Sumário: O artigo 23.º do CIRC condiciona a relevância fiscal de gastos e perdas à verificação de que os mesmos sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
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Decisão arbitral
1. Relatório
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), titular do Número de Identificação Fiscal n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o mesmo número, com domicílio fiscal no ..., ..., ..., ...-... ..., na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades relativamente ao qual é aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral, nos termos do número 1 do artigo 2.º, e da alínea a) do número 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedindo a anulação da decisão final do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2022... e a anulação parcial da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., datada de 13 de dezembro de 2021, e bem assim, da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., emitidas por referência ao período de tributação de 2017 e associadas à compensação n.º 2021..., e demais consequências legais.
Os atos tributários ora em crise assentam nas seguintes correções em sede de IRC:
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Dedutibilidade de gastos associados à execução de garantias bancárias;
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Dedutibilidade de gastos associados à aplicação do método do custo amortizado;
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Da correção pelo uso da marca P...;
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Dedutibilidade de um acréscimo de gastos; e
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Dedutibilidade de despesas incorridas na manutenção de parques eólicos.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT)
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 23-12-2022 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a sua designação.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 27-02-2023.
A AT apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação.
Por Despacho de 06-03-2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
As partes apresentaram alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas no PPA e na Resposta.
Em 31-07-2023, por Despacho Arbitral de 31-07-2023, o Tribunal prorrogou o prazo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de facto e de direito e na interposição das férias judiciais.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
A. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, cuja atividade consiste na gestão e controlo das suas subsidiárias.
B). No que respeita ao período de tributação de 2017, a ora Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS previsto no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC, o qual era constituído, para além de si própria, pelas seguintes sociedades:
a) B..., Lda., com o NIF ...;
b) C..., Lda., com o NIF...;
c) D... SGPS, S.A., com o NIF...;
d) E..., Lda., com o NIF...;
e) F..., S.A., com o NIF...;
f) G..., S.A., com o NIF...;
g) H..., SGPS, S.A., com o NIF...;
h) I..., S.A., com o NIF...;
i) J..., S.A., com o NIF...;
j) K..., com o NIF...;
C. A Requerente, enquanto sociedade dominante do referido grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS, foi objeto de uma ação inspetiva de IRC ao abrigo da Ordem de Serviço OI2019..., com despacho de 19-08-2019; (cfr. art.º 19 PPA).
D. A Requerente exerceu, atempadamente, o seu direito de audição na inspeção sob a Ordem de Serviço n.º OI2019...; iniciada em 05-12-2019 nas instalações da Requerente com a assinatura da procuradora do SP; (cfr. PA).
E. No âmbito dessa Ordem de Serviço, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção a qual determinou correções no montante total de € 895.232,01 ao resultado fiscal individual apurado pela mesma no período de tributação em questão.
F. Em 13-12-2021 a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2021..., e da demonstração de acerto de contas n.º 2021...; (cfr. doc. n.º 2 junto com o PPA).
G. A AT realizou uma correção ao nível do lucro tributável agregado do grupo de sociedades sujeito ao RETGS no montante total de € 5.837.770,72, alterando o prejuízo fiscal considerado pela Requerente de € 11.926.460,85 para um prejuízo fiscal de € 6.088.690,13; (cfr. doc. n.º 6, junto com a PPA).
H. Em 06-04-2022 a Requerente apresentou a reclamação graciosa; (cfr. doc. n.º 5, junto com o PPA).
I. Reclamação graciosa que foi indeferida por despacho notificado à Requerente em 01-10-2022.
J. No âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2019..., a A... foi notificada do RIT emitido por referência à ação de inspeção externa de âmbito parcial, levada a cabo pelos SIT, ao período de tributação de 2017, a qual determinou correções à matéria coletável da A... no montante total de € 895.232,01 ao resultado fiscal individual apurado pela mesma no período de tributação em questão:
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A Requerente registou na sua contabilidade, na conta 68880011 - Outros Gastos, o montante de € 623.469,68 que diz respeito a uma garantia prestada pelo financiamento bancário utilizado pela sociedade L... Ltd. (“L...”) (entidade detida pelas sub-holdings M... e N...); (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
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A Requerente no período de tributação de 2017 registou na sua contabilidade, na conta 6989 o valor de € 271.762,33, correspondente à atualização da dívida da sociedade O... no valor de € 3.059.728,00; (cfr. art.º 7 da Resposta).
K. A Requerente reconheceu o valor de € 271.762,33 como custo amortizado, nos termos do disposto na alínea a) do parágrafo 12 da NCRF 27. No âmbito da alienação, em 2017, da participação detida no capital social na O..., foi estabelecido um acordo de pagamento que previa a quitação da dívida em 5 tranches de € 611.945,60 a realizar entre 2018 e 2022.
L. No âmbito das Ordens de Serviço n.º OI2018..., n.º OI2018... e n.º OI2018..., a I... foi notificada do RIT emitido por referência à ação de inspeção externa de âmbito parcial, levada a cabo pelos SIT, aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017, a qual determinou correções no montante total de € 4.942.538,71 ao resultado fiscal individual apurado pela mesma no período de tributação de 2017.
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A correção no valor de € 409.196,97, relativa ao gasto registado em 2017 associado ao direito de utilização da marca “P...”;
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€ 53.910,81, relativo aos encargos contabilizados com a atribuição de ajudas de custo pelas deslocações dos colaboradores; (valor não objeto do PPA);
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€ 4.479.430,93, relativo a diversos gastos registados na contabilidade da D.
M. A D... reconheceu no período de tributação de 2017 um gasto pela utilização da marca da “P...” no montante de € 409.196,97, tendo esta entidade, por sua vez, registado no mesmo período de tributação de 2017, um rédito no mesmo montante, o qual foi contabilizado na #7816 “Outros rendimentos suplementares”; (cfr. doc. n.º 20 junto com o PPA).
N. Por despacho de 13/03/2023, da Subdiretora-geral da área de IR, foi parcialmente revogado o ato ora impugnado, relativamente à correção de €409.196,97; (cfr. art.º 4 da Resposta).
P. A República Federativa do Brasil promoveu leilões para o estabelecimento de parques para a produção de energia eólica tendo a D..., concorrido a tais leilões através das suas subsidiárias no Brasil, a holding regional era a Z...; (cfr. art.º 212 e segs. do PPA).
Q. A D... ganhou o leilão para o desenvolvimento de dois parques eólicos no Estado Brasileiro do..., com uma potência total estabelecida de 42MW.
R. Um dos referidos parques corresponde ao Parque Eólico ..., sito no Município de ..., com uma potência de 30MW, atribuída em leilão, e cuja construção teve início em 2013 e a atribuição deste parque em leilão foi atribuída ao consórcio Q..., do qual faziam parte a Q..., Ltda e a I..., S.A., entidade esta que foi alvo da correção proposta pelos SIT.
S. No âmbito do referido Leilão n.º .../2011-ANEEL a adjudicação, tinha como uma das condições necessárias a constituição de uma “Garantia de Fiel Cumprimento no valor de 5% do valor do investimento declarado à Empresa de Pesquisa Energética - EPE”, a qual deveria ter como entidade beneficiária a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”); (cfr. doc. n.º 22 junto com o PPA).
T. Foi celebrado em 28 de novembro de 2011, através de um Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Garantia Fidejussória entre o R..., S.A. - ... (Fiador) e a S..., S.A. (Afiançada), entidade de “Propósito Específico” constituída pelo Consórcio ...1 para o recebimento da outorga decorrente do Leilão; (cfr. doc. n.º 23 junto com o PPA).
U. Ao abrigo do referido Instrumento, foi constituída uma fiança no montante de Reais 5.871.600, a qual teria como data de vencimento 2 de junho de 2014; (cfr. doc. n.º 23 junto com o PPA).
V. Em 21 de outubro de 2013, foi celebrado o primeiro aditamento ao referido instrumento, através do qual o valor da fiança reduziu para Reais 5.284.440; (cfr. doc. n.º 24 junto com o PPA.
W. Posteriormente, foram celebradas mais 4 adendas através das quais se promoveram prorrogações às respetivas datas de vencimento; (fr. docs. n.º 25, 26, 27 e 28 juntos com o PPA).
X. Paralelamente à celebração do Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Garantia Fidejussória entre o R..., S.A. - Banco de Investimento (Fiador) e a S..., S.A., foi celebrada uma Stand-by letter através da qual a D... (ordenante) solicitou que, em caso de execução da fiança, o Banco T..., S.A. procedesse ao pagamento integral da mesma ao R..., S.A. - Banco de Investimento; (cfr. doc. n.º 29 junto com o PPA).
Y. As stand-by letters foram sendo prorrogadas em simultâneo com a fiança que havia sido prestada diretamente à ANEEL, ficando a abranger o montante de Reais 5.284.440; (cfr. docs. n.º 24 a 28 juntos com o PPA).
Z. A ANEEL, em 3 de novembro de 2016, notificou a S... AS., da situação de default e, posteriormente, em agosto de 2017 proceder à execução da garantia constituída em seu favor, por incumprimento; (cfr. docs. n.º 30 e 31 juntos com o PPA).
AA. No âmbito do procedimento inspetivo ao período de tributação de 2017 da D..., os SIT não consideraram como gasto fiscalmente dedutível o montante de € 244.674,12, relativo ao registo de um acréscimo de gastos, alegando que “(...) não foram apresentados documentos que sustentem o gasto declarado de forma válida, demonstrando também que foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC do próprio SP, nos termos do n.º 1, 2 e 3 do art.º 23 do CIRC, então de acordo com a al. c) do n.º 1 do art.º 23º-A do CIRC, não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável”.
BB. A Requerente juntou os documentos denominados por “Documentos” n.º 28 a 32 que se referem a extratos contabilísticos das contas da classe de terceiros, em relação aos quais não apresenta qualquer documento de suporte aos movimentos efetuados relativos à correção no valor de € 244.674,12 (Conta 62210000) (III.4.3 b) do RIT),
CC. Relativamente à correção no valor de € 308.572,70 (Conta 69890002) (III.4.3 c) do RIT), a Requerente juntou os documentos denominados por “Documentos” n.º 33 a 44 os quais se referem à declaração de dívida e acordo de pagamento entre a “D...” e a “O...” (Anexo n.º 33); os anexos 34 a 39 referem-se a extratos contabilísticos das contas e subcontas da classe 7; o anexo 40 refere-se ao contrato de compra e venda de ações entre a “U...”, a “D...”, o anexo 41 refere-se ao contrato de compra e venda de ações entre a “D...” e a “EE... .
DD. O montante que corresponde à contraprestação pela realização de serviços de manutenção e gestão dos parques eólicos de ..., ..., ... e ... titulado pelas faturas n.º 1414200682, n.º 1414200683, n.º 1414200684, n.º 1411200171, n.º 1414200685, n.º 1411200688 e n.º 1414200687, todas datadas de 31 de dezembro de 2017, emitidas pela entidade K..., S.A; (cfr. art.º 310 do PPA e art.º 60 da Resposta).
EE. A D... vendeu as ações que detinha nas sociedades U..., S.A., V..., S.A. e O..., S.A.
FF. Os Documentos” n.º 49 e 50 juntos com o PPA referem-se a contratos de prestação de serviços de contabilidade, tesouraria, cumprimento de obrigações fiscais/legais e gestão do financiamento de projetos, no âmbito do “Project Finance”, assim como apoio administrativo entre a “D...” e as filiais (“O...” e V...”).
3.2. Factos não provados
Não se provou que o contrato de venda, à entidade W..., S.A., das ações que detinha na sociedade O..., S.A. (junto pela Requerente como doc. 47 ao PPA) incluísse um “Compromisso específico de indemnización”, em virtude do qual a Requerente teve de executar trabalhos de manutenção no Parque Eólico de ... .
Não há outros factos não provados com relevância para a decisão
3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e teve em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
4. Matéria de direito
4. 1. Da legalidade da ação inspetiva
A Requerente alega a ilegalidade da ação inspetiva, por esta ter sido ordenada como inspeção interna e parcial e as correções feitas terem carácter global.
O artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), sob a epígrafe “Lugar do procedimento de inspeção”, dispõe nos seguintes termos:
Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
Quanto à distinção entre estes dois tipos de procedimentos, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária Anotado e Comentado, págs. 45-46, referem o seguinte:
“Quanto ao lugar da realização, o procedimento de inspeção pode classificar-se em procedimento interno e procedimento externo, consoante os atos que o integram se efetuem, respetivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas.
Note-se que para que possa ser classificado como interno, o procedimento deve materializar-se em atos, todos eles, praticados exclusivamente nos seus serviços, instalações ou dependências, designadamente através da análise formal e de coerência dos documentos. Caso contrário (isto é, caso existam atos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo.
O procedimento interno é uma espécie de inspeção cadastral, efetuada dentro dos próprios serviços de inspeção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba atividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração tributária limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma atividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma atividade de comprovação formal para verificação da exatidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo. No quadro desse procedimento interno pode a inspeção tributária solicitar informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correções em resultado do que for apurado.
O procedimento será externo quando os atos de inspeção sejam praticados, total ou parcialmente, nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso. Nesta atividade, já de cariz investigatório, visa-se verificar a exatidão dos valores declarados em função dos elementos que constam na sua contabilidade e documentos, se ocorre ou não 46 alguma omissão de valores e se os valores declarados estão de acordo com as normas de incidência tributária que são aplicadas à sua atividade. Sempre que o procedimento de inspeção vise a análise ou verificação da contabilidade, dos livros de escrituração ou outros documentos relacionados com a atividade do sujeito passivo inspecionado, o procedimento de inspeção deve classificar-se sempre como sendo de natureza externa e realiza-se, regra geral, nas instalações ou dependências onde aqueles elementos estejam ou devam estar localizados”.
Compulsando o Relatório de Inspeção Tributária elaborado no âmbito das ações inspetivas realizada à Requerente podemos verificar que pela Ordem de Serviço n.º O12019... de 28-05-2019 com Despacho de 14-06-2019 foi realizada uma inspeção externa ao exercício de 2017, com a deslocação ao local teve início em 05-12-2019,e a Ordem de Serviço a foi assinada pela Procuradora do SP, (cfr. o PA).
Haverá de concluir-se, neste contexto, que os atos de inspeção praticados no procedimento inspetivo realizado, pelo que a qualificação do procedimento como externo obedece à definição constante do artigo 13.º b) do RCPITA e não enferma de qualquer ilegalidade.
4.2. Questão decidenda
Está em causa nos presentes autos, como questão principal a decidir a eventual ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2022... e a consequente anulação parcial da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., datada de 13 de dezembro de 2021, e bem assim, da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., emitidas por referência ao período de tributação de 2017 e associadas à compensação n.º 2021....
Estão em causa a análise das correções associadas a:
4.2.1. Dedutibilidade do gasto associado à execução de uma garantia bancária na A...- € 623.469,68
Os SIT no procedimento inspetivo à sociedade A... e ao período de tributação de 2017 que esta registou na sua contabilidade, na conta 68880011 - Outros Gastos, o montante de € 623.469,68 que diz respeito a uma garantia prestada pelo financiamento bancário utilizado pela sociedade L... Ltd. (“L...”) (entidade detida pelas sub-holdings M... e N...).
Entendem os SIT que o gasto subjacente à garantia prestada, no valor de € 623.469,68, não é fiscalmente dedutível, para efeitos do apuramento do resultado fiscal relativo ao período de tributação de 2017, alegando que o mesmo “não pode ser aceite (...) por não ser um gasto suportado para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não tendo sido comprovada a indispensabilidade deste gasto para a atividade do SP”.
A Requerente alega que: “De acordo com o atual disposto no número 1 do artigo 23.o do Código do IRC, “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
A jurisprudência arbitral entende que são três os requisitos para que um gasto possa ser deduzido e que respeitam: (i) à “efetividade” do gasto; (ii) à “finalidade” do gasto; e (iii) à “documentação” do gasto.
(...)
De facto, o gasto foi efetuado, está devidamente documentado, e é justamente pela verificação desses requisitos que a AT pôde marcar a sua posição: a de que o sujeito passivo não foi capaz de comprovar a sua indispensabilidade face à atividade.
A A... é a detentora de 100% do capital social da M... e N... e, indiretamente, de 100% do capital social da L... .
Em razão da sua atividade de gestão das participações, a A... tem para com a sociedade dominada uma obrigação legal de se responsabilizar pelas dívidas, assumindo naturalmente esses gastos como necessários, dado serem absolutamente indispensáveis por resultarem de uma
Sendo legalmente responsável pelas dívidas das suas sociedades dominadas, a A... ficou como garante do financiamento contraído pela L... .
Defende a Requerente, a dedutibilidade fiscal do gasto em causa, não só por ter uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da A..., mas também por ter sido incorrido no interesse da mesma e no desenvolvimento do seu escopo societário, e ainda porque resulta de operações que visam garantir a obtenção de rendimentos ou, dito de outro modo, de manter o potencial da fonte produtora de rendimentos, sujeitos a imposto”.
Alega a AT na Resposta que:
“Dispõe o artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, que (...) Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, seguindo-se uma enumeração meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC.
A exclusão da menção «comprovadamente sejam indispensáveis», na atual redação não significa uma alteração radical nas regras da dedutibilidade.
Conforme consta na pág. 128 do Relatório Final da Comissão para a Reforma do IRC - 2013, na doutrina:
«... é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.»
O atual artigo 23.º do CIRC condiciona a relevância fiscal de gastos e perdas à verificação de que os mesmos sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Na presente correção está em causa a dedutibilidade de um gasto subjacente à garantia prestada pela Requerente para um financiamento bancário a uma sociedade participada.
Face a esta exigência de ligação dos gastos aos rendimentos sujeitos a IRC carece de demonstração em que medida o gasto suportado com a garantia prestada à sociedade dominada trouxe algum proveito para a sociedade dominante, demonstração que, com o devido respeito, não foi conseguida, nem sequer tentada.
Assim, perante o exposto, afigura-se-nos que se deverá manter a presente correção”.
Vejamos:
Em sede inspeção foi recolhido (PA pag. 112 e ss do pdf do PA_Parte2) o extrato do débito em conta do pagamento da alegada execução da garantia bancária.
Consta assim no PA (pág. 114 do pdf do PA -Parte 2) uma carta do X... Bank datada de 29/09/2017 dirigida à administração da L... .
A referida carta faz referência à garantia da II... 10M de RAND mas o débito em conta, por si só, não comprova em que termos a A... interveio na prestação da garantia, nomeadamente para se aferir como a sua intervenção se inseriu no âmbito e prossecução da sua atividade - elementos fundamentais para a verificação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
A descrição do Sujeito Passivo em sede de inspeção também não é clara pois refere que foi prestada garantia pela A... e o X... quando notifica da execução refere-se a uma garantia prestada pela II... .
É reconhecido pela AT que a atividade da A... (mesmo não sendo uma SGPS) consiste na gestão e controle das suas subsidiárias - RIT A... Parte 2 PA junto pág. 3.
É comumente reconhecido que um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Por sua vez, em relação ao funcionamento do ónus de prova, constitui jurisprudência pacífica que nesta sede tal ónus incide sobre o Sujeito Passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária). A este respeito, constitui pertinente orientação jurisprudencial que: “Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade” (cfr. os acórdãos do TCA Norte de 11-02-2016, proc. n.º 00080/03 e do TCA Sul de 02-02-2010, proc. n.º 03669/09 e de 16- 10-2012, proc. n.º 05014/11).
Em face do exposto, somos a concluir que a Requerente, mesmo exercendo a atividade de gestão e controle das suas subsidiárias, não logrou, aportar documentação que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.
Improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, mantendo-se a liquidação adicional e correspondentes juros compensatórios na parte correspondente à correção no valor de € 623.469,68.
4.2.2. Dedutibilidade de um gasto associado à aplicação do método do custo amortizado na A... - € 271.762,33.
A Requerente alega que:
“A A... era, com referência a 2017, titular de um crédito sobre a O..., no montante de Euro 3.059.728,00, montante este que já havia sido registado em anos anteriores como rédito (por contrapartida do registo da conta a receber).
Ora, no âmbito da alienação, em 2017, da participação detida no capital social na O..., foi estabelecido um acordo de pagamento que previa a quitação da contrapartida da alienação em 5 tranches de Euro 611.945,60 a realizar entre 2018 e 2022 (junta-se cópia do referido acordo como Documento n.º 8).
Neste sentido, e seguindo as melhores práticas contabilísticas, a A... procedeu à mensuração da dívida a receber da O..., através da aplicação do método do juro efetivo, razão pela qual, foi registado um gasto financeiro, no período de tributação de 2017, de Euro 271.762,33.
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No âmbito da alienação, em 2017, da participação detida no capital social na O..., foi estabelecido um acordo de pagamento que previa a quitação de um crédito da A... sobre a O... em 5 tranches de € 611.945,60 a realizar entre 2018 e 2022.
-
A A... procedeu à mensuração da dívida a receber da O..., através da aplicação do método do juro efetivo ao abrigo da NCRF 27, razão pela qual, foi registado um gasto financeiro, no período de tributação de 2017, de € 271.762,33.
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Alega ainda a Requerente que “seguindo as melhores práticas contabilísticas, a A... procedeu à mensuração da dívida a receber da O..., através da aplicação do método do juro efetivo, razão pela qual, foi registado um gasto financeiro, no período de tributação de 2017.” e que (…) de acordo com as normas contabilísticas em vigor à data dos factos, a ora Requerente procedeu à mensuração da dívida a receber da O... em conformidade com o disposto na NCRF 27.”
Refere ainda que (…) a certificação legal das contas do período de tributação de 2017 levada a cabo pela Y..., SROC, S.A., sem reservas, atesta que as demonstrações financeiras da Requerente retratam de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira, o desempenho e as alterações na posição financeira da Requerente (cfr. documento n.º 16 documento que é referente à CLC da D... e não da A...).
Contudo, tal como supra apresentado, os SIT defendem que o gasto contabilístico de Euro 271.762,33
registado no período de tributação de 2017 não deveria ter relevância do ponto de vista fiscal, por alegadamente não respeitar o disposto na alínea c) do número 2 do artigo 23.º do Código do IRC.
A título preliminar, importa notar que, de acordo com as normas contabilísticas em vigor à data dos factos, a ora Requerente procedeu à mensuração da dívida a receber da O... em conformidade com o disposto na NCRF 27.
(...)
Neste âmbito, importa salientar que, a fim de satisfazer os seus objetivos, as demonstrações financeiras podem incluir divulgações acerca de riscos e incertezas que afetem a entidade e quaisquer recursos e obrigações não reconhecidos no balanço.
Da certificação legal de contas, sem reservas, é possível concluir que as demonstrações financeiras da Requerente foram preparadas de acordo com o direito contabilístico, ou seja, de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites, conjunto de normas, regras e convenções que devem ser observados na política contabilística em geral e na elaboração das demonstrações financeiras em particular.
A este respeito, cumpre ainda apresentar considerações sobre a questão do ónus da prova.
De acordo com o número 1 do artigo 74.º da LGT, «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».
Acrescenta o número 2 que «Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária».
Estabelecendo ainda o número 1 do artigo 75.º da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AT, desde que as mesmas estejam de acordo com a legislação comercial e fiscal.
A Requerente nada omitiu, tendo, pelo contrário, disponibilizado todas as informações necessárias para o conhecimento da sua matéria tributável real, apresentando todos os documentos comprovativos para justificar a aplicação do método escolhido.
Neste âmbito, refira-se, uma vez mais, que, no período de tributação em apreço, as contas da Requerente foram auditadas (sem reservas!) por uma entidade externa.
Por todo o exposto, entende a Requerente que a perda no valor de Euro 271.762,33, resultante do
reconhecimento da dívida da sociedade O... pelo método do custo amortizado, deverá ser um gasto dedutível em sede de IRC, nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 23.º do Código desse mesmo imposto”.
A Requerida alega que:
“Verificaram os SIT no procedimento inspetivo à sociedade A... e ao período de tributação de 2017 que esta registou na sua contabilidade, na conta 6989 o valor de € 271.762,33 e que este corresponde à atualização da dívida da sociedade O... no valor de € 3.059.728,00.
De acordo com a análise efetuada, concluíram os SIT que o sujeito passivo procedeu à atualização do valor da divida, reconhecendo o valor da mesma ao custo amortizado, nos termos do disposto na alínea a) do parágrafo 12 da NCRF 27.
Em sede de procedimento de reclamação graciosa a Direção de Finanças de Lisboa observa que:
«Os passivos financeiros, apenas podem ser mensurados ao custo amortizado, no momento do seu reconhecimento inicial, e desde que essa dívida satisfaça cumulativamente todas as condições previstas no §13 da NCRF 27.
Atendendo as estas regras da NCRF 27, apenas se devem mensurar os ativos financeiros, as dívidas de terceiros ao custo amortizado, quando no momento do reconhecimento inicial, esteja desde logo acordado com o devedor que o pagamento dessa dívida será efetuado em condições de crédito a longo prazo, com pagamentos diferidos em datas pré-estabelecidas e com um juro associado».
Observa também que, perante a «...análise aos documentos antes identificados, não é possível concluir de forma diferente da análise e conclusão dos serviços de inspeção, uma vez que não ficou demonstrado o reconhecimento do rédito por parte da reclamante nos períodos subsequentes...»
Argumenta a Requerente que com referência a 2017, era titular de um crédito sobre a O..., no montante de € 3.059.728,00, montante este que já havia sido registado em anos anteriores como rédito (por contrapartida do registo de contas a receber).
E que, no âmbito da alienação, em 2017, da participação detida no capital social na O..., foi estabelecido um acordo de pagamento que previa a quitação da dívida em 5 tranches de € 611.945,60 a realizar entre 2018 e 2022.
Razão que alega para, seguindo as melhores práticas contabilísticas, proceder à mensuração da dívida a receber da O..., através da aplicação do método do juro efetivo, registando um gasto financeiro, no período de tributação de 2017, de € 271.762,33.
Ora em relação a esta correção proposta pelos SIT, perante os factos descritos e argumentos apresentados, a pretensão da Requerente não poderá ser, igualmente, atendida”.
“Os passivos financeiros, apenas podem ser mensurados ao custo amortizado, no momento do seu reconhecimento inicial, e desde que essa dívida satisfaça cumulativamente todas as condições previstas no §13 da NCRF 27.
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Atendendo as estas regras da NCRF 27, apenas se devem mensurar os ativos financeiros, as dívidas de terceiros ao custo amortizado, quando no momento do reconhecimento inicial, esteja desde logo acordado com o devedor que o pagamento dessa dívida será efetuado em condições de crédito a longo prazo, com pagamentos diferidos em datas pré-estabelecidas e com um juro associado.
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Ora, a taxa de juro imputada, deve ser a determinada nos termos o §11 NCRF 27, o que não foi inequivocamente demonstrado pela reclamante, nem em sede de procedimento inspetivo nem agora em sede de reclamação graciosa.
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Da análise aos documentos antes identificados, não é possível concluir de forma diferente da análise e conclusão dos serviços de inspeção, uma vez que não ficou demonstrado o reconhecimento do rédito por parte da reclamante nos períodos subsequentes, bem como, não ficou claramente demonstrado se a taxa de juro aplicada foi calculada de acordo com a NCRF27, dado que os financiamentos utilizados como referência tinham caraterísticas diferentes da dívida em análise, e não juntou nesta sede qualquer documento que suportasse tais critérios por si definidos”.
Vejamos
Em sede de RIT fundamentavam os SIT que: (P.11 RIT à A... – Parte 2 do PA)
Para melhor enquadramento e desenvolvimento da decisão que aqui nos ocupa, vejamos algumas considerações sobre Norma Contabilística e de Relato Financeiro 27 (NCRF 27).
A NCRF 27 tem por base as Normas Internacionais de Contabilidade IAS 32 — Instrumentos Financeiros: Apresentação, IAS 39 - Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 - Instrumentos Financeiros - Divulgação de Informações, adotadas pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro.
Com especial relevância para a questão em análise debrucemo-nos sobre os conceitos de reconhecimento inicial e mensuração e taxa de juro efetiva.
Uma entidade deve reconhecer um ativo financeiro, um passivo financeiro ou um instrumento de capital próprio apenas quando a entidade se torne uma parte das disposições contratuais do instrumento ao justo valor conforme decorre do §6 e §10 da NCRF 27 e §14 e §43 da IAS 39 (redação vigente à data dos factos).
Um ativo financeiro é qualquer ativo que seja um direito contratual de receber dinheiro ou outro ativo financeiro de outra entidade (vide §5 NCRF 27).
Nos termos da alínea c) do §11 da NCRF 27, após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar, em cada data de relato, todos os ativos financeiros pelo justo valor com as alterações de justo valor reconhecidas na demonstração de resultados, exceto quanto a ativos financeiros que a entidade designe, no momento do seu reconhecimento inicial, para ser mensurado ao custo amortizado (utilizando o método da taxa de juro efetiva) menos qualquer perda por imparidade.
Diz-nos o § 16 da NCRF 27 que são exemplos de instrumentos financeiros mensurado ao custo amortizado clientes e outras contas a receber ou a pagar, bem como empréstimos bancários, uma vez que satisfaçam tipicamente as condições previstas no § 12 da NCRF 27.
Por sua vez, estabelece o §12 da NCRF 27 que: “Um ativo financeiro pode ser designado para ser mensurado ao custo amortizado se satisfizer todas as seguintes condições:
a) Seja à vista ou tenha uma maturidade definida;
b) Os retornos para o seu detentor sejam i) de montante fixo, ii) de taxa de juro fixa durante a vida do instrumento ou de taxa variável que seja um indexante típico de mercado para operações de financiamento (como por exemplo a Euribor) ou que inclua um spread sobre esse mesmo indexante; e
c) Não contenha nenhuma cláusula contratual que possa resultar para o seu detentor em perda do valor nominal e do juro acumulado (excluindo-se os casos típicos de risco de crédito).
No §5 da NCRF 27 vem definido que o Método do juro efetivo: é um método de calcular o custo amortizado de um ativo financeiro ou de um passivo financeiro (ou grupo de ativos financeiros ou de passivos financeiros) e de imputar o rendimento dos juros ou o gasto dos juros durante o período relevante. A taxa de juro efetiva é a taxa que desconta exatamente os pagamentos ou recebimentos de caixa futuros estimados durante a vida esperada do instrumento financeiro ou, quando apropriado, um período mais curto na quantia escriturada líquida do ativo financeiro ou do passivo financeiro.
Diz-nos ainda o §17 da NCRF 27 que “uma entidade não deve alterar a sua política de mensuração subsequente de um ativo ou passivo financeiro enquanto tal instrumento for detido, seja para passar a usar o modelo do justo valor, seja para deixar de usar esse método”.
Centrados agora nos factos concretos, resulta da análise à declaração de dívida e acordo de pagamento celebrado entre a A... e a O..., junta como documento 8, com o PPA que o crédito que nos ocupa resulta da agregação de créditos que a primeira já tinha a receber da segunda relativamente ao apuramento do IRC de 2016 e de anos anteriores, e por isso reconhecidos na sua contabilidade, por efeito da sociedade estar abrangida pelo RETGS e nesse quadro o imposto apurado individualmente pela O... dar lugar a um crédito a receber pela sociedade dominante (no caso a A...) - conforme igualmente apurado pelos SIT e descrito na pág. 10 do RIT da A... .
Crê-se assim que a celebração da declaração de dívida e acordo de pagamento entre a A... e a O..., consistiu numa revisão das condições de recebimento dos respetivos créditos (sublinhe-se créditos já reconhecidos na contabilidade em anos anteriores) com condições específicas, nomeadamente quanto ao prazo de pagamento, o que à luz da NCRF 27.
Neste contexto, acompanhando o que foi já dito em jurisprudência arbitral[1] (…) existe uma regra expressa no § 17 da NCRF 27: uma entidade não deve alterar a sua política de mensuração subsequente de um ativo ou passivo financeiro enquanto tal instrumento for detido, seja para passar a usar o modelo do justo valor, seja para deixar de usar esse método.
Ou seja as requalificações contabilísticas de ativos financeiros, com as consequentes mudanças de critérios de mensuração utilizados, estão legalmente excluídas. Estamos perante uma norma especial que, relativamente ao seu campo de aplicação exclui a invocação de normas gerais que, eventualmente, disponham em sentido diferente. O § 17 da NCRF 27, ao não permitir a reclassificação dos instrumentos financeiros, visa evitar manipulações contabilísticas numa área que pode ter reflexos sérios na situação financeira e no desempenho de uma entidade.”
Em face do exposto, cabe ao Tribunal Arbitral decidir à luz do normativo específico aplicável e não outro.
Daqui temos de concluir que, à luz do normativo aplicável, em concreto o §17 da NCRF 27, conciliado com o respeito pelo princípio da dependência parcial do apuramento do lucro tributável face ao lucro contabilístico (previsto no artigo 17.º do CIRC), a alteração na mensuração dos créditos a receber realizada pela A..., por aplicação do custo amortizado, não poderá ter relevância fiscal, não devendo por isso ser atendida a pretensão da Requerente neste ponto.
4.2.3. Da correção de € 409.196,97 - uso da marca P...
Por despacho de 13/03/2023, da Subdiretora-geral da área de IR, foi parcialmente revogado o ato ora impugnado, relativamente à correção de € 409.196,97, com a seguinte fundamentação:
“O artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, dispõe que “(...) Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, seguindo-se uma enumeração meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC.
Nos termos da alínea g) do n.º 2 desta norma consideram-se abrangidos no conceito de gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo as depreciações e amortizações.
Determina ainda o n.º 3 que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
Dispõe o artigo 29.º do CIRC
Artigo 29º (Elementos depreciáveis ou amortizáveis)“1 – São aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais:
a) Os ativos fixos tangíveis e os ativos intangíveis;”
...
2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se sujeitos a deperecimento os ativos que, com caráter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.
E o artigo 16.º do Decreto Regulamentar 25/2009
Artigo 16.º - Ativos intangíveis
1- Os ativos intangíveis são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.
2- São amortizáveis os seguintes ativos intangíveis:
...
b) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.
3- Exceto em caso de deperecimento efetivo, devidamente comprovado e reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não são amortizáveis:
...
b) Elementos mencionados na alínea b) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas.
Segundo os SIT o ativo intangível em causa é uma marca ou direito assimilado, foi reconhecido nas contas da D... de acordo com a norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 6, foi adquirido a título oneroso e não tem vigência temporal limitada;
Perante os dados analisados concluíram que o ativo intangível não está sujeito a deperecimento e que as amortizações contabilizadas, no montante de € 409.196,97, não poderiam ser aceites fiscalmente como gasto do exercício em análise.
Como refere, a Recorrente contabilizou, no período em análise, um rendimento no montante de € 409.196,97, associado à cedência do direito de utilização da marca “P...” à sociedade D... .
Ora, na esfera da D..., levanta-se desde logo a dúvida sobre se o valor em causa não deveria ser registado na contabilidade como gasto ao invés de ser registado como ativo intangível e amortizado a 100% no exercício.
Do ponto de vista contabilístico a NCRF 6 - "Ativos Intangíveis", estabelece os critérios de reconhecimento e de mensuração, bem como as informações a serem divulgadas, relativas aos dispêndios associados a este tipo de ativos.
Segundo esta norma contabilística mostra-se necessária a existência de três condições para que um dispêndio possa ser definido como um ativo intangível: identificabilidade, controlo e benefícios económicos futuros.
Um ativo intangível satisfaz a condição de identificabilidade quando este for separável do conjunto da entidade, de modo a que possa ser vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, ou então, quando este resultar de direitos contratuais ou legais separáveis da entidade.
Ora do que nos é dado analisar o valor aqui em causa não preenche este critério de identificabilidade, desde logo porque não houve a aquisição a titulo oneroso de um elemento da propriedade industrial (marca), mas sim um pagamento à sociedade dominante pela utilização da marca durante um período específico de tempo, neste caso um ano.
Por isso, se bem entendemos, não havendo a aquisição a título oneroso da marca a sociedade D... não a pode vender, transferir ou licenciar, e como tal não deveria o dispêndio anual com a sua utilização ser registado como ativo intangível, mas sim, diretamente, como gasto do período.
Assim, o dispêndio com a utilização da marca e a sua dedutibilidade para a determinação do lucro tributável, não deveria ser analisado à luz do artigo 29.º do CIRC e artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, pois o valor em causa não deve ser considerado como ativo intangível.
Aqui chegados, verificando-se que os SIT não puseram em dúvida que a utilização da marca não tenha contribuído para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC parece difícil de aceitar que os
gastos suportados com a utilização dessa marca não sejam considerados para a determinação do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
Tanto mais que, como já referimos atrás, a utilização da marca está suportada numa fatura anual, de montante variável pois é determinado em função do volume de negócios, e que a Requerente na qualidade de emitente da fatura, regista na sua contabilidade como proveito.
Acresce que, se houvesse dúvidas sobre a não classificação enquanto ativo intangível, em boa verdade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º-A do CIRC, o valor seria aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 anos após o reconhecimento inicial, dado que em 2017 não existia ainda o travão da não aplicação desta norma aos ativos intangíveis adquiridos a entidades com relações especiais”.
Esta correção de € 409.196,97 foi anulada em momento posterior ao da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
Tal facto somente chegou ao conhecimento do Tribunal Arbitral em fase posterior com a apresentação da resposta da Requerida e pela menção pela Requerente nas suas alegações: “Quanto aos gastos da D... associados à utilização da marca A..., no valor de € 409.196,97, já entendeu a AT serem os mesmos dedutíveis, por revogação da correção respetiva”; (Cfr. art.º 9 das Alegações).
Daqui resulta que, analisados os autos e, designadamente o despacho de revogação, verifica-se que a correção, no montante de € 409.196,97 terá sido anulada e, nessa medida, revogado parcialmente o ato tributário sob impugnação.
A Requerente veio, em sede de alegações, referir-se a este despacho de revogação mas não informou os autos se a sua pretensão, nessa matéria, se mostrava plenamente atendida e executada, pelo que se remete para a execução do julgado tal confirmação.
4.2.4. Não dedutibilidade do gasto associado à execução de uma garantia bancária na D... - € 1.426.184,11.
Alega a Requerente que “a República Federativa do Brasil promoveu inúmeros leilões tendo em vista o estabelecimento de parques para a produção de energia eólica.
Neste contexto, a D..., concorreu a tais leilões através das suas subsidiárias no Brasil (cuja holding regional era a Z...).
Nesta sequência, foi possível ganhar o leilão para o desenvolvimento de dois parques eólicos no Estado Brasileiro ..., com uma potência total estabelecida de 42MW.
Para o que no presente caso importa, um dos referidos parques corresponde ao Parque Eólico ..., sito no Município de ..., com uma potência de 30MW, atribuída em leilão, e cuja construção teve início em 2013.
De referir que a atribuição deste parque em leilão foi atribuída ao consórcio Q..., do qual faziam parte a Q..., Ltda e a I..., S.A., entidade esta que foi alvo da correção proposta pelos SIT.
no âmbito do referido Leilão n.º .../2011-ANEEL (vide item 13.1 do Edital do Leilão n.º .../2011 o qual se junta como Documento n.º 22) e respetiva adjudicação, uma das condições necessárias era a constituição de uma “Garantia de Fiel Cumprimento no valor de 5% do valor do investimento declarado à Empresa de Pesquisa Energética - EPE”, a qual deveria ter como entidade beneficiária a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”).
Neste sentido, foi celebrado no final de 2011, um Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Garantia Fidejussória entre o R..., S.A. – Banco de Investimento (Fiador) e a S..., S.A. (Afiançada), entidade de “Propósito Específico” constituída pelo Consórcio Q... para o recebimento da outorga decorrente do Leilão.
Ao abrigo do referido Instrumento, foi constituída uma Fiança no montante de Reais 5.871.600, a qual teria como data de vencimento 2 de junho de 2014.
(...)
Paralelamente à celebração do Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Garantia Fidejussória entre o R..., S.A. – Banco de Investimento (Fiador) e a S..., S.A., foi celebrada uma Stand-by letter através da qual a D... (ordenante) solicitou que, em caso de execução da fiança, o Banco T..., S.A. procedesse ao pagamento integral da mesma ao R..., S.A. – Banco de Investimento.
Uma vez justificada a constituição, por imposição do Leilão, da constituição da garantia e a necessidade de existência de uma Standby letter em nome da D..., passemos então a explicitar os motivos que levaram à execução da referida fiança.
Para o desenvolvimento dos projetos no Brasil, o plano de negócios pressuponha um quadro de financiamento composto, quer por capitais próprios do Grupo AA..., quer por capitais alheios.
Nesse contexto, recorreu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”), concretamente a uma linha de crédito criada pela República Federativa do Brasil para apoiar este tipo de projetos.
Contudo, o acesso à referida linha de crédito, teve como contrapartida a imposição de um lote restrito de fornecedores de aerogeradores distinto dos fornecedores habituais do Grupo em Portugal, tendo sido designada para o efeito a empresa brasileira BB... .
Posteriormente, em 2014, o Grupo CC... (detentor da BB...) entrou em insolvência, não tendo cumprido com as suas obrigações de entrega para com as subsidiárias da Z... no Brasil, o que constitui uma limitação enorme à prossecução da atividade das mesmas.
Com efeito, tal restrição impossibilitou o cumprimento, por parte das subsidiárias da Z... no Brasil, das outorgas concedidas pela ANEEL para a implantação dos referidos parques eólicos, tendo inclusivamente sido proposto àquela agência um plano de viabilização dos empreendimentos com isenção da responsabilidade dos promotores.
(...)
não tendo sido possível cumprir com as respetivas obrigações contratuais celebradas junto da ANEEL, veio esta entidade notificar em novembro de 2016 da situação de default e, posteriormente, em agosto de 2017 proceder à execução da garantia constituída em seu favor.
Nesta sequência, foi executada a respetiva garantia bancária sendo que o pagamento, tal como constava da Stand-by letter, concretizado através da conta bancária da D... no, agora denominado, HH... para a esfera do Banco T... Brasil, S.A. para efeitos da execução da fiança oportunamente apresentada nos termos acima descritos.
em face do exposto, verifica-se que a D... tinha legitimidade, como parte integrante do consórcio em apresentar a referida Stand-by letter e assumir o gasto em causa, sendo que o mesmo em nada se relaciona com uma operação e amortização ou liquidação de capital, mas sim com um gasto associado à execução de uma garantia bancária (fiança), relativamente a um projeto do qual a D... era parte integrante”.
A Requerida defende que:
“Verificaram os SIT no procedimento inspetivo à sociedade D... e ao período de tributação de 2017 um lançamento na conta 68880011 - Outros gastos e perdas, no montante de € 1.426.184,11, tendo como suporte um documento bancário do HH... .
Sobre este valor a Requerente deu a seguinte explicação:
“Este custo corresponde à apresentação à cobrança da Stand-by letter contragarante da garantia bancária apresentada à entidade reguladora brasileira do mercado energético para licenciamento do projecto eólico de Paracuru. Este projecto não foi possível de realizar devido a diversos problemas, sendo o principal, a falência do fornecedor de aerogeradores. Como não foi cumprido os prazos decorrentes do licenciamento, a entidade reguladora exerceu a garantia bancária first- demand, tendo a entidade bancária exercido em consequência a stand by contragarante.”
Em sede de procedimento de reclamação graciosa, refere-se na informação/projeto de decisão «... da análise, nesta sede, aos documentos antes identificados, se concluiu que, para além do facto de alguns destes documentos não serem válidos para os efeitos aqui pretendidos, não se verifica comprovado, igualmente nesta sede, que o gasto tenha sido suportado».
A presente correção é em tudo semelhante à que foi proposta à sociedade A..., no valor de € 623.469,68 e já analisada anteriormente.
Sendo assim, os argumentos da Requerente e os documentos juntos ao pedido arbitral são, no essencial, os mesmos.
Por isso tal como referimos anteriormente, afigura-se-nos, que o gasto associado à execução da garantia bancária deverá ser analisado, tal como o foi pelos SIT, à luz da redação do artigo 23.º do Código do IRC que determina que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Assim perante esta exigência de ligação dos gastos aos rendimentos sujeitos a IRC carece de demonstração em que medida o gasto suportado com a garantia prestada à subsidiária brasileira S... trouxe algum proveito para a sociedade D..., demonstração que, em nosso entendimento, não foi conseguida, nem sequer tentada”.
Perante o exposto, entendemos que se deverá manter a presente correção.
Vejamos
Tal como anteriormente referido, os SIT defendem que o gasto de Euro 1.426.184,11 registado na contabilidade na #68880011 – Outros gastos e perdas, não deverá ser fiscalmente dedutível, em sede de IRC, na medida em que estamos perante uma execução de uma garantia, pelo que não deveria constituir-se um gasto contabilístico e, como tal, ao abrigo do disposto na alínea c) do número 2 do artigo 23.º do Código do IRC, as operações relacionadas com a amortização ou liquidação do capital ficam excluídas do conceito de gasto.
A D..., concorreu a tais leilões através das suas subsidiárias no Brasil (cuja holding regional era a Z...).
A atribuição deste parque em leilão foi atribuída ao consórcio Q..., do qual faziam parte a Q..., Ltda e a I..., S.A., entidade esta que foi alvo da correção proposta pelos SIT, conforme documento n.º 21 junto ao PPA.
Foi constituída uma Fiança no montante de Reais $ 5.871.600, a qual teria como data de vencimento 2 de junho de 2014, conforme documento n.º 23 junto com o PPA.
Paralelamente à celebração do Instrumento Particular de Contrato de Prestação de Garantia Fidejussória entre o R..., S.A. – Banco de Investimento (Fiador) e a S..., S.A., foi celebrada uma Stand-by letter através da qual a D... (ordenante) solicitou que, em caso de execução da fiança, o T..., S.A. procedesse ao pagamento integral da mesma ao R... do Brasil, S.A. - Banco de Investimento (documentação junta como documento n.º 29 ao PPA).
Nos termos do edital do concurso era possibilitada a criação de uma SPE pelo consórcio para dar seguimento ao projeto em caso de vencimento, bem como recomendado que sendo utilizada uma SPE a garantia a prestar seja dada em nome da SPE.
Para obterem a garantia necessária o T... Brasil apenas o fez tendo uma contragarantia (do T... PT) para a qual figura a D... como ordenante.
A documentação da ANEEL contém possibilidade de validação online - Este documento pode ser verificado no endereço eletrônico http://www.in.gov.br/autenticidade.html, pelo código ... .
Pelas mesmas razões já adensadas acima, à luz do normativo aplicável, e em detalhe quanto ao funcionamento do ónus de prova que incide sobre o Sujeito Passivo, somos a concluir que a Requerente, não logrou, aportar documentação que permita retirar dos dados probatórios a convicção quanto à conexão com a sua atividade, impossibilitando, desta forma, a formulação de um juízo positivo sobre a indispensabilidade desses gastos para a geração do rendimento sujeito a imposto.
Assim, improcede o pedido de anulação devendo manter-se a correção realizada pela AT no valor de € 1.426.184,11.
4.2.5. Dedutibilidade de um acréscimo de gastos da D... - € 244.674,12
A D... alega que foi reconhecendo ao longo dos anos inúmeros acréscimos de proveitos que correspondiam à expetativa da faturação que viria a ser emitida no contexto de um projeto que estava a desenvolver em consórcio em Moçambique.
Em 2017 procedeu-se à revisão em baixa da estimativa do valor a faturar, face à evolução negativa do projeto e da incapacidade que um dos consórcios manifestou em cumprir com as suas obrigações financeiras, registando um acréscimo de gastos na #62210000 por contrapartida da conta de balanço #27220009, no montante de € 244.674,12.
Alega ainda que os réditos foram sempre sujeitos a tributação ao longo dos anos em que foram registados, ou seja, sujeitos a IRC, na medida em que não foi realizada qualquer dedução dos mesmos nas respetivas declarações de rendimentos modelo 22 submetidas.
Entende assim a Requerente que a referida redução do rédito de € 244.674,12 deverá ser fiscalmente relevante em 2017, tal como foi o rédito reconhecido em períodos de tributação anteriores.
A Requerida defende na Resposta que:
“Sobre este valor referem os SIT a páginas 15 e 16 do relatório de inspeção “Neste caso não existe qualquer documento de suporte ao gasto contabilizado. Tudo o que foi alegado pelo SP não tem a comprovação documental exigida pelo no 3 do arto 23.º do CIRC. Da sua análise verifica-se ainda que existe a menção de “estimativa de fees da D... que seria facturado ao projecto caso ele se realizasse”. Ora, a estimativa em si não é um gasto aceite fiscalmente, somente os incorridos e comprovados documentalmente. É referido que existia ainda a possibilidade de ser facturado ao projecto, mas como não foi, então foi registado pelo SP com este lançamento. Ora, demonstra-se assim também, que não foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC do SP, mas sim de terceiros.
...
Ora, mais uma vez se releva que não foram apresentados documentos que sustentem o gasto declarado de forma válida, demonstrando também que foi incorrido ou suportado para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC do próprio SP, nos termos do número 1, 2 e 3 do artigo 23.º do CIRC, e então de acordo com a alínea c) do n.º 1 do arto 23º-A do CIRC, não é dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável”.
Vejamos:
O princípio da especialização ou do acréscimo encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC, o qual determina que os rendimentos e os gastos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento. Por outras palavras, em determinado exercício, devem ser contabilizados os rendimentos, e também os gastos, que nele efetivamente tenham sido realizados.
A aceitação do gasto depende da demostração de que os acréscimos de proveitos foram efetivamente tributados em anos anteriores de modo a que a reversão desse rendimento por revisão/não concretização do valor a faturar possa ser dedutível.
A Requerente juntou aos autos extratos contabilísticos que demostram o saldo de acréscimos realizados (doc. 33) mas não demostra, ano a ano o registo do acréscimo em conta de rendimentos com a respetiva inclusão no Resultado Líquido do período que serviu de base à determinação do Lucro Tributável desse período em conjunto com as respetivas declarações Modelo 22 de cada ano.
Pelo exposto, improcede o pedido de anulação devendo manter-se a correção realizada pela AT, no valor de € 244.674,12.
4.2.6. Dedutibilidade de um gasto associado à aplicação do método do custo amortizado associada a uma dívida da O... - € 308.572,70.
A Requerente defende que:
“ (...) a presente situação é similar à situação anteriormente identificada para a A..., pese embora os fundamentos da correção proposta sejam distintos.
À semelhança da A..., a D... era, com referência a 2017, titular de um crédito sobre a O... .
A D... procedeu à mensuração da conta a receber da O..., através da aplicação do método do juro efetivo, razão pela qual, foi registado um gasto financeiro (em conformidade com o disposto na NCRF 27), no período de tributação de 2017, de Euro 308.572,70.
De referir que o gasto de Euro 308.572,70 foi reconhecido, tendo tido como contrapartida a #2783.
(...)
De recordar também que as contas foram auditadas, sem reservas, por entidade externa (cfr. Documento n.º 16) e que tais rendimentos foram tributados no passado.
Não pode o gasto não ser considerado para efeitos do apuramento do lucro tributável”.
A Requerida alega que :
“Os SIT verificaram no procedimento inspetivo à sociedade D... e ao período de tributação de 2017 que esta registou na sua contabilidade, na conta 6989 o gasto financeiro no valor de € 308.572,70, valor este que foi considerado na determinação do lucro tributável desse exercício.
Em sede de procedimento de reclamação graciosa, mantiveram-se as correções por se entender da análise aos documentos juntos ao processo que estes não se mostram suficientes para demonstrar a dedutibilidade fiscal dos referidos gastos.
Esta situação é em tudo semelhante à situação já analisada anteriormente pelo que se remete para esta correção o que aí foi referido.
Ora junto ao pedido arbitral a Requerente apresentou cópia do contrato de pagamento e quitação da dívida em cinco anos celebrado entre a “D...” e a “O...”, e cópias dos extratos contabilísticos das contas de “outros ganhos financeiros” da empresa “DD...”.
Analisados esses documentos, que já haviam sido analisados em sede de procedimento inspetivo e reclamação graciosa, não é possível concluir de forma diferente, ou seja os documentos que junta não permitem demonstrar, sem margem para dúvidas, que o gasto financeiro aqui em causa foi reconhecido no rédito nos períodos subsequentes.
Deverão assim improceder os argumentos da requerente e manter-se a correção aqui em causa.
Vejamos
À semelhança da A..., a D... era, com referência a 2017, titular de um conjunto de créditos sobre a O..., decorrente de serviços prestados e cujos documentos datam de 2016 e 2017 conforme se extrai do Anexo 1 da declaração de dívida e acordo de pagamento, junto como documento 38 ao PPA.
Na informação de suporte à decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa diz a Requerida que:
“Atendendo às referidas regras da NCRF 27, apenas se devem mensurar os ativos financeiros, neste caso em concreto, as dívidas de terceiros ao custo amortizado, quando no momento do reconhecimento inicial, esteja desde logo acordado com o devedor que o pagamento dessa dívida será efetuado em condições de crédito a longo prazo, com pagamentos diferidos em datas pré-estabelecidas e com um juro associado.
Ora, quando o acordo constitua efetivamente uma transação de financiamento, o justo valor da retribuição é determinado descontando todos os recebimentos futuros, usando uma taxa de juro imputada, que deve ser a determinada nos termos o §11 NCRF 27, o que não foi inequivocamente demonstrado pela reclamante, nem em sede de procedimento inspetivo nem agora em sede de reclamação graciosa.
Assim, face ao antes exposto e da análise aos referidos documentos não foi possível verificar o
alegado, uma vez que estes documentos não se mostram suficientes para demonstrar inequivocamente, que estão reunidos todos os pressupostos contabilísticos e fiscais, antes referidos para que a dedutibilidade fiscal dos referidos gastos opere”.
Pelas mesmas razões já adensadas acima, à luz do normativo aplicável, em concreto o §17 da NCRF 27, conciliado com o respeito pelo princípio da dependência parcial do apuramento do lucro tributável face ao lucro contabilístico (previsto no artigo 17.º do CIRC), a alteração na mensuração dos créditos a receber realizada pela A..., por aplicação do custo amortizado, não poderá ter relevância fiscal, não devendo por isso ser atendida a pretensão da Requerente.
Neste ponto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão mantendo-se as correções realizadas pela AT no valor de € 308.572,7.
4.2.7. Despesas incorridas na manutenção de parques eólicos, por parte da D... - € 2.500.000,00.
De acordo com os SIT, não foi aceite, como gasto fiscal em sede de IRC, o montante total de € 2.500.000,00 associado ao registo de diversas faturas pela prestação de serviços, na medida em que os mesmos não correspondem a gastos “(...) incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do no 1 do art.º 23 do CIRC, pelo que não são dedutíveis em IRC”.
A Requerente alega que:
“A 26 de abril de 2017 a D... celebrou um contrato de compra e venda das ações que detinha na sociedade U..., S.A. com a entidade EE..., SGPS, S.A.
Nos termos desse contrato (cfr. Documento n.º 45), a D... vendeu à EE..., SGPS, S.A. a
totalidade das ações e suprimentos detidos sobre a sociedade U..., S.A. pelo preço global de Euro 5.348.500,00.
A D... prestava à data serviços de gestão do Parque Eólico de ..., propriedade da U... S.A.
No âmbito do contrato de compra e venda das ações que detinha na sociedade U..., S.A., o anexo 2 do mesmo previa as “Declarações e Garantias da Vendedora”, i.e, da D..., nos termos das quais e relativamente ao parque eólico se estabelecia que «a Sociedade é titular de todos os direitos individualizáveis sobre o Parque Eólico, nomeadamente, dos direitos de construção, instalação e operação e exploração do mesmo, nos termos prazos e condições constantes dos Contratos e Licenças constantes do Data Room, dos quais tais direitos decorrem, estando todos os elementos corpóreos da mesma em bom estado de conservação e manutenção atendendo o seu uso normal e corrente».
Por sua vez, a 27 de abril de 2017 a D... concluiu um contrato de compra e venda das ações que detinha na sociedade V..., S.A. com a mesma entidade referida supra (cfr. Documento n.º 46), pelo preço acordado de Euro 29.149.000,00.
À semelhança dos serviços prestados à U..., S.A., a D... prestava serviços de gestão associados à Central Fotovoltaica ..., propriedade da entidade V..., S.A.
Também este último contrato de compra e venda continha um anexo referente às “Declarações e Garantias da Vendedora”, no qual se previa relativamente à Central Fotovoltaica que «A Sociedade é titular da Central Fotovoltaica, incluindo todos os direitos individualizáveis sobre a Central Fotovoltaica, nomeadamente, dos direitos de construção, instalação e operação e exploração do mesmo, nos termos prazos e condições constantes dos Contratos e Licenças constantes do Data Room, dos quais tais direitos decorrem, estando todos os elementos corpóreos da mesma em bom estado de conservação e manutenção atendendo o seu uso normal e corrente».
E, por fim, no dia 3 de agosto de 2017, a D... procedeu também à venda, à entidade W..., S.A., das ações que detinha na sociedade O..., S.A. pelo preço de Euro 5.000.000,00 (vide Documento n.º 47).
A D... prestava também serviços de gestão e manutenção dos parques eólicos detidos pela O..., S.A., ou seja, do Parque Eólico de ... e do Parque Eólico de ... .
De acordo com o mencionado no certificado de encerramento da operação de venda, no contrato estava previsto o “Compromisso especifico de indemnización”, em virtude do qual a D... teve de executar trabalhos de manutenção no Parque Eólico de ... (cfr. Documento n.º 47).
Não obstante as operações de venda de ações levadas a cabo pela ora Requerente, esta prosseguiu com o desenvolvimento da sua atividade nos mesmos termos que, até ao momento, havia desenvolvido.
De realçar, a este respeito, que era a D... que procedia à gestão e manutenção dos parques acima mencionados ao abrigo dos contratos de manutenção e gestão dos parques eólicos firmados pelas entidades suas participadas, celebrados entre a D... e cada uma das entidades (cfr. Documentos n.º 48 a 50).
Com efeito, estabeleciam os contratos que a D... era responsável pelos serviços de operação e manutenção do equipamento, assegurando o seu bom estado de conservação, garantindo o respetivo funcionamento e a disponibilidade para produzir energia.
De referir que o facto de, conforme acima referido, no ano 2017 a Requerente ter alienado as participações sociais que detinha nas sociedades FF..., S.L. – Sociedad Unipersonal (através da entidade GG... S.L.), U..., S.A., V..., S.A. e O..., S.A., em nada alterou a sua função/atividade – até pela posição contratual – de prestadora de serviços de manutenção e gestão dos parques eólicos e solares detidos por aquelas entidades.
De salientar que o montante acima identificado corresponde à contraprestação pela realização de serviços de manutenção e gestão dos parques eólicos de ..., ..., ... e ....
Especificamente, referiram-se aqueles Serviços às faturas n.º 1414200682, n.º 1414200683, n.º 1414200684, n.º 1411200171, n.º 1414200685, n.º 1411200688 e n.º 1414200687, todas datadas de 31 de dezembro de 2017, emitidas pela entidade K... a, S.A.
Consideraram os SIT que «todos os parques eólicos e solares [...] eram propriedade das sociedades V..., S.A., U..., S.A. e O..., S.A. Todas eram detidas a 100% pelo SP. As duas primeiras foram vendidas em Abril de 2017 e a O... S.A. em Setembro de 2017. Assim pode-se concluir que todas as faturas se referem a gastos das antigas sociedades participadas, alienadas pelo SP em data anterior à da sua emissão».
No âmbito destas vendas, e uma vez que os Parques em questão não estavam nas melhores condições de conservação, a D... teve de incorrer em gastos com a manutenção dos mesmos.
Com efeito, foi necessário incorrer numa prestação de serviços adicional por parte da K... de modo a garantir que os parques estavam na plenitude do seu funcionamento, aspeto que era fundamental para a efetiva concretização das operações de alienação.
Ora, é do entendimento da Requerente que o gasto reconhecido pela D... no âmbito da manutenção efetuada é integralmente dedutível, uma vez que tal manutenção é inerente à sua atividade e indispensável para garantir o cumprimento das obrigações contratuais acima previstas, evitando potenciais penalidades.
(...)
A Requerente entende que o procedimento de aceitação do gasto registado na contabilidade da D... de Euro 2.500.000,00 deverá ser considerado relevante para efeitos da determinação do seu lucro tributável.
A Requerida alega que: “Entenderam os SIT no procedimento inspetivo à sociedade D... e ao período de tributação de 2017 não aceitar como gasto fiscal em sede de IRC, o montante total de € 2.500.000,00 associado ao registo de diversas faturas pela prestação de serviços, na medida em que os mesmos não correspondem a gastos «(...) incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do n.º 1 do artº 23 do CIRC, pelo que não são dedutíveis em IRC».
Referem os SIT que “...todas as faturas se referem a gastos das antigas sociedades participadas, alienadas pelo S.P. em data anterior à data da sua emissão.”, e “... em 2017-12-31, as participadas já eram detidas por entidades terceiras e não estavam previstos, nos contratos de compra e venda celebrados, nenhuns débitos a esse respeito, em data posterior à sua venda”.
(...)
Observam também, os SIT, que da consulta à contabilidade do sujeito passivo não foram apurados débitos ou faturas que pudessem contemplar, total ou parcialmente, a refaturação destes gastos às sociedades participadas.
Somos levados a concordar com a posição defendida pelos SIT.
De facto, não parece razoável e lógico que a sociedade D... suporte gastos relativos às antigas sociedades participadas em momento muito posterior à sua alienação.
Depois, face à exigência de ligação dos gastos aos rendimentos sujeitos a IRC carece de demonstração em que medida os gastos associados a estas faturas contribuíram para obter ou garantir rendimentos sujeitos a imposto.
A aceitar-se o nosso entendimento deverá manter-se a correção aqui proposta, no montante de € 2.500.000,00”.
Vejamos
A 26 de abril de 2017 a D... celebrou um contrato de compra e venda das ações que detinha na sociedade U..., S.A., conforme documento n.º 45 junto com o PPA.
No contrato consta no anexo 2 nas declarações e garantias da vendedora que os elementos corpóreos da mesma (sociedade alienada) estão em bom estado de conservação e manutenção atendendo ao seu uso normal e corrente.
A 27 de abril de 2017 a D... concluiu um contrato de compra e venda das ações que detinha na sociedade V..., S.A. conforme documento n.º 46 junto no PPA.
No contrato consta no anexo 2 nas declarações e garantias da vendedora que os elementos corpóreos da mesma (sociedade alienada) estão em bom estado de conservação e manutenção atendendo ao seu uso normal e corrente.
A 3 de agosto de 2017, a D... procedeu também à venda das ações que detinha na sociedade O..., S.A., conforme documento n.º 47 junto no PPA.
Refere a Requerente no seu art.º 302 do PPA que “de acordo com o mencionado no certificado de encerramento da operação de venda, no contrato estava previsto o “Compromisso especifico de indemnización”, em virtude do qual a D... teve de executar trabalhos de manutenção no Parque Eólico de ... (cfr. Documento n.º 47).
Pelos documentos juntos este Tribunal Arbitral não pode conhecer tal compromisso de indemnização pelo que não se poderá dar como provado.
Refere a Requerente no seu art.º 304 do PPA que: “De realçar, a este respeito, que era a D... que procedia à gestão e manutenção dos parques acima mencionados ao abrigo dos contratos de manutenção e gestão dos parques eólicos firmados pelas entidades suas participadas, celebrados entre a D... e cada uma das entidades”, (cfr. Documentos n.º 48 a 50 ...).
O doc. 48 junto ao PPA é referente ao contrato de manutenção com a O..., os docs. 49 e 50 referentes a serviços de índole administrativa.
Os serviços de manutenção e reparação em crise foram todos faturados a 31.12.2017 com referência nas faturas à aceitação dos serviços igualmente nessa data, ou seja, sempre após a concretização da alienação das participações.
Não apresentou a Requerente documentação que pudesse demostrar, de forma inequívoca, que nas três situações existiu uma obrigação de natureza indemnizatória motivada pela alienação das participações que a tivesse obrigado a contratar tais serviços nem sequer, no caso particular da O... (entidade a quem a D... prestada serviços de manutenção) tais serviços de reparação se mostravam incluídos no computo desse contrato.
De modo simplista, não foi de todo demostrada a repercussão no preço de serviços prestados ou sequer demonstrado que os serviços foram suportados ao abrigo de uma obrigação contratual indemnizatória a que a D... se tenha obrigado.
Assim, improcede o pedido de anulação relativo às despesas incorridas na manutenção de parques eólicos, por parte da D..., mantendo-se as correções realizadas pela AT no valor de € 2.500.000,00.
5. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo, julgar o PPA parcialmente procedente, em consequência:
a) anular parcialmente a decisão final do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2022... na parte relativa ao valor € 409.196,97;
b) anular parcialmente a demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., datada de 13 de dezembro de 2021, e bem assim, da demonstração de acerto de contas n.º 2021..., emitida por referência ao período de tributação de 2017 associada à compensação n.º 2021... na parte relativa ao valor de € 409.196,97;
c) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte restante e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos, nas partes respetivas;
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 5.783.859,91.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 72.522,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente € 92,93% e da Requerida € 7,07% na proporção do respetivo decaimento. A fixação da proporção das custas a pagar por cada parte teve em conta os valores anulados pela AT depois de constituído o tribunal arbitral, sendo por isso da sua responsabilidade, e os valores decorrentes do ganho de causa apreciados nesta decisão arbitral.
Notifique-se
Lisboa, 25 de outubro de 2023
Os Árbitros
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(Profª. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)
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(Dr. José António Machado Pinto - Árbitro Adjunto)
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(Dr. José Nunes Barata - Árbitro Adjunto)
[1] Cfr. a Decisão Arbitral do CAAD proferida no processo n.º 126/2015.