SUMÁRIO:
1- Constituem-se condições cumulativas para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA: empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico; e empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
2- A delimitação e aprovação de ARU, nos termos do artigo 14º do decreto-lei nº307/2009 confere de forma direta o acesso aos apoios e incentivos fiscais à reabilitação urbana, entre os quais a possibilidade de acesso à taxa reduzida de IVA de 6% constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA.
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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 03 de janeiro de 2023, A..., associação sem fins lucrativos, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), com o NIPC:..., com sede na Rua ..., ...-... ..., doravante “requerente”, apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, alínea a) do n.º 2 do artigo 6º, e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2, do artigo 10.º, todos do decreto-lei nº 10/2011, de 20 de janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “requerida”), respeitante às liquidações de IVA e de juros compensatórios o valor total de € 222.810,34 (liquidações de IVA no valor de € 215.279,15 e liquidações de juros compensatórios em € 7.531,19), abaixo identificadas:
Por entender que estas são inválidas por ilegalidades cumulativas: errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão; vício de fundamentação; violação de lei; ilegal interpretação do artigos. 18.º, n.º 1, al. a), do CIVA e sobretudo verba 2.23 da Lista I anexa ao código do IVA e artigos 2.º, al. b), j) e h), 7.º, 15.º, 17.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 307/2009 - e não tendo em conta a aplicação do artigo 14.º desse diploma; e violação dos artigos 11.º, n.º 2, 55.º e 68.ºA da LGT (violação da proteção da confiança e garantias dos contribuintes).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (doravante AT).
2. No dia 04 de Janeiro de 2023 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3. No dia 13 de Março de 2023 foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 13 de Março de 2023, foi a requerida notificada nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.
5. Em 23 de Abril de 2023, a requerida juntou aos autos o processo administrativo e apresentou a sua Resposta.
6. Em 26 de Abril de 2023, Por Despacho de 26 de abril 2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
7. A requerente apresentou alegações escritas em 08 de Agosto de 2023, tendo junto dois documentos.
8. Em 23 de agosto de 2023 o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD proferiu despacho em que procedeu à substituição do árbitro adjunto Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus, pelo Dr. José Coutinho Pires.
9. Em 12 de setembro de 2023 o Tribunal Arbitral proferiu despacho em que determinou desentranhamento dos autos das alegações apresentadas pela Requerente em 08 de agosto de 2023, por terem sido apresentadas para além do prazo fixado.
10. Em 13 de setembro de 2023 o Tribunal Arbitral proferiu despacho em decidiu prolongar o prazo de prolação da decisão arbitral por dois meses fundamentado a sua decisão na substituição de árbitro adjunto por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico de 28 agosto de 2023.
II. Saneamento
O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 aliena a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
III. Matéria de Facto
III. A. Factos Provados
1. A Requerente é uma IPSS, sob a forma de associação sem fins lucrativos que apresenta como CAE principal: CAE 87902 - Atividades de Apoio Social com Alojamento, e nos termos dos seus estatutos tem como objetivos principais: a) promover e implementar ações de âmbito social nas áreas de apoio à terceira idade, da deficiência, e assistência, reabilitação psicossocial, inclusão social e igualdade; b) promover e implantar ações na área da saúde e bem-estar; e c) contribuir para a efetivação dos direitos sociais dos cidadão.
2. A Requerente desenvolveu uma operação urbanística de alteração e ampliação de um edifício destinado a fins sociais (construção de um lar de idosos) denominado ... no concelho de Braga, no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e inscrito na matriz sob o artigo ...-U, situado na Rua..., freguesia de ..., Concelho de Braga.
3. Para o desenvolvimento da supra identificada operação urbanística a Requerente celebrou em 17-07-2020 um contrato de financiamento bancário com constituição de hipoteca.
4. Em 2020-12-28, a Requerente celebrou um contrato de empreitada de alteração e ampliação de um edifício destinado a fins sociais, denominado ... consórcio entre as consorciadas: B... LDA., NIPC..., e C..., S.A., NIPC..., empreitada no valor de € 2.680.251,70€ .
5. Em 2021-09-20, foi celebrada uma adenda ao Contrato de Empreitada de “Alteração e Ampliação de um Edifício destinado a fins sociais, denominado ...”, com o valor de adjudicação de 563.893,76€, referente a adjudicação de trabalhos a efetuar para a “instalação de crm - centro de reabilitação motora, morgue, casa de máquina, estacionamento, acesso ramal e demais instalações”.
6. Em 2021 iniciou-se a obra com a consequente emissão das faturas relativas aos trabalhos efetuadas.
7. Todas as faturas emitidas pelo fornecedor B... LDA., NIPC..., contêm a menção: “IVA autoliquidação” e a referência de que as obras são “Contrato de empreitada de alteração e ampliação de um edifício a fins sociais, denominado ...” bem como “Adenda - Empreitada de Ampliação de um Edifício destinado a fins sociais, denominado ...”;
8. A Requerente procedeu à autoliquidação do IVA em todas as faturas à taxa reduzida de 6%, por aplicação da verba 2.23 da Lista I anexo ao CIVA;
9. Foi emitida pela Câmara Municipal de Braga certidão datada de 2020-06-22, em que certifica que o prédio sito na Rua ..., Freguesia de ..., concelho de Braga insere-se numa Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Braga Nascente, nos seguintes termos:
10. Em 30 de novembro de 2021 foi emitida certidão pelo Diretor Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento da Câmara Municipal de Braga, que declarou que a operação urbanística da requerente seria enquadrável na previsão da verba 2.23 da Lista I anexo ao CIVA, aplicável por remissão do artigo 18º do mesmo diploma, mais declarando que “estamos indubitavelmente perante um empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma especifico”, nos seguintes termos:
11. O Imóvel em que a Requerente efetuou a operação urbanística em causa insere-se na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Braga (nascente). A ARU de Braga Nascente foi aprovada por deliberação do município em 28-02-2020 - publicado no DR 59, II serie, de 24 de março.
12. A operação urbanística efetuada pela Requerente foi devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Braga, em que “são mantidos todos os índices urbanísticos propostos e licenciados, nomeadamente as áreas de implantação e de construção cerce e altura, bem como todas as intervenções exteriores acrescentando-se apenas uma valência não prevista inicialmente – Centro de Dia e SAD”.
13. Em 2021 a Câmara Municipal de Braga não tinha aprovado a operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver na área de reabilitação urbana (ARU) em que o imóvel da requerente se localiza.
14. Em 22-01-2022 a Requerente solicitou informação vinculativa em que esta em que solicitava
“A Requerente pretende, assim, esclarecer qual a taxa de IVA a que está sujeita a empreitada em causa, nomeadamente, se se aplica a taxa normal do IVA ou a taxa reduzida, por enquadramento na verba 2.23 da Lista I, anexa ao Código do IVA.”
Tendo a AT no que diz respeito ao enquadramento jurídico-tributário face ao Código do IVA, referido:
“19- Tendo presentes estes conceitos, conclui-se que a delimitação da «área de reabilitação urbana» é apenas uma das bases do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, sendo complementada com as «operações de reabilitação urbana» que correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na área de reabilitação urbana. Ou seja, a simples delimitação da área de reabilitação urbana não determina, por si só, que todas as empreitadas que se realizem naquela área estão no âmbito deste regime jurídico. Na verdade, tal interdependência resulta de todo o regime vertido no Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (1), mas em particular, por exemplo, do seu artigo 15.º.
20. Com efeito, nos termos desta norma, que se reporta ao âmbito temporal da delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que a aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não tenha lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.
21. Depreende-se, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana.
22. Deve, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada.
(….)
38. Assim, em conformidade com o que atrás está exposto, caso a Câmara Municipal de Braga esteja em condições de certificar e certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projeto em referência:
a. se integra numa área de reabilitação urbana; e
b. consubstancia uma operação de reabilitação urbana,
ser-lhe-á, verificados que sejam os restantes condicionalismos (nomeadamente tratar-se de empreitada), aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.
15- A Requerente apresentou um “PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE IVA - NIF ... - (através da aplicação informática e-balcão) CRM N.º 1-...”, com os seguintes fundamentos:
“O A..., é uma IPSS, sob a forma de associação sem fins lucrativos. Em cumprimento da sua missão, a instituição iniciou a reabilitação de uma moradia existente na ..., freguesia de..., concelho de Braga. Este imóvel está situado em área de Reabilitação Urbana (ARU), conforme Aviso n.º 4958/2020 de 24 de março de 2020, publicado na Série II, Parte H do Diário da República. No entendimento da Instituição as intervenções efetuadas consubstanciam uma empreitada de reabilitação urbana, pelo que todas as faturas emitidas com “IVA autoliquidação”, a entidade aplicou a taxa de IVA de 6%, de acordo com o descrito na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Neste sentido foi solicitado, ao longo do ano de 2021, a restituição de 50% do valor do IVA com base na taxa de 6%, de acordo com o DL84/2017 de 21/07.
No âmbito de um processo inspetivo a AT entendeu que a taxa de IVA aplicável à referida empreitada seria a taxa normal de 23% e não a taxa reduzida de 6%, consequentemente, fomos notificados para a correção da liquidação do IVA pela diferença (17%). Tendo a instituição já procedido à respetiva liquidação do IVA total dentro do prazo, conforme documentos que se anexam, serve o presente para solicitar a restituição dos 50% do valor pago, valor este que ascende no montante de 107.639,57€. Tendo em conta o valor a restituir e a situação atual, é importante para a sustentabilidade da instituição, solicitamos celeridade no deferimento e pagamento da restituição.”
16. Em 15/12/2022 a requerente efetuou o pagamento integral das liquidações adicionais de IVA e juros, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
III.B- Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados
III. C. – Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo (PA).
2. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º, 2, do CPPT e arts. 596.º, 1 e 607.º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e arts. 5.º, 2 e 411.º do CPC).
3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16.º, e) do RJAT, e art. 607.º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).
4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607.º, 5 do CPC, ex vi art. 29.º, 1, e) do RJAT).
5. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Sobre o Mérito da Causa
IV. A - Posição da Requerente
A requerente sustenta no PPA a ilegalidade das liquidação tributárias por entender que a requerida efetuou uma errónea e ilegal interpretação do artigo 18.º alínea a) do CIVA e da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e dos artigos 2º alínea b), i) e j), artigo 7.º, 14.º, 15.º, 17.º e 18.º do Decreto-Lei 307/2009.
Defende a Requerente que a aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA está na dependência exclusiva do preenchimento de três requisitos: a) empreitada, b) reabilitação urbana (definida em diploma especifico) e c) imóvel localizado em Área de Reabilitação Urbana (ARU). Entendendo que não faz parte dos requisitos legais a exigência da conformação da requalificação urbana também à concretização de uma operação de reabilitação urbana (ORU). Alega por efeito que a ARU e a ORU podem ou não ser aprovadas ao mesmo tempo (em simultâneo), que a ARU pode ser aprovada antes, ou a ORU apenas depois (neste caso, a ORU tem de ser aprovada no prazo de 3 anos após a ARU, sob pena de caducidade da ARU).
Defendendo que aprovação e existência de uma ORU é totalmente irrelevante para a concessão do direito ao benefício fiscal da taxa reduzida de IVA, descrita no art. 18.º, n.º 1, al. a), do CIVA.
Alegando ainda que por efeitos do artigo 14.º do Decreto-Lei 307/2009 a aprovação de ARU obriga de imediato à definição pelo município de benefícios fiscais. Preceito que na posição da requerente definiria, de forma precisa e detalhada, que é a aprovação da área de reabilitação urbana (ARU) que confere aos proprietários dos edifícios o direito de acesso aos apoios de incentivos fiscais à reabilitação urbana, entre os quais a tributação à taxa reduzida de IVA das empreitadas de obras de reabilitação urbana, por este se consubstanciar um benefício fiscal, por redução de taxa (cfr. art. 2.º, n.º 2, do EBF).
No caso dos autos, como o imóvel situa-se numa ARU (na ARU de Braga Nascente, criada em 3/2020) tal facto seria suficiente para se consolidar, nos termos legais, o direito ao benefício fiscal (incentivo fiscal) de tributação em IVA à taxa reduzida (em 2021). Pelo que consequentemente na posição da requerida as liquidações impugnadas são ilegais, por violação de lei e fundamentação: não aplicarem o preceito legal diretamente aplicável ao caso (art. 14.º, al. b), do Dec. Lei n.º 307/2009).
IV. B. Posição da Requerida
A requerida na sua resposta reafirma o constante do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), considerando que aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA exige o preenchimento de um conjunto de pressupostos, em concreto: uma empreitada; de reabilitação urbana; realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais. Pressupostos que têm de conformar-se com o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 307/2009 que determina que a reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação: da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e de operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana. Concluindo a requerida que a localização de prédio em área de reabilitação urbana (ARU) não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana constante do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (Decreto-Lei n.º 307/209, de 23 de outubro) e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto de 6%, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.
Posição da requerida em consonância com Informação Vinculativa n.º 22521 trazida à colação pela requerida sobre o caso dos autos, de 11-01-2022 da Direção dos Serviços do IVA em que consta:
“19. Tendo presentes estes conceitos, conclui-se que a delimitação da «área de reabilitação urbana» é apenas uma das bases do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, sendo complementada com as «operações de reabilitação urbana» que correspondem à concretização do tipo de intervenções a realizar na área de reabilitação urbana. Ou seja, a simples delimitação da área de reabilitação urbana não determina, por si só, que todas as empreitadas que se realizem naquela área estão no âmbito deste regime jurídico. Na verdade, tal interdependência resulta de todo o regime vertido no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (...), mas em particular, por exemplo, do seu artigo 15.º.
20. Com efeito, nos termos desta norma, que se reporta ao âmbito temporal da delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que a aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.
21. Depreende-se, portanto, que o momento em que a delimitação da área de reabilitação urbana fica consolidada é o momento em que ocorre a aprovação da operação de reabilitação urbana.
(….)
24. Não basta, assim, que esteja em causa uma empreitada realizada numa área delimitada como de reabilitação urbana para que se possa já considerar uma empreitada de reabilitação urbana, se ainda não está em condições de se apurar se a mesma está conforme à estratégia ou ao programa estratégico de reabilitação urbana, o que só fica definido com a aprovação da respetiva operação de reabilitação urbana.
IV - CONCLUSÃO
38. Assim, em conformidade com o que atrás está exposto, caso a Câmara Municipal de (…) esteja em condições de certificar e certifique que, nos termos do citado diploma legal, o projeto em referência:
a. se integra numa área de reabilitação urbana; e b. consubstancia uma operação de reabilitação urbana, ser-lhe-á, verificados que sejam os restantes condicionalismos (nomeadamente tratar-se de empreitada), aplicável a taxa reduzida do imposto, a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.
Alega ainda a Requerida que tendo a requerente apresentado um pedido de restituição de IVA (através da aplicação informática e-balcão) CRM N.º 1-..., a presente impugnação do imposto liquidado via PPA após o pedido de restituição de 50% desse mesmo imposto (pedido este de que não desistiu a Requerente aquando da apresentação do presente PPA), configura manifesto abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.
Pugnando a título conclusivo pela total improcedência do PPA.
IV.C. Do Direito
Tendo em atenção as pretensões e posições da requerente e da requerida constantes das suas peças processuais, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar (sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões - cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):
-
Saber se as liquidação de IVA supra identificadas no valor global de € 222.810,34 (€ 215.279,15 de IVA e €7.531,19 de juros compensatórios) referentes à obra realizada pela requerente para construção de um lar de terceira idade (designado de ...) estão ou não, feridas por vício de fundamentação e violação de lei, por ilegal interpretação do artigo 18º alínea a) do CIVA e da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e artigos 2º alínea b), i) e j), artigo 7.º, 14.º, 15.º, 17.º e 18.º do Decreto-Lei 307/2009;
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E caso se considere que as liquidação de IVA supra identificadas são ilegais, saber se a requerente têm direito a juros indemnizatórios, por “erro imputável aos serviços”;
-
E caso se entenda pela legalidade das liquidações de IVA, saber se as liquidações de juros compensatórios devem ser anuladas por não preenchimento dos pressupostos do artigo 35.º da LGT.
Feito o relato da posição das partes, é o momento do Tribunal Arbitral, tomar posição. A questão decidenda nos presentes autos é determinar se as liquidações de IVA impugnadas pela requerente referentes à obra realizada pela requerente para construção de um lar de terceira idade (designado de ...) reuniam ou não condições para a aplicabilidade do verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, ou seja a taxa reduzida de IVA de 6%.
Por forma a encontrarmos solução para a questão controvertida devemos colocar em evidência a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA que determina que são sujeitas à taxa reduzida de imposto as “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.
Em concordância com a decisão arbitral n.º137/2022-T, entende-se que são condições cumulativas para o preenchimento da previsão normativa da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA:
-
Tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico;
-
Deve, a empreitada de reabilitação urbana, localizar-se em área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.
Pelo que os conceitos nucleares são: “empreitada de reabilitação urbana” e “localização em área de reabilitação urbana.
Analisemos cada um dos parâmetros.
Primeiramente devemos precisar o conceito de “empreitada”. Tendo presente a regra de interpretação do n.º 2 do artigo 11.º da LGT devemos chamar à colação o artigo 1207.º do Código Civil segundo o qual “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Sendo que a verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA, menciona como requisito “empreitada de reabilitação urbana”, pelo que devemos também procurar o conceito de “reabilitação urbana” sob o paradigma previsto na verba 2.23 de “definida em diploma específico”.
O diploma especifico que terá de ser o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que aprovou o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”). Diploma que na alínea j) do artigo 2.º identifica reabilitação urbana como “a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.
Olhando para a situação material controvertida é inegável que a construção realizada pela requerente (alteração e ampliação de um edifício para fins sociais - lar de idosos), enquadra-se na definição da j) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 307/2009. Factualidade atestada e comprovada por certidão emitida pelo Diretor Municipal de Urbanismo, Ordenamento e Planeamento da Câmara Municipal de Braga de 30 de novembro de 2021 que declara que “estamos indubitavelmente perante uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma especifico”.
Por conseguinte o primeiro parâmetro encontra-se preenchido.
O segundo requisito cumulativo prende-se com a “localização em área de reabilitação urbana”.
Quanto ao conceito de “área de reabilitação urbana” a alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei 307/2009 define área de reabilitação urbana como “a área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana aprovada em instrumento próprio ou em plano de pormenor de reabilitação urbana”.
Nos termos da alínea a) n.º1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 307/2009 a delimitação das área de reabilitação urbana é promovida e aprovada pelos municípios.
Nos caso dos autos também encontra-se provado de forma insofismável que o imóvel em que a requerente efetuou a operação urbanística em causa, insere-se na Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Braga (nascente) aprovada por deliberação do município em 28-02-2020 - publicado no DR 59, II serie, de 24 de março (vide certidão emitida pela Câmara Municipal de Braga de 22 de junho de 2020).
Vem contudo a Requerida defender que a qualificação como empreitada de reabilitação urbana impõe o cumprimento das alíneas a) e b) do artigo 7.º do Decreto-Lei 307/2009, exigindo-se assim a aprovação da delimitação de área de reabilitação urbana mas também a aprovação de operação de reabilitação urbana (ORU), invocando para o efeito o artigo 15.º do Decreto-Lei 307/2009 que “no caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação”.
Não pode o Tribunal Arbitral acolher a posição da Requerida.
Primeiramente não resulta da previsão legal (elemento literal) da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA a exigência de aprovação de operação de reabilitação urbana (ORU). A norma nada indica ou mencionada sobre ORU.
Em segundo lugar, tendo em atenção que a norma indica expressamente “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”, devemos ter em consideração o decreto-lei 307/2009, que nos apresenta uma definição de “reabilitação urbana (aliena j) do artigo 2º) que não menciona “operação de reabilitação urbana” e em especial o artigo 14º do decreto-lei 307/2009.
O artigo 14.º do Decreto-Lei 307/2009 estabelece como efeitos diretos da delimitação de uma área de reabilitação urbana o direito “aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural”.
Ou seja, resulta de forma imediata e direta da delimitação de uma área de reabilitação urbana o acesso a “apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana”. Ora, a possibilidade de aceder à taxa reduzida de 6% é constitui per si um incentivo fiscal que opera de forma imediata com a aprovação da ARU, não estando dependente de aprovação imediata, anterior ou posterior de ORU.
É certo que nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei 307/2009 a ARU caduca, caso não seja aprovada a ORU num prazo de 3 anos. Porém, entendemos que tal não pode significar a reversão dos benefícios fiscais que particulares, de boa-fé, que confiando no Estado efetuaram investimentos. Tal entraria em choque desde logo com as alienas a) e b) do artigo 14.º do Decreto-Lei 307/2009, por estas estipularem que os benefícios fiscais operam por efeitos da decisão da delimitação da ORU, mas também constituiria uma atropelo ao princípio constitucional da proteção da confiança e da segurança jurídica.
Alega ainda a Requerida que o pedido da requerida, configura manifesto abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium por não obstante ter apresentado o pedido de restituição de 50% imposto liquidado, vir agora efetuar em sede de PPA pedido de impugnação das liquidações.
Também aqui entendemos que não tem razão a Requerida. O pedido de restituição de imposto resultou de faculdade prevista por lei. E, a apresentação de PPA é também uma faculdade atribuída por lei. Caso a Requerente não tivesse efetuado o pedido de devolução do imposto dentro do prazo legal para o efeito, ficando apenas na expectativa da decisão do PPA, correria o risco de perder o direito ao reembolso, e caso o PPA não lhe fosse favorável, acabaria por não recuperar pelo menos os 50% do imposto que de forma inegável teria direito à restituição.
Em corolário referimos que a aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA encontra-se na dependência de dois requisitos: “empreitada de reabilitação urbana” e “localização em área de reabilitação urbana”.
Requisitos que a requerente preencheu de forma integral.
Termos em que decide julgar por procedente, por provado o pedido de pronúncia arbitral, decidindo-se pela ilegalidade e consequente anulação das liquidações de IVA objeto dos presentes autos.
Por sua vez as liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as respetivas liquidações de IVA que enfermam dos mesmos vícios que afetam estas, justificando-se também a sua anulação.
V. Dos Juros Indemnizatórios
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações de imposto em causa foram consequência da errónea interpretação que a requerida fez do artigo 18º nº1 do CIVA da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da requerente a ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento em 15-12-2022 das liquidações de imposto anuladas até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 43 nº1 LGT e do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.
VI. Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:
1- Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
E em consequência:
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Anular a liquidação de IVA n.º 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 101.937,91;
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Anular a liquidação de IVA n.º 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 26.673,97;
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Anular a liquidação de IVA n.º 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 86.667,27;
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Anular a liquidação de juros compensatórios nº 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 4.457,33;
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Anular a liquidação de juros compensatórios nº 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 917,87;
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Anular a liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ... com número de compensação 2022 ... no valor de € 2.155,99;
2- Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar o pagamento à requerente das quantias em causa;
3- Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esses juros nos termos expostos.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 222.810,34, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 16 de Outubro de 2023
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)
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(António Cipriano da Silva - Árbitro Adjunto e relator)
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(José Coutinho Pires - Árbitro Adjunto)