procedimentos, incluindo a suficiência da fundamentação, na aplicação da cláusula geral antiabuso;
- Preenchimento da verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti- abuso do art. 38.º, n.º 2, da LGT;
- Legalidade da liquidação de IRS e direito a juros indemnizatórios.
10. Saneamento
O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. Matéria de Facto
A.1 Factos Provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
a) No dia 15 de Setembro de 1994, foi constituída, por escritura pública, a sociedade comercial por quotas com a denominação “C– Restaurantes …, Lda.” (“C, Lda.”), com os sócios “A” e “B”, (Requerentes) fixando-se o capital social em € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros, noventa e seis cêntimos) (Esc. 2.000.000$00), ficando o ora 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 9.876,20 (nove mil, oitocentos e setenta e seis euros, vinte cêntimos) (Esc. 1.980.000$00), e a ora 2.ª Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros) (Esc. 20.000$00), (cfr. cópia da escritura junta como Doc. n.º 6 com a petição inicial e, certidão comercial permanente que constitui o Anexo n.º 5 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 63 e ss do PAT).
b) A “C, Lda.” teve por objecto social inicial a actividade e exploração de restaurantes e similares e geladarias, tendo actualmente, e já à data do facto tributário em questão nos autos, por objecto a exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising (cfr. Anexo n.º 5 “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 63 do PAT).
c) Em 25 de Junho de 1996, foi constituída, por escritura pública, a sociedade comercial por quotas com a firma “D – Restaurantes …, Lda.” (“D, Lda.”), com os sócios “A” e “B” (Requerentes), fixando-se o capital social em € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros, noventa e seis cêntimos) (Esc. 2.000.000$00), ficando o 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 9.876,20 (nove mil, oitocentos e setenta e seis euros, vinte cêntimos) (Esc. 1.980.000$00), e a 2.ª Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros) (Esc. 20.000$00). (Cfr. cópia da escritura pública junta como Doc. n.º 7 da petição inicial, e certidão comercial permanente que constitui o Anexo n.º 6 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 71 e ss do PAT).
d) A “D, Lda.” teve por objecto social inicial a actividade de “restauração, gelataria, cafetaria e snacks”, tendo actualmente, e já à data do facto tributário em questão nos autos, por objecto a exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising (cfr. Anexo n.º 6 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 71 do PAT).
e) Em 20/12/1999, foi constituída, por escritura pública, a sociedade comercial por quotas com a denominação “E – Restauração …, Lda.” (“E, Lda.”), com os sócios “A” e “B”, fixando-se o capital social em € 100.000,00 (cem mil euros), ficando o 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 99.000,00 (noventa e nove mil euros), e a 2.ª Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 1.000,00 (mil euros), (Cfr. cópia da escritura pública que se junta como Doc. n.º 8 e certidão comercial permanente que constitui o Anexo n.º 3 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 47 do PAT).
f) A “E, Lda.” teve por objecto social inicial a “exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising”, tendo actualmente, e já à data do facto tributário em questão nos autos, por objecto a exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising (cfr. Anexo n.º 3 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 47 do PAT).
g) Em 19/12/2000, foi constituída, por escritura pública, a sociedade comercial por quotas com a firma “F – Restauração …, Lda.” (“F, Lda.”), com os sócios “A” e “B”, fixando-se o capital social em € 100.000,00 (cem mil euros), ficando o 1.º Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 99.000,00 (noventa e nove mil euros), e a 2.ª Requerente titular de uma quota, no valor nominal de € 1.000,00 (mil euros). (Cfr. cópia da escritura pública que se junta como Doc. n.º 9 e certidão comercial permanente que constitui o Anexo n.º 4 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 55 do PAT).
h) A “F, Lda.” tem por objecto social a “exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising.” (cfr. Anexo n.º 4 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 55 do PAT).
i) Em Julho de 2009, a fim de obter o consentimento da sociedade “H, Lda.” (“H”) para a transformação das sociedades por quotas “C, Lda.”, “D, Lda.”, “E, Lda.” e “F, Lda.” em sociedades anónimas, e, bem assim, para a constituição de uma sociedade gestora de participações sociais (“I– SGPS, S.A.”) - que ficasse a deter 100% (cem por cento) do capital social de cada uma das mencionadas 4 (quatro) sociedades -, o 1.º Requerente elaborou um documento no qual declarou o seguinte:
“Operando 5 restaurantes “G” na zona sul de …, consequentemente, de acordo com as políticas “G”, através de 4 sociedade por quotas, face ao volume global de facturação e de mão-de-obra empregue, tornou-se imperioso proceder a uma reestruturação das quatro sociedades no seu conjunto, de modo a poder constituir um grupo societário uniforme e coerente com as actuais políticas “G”, logrando assim racionalizar recursos, quer económicos quer humanos, em especial no que concerne à mobilidade geográfica de pessoal entre os meus restaurantes, legalmente permitida entre sociedades integradas no mesmo grupo económico (o que no quadro actual das minhas sociedades não é permitido), bem como agilizar os fluxos financeiros entre sociedades. O objectivo pretendido é a constituição de uma SGPS para deter 100% do capital social de cada uma das minhas quatro sociedades cessionárias dos respectivos restaurantes “G”, que entretanto deverão ser transformadas em Sociedade Anónimas. Como sociedades anónimas, em especial a SGPS, estão estas obrigadas a determinados padrões contabilísticos e revisão de contas, o que sempre conferirá ao “H” uma maior credibilidade e segurança na sua relação com as sociedades cessionárias e destas com a Administração Fiscal e com entidades bancárias, pelo que do nosso ponto de vista, o Sistema só terá a ganhar em ter no seu seio sociedades cessionárias do tipo anónimo em vez de ter por quotas.”(…) Todavia, para chegarmos ao quadro apresentado, que representa um total reforço do carácter intuito personae dos contratos franchising com as sociedades cessionárias, no caso concreto das minhas sociedades, teremos que efectuar diversos actos jurídicos, degrau a degrau, até a SGPS deter 100% do capital social de todas as sociedades cessionárias, detendo eu 99,996% do capital social da SGPS.
Com efeito, quer “C”, quer a “D” constituídas antes de 1997 e de acordo com as políticas então em vigor, encontram-se desajustadas das actuais políticas, nomeadamente quanto ao objecto e capital social (in casu a “C”).
Do ponto de vista financeiro e contabilístico, em determinados momentos, sempre que houve necessidade de injectar capital em algumas das sociedades, tal operação revelou-se complicada e por vezes sinuosa, nomeadamente quando havia excedentes financeiros numa sociedade sem qualquer relação societária com a deficitária a que se pretendia socorrer. Do ponto de vista bancário, tal como as sociedades hoje se lhes apresentam, as sinergias financeiras encontram-se dispersas e em muitos aspectos inexistentes, com perdas significativas, no seu conjunto, de remuneração de capital.
É com esta premissa em mente que apresento a minha proposta de restruturação das minhas duas sociedades e constituição duma SGPS, reforçando, assim o carácter intuito personae dos respectivos contratos, mantendo cinco sócios na respectiva estrutura societária da SGPS, detendo eu 99,996% do respectivo capital social (…)”;
“Os terceiros intervenientes, para além da minha mulher, serão os meus dois filhos, “K” e ”J”, e o meu advogado, que, no acto de constituição da SGPS, para além do contrato de usufruto, celebrarão comigo um acordo parassocial com uma cláusula de compra e venda da acção de valor nominal de 1 € (um euro), de que será titular aquela sociedade.” (cfr. Anexo n.º 9 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 140 e ss do PAT).
j) Em 11/08/2009, foi constituída, por documento particular, a sociedade comercial sob a forma anónima com a firma “I – SGPS, S.A.”, cujo objecto social exclusivo consiste na “gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas”, com os accionistas “A”, “B”, “J”, filho dos Requerentes, “K”, filha dos Requerentes, e “L”, advogado do requerente, fixando-se o capital social em € 100.000,00 (cem mil euros), representativo de 100.000 (cem mil) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro), na qual o 1.º Requerente, seu administrador único, detém 99.996 (noventa e nove mil, novecentos e noventa e seis) acções nominativas, no montante de € 99.996,00 (noventa e nove mil, novecentos e noventa e seis euros), ficando cada um dos restantes accionistas, que constituíram no pacto social usufruto gratuito das suas acções a favor do ora Requerente, detentores de 1 (uma) acção nominativa, no valor nominal de € 1,00 (um euro). (Cfr. Doc. n.º 10 junto com a petição inicial e pacto social que constitui o Anexo n.º 1 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 37 e ss do PAT).
k) Na mesma altura foi celebrado um acordo parassocial onde se consagrou um direito de opção de compra das acções da referida SGPS por parte do aqui Requerente, a qual previa poder «ser exercida pelo PRIMEIRO OUTORGANTE a partir da celebração do presente acordo até ao dia 30 de Junho de 2039.», por meio do pagamento de «o valor nominal de cada acção à data da constituição da SOCIEDADE.», estipulando-se ainda uma cláusula penal «no montante de 250 € (duzentos e cinquenta euros) diários, por cada dia em que se verifique o incumprimento e até que o mesmo seja sanado, sem prejuízo de outros valores a que o Outorgante lesado tenha direito» - cfr. fls. 168 e 169/255 do PA.
l) Em 11/09/2009, as gerências das sociedades “C, Lda.”, “D, Lda.”, “E, Lda.” e “F, Lda.”, nos termos e para os efeitos do artigo 132.º, do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”), apresentaram aos sócios os respectivos Relatórios Justificativos da Transformação dessas sociedades por quotas em sociedades anónimas, (Cfr. cópias dos relatórios justificativos da transformação Docs. n.ºs 11, 12, 13 e 14 juntos com a petição inicial).
m) Em 03/11/2009, reuniu a Assembleia Geral de sócios da sociedade “F, Lda.”, tendo sido deliberado por unanimidade:
a) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a divisão e cessão de quotas;
b) Sobre o aumento do capital social, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), passando de € 100.000,00 (cem mil euros) para € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
c) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a unificação de quotas;
d) Sobre a transformação da sociedade em sociedade anónima e sobre o modo de conversão das participações sociais, aprovação do relatório organizado pela gerência justificativo da transformação e do balanço social, reportado à data de 31/08/2009;
e) Sobre a aprovação do contrato social através do qual a sociedade, na sua nova forma jurídica (sociedade anónima), se passará a reger;
f) Sobre a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2009-2012.
(Cfr. Cópia da Acta n.º 2 de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 15 com a petição inicial).
n) Nessa data, 03/11/2009, na Assembleia Geral de sócios da sociedade “F, Lda.”, foi realizado o aumento do capital social, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), na modalidade de “incorporação parcial de reservas livres”, para criação de 2 (duas) novas quotas sociais, sendo uma de € 24.750,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), e outra de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a subscrever, respectivamente, na proporção da correspondente participação no capital social, pelo 1.º Requerente e pela 2.ª Requerente. (Cfr. Cópia da Acta n.º 2 de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 15 com a petição inicial).
o) No mesmo acto, e através de uma operação de divisão e subsequente cessão de quotas, a quota social unificada, no valor nominal de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), pertencente à 2.ª Requerente, foi dividida em 4 (quatro) novas quotas, sendo 1 (uma), no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), e 3 (três) quotas iguais, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada, sendo estas últimas cedidas a “I – SGPS, S.A.”, a “J” e a “K”, que, assim, onerosamente, adquiriram uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada um, tornando-se sócios da sociedade “F, Lda.” – reservando a 2.ª Requerente para si a quota social dividida, no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros). (Cfr. Cópia da Acta n.º 2 de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 15 com a petição inicial).
p) Nesse acto, foi transformada a sociedade “F, Lda.” em sociedade anónima, adoptando a firma “F – Restauração …, S.A.” (“F, S.A.”). (Cfr. Cópia da Acta n.º 2 de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 15 com a petição inicial).
q) Na aludida Assembleia Geral, e posteriormente à deliberação da autorização concedida para a unificação das quotas sociais pertencentes aos Requerentes, fixou-se que os accionistas manteriam, na nova sociedade “F, S.A.”, as seguintes participações sociais:
a) “A”, ora 1.º Requerente: participação social, no montante de € 123.750,00 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta euros), através da detenção de 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
b) “B”, ora 2.ª Requerente: participação social, no montante de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), através da detenção de 950 (novecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
c) “J”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
d) “K”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
e) “I – SGPS, S.A.”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro).
(Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 15 com a petição inicial);
r) Ainda, no dia 03/11/2009, reuniu a Assembleia Geral de sócios da sociedade “E, Lda.”, tendo sido deliberado por unanimidade:
a) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a divisão e cessão de quotas;
b) Sobre o aumento do capital social, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), passando de € 100.000,00 (cem mil euros) para € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
c) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a unificação de quotas;
d) Sobre a transformação da sociedade em sociedade anónima e sobre o modo de conversão das participações sociais, aprovação do relatório organizado pela gerência justificativo da transformação e do balanço social, reportado à data de 31/08/2009;
e) Sobre a aprovação do contrato social através do qual a sociedade, na sua nova forma jurídica (sociedade anónima), se passará a reger;
f) Sobre a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2009-2012.
(Cfr. cópia da Acta n.º 11, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 16 com a petição inicial).
s) Nessa data (03/11/2009), na Assembleia Geral de sócios de “E, Lda.”, foi realizado o aumento do capital social, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), na modalidade de “incorporação parcial de reservas livres”, para a criação de 2 (duas) novas quotas sociais, sendo 1 (uma) de € 24.750,00 (vinte e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), e outra de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a subscrever, respectivamente, na proporção da correspondente participação no capital social, pelos Requerentes. (Cfr. cópia da Acta n.º 11, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 16 com a petição inicial).
t) Nesse acto, e através de uma operação de divisão e subsequente cessão de quotas, a quota social unificada, no valor nominal de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), pertencente à 2.ª Requerente, foi dividida em 4 (quatro) novas quotas, sendo 1 (uma), no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), e 3 (três) quotas iguais, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada, sendo estas últimas a seguir cedidas a “I – SGPS, S.A.”, a “J” e a “K”, que, assim, onerosamente, adquiriram uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada um, tornando-se sócios da sociedade “E, Lda.” – reservando a 2.ª Requerente para si a quota social dividida, no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros). (Cfr. cópia da Acta n.º 11, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 16 com a petição inicial).
u) Nesse acto, foi transformada a “E, Lda.” em sociedade anónima, adoptando a denominação “E – Restauração …, S.A.” (“E, S.A.”). (Cfr. cópia da Acta n.º 11, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 16 com a petição inicial).
v) Na aludida Assembleia Geral, e posteriormente à deliberação da autorização concedida para a unificação das quotas sociais pertencentes aos 1.º e 2.ª Requerentes, fixou-se que os accionistas manteriam, na nova sociedade “E, S.A.”, as seguintes participações sociais:
a) “A”, ora 1.º Requerente: participação social, no montante de € 123.750,00 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta euros), através da detenção de 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
b) “B”, ora 2.ª Requerente: participação social, no montante de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), através da detenção de 950 (novecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
c) “J”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
d) “K”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
e) “I – SGPS, S.A.”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro).
(Cfr. cópia da Acta n.º 11, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 16 com a petição inicial).
w) Na aludida data, 03/11/2009, reuniu igualmente a Assembleia Geral de sócios da sociedade “D, Lda.”, tendo sido deliberado por unanimidade:
a) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a divisão e cessão de quotas;
b) Sobre o aumento do capital social, no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), passando de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) para € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
c) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a unificação de quotas;
d) Sobre a transformação da sociedade em sociedade anónima e sobre o modo de conversão das participações sociais, aprovação do relatório organizado pela gerência justificativo da transformação e do balanço social, reportado à data de 31/08/2009;
e) Sobre a aprovação do contrato social através do qual a sociedade, na sua nova forma jurídica (sociedade anónima), se passará a reger;
f) Sobre a alteração do objecto social;
g) Sobre a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2009-2012.
(Cfr. cópia da Acta n.º 3, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 17 com a petição inicial)
x) Nessa data (03/11/2009), na indicada Assembleia Geral de sócios de “D, Lda.”, foi realizado o aumento do capital social, no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), na modalidade de “incorporação parcial de reservas livres”, para a criação de 2 (duas) novas quotas sociais, sendo uma de € 14.850,00 (catorze mil, oitocentos e cinquenta euros), e outra de € 150,00 (cento e cinquenta euros), a subscrever, respectivamente, na proporção da correspondente participação no capital social, pelos sócios “A” e “B”. (Cfr. cópia da Acta n.º 3, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 17 com a petição inicial);
y) Nesse mesmo acto, e através de uma operação de divisão e subsequente cessão de quotas, a quota social unificada, no valor nominal de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), pertencente à 2.ª Requerente, foi dividida em 4 (quatro) novas quotas, sendo 1 (uma), no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), e 3 (três) quotas iguais, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada, e estas últimas a seguir cedidas a “I – SGPS, S.A.”, a “J” e a “K”, que, assim, onerosamente, adquiriram uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada um, tornando-se sócios da sociedade “D, Lda.” – reservando a 2.ª Requerente para sia quota social dividida, no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros). (Cfr. cópia da Acta n.º 3, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 17 com a petição inicial).
z) Ainda nesse acto, foi transformada a sociedade “D, Lda.” em sociedade anónima, adoptando a firma “D– Restaurantes …, S.A.” (“D, S.A.”), e alterado o seu objecto social, passando a ter por objecto a “exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising.” (Cfr. cópia da Acta n.º 3, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 17 com a petição inicial).
aa) Na identificada Assembleia Geral, e posteriormente à deliberação da autorização concedida para a unificação das quotas sociais pertencentes aos 1.º e 2.ª Requerentes, fixou-se que os accionistas manteriam, na nova sociedade “D, S.A.”, as seguintes participações sociais:
a) “A”: participação social, no montante de € 123.750,00 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta euros), através da detenção de 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
b) “B”: participação social, no montante de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), através da detenção de 950 (novecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
c) “J”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
d) “K”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
e) “I – SGPS, S.A.”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro),
(Cfr. cópia da Acta n.º 3, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 17 com a petição inicial).
bb) Na mencionada data, 03/11/2009, reuniu, igualmente, a Assembleia Geral de sócios da sociedade “C, Lda.”, tendo sido deliberado por unanimidade:
a) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a divisão e cessão de quotas;
b) Sobre o aumento do capital social, no montante de € 115.024,04 (cento e quinze mil, vinte e quatro euros, quatro cêntimos), passando de € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros, noventa e seis cêntimos), para € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros);
c) Sobre o consentimento da sociedade e dos sócios para a unificação de quotas;
d) Sobre a transformação da sociedade em sociedade anónima e sobre o modo de conversão das participações sociais, aprovação do relatório organizado pela gerência justificativo da transformação e do balanço social, reportado à data de 31/08/2009;
e) Sobre a aprovação do contrato social através do qual a sociedade, na sua nova forma jurídica (sociedade anónima), se passará a reger;
f) Sobre a alteração do objecto social;
g) Sobre a eleição dos membros dos órgãos sociais para o quadriénio 2009-2012.
(Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 18 com a petição inicial).
cc) Naquela data (03/11/2009), na Assembleia Geral de sócios da sociedade “C, Lda.”, foi realizado o aumento do capital social, no montante de € 115.024,04 (cento e quinze mil, vinte e quatro euros, quatro cêntimos), na modalidade de “incorporação parcial de reservas livres”, para criação de 2 (duas) novas quotas, uma de € 113.873,80 (cento e treze mil, oitocentos e setenta e três euros, oitenta cêntimos), e outra de € 1.150,24 (mil, cento e cinquenta euros, vinte e quatro cêntimos), a subscrever, na proporção da correspondente participação no capital social, pelo 1.º Requerente e pela 2.ª Requerente, respectivamente. (Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 18 com a petição inicial);
dd) Nesse mesmo acto, e através de uma operação de divisão e subsequente cessão de quotas, a quota social unificada, no valor nominal de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros), pertencente à 2.ª Requerente, foi dividida em 4 (quatro) novas quotas, sendo 1 (uma), no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), e 3 (três) quotas iguais, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada, e estas últimas a seguir cedidas a “I – SGPS, S.A.”, a “J” e a “K”, que, assim, onerosamente, adquiriram uma quota, no valor nominal de € 100,00 (cem euros), cada um, tornando-se sócios da sociedade “C, Lda.” – reservando a 2.ª Requerente para si a quota social dividida, no valor nominal de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros). (Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 18 com a petição inicial).
ee) Nesse identificado acto, foi transformada a sociedade “C, Lda.” em sociedade anónima, adoptando a firma “C – Restaurantes …, S.A.” (“C, S.A.”), e alterado o seu objecto social, passando a ter por objecto a “exploração, operação e gestão de restaurantes da cadeia internacional “G” sob o regime de franchising.” (Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 18 com a petição inicial).
ff) Na aludida Assembleia Geral, e posteriormente à deliberação da autorização concedida para a unificação das quotas pertencentes aos 1.º e 2.ª Requerentes, fixou-se que os accionistas manteriam, na nova sociedade “C, S.A.”, as seguintes participações sociais:
a) “A” (1.º Requerente): participação social, no montante de € 123.750,00 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta euros), através da detenção de 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
b) “B” (2.ª Requerente): participação social, no montante de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros), através da detenção de 950 (novecentos e cinquenta) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
c) “J”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
d) “K”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro);
e) “I– SGPS, S.A.”: participação social, no montante de € 100,00 (cem euros), através da detenção de 100 (cem) acções nominativas, no valor nominal unitário de € 1,00 (um euro).
(Cfr. cópia da Acta n.º 2, de 03/11/2009, junta como Doc. n.º 18 com a petição inicial).
gg) Todas as sociedades acima referidas (“E”, “D”, “F” e “C”) operavam em regime de contrato de franquia com o grupo “G” através de contratos de franquia, celebrados com a “H”. (Cfr. cópias dos contratos de franquia juntos a fls. 85 e seguintes do PAT).
hh) No ano de 2009, as quatro sociedades empregavam cerca de 230 (duzentos e trinta) trabalhadores. (Cfr. Doc. n.º 27 junto com a petição inicial).
ii) Em 30/12/2009, o 1.º Requerente, na qualidade de vendedor, celebrou 4 (quatro) contratos de compra e venda de valores mobiliários com a “I – SGPS, S.A.”, como adquirente, através dos quais aquele vendeu a esta:
a) 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “C, S.A.”, pelo preço global de € 1.401.000,00 (um milhão, quatrocentos e um mil euros);
b) 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “D, S.A.”, pelo preço global de € 1.171.500,00 (um milhão, cento e setenta e um mil, quinhentos euros);
c) 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “E, S.A.”, pelo preço global de € 1.560.000,00 (um milhão, quinhentos e sessenta mil euros);
d) 123.750 (cento e vinte e três mil, setecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “F, S.A.”, pelo preço global de € 543.000,00 (quinhentos e quarenta e três mil euros).
(Cfr. cópias dos contratos de “Venda de Valor Mobiliário”, juntas como Docs. n.ºs 19, 20, 21 e 22 com a petição inicial e Anexo G1 da Declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2009 que constitui o Anexo n.º 7 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 79 do PAT).
jj) Em igual data, 30/12/2009, a 2.ª Requerente, na qualidade de vendedora, celebrou 4 (quatro) contratos de compra e venda de valores mobiliários com a “I – SGPS, S.A.”, como adquirente, através dos quais aquela vendeu a esta:
a) 950 (novecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “C, S.A.”, pelo preço global de € 11.000,00 (onze mil euros);
b) 950 (novecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “D, S.A.”, pelo preço global de € 9.000,00 (nove mil euros);
c) 950 (novecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “E, S.A.”, pelo preço global de € 12.000,00 (doze mil euros);
d) 950 (novecentas e cinquenta) acções nominativas, no valor unitário de € 1,00 (um euro), de que era titular na “F, S.A.”, pelo preço global de € 4.200,00 (quatro mil, duzentos euros).
(Cfr. cópias dos contratos de “Venda de Valor Mobiliário” juntas como Docs. n.ºs 23, 24, 25 e 26 com a petição inicial, e Anexo G1 da Declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2009 que constitui o Anexo n.º 7 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 79 do PAT).
kk) No ano de 2009, o financiamento às sociedades em causa foi de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros). (Cfr. cópia dos “Dossiers de Investimento” junto como Doc. n.º 28 com a petição inicial).
ll) Correspondendo, nos anos de 2009 a 2012, a um total de investimento/financiamento, no valor de € 1.668.830,68 (um milhão, seiscentos e sessenta e oito mil, oitocentos e trinta euros, sessenta e oito cêntimos). ( Cfr. cópia dos “Dossiers de Investimento” junto como Doc. n.º 28 com a petição inicial).
mm) Tendo em vista o financiamento das sociedades em causa, a análise de risco efectuada pelas entidades bancárias, passou a ser considerada de uma forma global, tendo em consideração as diversas sociedades que compõem o Grupo. (Por acordo das partes).
nn) A relação societária de grupo entretanto criada permite um financiamento intra-empresas (cfr. páginas 145 e 146 do PAT que constitui o Anexo n.º 9 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção”).
oo) Os Requerentes, na declaração anual de rendimentos entregue em 2010, não declararam quaisquer mais-valias obtidas com a alienação onerosa das participações sociais, nem no Anexo G (mais-valias tributáveis), nem no Anexo G1 (mais-valias excluídas de tributação). (Por acordo das partes.)
pp) Em 22/11/2011, na sequência da notificação da AT, os Requerentes entregaram o Anexo G1 da Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2009. (Cfr. cópia do Anexo G1 que constitui o Anexo n.º 7 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto aos autos, a fls. 79 do PAT).
qq) As mais-valias mobiliárias apuradas e obtidas foram declaradas no Anexo G1 da Declaração Modelo 3 de IRS (mais-valias não tributadas) e, como tal, excluídas de tributação em sede de IRS. (Por acordo das partes.)
rr) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI…, a situação contributiva dos Requerentes foi analisada em virtude de uma inspecção tributária desencadeada pela Direcção de Finanças de …, no âmbito do “projeto N.º …/…/2011 – Alienantes de valores mobiliários – Controlo Modelo 3 vs Declaração Modelo 4”, visando a confirmação do cumprimento das suas obrigações fiscais, tendo sido proposta a abertura de procedimento próprio de que depende a aplicação da CGAA a que se referem os artigos 38.º, da LGT, e 63.º, do CPPT, por poder estar em causa, atentos os elementos entretanto recolhidos, a exclusão de tributação prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 10.º do CIRS. ( Por acordo das partes).
ss) Em 24/10/2012, a Direcção de Finanças de …, com vista ao exercício de audição prévia previsto no n.º 4, do artigo 63.º, do CPPT, notificou os Requerentes do “Projecto de Aplicação da Cláusula Geral Antiabuso” (“Projecto”), elaborado pelo Director de Finanças da Direcção de Finanças de …, onde se concluía pela reunião dos pressupostos para aplicação do n.º 2, do artigo 38.º, da LGT, propondo-se “desconsiderar fiscalmente o acto da transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas, sujeitando, em consequência, a tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas” (sic), e propunha a correcção à colecta do IRS (categoria G – mais-valias) referente ao ano de 2009, no valor global de € 421.590,00 (quatrocentos e vinte e um mil, quinhentos e noventa euros), sendo a correcção proposta de € 418.350,00 (quatrocentos e dezoito mil, trezentos e cinquenta euros) para o 1.º Requerente, e de € 3.240,00 (três mil, duzentos e quarenta euros) para a 2.ª Requerente, mediante a aplicação, em ambas as situações, da taxa de 10% (dez por cento), prevista no artigo 72.º, n.º 4, do CIRS, ao valor dos rendimentos qualificados como mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de participações sociais (acções) que, pelos Requerentes eram detidas nas sociedades comerciais sob a forma anónima com as firmas “C - Restaurantes …, S.A.”, “D - Restaurantes …, S.A.”, “E - Restauração …, S.A.” e “F – Restauração …, S.A.”, no montante global de € 4.212.900,00 (quatro milhões, duzentos e doze mil, novecentos euros), correspondente ao valor de realização de € 4.714.700,00 (quatro milhões, setecentos e catorze mil, setecentos euros) (cfr. fls 4 e ss do PAT junto aos autos).
tt) Em 23/11/2012, os Requerentes exerceram o direito de audição prévia relativamente ao mencionado Projecto e à proposta de correcção à colecta do IRS, pedindo o arquivamento do processo por não se encontrarem preenchidos os requisitos de aplicação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT (cfr. resposta apresentada, pelos Requerentes que constitui o Anexo n.º 11 do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção”, a fls. 177 do PAT junto aos autos).
uu) A análise da resposta dos Requerentes, feita pelos serviços de Inspecção Tributária, em 29/05/2013, e superiormente despachada, foi no sentido de manter a proposta de aplicação da norma antiabuso, a submeter ao Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. (Cfr. fls. 232 e ss do PAT junto aos autos).
vv) Sob informação e proposta de 02/07/2013 do Subdirector-Geral da Inspecção Tributária, foi proferido, em 05/07/2013, despacho do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizando a aplicação do procedimento de norma antiabuso previsto no artigo 63.º, do CPPT. (Cfr. fls. 232 do PAT junto aos autos).
ww) Pelo Ofício n.º …, datado de 09/08/2013, da Direcção de Finanças de …, o Mandatário dos Requerentes foi notificado, em 12/08/2013, do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” que, não aceitando o alegado e requerido na resposta apresentada ao abrigo do direito de audição prévia, manteve integralmente o aludido Projecto, incluindo as correcções e alterações à matéria colectável aí propostas, dando origem à liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios que se impugnam e cuja declaração de ilegalidade o Requerente aqui requer, com a consequente anulação. (Cfr. cópia do “Relatório Final das Conclusões da Acção de Inspecção” junto como Doc. n.º 4 com a petição inicial).
xx) Deste Relatório resulta o entendimento da AT no sentido de que “no decurso do presente procedimento de inspecção foram analisados quatro negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à eliminação do imposto que seria devido sem a utilização desses meios, constituindo, em nosso entender, suficiente fundamento para aplicação da cláusula geral antiabuso prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária. Assim, alicerçados naquela norma da LGT, entendemos estarem reunidas as condições para desconsiderar fiscalmente o acto de transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas, sujeitando, em consequência, a tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os ganhos obtidos com a alienação onerosa das partes sociais enquanto quotas. Do procedimento inspectivo resulta ssim a seguinte proposta de correcção à colecta de imposto:
Agregado familiar
NIF
|
|
Σ Mais valias
Apuradas com transmissão participações sociais
|
Correcção à colecta
Por aplicação da taxa de 10%, conforme ao tempo, n.º 4 do artigo 72.º do CIRS
|
SP A – …
SP B - …
|
|
4.183.500,00€
32.400,00€
|
418.350,00€
3.240,00€
|
Total
|
|
4.215.900,00€
|
421.590,00€
|
Coleta inicial – liquidação n.º 2010.5004588978
|
107.733,26€
|
Coleta corrigida
|
529.323,26€
|
( Cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial, fls 6 do PAT – “I - Conclusões da acção inspectiva”)
yy) Em 26/11/2013, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2013 …, de 18/11/2013, relativo ao ano de 2009, no valor de € 421.290,00 (quatrocentos e vinte e um mil, duzentos e noventa euros), de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, de 21/11/2013, respeitantes ao período compreendido entre 29/05/2010 e 30/07/2013, no valor de € 53.585,13 (cinquenta e três mil, quinhentos e oitenta e cinco euros, treze cêntimos), e de liquidação de juros compensatórios de pagamentos por conta n.º 2013 …, de 21/11/2013, respeitantes ao período compreendido entre 21/07/2009 e 01/10/2009, no valor de € 8,88 (oito euros, oitenta e oito cêntimos), tudo no valor global de € 494.867,87 (quatrocentos e noventa e quatro mil, oitocentos e sessenta e sete euros, oitenta e sete cêntimos). (Cfr. Docs. n.ºs 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial).
zz) Em 11/12/2013, os Requerentes procederam ao pagamento da quantia de € 421.290,00 (quatrocentos e vinte e um mil, duzentos e noventa euros), correspondente ao capital da dívida de imposto alegadamente em falta, ao abrigo do regime excepcional de regularização de dívidas de natureza fiscal e à segurança social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Outubro. (Cfr. cópia do Documento de Cobrança (e comprovativo do pagamento) junto como Doc. n.º 5 com a petição inicial).
A2. Motivação da matéria de facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o processo administrativo, tudo analisado e ponderado em conjugação com os articulados, dos quais resulta concordância quanto à factualidade apresentada pelos Requerentes no pedido de pronúncia arbitral.
A3. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
Consigna-se que não se dá como provado ou não provado o constante das alíneas jj), kk) e nn) do ponto 4 das alegações dos Requerentes, porquanto se trata de matéria, para além do mais, de teor estritamente conclusivo.
Assim, a alínea jj), integra uma conclusão a retirar, ou não, dos restantes factos provados, ou seja, é destes que se pode aferir se a transformação das sociedades ocorreu, ou não, num quadro de reorganização empresarial, o que se prenderá com os diversos actos de organização que se encontrem provados e dos quais se poderá retirar uma relação com a transformação societária operada.
A alínea kk), para além de integrar, uma vez mais, uma conclusão a retirar, ou não, de outros factos que, objectivamente, corporizem a intenção proclamada, é, desde logo, causalmente incoerente, na medida em que uma relação societária de grupo não é incompatível com a existência de sociedades por quotas, pelo que a transformação societária será, sob esse ponto de vista, indiferente.
A alínea nn) integra, também ela, uma conclusão a retirar dos actos e negócios concretamente provados e da relação que deles resulte.
B. O DIREITO
Em causa nos autos está apurar se, em concreto, se verificam, ou não, os pressupostos para a aplicação da cláusula geral antiabuso, conforme foi levada a cabo pela AT.
A referida cláusula geral antiabuso vem consagrada no artigo 38.º/2 da LGT, com o seguinte teor:
“São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”.
Da análise da norma referida, de cuja aplicação decorre a ineficácia, no âmbito tributário, de actos ou negócios jurídicos, e independentemente da maior ou menor elaboração doutrinal que sobre ela incida, verifica-se da respectiva análise estrutural que a sua aplicação pressupõe a ocorrência dos seguintes elementos:
-que os atos ou negócios jurídicos sejam essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais;
-que a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, resulte de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas ou que as vantagens fiscais não fossem alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios.
No caso dos autos, o negócio jurídico que a AT pretende cobrir com o manto da ineficácia é a transformação em sociedades anónimas, das sociedades por quotas detidas pelos Requerentes. É este, para lá de qualquer dúvida, o negócio que, de forma causalmente adequada, obsta à tributação que a AT entende devida, sobre as mais-valias realizadas com a venda das participações sociais detidas nas sociedades transformadas, à SGPS.
Afigura-se evidente, desde logo, que o negócio jurídico em causa – transformação das sociedades por quotas em sociedade anónima – se deu, senão essencialmente, pelo menos principalmente (o que é quanto baste, face à norma aplicanda) tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais[1].
Embora os Requerentes aleguem que “aquelas transformações de sociedades e vendas de acções não se assumem como actos e negócios “centrais” de uma estrutura de actos e negócios jurídicos “essencial ou principalmente dirigidos” à obtenção de uma vantagem fiscal.” (artigo 248.º do requerimento inicial), a verdade é que os factos, objectivamente encarados, não é isso que revelam.
Efectivamente, aqueles – tal como resultam provados, em elenco, de resto, praticamente coincidente com o sugerido pelos próprios Requerentes nas suas alegações – demonstram que a única vantagem real, concreta e inquestionavelmente constatável do elaborado conjunto de operações levado a cabo pelos Requerentes, foi o ganho fiscal obtido por estes.
Senão vejamos.
Os Requerentes (ou, mais concretamente, o Requerente, por força da esmagadora supremacia por si detida sobre as sociedades em causa), em súmula, realizaram o seguinte conjunto de operações, relativamente a cada uma das quatro sociedades por quotas envolvidas:
- Procederam a uma operação de divisão e cessão de quotas aos filhos dos Requerentes e à SGPS por estes criada;
-Procederam ao aumento do capital social das sociedades, por incorporação de reservas;
- Procederam a uma operação de unificação de quotas;
- Procederam a uma operação de transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima;
- Procederam à alienação da totalidade das participações sociais resultantes das operações precedentes, à SGPS.
Adicionalmente, ainda no mesmo quadro de operações, o Requerente constituiu uma SGPS, exclusivamente destinada à aquisição e detenção das participações sociais das restantes sociedades envolvidas, da qual ficou a deter, originariamente, 124.996, das 125.000 (99,9968%) acções nominativas que constituiam o respectivo capital.
Situando-nos exclusivamente no âmbito da tributação de mais-valias[2], que é aquilo a que se restringe o objecto dos presentes autos, está em causa um ganho fiscal – imediato, concreto e directamente apreensível (não só por este Tribunal e pela AT, mas também, de acordo com qualquer juízo de razoabilidade e normalidade, pelos próprios Requerentes no momento da opção pela execução do conjunto de operações onde a transformação das sociedades por quotas em anónimas se insere) – de praticamente meio milhão de euros.
Ou seja: tão evidente, notório e relevante é este ganho que, objectivamente, não é de todo credível, seja a que título for, que o mesmo não tenha sido apreendido, ponderado e, afinal, querido, pelos Requerentes, no quadro da complexa sequência de operações[3] por si engendrada e levada a cabo.
Daí que, dúvidas não restam, a vantagem fiscal alcançada tenha motivado o acto cuja ineficácia, in casu, a AT pretende.
Daqui haverá, então, que partir para averiguar se esta vantagem fiscal, que motivou o negócio jurídico em crise, foi deste motivo exclusivo ou principal[4].
Para que se evidencie que aquela motivação teve um carácter de exclusividade, dever-se-á demonstrar, dentro do razoavelmente possível (dado que se trata da prova de um facto negativo), que inexistiram outras motivações relevantes para a realização do acto ou negócio jurídico em questão.
Para que se evidencie que a motivação em questão foi a motivação principal da realização do acto ou negócio jurídico, dever-se-á demonstrar que a mesma se sobrepõe, prevalece, ressalta, de entre as restantes motivações que se apresentem como passíveis de ter assistido à actuação em apreciação. Torna-se necessário, em suma, que se demonstre que de entre todas as razões que, demonstradamente, tenham determinado a realização do acto ou negócio jurídico cuja eficácia se questiona, a vantagem fiscal almejada se assuma como proeminente, em termos de se poder dizer que a mesma terá dado um impulso decisivo para a sua concretização.
Importa notar que, movendo-nos no terreno movediço das intenções, não se poderá acolher aqui um puro subjectivismo, reconduzível, em última instância, à demonstração do estado psicológico e emocional dos agentes no momento da prática do acto ou da celebração do negócio. Antes, relevará a motivação tal como revelada em factos objectiva e concretamente apreensíveis, o que não se confunde, obviamente, com a mera corporização, em documentos, de declarações de intenção.
Posto isto, sustentam os Requerentes que a transformação das sociedades por quotas por si levada a cabo se deveu, principalmente, não à vantagem fiscal que a mesma, a jusante, lhes iria proporcionar, mas a:
- Uma reorganização empresarial justificada por razões económico-empresariais (redundância dos Requerentes);
- À constituição de uma relação societária de grupo, com as vantagens daí decorrentes, designadamente no plano comercial, laboral e de recursos humanos, financeiro e de obtenção de financiamento (intra-empresas e bancário), por forma a conferir uma “posição negocial reforçada” perante os seus fornecedores e, em especial, perante o franquiador “H, Lda.”;
- À criação de uma estrutura social que permitiria corresponder eficazmente às necessidades do mercado - o que requereria uma estrutura legal moderna e de maior impacto junto de clientes, de entidades bancárias e de fornecedores;
- À criação da possibilidade de acesso das sociedades ao mercado de capitais, com todas as vantagens daí decorrentes, designadamente no que respeita ao financiamento.
Relativamente a estas razões alinhavadas pelos Requerentes, diga-se desde logo que as mesmas, tal como se apresentam, empalidecem, no que à sua relevância objectiva diz respeito, face à vantagem fiscal que se surpreendeu como motivação, pelo menos principal, da conversão das quatro sociedades por quotas em sociedades anónimas. Com efeito, nenhuma daquelas razões se apresenta como geradora de vantagens quantificadamente aproximáveis, ou sequer comparáveis, aos montantes a que ascende a vantagem fiscal efectivamente obtida.
Para além disso, as motivações adiantadas pelos Requerentes, como de resto a AT aponta, são meramente genéricas, potenciais e abstractas, nunca chegando os Requerentes a demonstrar – e quantificar – os alegados ganhos que daquelas decorreriam, nem, muito menos, a contrastá-los com os encargos que da operação resultaram para o grupo societário. Com efeito, uma “reorganização empresarial”, uma “posição negocial reforçada”, uma “estrutura legal moderna”, ou mesmo “vantagens no financiamento”, deverão, quando em cotejo com um ganho fiscal da índole do obtido pelos Requerentes, apresentar-se quantificadamente reportados a ganhos concretos obtidos ou, pelo menos, fundadamente expectáveis.
Acresce ainda que, mesmo na perspectiva da organização societária de grupo, aonde os Requerentes centram esta questão, quaisquer ganhos que, numa perspectiva de normalidade se possam conceder como expectáveis de razoavelmente decorrerem do esquema gizado pelos Requerentes, serão esmagadoramente obliterados pelos encargos que, em concreto e, novamente, de forma perfeitamente quantificável, decorreram para o tal grupo, gerador das sinergias organizacionais, comerciais, financeiras, etc. De facto, todo o processo envolvendo as quatro sociedades por quotas e a SGPS constituída pelos Requerentes, implicou para o grupo criado, centrado na sua sociedade dominante, um encargo de quase cinco milhões de euros, derivados da aquisição das sociedades aos Requerentes, não se demonstrando nos autos, nem de longe nem de perto, quaisquer vantagens que, de uma forma concreta e objectiva, se justifiquem face a tal ordem de valores.
Ou seja, e em suma, na perspectiva estritamente corporativa (limitada às sociedades envolvidas), o esquema concretamente efectivado pelos Requerentes, foi, notavelmente, contrário aos interesses patrimoniais em causa. Apenas a entrada em consideração dos interesses pessoais dos Requerentes, não só no que diz respeito ao ganho fiscal, como, igualmente, à transferência de riqueza acumulada ou a acumular nas sociedades para as suas esferas pessoais, sem ser pela via normal da distribuição de lucros, é que, numa perspectiva motivacional objectiva, explicará a idealização e concretização de toda a operação onde se insere o acto cuja eficácia a AT pretende, para efeitos fiscais, ver suprimida.
A relevância das motivações ligadas aos ganhos fiscais na esfera subjectiva dos Requerentes, são igualmente sublinhadas pelos outros actos e negócios que integram o complexo de operações acima descrito, onde a transformação das sociedades por quotas em anónimas se insere e colhe sentido. De facto, quer, por exemplo, a forma do aumento de capital (incorporação de reservas), quer o valor da venda das participações sociais à SGPS são particularmente impressivos, neste aspecto, já que na perspectiva das motivações alegadas pelos Requerentes para o esquema por si implementado, seriam ambos desnecessários, sobretudo tendo em conta que, na prática, não houve a transmissão, total ou, sequer, parcial, do domínio das sociedades para qualquer terceiro, já que daquele referido esquema resultou, antes, um reforço do já muito estreito domínio do Requerente sobre as sociedades. Ou seja: sendo, como é o caso, a finalidade do conjunto de operações mais do que uma manutenção, um reforço do status quo, no que ao controlo fáctico das sociedades dizia respeito, não havia qualquer razão – que não de índole fiscal – quer para o aumento de capital, quer para o empolamento do preço de venda das participações sociais dos Requerentes à SGPS, o que revela, à outrance, a preordenação fiscal de todo o esquema.
Conclui-se, deste modo, muito para lá de qualquer dúvida razoável, que o negócio jurídico em causa – transformação das sociedades por quotas em sociedade anónima, se deu, senão essencialmente, pelo menos principalmente tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais, o que não quer dizer – ao contrário, de resto, do que parece entender a AT – que tal seja quanto baste para legitimar a aplicação da cláusula antiabuso.
Subscrevem-se, assim, as considerações do Prof. Saldanha Sanches, transcritas pelos Requerentes, segundo as quais “mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou expressamente por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda das quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções naquele contexto.”.
De facto, e deixa-se tal desde já bem claro, entende-se que a mera realização de um acto ou negócio jurídico por razões estritamente fiscais, e ainda que não tenha qualquer outra justificação material[5], que não aquelas, não licenciará, de per si, a AT a retirar-lhe eficácia[6].
Para que seja legalmente possível a privação da eficácia do acto ou negócio jurídico realizado essencial ou principalmente por razões fiscais, incluindo a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, torna-se, ainda, indispensável que tenha havido uma utilização de modo causalmente relevante, de meios artificiosos ou fraudulentos e de abuso das formas jurídicas.
Veremos este aspecto já de seguida.
*
Essencialmente, o busílis da questão central dos presentes autos, situa-se, precisamente, aqui.
Efectivamente, como se apontou já, é meridianamente claro que a motivação do negócio jurídico em crise foi, pelo menos, principalmente a vantagem fiscal que da mesma resultou para os Requerentes, decorrente da não tributação em sede de IRS do acréscimo patrimonial que toda a operação implicou, nas suas esferas pessoais.
Contudo, para que a eficácia daquele negócio seja, para efeitos fiscais, legitimamente retirada, torna-se, então, necessário que se demonstre que tal vantagem não seria alcançada, total ou parcialmente, sem utilização de meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas.
A expressão legal do requisito de aplicação da cláusula geral antiabuso que ora nos ocupa não é particularmente feliz, sendo eminentemente conceptualista e, pensa-se, redundante.
Seja qual for a construção doutrinal a que se adira na matéria em questão, estar-se-á em todo o caso de acordo que a expressão legal se reporta a um uso anormal das formas jurídicas, em termos de haver uma contradição entre a finalidade da tutela normativa concedida por meio das normas ou estruturas jurídicas utilizadas, e a utilização que delas, em concreto é feita.
Os próprios Requerentes o aceitam, subscrevendo que “A opção do legislador fiscal exige “que se retirem as devidas consequências quanto à estruturação do negócio que, para além de dirigido à obtenção da referida vantagem fiscal, será ainda simultaneamente, dotado de uma forma anómala, inusual, artificiosa, complexa, ou mesmo contraditória, em consideração dos fins económicos visados pelo contribuinte. É, em conclusão, do nível de incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte, entre o fim para que é empregue concretamente essa forma adoptada e a causa que lhe é própria...””, e, mais adiante, que “não é todo e qualquer comportamento que se deve qualificar de anómalo, inusual, artificioso ou complexo, consubstanciando a fraude normativa fiscal unicamente aos casos em que há um abuso manifesto de formas, com clausulados absurdos, pouco habituais ou despropositados, que desfuncionalizam os negócios utilizados, afastando-os da sua habitual vocação.”[7].
Ressalvado o respeito devido à opinião dos Requerentes, considera-se que, no caso, se encontra evidenciada de forma nítida, uma actuação que, globalmente considerada, se apresenta inequivocamente dirigida à obtenção da (atrás) referida (e demonstrada) vantagem fiscal, simultaneamente, com a utilização anómala, inusual, artificiosa, complexa, de formas jurídicas, mesmo de forma contraditória, com os fins económicos visados pelo contribuinte.
De facto, e como se adiantou acima, as finalidades apresentadas pelos contribuintes como tendo determinado a realização do conjunto de operações onde se integra o negócio jurídico sinalizado pela AT, são, de per si, largamente contraditadas pelo custo que, na perspectiva do grupo societário, este acabou por assumir, relacionado com a aquisição de participações sociais aos Requerentes.
Não se tem dúvidas que afirmar-se que “A relação societária de grupo assim criada - originada com a transmissão dos valores mobiliários em causa para a “I- SGPS, S.A.” – permite(irá) um financiamento bancário que, de outra forma, em face das circunstâncias actuais, os Requerentes não pod(em)iam ver assegurada”[8], esquecendo a vultuosa necessidade de financiamento que a própria operação executada gerou para o grupo societário, é ver menos de metade da realidade relevante. E, mesmo que se possa conceder que “as sinergias geradas com a integração das aludidas posições societárias naquela sociedade gestora de participações sociais, designadamente ao nível administrativo e dos recursos humanos”, possam permitir alguns ganhos, dado algum há que os permita situar na ordem de grandeza dos encargos assumidos pelo grupo de sociedades, com a sua concreta criação. Dito de outro modo, em lado algum se demonstra – antes pelo contrário – que as vantagens de financiamento supostamente obtidas superem, ou sequer cubram, as necessidades de financiamento geradas pela operação[9].
Pelo que, conclui-se, os fins económicos (alegadamente) visados pelo contribuinte são, frontalmente, contraditórios com os concretamente verificados, na medida em que se pretenderia, em última análise, melhorar as capacidades económicas e financeiras do grupo de sociedades, e se acaba por, efectivamente, onerá-lo pesadamente com um encargo de quase cinco milhões de euros, não se podendo ignorar que, precisamente, os beneficiários desses encargos oneradores do grupo societário que se sujeitou a, e resultou de, toda a operação executada pelos Requerentes, foram precisamente eles próprios, assim se desvelando, numa primeira linha, o carácter artificioso e fraudulento da actuação daqueles, que, sob a capa de um pretenso interesse societário, de forma enviesada e onerando pesadamente o grupo corporativo por si detido, logram incrementar substancialmente as suas esferas jurídicas patrimoniais pessoais, evitando, da forma descrita, que tal incremento seja sujeito ao imposto respectivo.
Por outro lado, e como se passará a demonstrar de seguida, as próprias formas jurídicas instrumentalizadas nas operações levadas a cabo denotam uma “incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte”, e “desfuncionalizam os negócios utilizados, afastando-os da sua habitual vocação.”.
Senão vejamos.
Tal como, muito pertinentemente, os próprios Requerentes sustentam, subscreve-se que “O intuito normativo, ou melhor, o fim visado pelo legislador fiscal, ao conceder a exclusão da tributação das “mais-valias provenientes de alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses” parece óbvio, no que poderemos considerar como um benefício fiscal concedido aos investidores “por maior prazo”, tendo em vista a captação de investimentos de capital, nacional e estrangeiro, o fomento e desenvolvimento do mercado de capitais e da actividade económica em geral, prejudicada que fica(va) a “mera especulação” do mercado de capitais (com a consequente tributação em sede de IRS)”.[10]
Mais se subscreve que, sem dúvida “o legislador fiscal manifestou todo o interesse na dinamização, organização e instalação de grupos económicos em Portugal, fomentando-os”[11], e que “o legislador português não podia ficar indiferente ao fenómeno da proliferação das “sociedades de capitais” enquanto realidade incontornável da actividade económica em geral e das formas de organização das empresas em particular, no mundo globalizado actual”[12].
Contudo, decorre, precisamente, disto que vem de se dizer, que, de facto, existam e laborem sociedades anónimas e grupos societários, enquanto tal.
Ora, como é sabido, as sociedades, enquanto pessoas colectivas, são entendidas há largo tempo como “colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais organizados em vista de um fim comum ou colectivo a que o ordenamento jurídico atribui a qualidade de sujeitos de direitos”[13], sendo especificamente entendidas como um “conjunto de pessoas – duas ou mais – que contribuem com bens ou serviços para o exercício de uma actividade económica dirigida à obtenção de lucros e à sua distribuição pelos sócios.”[14].
E como elucida o Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, “A existência de pessoas colectivas resulta da existência de interesses humanos duradouros e de carácter comum ou colectivo. A consecução destes interesses exige o concurso dos meios e das actividades de várias pessoas ou, pelo menos, nela estão interessadas várias pessoas.”, concluindo que “A personalidade colectiva é, pois, um mecanismo técnico-jurídico justificado pela ideia de, com maior comodidade e eficiência, organizar a realização dos interesses colectivos e duradouros.”[15]. Em suma, ainda no dizer do mesmo Professor, “A função económico-social do instituto da personalidade colectiva liga-se à realização de interesses comuns ou colectivos, de carácter duradouro.”[16].
Serve esta afluência doutrinal para lembrar que as finalidades subjacentes aos regimes fiscais legais em causa nos autos, correctamente apontadas pelos Requerentes, não prescindem, como não podiam prescindir, dos interesses tutelados pelo tipo institucional a que se reportam.
Ou seja, se, de facto, o regime do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS tinha em vista conceder um benefício “aos investidores “por maior prazo”, tendo em vista a captação de investimentos de capital, nacional e estrangeiro, o fomento e desenvolvimento do mercado de capitais e da actividade económica em geral”, e “o legislador fiscal manifestou todo o interesse na dinamização, organização e instalação de grupos económicos em Portugal, fomentando-os”, e “não podia ficar indiferente ao fenómeno da proliferação das “sociedades de capitais” enquanto realidade incontornável da actividade económica em geral e das formas de organização das empresas em particular, no mundo globalizado actual” o certo é que, no caso todas essas finalidade se vêm esvaziadas na actuação dos Requerentes, na medida em que o produto final do conjunto de operações por si delineado e executado redunda, precisamente, no oposto do que é tutelado pelo instituto da personalidade colectiva em geral, e da societária (quer singular quer grupal) em especial.
É que, bem vistas as coisas, tal como elas se apresentam na realidade, o resultado do labor jurídico encetado pelos Requerentes foi a criação de um grupo societário que detém 100% do capital de quatro sociedades anónimas, controlado em 99,9968% pelo Requerente!
Este fito, de resto, é absolutamente assumido pelo Requerente perante o franquiador dos negócios explorados pelas sociedades transformadas, não só se referindo por várias vezes às sociedades, como “minhas”, como declarando expressamente que o “quadro apresentado, que representa um total reforço do carácter intuito personae dos contratos franchising com as sociedades cessionárias, no caso concreto das minhas sociedades, teremos que efectuar diversos actos jurídicos, degrau a degrau, até a SGPS deter 100% do capital social de todas as sociedades cessionárias, detendo eu 99,996% do capital social da SGPS.” e que “É com esta premissa em mente que apresento a minha proposta de restruturação das minhas duas sociedades e constituição duma SGPS, reforçando, assim o carácter intuito personae dos respectivos contratos, mantendo cinco sócios na respectiva estrutura societária da SGPS, detendo eu 99,996% do respectivo capital social (…)”[17].
Ora isto é, precisamente a negação de um dos mais basilares elementos teleológicos que sustentam o instituto da personalidade colectiva, e das sociedades em especial, que é a ideia de colectividade.
Com efeito, a organização resultante de todo o plano onde se inseriu o negócio jurídico cuja ineficácia a AT pretende, mais não é do que uma mera extensão do Requerente, que a exaure[18], não visando nem prosseguindo a realização de quaisquer interesses colectivos, a exploração de bens ou recursos comuns ou a distribuição de lucros, revelando-se, em suma, o Requerente como um deus ex machina do grupo societário.
Tal organização mais não visa – é isso que decorre dos factos apurados – do que colocar ao serviço dos interesses pessoais do Requerente o mecanismo técnico-jurídico da personalidade colectiva, instrumentalizando-o, e contrariando, frontalmente, a própria função económico-social do instituto da personalidade colectiva, ao direcionar-se, deliberadamente, para a exclusiva realização dos interesses individuais do Requerente.
E não se diga que o carácter intuitu personae dos contratos de franchising não permitiram que as coisas fossem de outra forma. Com efeito, ou aquele intuito é centrado nas sociedades (que são, obviamente, personae), e, nesse caso, não haveriam obstáculos à dispersão de capital, ou é centrado no Requerente, caso em que todas as estruturas societárias edificadas são apenas máscaras apostas sobre o verdadeiro titular da relação jurídica de franquia, não visando mais do que instrumentalizar os mecanismos técnico-jurídicos subjacentes àquele tipo de organização, para benefício pessoal daquele[19].
Desta forma, não só não se reflectem na situação criada pelos Requerentes as finalidades por eles apontadas como estando subjacentes à não tributação de mais-valias, e à promoção fiscal dos grupos de sociedades, como as mesmas são, frontalmente contrariadas, já que, não havendo qualquer substracto material de “sociedade”, nem, muito menos, de grupo societário, não há qualquer intervenção de investidores ou mercados de capitais, nem a dinamização, organização ou instalação de quaisquer grupos económicos, já que todo a estrutura corporativa desenhada e implementada se direccionou, deliberada e, até, assumidamente, para um tipo de organização totalmente individual, em termos de se poder questionar mesmo se não estarão reunidos em concreto os pressupostos necessários para que, mesmo na ausência da norma do artigo 38.º/2 da LGT, se lançasse mão do mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica.
Efectivamente, e como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/07/2013, proferido no processo 943/10.8TTLRA.C1[20], de entre as situações onde se justifica a intervenção daquele referido mecanismo, “avultam a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios”, quando se verifica “que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.”.
Também Maria de Fátima Ribeiro[21], por exemplo, aponta as situações de controlo da sociedade por um só sócio como a primeira daquelas em que, tipicamente, se pondera a aplicação do mecanismo de desconsideração da personalidade jurídica.
Ora, dispensando-nos de fastidiosa transcrição do que se discorre sobre a matéria no aresto citado, é consabido também, que a desconsideração da personalidade jurídica é uma refracção do princípio da proibição do abuso de direito, consagrado no artigo 334.º do Código Civil.
Deste modo queda, segundo se julga, evidenciado o abuso de formas jurídicas perpetrado pelos Requerentes na operação por si levada a cabo, e na qual se insere o negócio jurídico cuja ineficácia a AT pretende, decorrente “incoerência entre a forma ou estrutura escolhida e o propósito económico-prático final do contribuinte”, que se traduz na utilização de formas jurídicas dirigidas a dispersar por um amplo número de sujeitos a participação em entidades juridicamente funcionalizadas à cooperação e coordenação colectivas, para as colocar, deliberadamente[22], ao serviço exclusivo de uma única pessoal singular, desfuncionalizando-as e afastando-as da sua habitual vocação, e tudo isto, para além do mais que no caso não relevaria.
Estas circunstâncias, se as quisermos enquadrar na posição doutrinal subjacente à argumentação dos Requerentes nos autos, demonstram, para lá de qualquer dúvida razoável, uma censurabilidade do ordenamento jurídico no seu todo, sobre a actuação daqueles, consubstanciada no conjunto de operações onde o negócio de transformação das sociedades por quotas se insere, e inicialmente exposto, que manietou patentemente as normas jurídicas relativa à personalidade jurídica e à finalidade dos mecanismos técnico-jurídicos que subjazem às sociedades envolvidas no esquema, para serviço dos interesses individuais do Requerente, em prejuízo objectivamente intencional de terceiros – no caso o Fisco.
E não será relevante, para o caso, que “os actos e negócios jurídicos em causa nem sequer constam das referidas listas de estruturas reputadas de "planeamento fiscal abusivo".”. Com efeito, as referidas listas, deverão ser entendida como não mais do que uma expressão do princípio mais amplo da colaboração da Administração com os contribuintes, genericamente consagrado no artigo 59.º da LGT. De facto, tal lista limita-se a promover a divulgação de esquemas com que a AT se confrontou anteriormente, e considerou abusivos, de modo a alertar os contribuintes para a sua eventual sujeição a normas antiabuso, conforme decorre da própria leitura da norma do artigo 15.º do referido Decreto-Lei 29/2008.
Entende-se assim, e em suma, que a verificação dos restantes requisitos substanciais da cláusula geral antiabuso, incluindo a motivação principalmente fiscal da operação, não faz, automaticamente, verificar o designado “elemento normativo”. Este tratar-se-á, também, de um dos requisitos substanciais da aplicação daquela cláusula, que deverá ser, autónoma e especificamente, demonstrado.
Contudo, entende-se também que as disposições jurídico-fiscais relativas à operação em questão, como quaisquer outras, de resto, não estão, por natureza ou qualquer outra razão, imunes ao abuso. Delas, como de quaisquer outras, será sempre, pelo menos de um ponto de vista abstracto, possível abusar, como o caso sub-iudice, paradigmaticamente o ilustra.
Daí que, demonstrando-se, como é o caso, o designado “elemento normativo”, entendido como uma repugnância do ordenamento jurídico no seu todo à operação realizada, o que, evidentemente – e no caso – não decorre da mera transformação da sociedade por quotas em anónimas, por motivações exclusiva ou predominantemente fiscais, será a operação em questão passível de ser objecto de aplicação da cláusula antiabuso.
Deste modo, e em suma, considerando-se que:
- Os negócios jurídicos relativos à transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas foram, pelo menos, principalmente dirigidos à obtenção de vantagens fiscais, traduzidas, desde logo, na não tributação das mais-valias auferidas pelos Requerentes na venda das acções;
- As vantagens fiscais referidas, não seriam alcançáveis sem a utilização de meios artificiosos ou fraudulentos, traduzidos na utilização de meios aparentemente destinados à melhoria da operacionabilidade financeira das sociedades envolvidas, mas que, na realidade se traduziram na sua oneração com um pesado encargo com a aquisição de participações sociais aos Requerentes, beneficiários desses encargos oneradores do grupo societário e que, actuando sob a capa do interesse societário, prosseguiram e satisfizeram interesses estritamente individuais e alheios às sociedades;
- As referidas vantagens foram, ainda, obtidas com abuso das formas jurídicas, na medida em que foram utilizados mecanismos técnico-jurídicos dirigidos a dispersar por um amplo número de sujeitos a participação em entidades juridicamente funcionalizadas à cooperação e coordenação colectivas, ao serviço exclusivo de uma única pessoal singular, desfuncionalizando-os e afastando-os da sua habitual vocação;
entendendo-se que inexiste qualquer justificação material para que os acréscimos patrimoniais verificados na esfera singular dos Requerentes se subtraiam à competente tributação em IRS, e que qualquer justificação legal que sustente tal subtracção decorre da instrumentalização de regimes normativos concretos, ao arrepio da consistência do ordenamento jurídico no seu todo, verificados que estão os pressupostos legais de aplicação da cláusula antiabuso, deverá, como tal, a presente acção arbitral improceder.
***
Relativamente à questão da alegada má-fé processual da AT, suscitada pelos Requerentes nas suas alegações, tendo presente o disposto no artigo 104.º da LGT, não se vislumbra fundamento para qualquer censura àquela autoridade, sempre se dizendo que os Requerentes parecem, neste aspecto, confundir o valor probatório do documento (juízo abstracto) com os concretos factos que aqueles são susceptíveis de comprovar (juízo concreto). Assim, do facto de um documento cumprir todos os requisitos formais para valer como prova, não decorre que o mesmo comprove tudo o que nele se fez constar, designadamente e no caso, intenções subjectivas apostas pelo próprio autor daqueles, independentemente da “qualidade” formal em que o faça.
***
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter os actos tributários impugnados nos autos;
b) Condenar os Requerentes nas custas do processo, no montante de €7.650,00, tendo-se em conta o já pago.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €494.867,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €7.650,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa
13 de Novembro de 2014
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(Manuela Roseiro)
O Árbitro Vogal
(Jorge Carita)
DECLARAÇÃO DE VOTO
A decisão proferida nos autos tem o meu voto de concordância e por isso a subscrevo sem reserva, devendo contudo esclarecer a minha posição face a anteriores decisões em processos em que participei, como árbitro singular (p. 43/2013-T) e como vogal de tribunal arbitral colectivo (p. 311/2013-T).
Em qualquer desses dois processos estava em causa a tributação de mais-valias obtidas com alienação de acções, por aplicação da cláusula geral anti-abuso (artigo 38º da LGT) a uma situação de prévia transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, mas em ambos os casos a factualidade fixada permitia concluir pela inexistência de prova de que a transformação de sociedades por quotas em sociedade anónima tivesse correspondido a uma actuação artificiosa e não ao legítimo exercício de um interesse tutelado e até incentivado pelo legislador.
Mas na declaração de voto proferida no processo 311/2014-T fiz questão de restringir o alcance da afirmação anteriormente incluída no processo 43/2013-T de que ”mesmo que a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade anónima fosse motivada por razões exclusivamente fiscais, não se estaria perante um acto condenável face ao ordenamento jurídico tributário, uma vez que o próprio legislador fiscal optou por tributar em sede de IRS os ganhos decorrentes da venda de quotas e por não tributar em sede daquele imposto os ganhos resultantes da venda de acções”.
Em alternativa àquela afirmação, demasiado genérica, realcei então segmentos da fundamentação do Acórdão proferido no mesmo proc. 311/2013-T, no sentido de que não se poderá, em regra, numa situação de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónima, entender que o acto foi essencial ou principalmente dirigido à satisfação de interesse fiscal dos intervenientes, porque “o abuso de formas jurídicas indispensável para viabilizar a aplicação da cláusula geral anti-abuso e a existência de uma intenção contrária ao desígnio legislativo só são perscrutáveis em situações em que não possa considerar-se satisfeito aquele interesse público da criação de sociedades anónimas, como, por exemplo, poderá suceder em situações em que a criação da sociedade anónima não é seguida da sua manutenção como realidade económica por um período de tempo apreciável. (sublinhados meus)”.
Ou seja, considerei então, e reafirmo agora, que na aplicação da CGAA a um caso concreto de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónima, ainda que o legislador tenha mantido durante duas décadas a ausência de neutralidade fiscal no tratamento fiscal dos ganhos com alienação de acções e quotas, não pode deixar de se ter em conta as finalidades do incentivo à transformação de sociedades de quotas em sociedades anónimas, tais como o desenvolvimento do mercado de capitais não especulativo e alteração dos modelos organizativos societários. Por outro lado, a verificação do “elemento normativo”, como requisito de aplicação da CGAA, não pode incluir a exigência de que a conduta em causa esteja expressamente proibida por lei. Isso constituiria uma interpretação excessivamente restritiva do artigo 38º, nº 2, da LGT, permitindo, em caso de lacuna ou disposição menos clara, a manipulação da finalidade da norma, aceitando comportamentos merecedores de reprovação normativo-sistemática (cf. proc. nº. 47/2013-T, árbitro Jorge Carita), através de uma interpretação ab-rogante de normas jurídicas em vigor e inutilidade da própria cláusula anti-abuso.
No caso dos presentes autos, como concluído na decisão acima proferida, a situação factual concreta evidencia uma situação abusiva: a transformação das sociedades por quotas em sociedades por acções foi um acto inútil – não visou a atracção de capitais, nem alterações na estrutura organizativa - apenas sendo explicável pelo ganho fiscal a obter, não sendo indispensável ao funcionamento em grupo das várias sociedades em que o Requerente marido detinha, manteve – e estava obrigado a manter - domínio praticamente total.
Não existe aqui uma situação digna de tutela jurídica que coloque em causa o imperativo da tutela da confiança, nem é feita uma interpretação do art. 38º da LGT que pressuponha a existência de uma obrigação geral de os contribuintes fazerem, em cada momento, as opções negociais de que resulte maior tributação.
As alterações societárias ocorridas não visaram a captação e/ou dispersão de capital e reforço das condições de financiamento do grupo, mesmo que meramente eventuais ou futuras: a concentração de capital num indivíduo e a forma personalizada de responsabilização (muito bem evidenciadas na decisão), em contradição com os objectivos da possível captação de capital procurada pelo incentivo fiscal, não são, nem podem ser, meramente conjunturais, derivando precisamente do regime de franquia imposto pela entidade franquiadora (contrato junto aos autos, com realce para cláusulas 12ª e 13ª).
É o próprio regime de franquia em que as empresas envolvidas desenvolvem a sua actividade que exige que o Requerente marido se mantenha, independentemente das formas societárias utilizadas, o sujeito “franquiado”, beneficiário e obrigado, na relação jurídica de franquia (contrato intuitu personae) sendo pois evidente que o conjunto de operações societárias ocorridas, maxime a transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas, visou fundamentalmente (ou apenas) fins fiscais, correspondendo a uma utilização artificiosa de formas jurídicas para a realização do interesse do Requerente marido, e de sua mulher, na exclusão de tributação dos rendimentos auferidos com a venda das participações sociais.
O árbitro
Manuela Roseiro
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Não se tratará de atos ou negócios jurídicos que sejam essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, uma vez que não há negócio idêntico à transformação operada, do qual resultasse uma tributação. O que se passa, in casu, é que o status quo ante implicava, na operação global subsequentemente operada pelos Requerentes, onde se encaixa o acto cuja ineficácia a AT persegue, uma (avultada) tributação. Aquele acto, que a referida Autoridade pretende ineficaz, foi, assim, praticado tendo em vista a obtenção de vantagens fiscais, traduzidas na não tributação do acréscimo patrimonial dos Requerentes, decorrente da alienação subsequente das participações sociais.
[2] Ou seja, excluindo outra tributação que sobre os Requerentes, enquanto singulares, pudesse ocorrer.
[3] Nas palavras dos Requerentes, “vasto conjunto de actos e negócios jurídicos”.
[4] Esclareça-se que se entende que, ao contrário do que sustenta a AT (ponto 331 e s. da respectiva resposta), o ónus da prova de que o ganho fiscal foi exclusiva ou principalmente a motivação do acto ou negócio jurídico a declarar ineficaz, cabe à AT, enquanto pressuposto da norma (antiabuso, no caso), que pretende ver aplicada.
[5] Será o caso, por exemplo, de um casal que se haja divorciado, ainda que mantendo vida em comum, por razões estritamente ligadas ao aberrante regime de IRS que os penalizava, caso em que se entende que a AT não poderá invocar a ineficácia do divórcio, por abusivo, para continuar a tributá-los como casados. Será também o caso da substituição de um veículo pesadamente onerado em sede de IUC, por outro que o seja em menor medida, exclusivamente por razões fiscais, caso em que se entende igualmente que a AT não poderá invocar a ineficácia do negócio, por abusivo, para continuar a tributar nos termos primitivos.
[6] Concorda-se, deste modo, com a asserção dos Requerentes, segundo a qual “não se pode falar em evitação fiscal quando alguém escolhe uma diferente forma jurídica para exercer uma determinada actividade por ter descoberto que, no seu caso particular, tal mudança lhe proporcionava uma economia fiscal: exerce apenas um direito legítimo” (artigo 152º do Requerimento Inicial), desde que a “economia fiscal” não derive, total ou parcialmente de meios artificiosos ou fraudulentos e de abuso das formas jurídicas!
[7] Artigo 234.º e s. do Requerimento Inicial.
[8] Artigo 244.º do Requerimento Inicial.
[9] Diga-se aqui, por integralmente lateral à matéria sobre a qual se discorre, que dos factos provados decorre um ligeiro incremento no financiamento das quatro sociedades: de cerca de €400.000,00 em 2009, para pouco mais de €1.600.000,00 de 2009 a 2012.
[10] Artigo 160.º do Requerimento Inicial.
[11] Artigo 165.º do Requerimento Inicial.
[12] Artigo 167.º do Requerimento Inicial.
[13] Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Ed. Actualizada, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, 1990, p. 124. Sublinhados nossos.
[14] Idem, p. 125. Sublinhados nossos.
[15] Idem. Sublinhados nossos.
[16] Idem, p. 268. Sublinhados nossos.
[18] O que, de resto, é expressamente assumido na relação com o franqueador da actividade exercida pelas sociedades, e é assegurado redundantemente por meio da constituição de um usufruto sobre as participações sociais que, nominalmente, não lhe cabem, e de um acordo parassocial leonino.
[19] O que, diga-se, não seria de per si juridicamente censurável, desde que não ocorresse em prejuízo planeado de terceiros e, no caso que nos ocupa, do Erário Público.
[20] Disponível em www.dgsi.pt.
[21] “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, in Questões de Direito Societário em Portugal e no Brasil , Coimbra, Almedina, 2012, p. 525.
[22] Tal como é expressamente assumido ao franquiador da actividade exercida pelas transformadas sociedades por quotas.