Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 746/2022-T
Data da decisão: 2023-10-13  IRC  
Valor do pedido: € 83.413,90
Tema: IRC – Período Especial de Tributação. Caducidade do direito à liquidação da obrigação tributária: conceito de “termo do ano” - artigo 45.º, n.º 4, da LGT.
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SUMÁRIO

Nos impostos periódicos, como o IRC, o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT começa a contar a partir do termo do ano fiscal, ou seja, do último dia do período de tributação relevante, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo. O conceito de “termo do ano” neste preceito refere-se ao termo do ano fiscal, e não ao termo do ano civil.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os Árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. Nuno Maldonado Sousa e Dr. António Alberto Franco (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I – RELATÓRIO

A..., Crl., contribuinte n.º..., com sede na ..., n.º ... (“Requerente”), veio, em 06-12-2022, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a liquidação de IRC n.º 2021..., de 27-04-2021, referente ao período de 01-01-2016 e 31-08-2016, e a demonstração de liquidação de juros a ela associada, no montante global de € 83.413,90, peticionando a respetiva anulação, bem como a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-12-2022.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respetivo prazo. Em 25-01-2023, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 15-02-2023.

Em 22-03-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo junto o processo administrativo em 19-04-2023.

Após notificar a Requerente para indicar sobre que factos incidiria a inquirição das testemunhas por si arroladas, e de esta ter procedido em conformidade, o Tribunal Arbitral, por despacho de 07-06-2023, determinou o seguinte: (i) dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessária; (ii) deferimento do requerimento de junção de documentos apresentado pela Requerente em 07-06-2023, por os mesmos integrarem o processo administrativo; (iii) notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 10 dias.

As Partes não apresentaram alegações finais.

Por despacho de 10-08-2023, o Tribunal Arbitral prorrogou o prazo do artigo 21.º, n.º 1, do RJAT por dois meses.

 

II – POSIÇÃO DAS PARTES

A) Posição da Requerente

A Requerente sustenta o seguinte:

- Ser uma cooperativa de direito português que tem por objeto principal o ensino superior, que prossegue, nomeadamente, através da criação e gestão de estabelecimentos de ensino superior.

- No exercício de 2016, deixou de ter um período de tributação coincidente com o ano civil e passou a ser tributada de acordo com um período especial de tributação (“PET”), compreendido entre 1 de Setembro e 31 de Agosto do ano seguinte, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRC.

- Nesse sentido, por referência ao ano de 2016, foram entregues duas declarações Modelo 22 do IRC: a primeira para o período compreendido entre 01-01-2016 e 31-08-2016, e a segunda para o período compreendido entre 01-09-2016 e 31-08-2017.

- Foi alvo de procedimento inspetivo externo. Após ter exercido o direito de audição prévia, foi notificada do Relatório de Inspeção Final e, posteriormente, da liquidação de IRC impugnada, que pagou integralmente e no prazo estipulado para o efeito, e contra a qual apresentou reclamação graciosa, a qual mereceu despacho de indeferimento.

- A liquidação de IRC em apreço é ilegal em virtude de caducidade do direito à liquidação da obrigação tributária.

- Sendo o IRC um imposto de natureza periódica, não fixando a lei outro prazo de caducidade, é-lhe aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, contado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

- Preceitua o n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC que “o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação”. In casu, tendo o termo do ano fiscal a que se refere a liquidação de IRC contestada ocorrido a 31-08-2016, o direito à liquidação do IRC referente a esse mesmo período de tributação caducou, necessariamente, a 31-08-2020.

- É evidente que a expressão “ano” constante da primeira parte do n.º 4 do artigo 45.º da LGT se deve entender como correspondendo ao período de tributação anual que tenha sido adotado pelo contribuinte, ou seja, ao ano fiscal (e não ao ano civil). Portanto, para um contribuinte que tenha adotado um período anual de tributação distinto do ano civil, como é o caso da Requerente, o prazo de caducidade começa a contar do termo do ano fiscal.

- O artigo 46.º, n.º 1, da LGT estipula que o decurso do prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte da ação inspetiva externa, iniciando-se esta com a assinatura da respetiva ordem de serviço pelo contribuinte.

- No caso sub judice, relativamente ao período de tributação do IRC de 01-01-2016 a 31-08-2016, o prazo de caducidade de quatro anos terminou em 31-08-2020, não tendo a notificação da Requerente da Ordem de Serviço em apreço (em 29-10-2020) o efeito de suspender tal prazo. Conclui-se, assim, que não é relevante a suspensão do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

- Considerando que a liquidação em crise foi notificada à Requerente em 30-04-2021, a essa data, encontrava-se já caducado o direito à liquidação (findo em 31-08-2020), devendo a liquidação ser anulada e restituído o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

B) Posição da Requerida

A AT apresentou Resposta nos seguintes termos:

- No que tange ao IRC, o termo inicial do referido prazo surge estabelecido na 1.ª parte do n.º 4 do artigo 45.º da LGT: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.

- No caso sub judice, o litígio acaba por circunscrever-se à distinção entre “período de tributação” e “ano” para efeitos de aplicação do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.

- Na esmagadora maioria dos casos, o período de tributação do IRC coincide com o “ano” civil, pelo que o facto tributário se considera verificado e completado a 31 de dezembro (artigo 8.º, n.º 1, do Código do IRC). Numa exceção consagrada no Código do IRC, pode ser adotado um período anual - isto é, de 12 meses - de imposto não coincidente com o ano civil (artigo 8.º, n.º 2, do Código do IRC).

- Atento o disposto no artigo 45.º, n.º 4, da LGT, no caso do IRC (imposto periódico), o prazo de caducidade deve contar-se a partir do termo do ano civil, mesmo quando o sujeito passivo tenha adotado um período de tributação diferente do ano civil, como é o caso da Requerente. E, acrescente-se, existem outras situações, para além dos casos da adoção de um período anual de tributação diferente do ano civil, em que o período de tributação não coincide com o ano civil, como é o caso de cessação de atividade, situação em que o artigo 45.º da LGT não poderá deixar de ser interpretado no sentido de o prazo de caducidade se iniciar no termo do ano civil da ocorrência do facto tributário.  Compulsando todas as normas quer da LGT quer do Código do IRC, não surge qualquer menção a “ano fiscal”, mas sim a “período de tributação”.  Pelo que “período de tributação” e “ano” são conceitos diferenciados pelo legislador, que podem, ou não, coincidir.

- Não pode o n.º 4 do artigo 45.º da LGT ser interpretado como o prazo de caducidade seja de contar, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano “fiscal” em que se verificou o facto tributário. A valer a posição da Requerente, estaríamos afinal a aplicar ao IRC a regra instituída para os impostos de obrigação única (como o IVA), segundo a qual o prazo de caducidade é de contar a partir da data em que o facto tributário ocorreu (in casu, a 31-08-2016).

- Do exposto resulta que, no caso sub judice, o prazo de caducidade seria de contar a partir de 31-12-2016 – e não a partir de 31-08-2016. Conclui-se, assim, que a liquidação contestada não foi emitida fora do prazo de caducidade do direito de liquidação previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

 

III – SANEAMENTO

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, e encontram-se regularmente representadas (Cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades. A Requerente invocou a exceção (perentória) de caducidade do direito à liquidação, que será apreciada depois da fixação da matéria de facto, com precedência sobre o mérito da causa.

 

IV – MATÉRIA DE FACTO

A) Factos provados

Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (Cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma cooperativa de direito português constituída em 1987, que tem por objeto principal o ensino superior. – facto não controvertido, Documento 4 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  2. No período de tributação de 2016, a Requerente deixou de ter um período de tributação coincidente com o ano civil, e passou a ser tributada pelo Período Especial de Tributação - PET, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRC, compreendido entre 1 de Setembro e 31 de Agosto do ano seguinte. – facto não controvertido, Documento 4 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  3. A Requerente entregou duas Declarações Modelo 22 de IRC no período de tributação de 2016: uma para o período entre 01-01-2016 e 31-08-2016, e outra para o período entre 01-09-2016 e 31-08-2017. – facto não controvertido, Documentos 2 e 4 juntos ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  4. Ao abrigo das Ordens de Serviços n.ºs OI2019... e OI2019..., de 29-10-2020, a Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, aos exercícios de 2016 e 2017. – facto não controvertido, Documento 4 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  5. A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária através do Ofício n.º ..., de 11-03-2021, exercendo o seu direito de audição prévia. – facto não controvertido, Documento 4 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  6. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária por Ofício n.º..., de 21-04-2022. – facto não controvertido, Documento 4 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  7. Em 30-04-2021, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao período de 01-01-2016 e 31-08-2016, e da demonstração de liquidação de juros compensatórios a ela associada, no montante global de € 83.413,90, fixando o dia 15-06-2021 como data limite para pagamento. – facto não controvertido, Documento 1 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  8. Em 14-06-2021, a Requerente procedeu ao pagamento integral do imposto liquidado. – facto não controvertido, Documento 3 junto ao PPA, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  9. Em 03-10-2021, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação em apreço, a qual correu termos sob o n.º ...2021..., solicitando a respetiva anulação, bem como a restituição do montante de € 83.413,90 indevidamente liquidado e pago, acrescido de juros indemnizatórios. – facto não controvertido, processo administrativo, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  10. A aludida reclamação graciosa foi objeto de despacho de indeferimento notificado à Requerente, via CTT. – facto não controvertido, processo administrativo, cujo teor se considera integralmente reproduzido.
  11. A Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos em 06-12-2022.

B) Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

C) Fundamentação da matéria de facto

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada.

 

V – MATÉRIA DE DIREITO

A questão a apreciar e decidir pelo Tribunal Arbitral consiste em saber em que momento começa a contar o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, em sede de IRC, nos casos em que o sujeito passivo tenha um período de tributação (“ano fiscal”) não coincidente com o ano civil: se do termo do ano fiscal (como defende a Requerente), se do termo do ano civil (como defende a Requerida).

A caducidade do direito de liquidação da AT constitui uma garantia dos contribuintes, ocorrendo tal caducidade quando a liquidação de imposto não for notificada ao contribuinte no prazo fixado na lei. No artigo 101.º do Código do IRC pode ler-se que “a liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos no artigo 45º e 46º da Lei Geral Tributária”.

Ora, determina o n.º 1 do artigo 45.º da LGT que “o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos”. Estabelece o n.º 4 do mesmo artigo que “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário” (sublinhado nosso).

Sucede que, como consta do probatório, a Requerente passou a ter, a partir do ano de 2016, inclusive, um período de tributação não coincidente com o ano civil, passando a ser tributada pelo PET nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRC, período esse compreendido entre 1 de Setembro e 31 de Agosto do ano seguinte. Dada esta alteração, no ano de 2016, a Requerente entregou duas Declarações Modelo 22 de IRC: uma para o período entre 01-01-2016 e 31-08-2016, e outra para o período entre 01-09-2016 e 31-08-2017.

Tal como referido supra, no caso sub judice, as partes contendem sobre o momento em que começou a contar o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT (quatro anos) relativamente à liquidação referente ao período entre 01-01-2016 e 31-08-2016, discordando sobre a interpretação do termo “ano” constante do n.º 4 do artigo 45.º da LGT: a Requerente defende tratar-se do “ano fiscal” (in casu, 31-08-2016); a Requerida argumenta que se trata do “ano civil” (in casu, 31-12-2016).

Esta questão foi já objeto de apreciação na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 92/2012-T, em 31-12-2012, a que aderimos e que aqui seguiremos de perto. Diz-se aí:

O elemento gramatical não pode simplesmente ser ignorado, até porque na determinação do sentido e alcance da norma a que se refere o art.º 11º, n.º 1 da LGT deve o intérprete observar as regras e princípios gerais estabelecidos no Código Civil, que precisamente manda presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art.º 9º, n.º 3 do Código Civil).

Porque assim é, onde o legislador fiscal usou diferente terminologia (usando num caso a palavra ano e no outro a locução ano civil) é de presumir que quis, do ponto de vista semântico, usá-la, e que por isso onde o legislador disse diferente quis dar significados e consequências diferentes.

Ora, se o legislador distinguiu (por uso de terminologia diferente) o momento a partir do qual deve ser contado o prazo da caducidade nos impostos periódicos e nos casos de IVA ou das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo é porque o quis fazer. Assim, ano é para estes efeitos (ou pode ser) diferente de ano civil.

De resto, a razão de o legislador se referir expressamente a ano civil nos casos do IVA e das situações em que a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo parece fácil de descortinar. É que tratando-se de impostos de obrigação única relativamente aos quais o legislador quis estabelecer uma exceção quanto ao momento do início da contagem do prazo de caducidade, não poderia deixar de o fazer por referência a uma data concreta, neste caso coincidindo com o início do ano civil seguinte ao da ocorrência da exigibilidade do imposto ou do facto tributário, ou seja, dia 1 de Janeiro.

Já no caso dos impostos periódicos, o legislador referiu-se a um período anual, podendo este coincidir com o ano civil (regra geral), ou com outro período anual de tributação adotado pelo contribuinte, como acontece neste caso.

Atenta a matéria de que tratamos, o ano a que se refere o inciso legal acima transcrito não pode ser outro que não o ano fiscal, pelo que se deixa antever que nos inclinamos para considerar que aquela norma estabelece um prazo de caducidade de quatro anos contados, nos impostos periódicos, do termo do período anual de tributação adotado Requerente.

Mais, interpretar esta regra como o faz a AT significa afirmar que onde o legislador escreveu “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário” queria dizer «a partir do termo do ano civil em que se verificou o facto tributário».

Ora, tal significa precisamente violar o preceito fundamental de hermenêutica jurídica consagrado no n.º 3 do art.º 9º do Código Civil, já que implica concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento de forma adequada (escrevendo ano onde queria escrever ano civil.

(…)

Conclui-se, pois que da letra do n.º 4 do art.º 45º da LGT as regras e cânones de hermenêutica jurídica que a lei manda observar ditam que a melhor interpretação é a que conclui que nos impostos periódicos o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do referido art.º 45º deve contar-se a partir do termo do ano fiscal”.

A Decisão Arbitral proferida no processo n.º 489/2020-T, em 06-01-2022, perfilhou o mesmo entendimento.

Aliás, se assim não se entendesse, por ser outra a interpretação, não se asseguraria o igual tratamento entre contribuintes com o ano fiscal coincidente com o ano civil e aqueles em que não ocorre essa coincidência. Com efeito, a defender-se o entendimento sustentado pela Requerida, os contribuintes com um ano fiscal diferente do ano civil poderiam ser prejudicados, relativamente aos demais, na medida em que a AT disporia de um prazo de caducidade mais alargado.

Ora, no caso sub judice, temos por assente que a Requerente está sujeita, no âmbito do IRC, a um período de tributação não coincidente com o ano civil e que, no caso, está compreendido entre 1 de Setembro e 31 de Agosto do ano seguinte.

Aplicando-se o vindo de expor, o prazo de caducidade da liquidação de IRC relativa ao período entre 01-01-2016 e 31-08-2016 (a liquidação contestada) iniciou em 31-08-2016 e terminou em 31-08-2020. Tendo o procedimento de inspeção tido início em 29-10-2020, já havia decorrido, nessa data, a caducidade do direito à liquidação, pelo que não poderia a AT beneficiar de qualquer suspensão ou interrupção na contagem daquele prazo por virtude do procedimento inspetivo. Conclui-se, por isso, que a liquidação de IRC n.º 2021..., de 27-04-2021, foi emitida para além do prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral declara ilegais e anula a liquidação de IRC n.º 2021..., a demonstração da liquidação de juros compensatórios a ela associada, no montante global de € 83.413,90, e o ato de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2021... . Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

 

VI – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Além da restituição do imposto indevidamente pago, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

Tal direito vem consagrado no artigo 43.º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

No caso em apreço, é manifesto que ocorreu erro imputável à AT na emissão da liquidação em crise, pelo que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 83.413,90, desde o dia seguinte ao do pagamento indevido (ou seja, desde 15-06-2021), até à data da emissão da respetiva nota de crédito, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e no artigo 61.º do CPPT.

 

VII - DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar o pedido de pronúncia arbitral integralmente procedente e, em consequência:

  1. Declarar a ilegalidade e anular a liquidação de IRC n.º 2021..., e a demonstração de liquidação de juros compensatórios a ela associada, no montante global de € 83.413,90;
  2. Declarar a ilegalidade e anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2021...;
  3. Condenar a AT a reembolsar a Requerente do montante indevidamente pago (€ 83.413,90);
  4. Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 83.413,90, desde 15-06-2021, até à data da emissão da respetiva nota de crédito;
  5. Condenar a AT no pagamento das custas arbitrais, em razão do decaimento.

 

VIII -VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 83.413,90, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX - CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento

 

 

Lisboa, 13 de outubro de 2023

 

Os Árbitros

 

(Rita Correia da Cunha)

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

(António A. Franco)

Relator