SUMÁRIO
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O artigo 2º do Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de Julho é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária.
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A norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da mesma Lei é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, na parte em que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A, com sede na ..., ..., ..., ...-..., Lisboa, pessoa coletiva n.º..., apresentou, em 03-10-2022, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., relativamente ao Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário por si autoliquidado, com a subsequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-10-2022.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 24-10-2022 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 14-12-2022.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Por despacho de 31-05-2023 foi dispensada a realização da reunião e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações.
3.6. O processo foi objecto de prorrogação ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21º do RJAT.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação, bem como com o indeferimento do pedido de revisão graciosa que apresentou. Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- Submeteu a Declaração Modelo 57 em 11 de dezembro de 2020, em que apurou um valor a pagar de 53.275,21 €, respeitante ao ASSB de 2020, que foi pago em 14-12-2020.
- A 21 de abril de 2022, deduziu reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação do ASSB pago no ano de 2020, com referência às contas relativas ao primeiro semestre de 2020, em observância do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, que determina que, em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa.
- O ASSB foi instituído pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que procedeu à segunda alteração à Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2020, a qual corresponde ao Orçamento Suplementar para 2020, aprovado na sequência da necessidade de materializar o Programa de Estabilização Económica e Social (“PEES”).
- Diz-se na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, referente ao Orçamento do Estado Suplementar para 2020, que “É igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
- E, conforme disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI a que se refere o artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado Suplementar para 2020, é reforçado que a intenção legislativa subjacente à criação do tributo passou por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
- O ASSB foi criado sob a designação formal de um tributo adicional sobre a CSB, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2021 e embora a designação do ASSB pareça indiciar que o mesmo constitui um adicional à CSB (i.e., um adicional a uma contribuição financeira), a verdade é que o legislador acaba por não qualificar de forma expressa este tributo.
- Em termos factuais, pode dizer-se que o ASSB é um tributo que (i) nasce no contexto da crise pandémica de COVID-19, (ii) se destina exclusivamente ao financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”) e que (iii) onera especificamente o setor bancário, alegadamente como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras.
- Ainda que o ASSB onere apenas um grupo homogéneo de sujeitos passivos, a sua criação tem como objectivo exclusivo a angariação de receita para colmatar necessidades genéricas de financiamento do Estado, neste caso, do Sistema de Segurança Social, que em nada estão relacionadas especificamente com o setor financeiro, tratando-se, pois, de uma receita que tem como objetivo contribuir para despesas que podem aproveitar a todos de modo indistinto.
- Contrariamente ao que o legislador pretende sustentar, é por demais evidente, salvo melhor opinião, que as isenções de IVA aplicáveis aos serviços financeiros não constituem um alívio da carga fiscal ou um fator benéfico para as empresas do setor bancário, pelo que esta circunstância nunca poderia servir de justificação para onerar estas empresas com responsabilidades acrescidas a respeito do financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social.
- Sendo de todo impossível a catalogação do ASSB como taxa ou como contribuição financeira (ou como adicional a uma contribuição financeira pré-existente), não se concebe qualificar este tributo com outra natureza que não a de um verdadeiro imposto especial, dado que incide apenas sobre (algumas) das instituições do setor financeiro, e de receita consignada, in casu, ao FEFSS.
- Ao impor ao sector financeiro, por via do ASSB, um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social (por via do FEFSS), que a todos beneficia, sem para tal apresentar qualquer fundamento substancial válido, o legislador fiscal afrontou directamente o princípio da igualdade na sua vertente de limite de controlo externo à discricionariedade legislativa no campo fiscal, i.e., na sua vertente de proibição do arbítrio.
- Não se vislumbra um qualquer motivo válido pelo qual se há de onerar exclusivamente o sector financeiro com a tarefa de suprir as carências financeiras do Sistema de Previdência da Segurança Social, excluindo-se outros agentes económicos com forte capacidade contributiva.
- Não estando perante um imposto sobre o rendimento, sobre o consumo ou sobre o património, no caso dos sujeitos passivos do ASSB, não se verifica qualquer dos indicadores de capacidade contributiva legitimadores da oneração operada pelos impostos. inexistindo uma qualquer associação do ASSB a um dos índices de capacidade contributiva estabelecidos na Lei, os quais constituem o pressuposto da conformidade constitucional de qualquer imposto, o mesmo é materialmente inconstitucional, neste caso por violação do princípio da capacidade contributiva.
- Sendo o ASSB um tributo criado em Julho de 2020 (por via da Lei nº. 27-A/2020, de 24 de julho) e devido, pela primeira vez, tendo por referência saldos de passivos relativos ao primeiro semestre de 2020, o mesmo viola o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
- Como resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, e das respectivas instruções de preenchimento, o ASSB devido em 2020 é calculado por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020. Assim, é no dia 30 de junho do próprio ano que se consolida definitivamente na ordem jurídica o conjunto de factos que a lei faz depender o apuramento da obrigação de imposto associada ao ASSB de 2020, uma vez que é nesse momento que se torna possível quantificar o valor da média semestral do passivo e dos instrumentos financeiros registados fora do balanço.
- Ora, no caso em apreço, a aplicação do ASSB ao Requerente no exercício de 2020 resulta da aplicação da Lei n.º 27-A/2020, que apenas entrou em vigor no dia 24 de Julho de 2020. Assim sendo, no momento em que se consolidou na ordem jurídica a base de incidência objetiva (i.e., o conjunto de factos de que a lei faz depender o apuramento da obrigação de imposto) do ASSB de 2020, ainda não se encontrava em vigor o regime nos termos do qual o imposto se viria a tornar devido.
- Neste contexto, estamos perante um caso de retroactividade autêntica, vedado ao abrigo do princípio da não retroatividade da lei fiscal, que se reporta a casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos em momento anterior à entrada em vigor da Lei, como é o caso da situação em análise.
- A alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP estabelece um princípio de discriminação orçamental que se prende com a forma de inscrição orçamental das receitas e despesas, estabelecendo que o orçamento contém: “A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”.
- Ora, as receitas provenientes do ASSB de 2020 não foram devidamente discriminadas no Orçamento do Estado para 2020 (e respetiva Lei de Orçamento Suplementar).
- Afigura-se evidente a impossibilidade de apuramento do valor exato da receita prevista arrecadar com o ASSB no Orçamento do Estado para 2020 e o respetivo valor consignado a transferir do Estado para o FEFSS.
- Tendo presente o princípio da discriminação, é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação do ASSB são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respetivas (auto)liquidações, ao abrigo das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA.
- Requer, desse modo, a anulação das autoliquidações efectuadas com a subsequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
- A AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto.
- O ASSB está indissociavelmente associado ao contexto histórico da pandemia COVID-19, como resposta aos custos da resposta à crise pandémica, conforme referido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 (aprova o Programa de Estabilização Económica e Social).
- A par do IVA Social, novas fontes de financiamento da Segurança Social têm sido criadas, contando-se, entre as mais recentes, as receitas do Adicional ao IMI (AIMI) (cfr., n.º 2 do artigo 1.º do CIMI) e a, partir de 2018, a consignação de 2 p.p. das taxas previstas no Código do IRC ao FEFSS.
- O ASSB foi configurado como um imposto sobre operações inerentes às actividades financeiras realizadas pelas instituições de crédito, tendo subjacente o desiderato de tributar indirectamente este setor. Assume a mesma natureza do imposto cuja isenção visa compensar (o IVA), a de imposto indireto, propondo-se alcançar a manifestação de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito e instrumentos derivados, através das operações financeiras abrangidas pela incidência do imposto.
- A razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações, algo que se mostrava particularmente desafiante nos anos 70, aquando da génese do IVA.
- É consabido que a isenção de IVA aplicável às operações em que se consubstancia parte do negócio das instituições de crédito7– e.g., operações de receção de depósitos, concessão de crédito, cobrança de juros e comissões8, garantias – é, em parte, colmatada pela incidência do imposto do selo, que, aliás, desde a reforma levada a cabo pela lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto, o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo (no caso das operações financeiras, pela entidade concedente do crédito ou pelo prestador dos serviços) e repercutido ao adquirente.
- No entanto, não só as taxas de imposto do selo se afiguram substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como ficam de fora da sua incidência as restantes operações em que intervêm instituições de crédito, designadamente transações financeiras, locações financeiras.
- A isenção de IVA aplicável aos serviços financeiros constitui um dos principais fundamentos assinalados em experiências internacionais tendo em vista a introdução de impostos indiretos que incidem sobre este sector, designadamente impostos sobre transacções financeiras e impostos sobre actividades financeiras. Subjacentes à introdução destes tributos, estão propósitos de justiça fiscal e não, evidentemente, de penalização deste sector.
- Este tipo de tributo, materializado na compensação do erário público pela despesa fiscal associada à isenção de IVA de que beneficiam determinados sujeitos passivos, não é inovador – contrariamente ao que argumenta o Requerente –, particularmente no que concerne à isenção de IVA de que beneficiam, em geral, os serviços financeiros.
- A incidência do ASSB sobre o sector financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este actualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das actuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indirecta do sector bancário, tais como a revisão das regras do IVA no sector financeiro, ou como os impostos sobre as actividades financeiras e os impostos sobre as transacções financeiras.
- A manifestação de capacidade contributiva sobre que incide o ASSB, revela-se nos efeitos incrementais na actividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos,
- Na escolha da base de incidência do ASSB, no quadro da liberdade de conformação legislativa, pesaram certamente também factores de operacionalidade do tributo, dada a existência de uma contribuição que incide sobre as instituições de crédito (a CSB), e cujos mecanismos de liquidação e controlo, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível da Autoridade Tributária e Aduaneira, estão já consolidados e em funcionamento desde 2011.
- Ao contrário do que afirma o Requerente, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT-10, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.
- A base de incidência do ASSB para o primeiro semestre de 2020 é a que resulta dos artigos 3.º e 4.º do respetivo regime, por remissão expressa da al. a) do n.º 1 do artigo 21.
- O ASSB do primeiro semestre de 2020 não deixa de incidir outrossim sobre «os passivos apurados e aprovados» pelo sujeito passivo [deduzidos dos fundos próprios de base (Tir 1), dos complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos do Fundo de Garantia de Depósitos] o que implica também que, na formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas “complexas operações de avaliação” nem se pode deixar de ter em conta os “ajustamentos posteriores à data de balanço”.
- É factual que o balanço de final de cada período (quer seja anual ou trimestral) só fica 'fechado' com a divulgação de contas, o que implica que possa haver (e há, por norma) ajustamentos com base em análises mais aprofundadas feitas às contas (e.g. imparidades), que mudem o valor do balanço ou dos resultados face à fotografia inicial.
- A base de incidência do ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020 corresponde ao “passivo apurado e aprovado” pelos sujeitos passivos nas suas contas intercalares, facto tributário que se objectiva e emerge na ordem jurídica com o apuramento e aprovação das contas, necessariamente posteriores à entrada em vigor da Lei nº. 27-A/2020, 24 de julho, e ao início de vigência do regime do ASSB.
- Pelo que não se verifica a violação do princípio proibição da retroatividade da lei fiscal (art. 103º n.º 3 da CRP), nem do princípio da proteção da confiança, não se podendo assacar ao acto impugnado o vício de inconstitucionalidade do ASSB.
- Assente que o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na excepção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO.
- O ASSB foi aprovado no âmbito do Orçamento Suplementar de 2020 pela Assembleia da República, verificando-se assim que este órgão soberano, concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020, observando-se o cumprimento do princípio da anuidade.
- Por outro lado, a inscrição orçamental do ASSB, enquanto receita, constitui uma autêntica previsão, porquanto não é possível, como pretende o Requerente, a inscrição do valor exato a arrecadar com o ASSB.
- Conclui-se que o ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS.
- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter as liquidações aqui em causa, bem como o indeferimento da reclamação graciosa.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) A Requerente é uma instituição financeira de crédito portuguesa sujeita à supervisão do Banco de Portugal e que se rege peto Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
b) Enquanto instituição financeira encontra-se sujeita ao pagamento do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB).
c) Em 11-12-2020, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57, que, por sua vez, deu origem ao Documento de liquidação n.º... no valor de 53.275,21 € (cinquenta e três mil, duzentos e setenta e cinco euros e vinte e um cêntimos).
d) O imposto liquidado foi pago no dia 14 de dezembro de 2020.
e) A Requerente deduziu, em 21-04-2022, reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação do ASSB por si pago no ano de 2020, com referência às contas relativas ao primeiro semestre de 2020, a qual foi tramitada sob o n.º...2022... .
f) Na aludida reclamação graciosa, foi proferida decisão de indeferimento, por despacho de 20-06-2022 do Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências.
h) Consta da decisão de indeferimento:
- “A AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesma ferida de legalidade institucional.
De facto, determina o Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu art. 2.º, n.º 1, que «a AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da Unido Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia». [sic].
O n.º 2 do mesmo preceito elenca as diversas atribuições da AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito associado à administração dos impostos referido no número anterior, não faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias, pelo que não cabe tal atribuição nesse conceito.
(…)
Deste modo, não obstante possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecaria sempre por inutilidade legal da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer considerações para além das já enunciadas.
Assim, sendo, deverá ser rejeitada a pretensão formulada”.
h) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, Viactt, em 29-06-2022.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
- Matéria de Direito
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa mesma Lei.
Tem por objectivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 2º, reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
No que respeita à sua qualificação jurídica, afastada liminarmente a figura da taxa, temos que ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr. Acórdão do STA de 25-01-2023 - Proc. n.º 01622/20, bem como a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB. E assim não pode ser na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do sector bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira.
Subscrevendo o que se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 599/2022-T, dir-se-á, analisado o diploma, seus pressupostos, incidência e demais regras que “assumindo como pressuposto a trilogia dos tributos constitucionalmente admitida, temos que o ASSB não é, claramente, uma taxa, porquanto ao seu pagamento não corresponde uma qualquer contraprestação individualizada por parte de um qualquer ente público. O ASSB não é, também, uma contribuição financeira, na medida em que o “grupo” sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um “grupo” que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado, ou a um “grupo” que surja como especial causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer «grupo»”.
Acresce que “o ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é que esta é uma como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica”.
Ora, o ASSB tem como âmbito de incidência objectiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3º do Anexo VI.
No que respeita à incidência subjectiva temos, sumariamente, que são sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito, sejam as sedeadas em Portugal, sejam filiais e sucursais de não residentes sitas no nosso país.
Alega a Requerente que o ASSB viola o princípio constitucional da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio, ao impor ao sector financeiro um ónus acrescido no que respeita ao financiamento do Sistema Previdencial da Segurança Social que não tem fundamento substancial válido, pois incide sobre o sector bancário como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras. Acrescentando que estas isenções têm cariz objectivo e não subjectivo, estando directamente relacionadas com o tipo actividade desenvolvido pelas instituições financeiras e com a dificuldade de aferir o valor acrescentado presente neste tipo de serviços e não com a natureza subjectiva do sujeito passivo.
Com o que tendemos a concordar.
A propósito da isenção de IVA, há que ter presente que, como diz Angelina Tibúrcio (Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coimbra, 2014, pág. 318), as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível.
Face a este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, afigura-se-nos como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
No que respeita ao princípio da igualdade tributária propriamente dito, há que ter presente o que se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional de 15-10-2014 – Proc. 695/2014: “Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010)”.
Como se diz na decisão arbitral supra citada: “julgamos que mesmo aceitando - por mera disciplina de raciocínio - existir uma situação de desigualdade fiscal entre as instituições de crédito e a generalidade das demais empresas, derivada da existência de uma isenção de IVA relativa à maioria das operações económicas praticadas pelas primeiras, o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.
A criação de um outro imposto, incidindo objetivamente sobre realidade diversa que não as transações efetuadas, e, subjetivamente, apenas sobre as instituições de crédito não pode deixar de ser qualificada por este tribunal como sendo uma solução legislativa arbitrária, totalmente desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social.
No contexto descrito, não é possível encontrar outra razão de ser para a incidência subjetiva do ASSB que não a consideração, pelo legislador, de ser uma forma viável de obtenção de mais receita. Ou seja, que apenas o interesse fazendário determinou a criação de um novo imposto que, mesmo após pesadas as razões determinantes da sua criação, resulta inconstitucional, desde logo quanto à sua incidência subjetiva, porque sectorial.
Ou seja, a opção legislativa sempre deveria ser havida por inconstitucional por desproporcionada (no dizer da nossa jurisprudência constitucional, por configurar um arbítrio legislativo)”.
Inconstitucionalidade de que, entendemos, padece efectivamente o artigo 2º do Anexo VI da Lei 27-A/2020.
Donde, concluindo-se pela inconstitucionalidade referida, há que concluir pela anulação total do acto tributário impugnado.
Todavia, não pode deixar de se fazer referência à arguição de outra inconstitucionalidade, no caso à proibição da retroactividadade da lei fiscal.
Com efeito, alega a Requerente padecer o ASSB de inconstitucionalidade por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, em relação ao imposto que se torna devido em 2020, por considerar que, por efeito da norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, o adicional devido em 2020 é calculado por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência nas contas relativas ao 1º semestre de 2020.
Reforça que a Lei 27-A/2020 apenas entrou em vigor em 24-07-2020 e foi no dia 30 de Junho desse ano que se consolidou definitivamente o conjunto de factos que a lei faz depender o apuramento da obrigação de imposto associada ao ano de 2020.
É indiscutível que o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, impõe a regra da proibição da retroactividade da lei fiscal desfavorável. De qualquer forma, há que ter presente que o Tribunal Constitucional há muito segue o entendimento de que a proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas tem aplicação na retroactividade autêntica, ou seja, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. Estarão, desse modo, excluídas do seu âmbito aplicativo as situações designadas de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (vejam-se, a título exemplificativo, os Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010).
Ora, a norma transitória do artigo 21.º da Lei 27-A/2020, determina, na sua alínea a), que, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, “a base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020”.
Fácil é, pois, de ver que devendo o sujeito passivo efectuar a liquidação do imposto até 15 de Dezembro de 2020, não lhe será possível certificar, através das contas anuais, a média de saldo que serviu de base à liquidação, e, sendo assim, não há qualquer dúvida que o facto tributário que origina o imposto é o mero apuramento contabilístico da média dos saldos do passivo relativamente ao primeiro semestre.
Desta circunstância, resulta que a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, pelo que a liquidação do adicional de solidariedade sobre o sector bancário, relativa ao ano de 2020, também por esta via, enferma de ilegalidade
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Pretende a Requerente, com a procedência do pedido, o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios
Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
No caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.
Pelo que assiste à Requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a anulação das liquidações impugnadas, bem como do indeferimento da reclamação graciosa, por inconstitucionalidade do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, bem como do artigo 2º do seu Anexo VI.
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Ordenar a restituição à Requerente do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 53.275,21 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se o Ministério Público (artigo 17º, n.º 3 do RJAT e artigo 72º, n.º 3 da LOTC).
Lisboa, 11-10-2023
O Árbitro
(António Alberto Franco)