Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2015-T
Data da decisão: 2015-07-14  Selo  
Valor do pedido: € 10.244,09
Tema: IS - Propriedade vertical; verba 28 da TGIS; indemnização por prestação indevida de garantia
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

1.      Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A, titular do número de identificação fiscal …, residente na …, em ... (de ora em diante designado “Requerente”), apresentou, no dia 12.01.2015, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, notificados em 2014, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que é proprietário, como adiante melhor se verá e, por outro, o ressarcimento dos danos por si sofridos pela prestação indevida de uma garantia bancária destinada a suspender as execuções fiscais que contra si foram instauradas pelo facto de não ter procedido ao pagamento dos montantes liquidados.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 02.02.2015, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. … e Dra. … para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 25.03.2015.

 

1.5.            No dia 08.04.2015 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 06.05.2015 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição do Requerente

 

 

1.7.            O Requerente é proprietário do prédio em propriedade total ou vertical sito na ..., n.ºs..., em ..., com o artigo matricial ... da nova freguesia de ..., com 7 (sete) pisos e 10 (dez) divisões susceptíveis de utilização independente, com um valor patrimonial global de € 1.215.865,19 (um milhão duzentos e quinze mil oitocentos e sessenta e cinco euros e dezanove cêntimos), a que corresponde a caderneta que o Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 1, cujo teor se tem por reproduzido.

 

1.8.            O Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) que se encontram elencadas na lista de notas de cobrança anexada ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 2, cujo teor se tem por reproduzido, as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”) e na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, cujas datas limites de pagamento se reportavam ao final dos meses de Abril, Julho e Novembro, todos de 2014.

 

1.9.            O Requerente não procedeu ao pagamento dos montantes liquidados de que tomou conhecimento pelas notificações acima referidas, tendo sido contra si instaurados, consequentemente, os cabíveis processos de execução fiscal.

 

1.10.        O Requerente, visando suspender as ditas execuções fiscais, prestou garantia de pagamento do tributo que lhe era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, como se comprova pelo documento anexo ao requerimento de pronúncia arbitral com o n.º 3, cujo teor se tem por reproduzido, peticionando o ressarcimento dos danos por si sofridos com a emissão de uma garantia bancária indevida.  

 

1.11.        Alega o Requerente, em primeiro lugar, que as liquidações de IS impugnadas padecem de “erro quanto aos pressupostos de direito”, uma vez que se impunha a autonomização dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, como sucede no caso das fracções autónomas de prédios em propriedade horizontal, não resultando da lei a correspondência do valor patrimonial tributário (de ora em diante designado “VPT”) de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, sendo consequentemente objecto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) separada. 

 

1.12.        O Requerente advoga também que “uma interpretação sistemática e histórica” da verba 28.1 da TGIS permite concluir que a intenção do legislador não foi a de tributar como um todo os prédios em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, mas sim tributá-los como são tributados os prédios em propriedade horizontal, ou seja, por cada parte ou divisão susceptível de utilização independente com afectação habitacional que tenha um VPT de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

1.13.         Defende ainda o Requerente a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, quando interpretada com o sentido pretendido pela Requerida.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.14.        A Requerida, na sua resposta, expressa o entendimento de que a situação do Prédio se subsume literalmente na previsão da verba em causa, acrescentando que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio, sendo o Requerente, consequentemente, proprietário de um único prédio unitariamente considerado, e não de cada uma das partes ou fracções susceptíveis de utilização independente de que se componha, razão por que o VPT de que depende a incidência do IS da verba 28.1 da TGIS tinha de ser, como foi, a soma do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação (que não corresponde sequer ao VPT global do Prédio, uma vez que uma dessas partes tem afectação comercial) e não o de cada uma das suas partes independentes.

 

1.15.        Sustenta ainda a Requerida estar impedida de interpretar a verba 28.1 da TGIS de forma diversa do que fez, já que qualquer outra interpretação violaria “a letra e o espírito” da referida verba e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”, uma vez que “cabe à lei – Lei da Assembleia da República e Decreto-Lei autorizado – estabelecer os elementos essenciais da incidência dos impostos”.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

1.16.        Por despacho de 20.06.2015, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, o que as Partes aceitaram.

 

1.17.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.18.        As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.19.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto, sem prejuízo do mais que é referido no ponto 3.1.4. infra, o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.

 

1.20.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      O Requerente é a único proprietário do Prédio (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.      O Prédio encontra-se constituído em propriedade total ou vertical, tendo dez andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3.      Nove dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente que constituem o Prédio estão afectos a habitação, havendo um andar afecto a comércio (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.4.      Nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.5.      A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, procedeu à soma aritmética dos VPT de cada um dos andares ou divisões afectos a habitação (docs. n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.6.      O Prédio tem um VPT global de € 1.215.865,19 (um milhão duzentos e quinze mil oitocentos e sessenta e cinco euros e dezanove cêntimos) – (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.7.      A Requerida considerou, para efeitos de aplicação da verba 28.1. da TGIS, um VPT de € 1.024.408,79 (um milhão vinte e quatro mil quatrocentos e oito euros e setenta e nove cêntimos) – (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.8.      O Requerente foi notificado das liquidações de IS a que se refere a lista de notas de cobrança anexada ao pedido de pronúncia arbitral sob a designação de documento n.º 2.

 

2.1.9.      No dia 22.08.2014 deu entrada nos serviços da Requerida uma garantia bancária de valor de € 11.000,00 (onze mil euros), datada de 07.08.2014, tendo a apresentação dessa garantia permitido a suspensão dos processos executivos instaurados contra o Requerente pelo não pagamento voluntário do tributo exigido pelas liquidações ora postas em crise (doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou a existência de danos que tivessem sido sofridos pelo Requerente em virtude da prestação indevida de garantia bancária.

 

3.      Matéria de direito

 

3.1.1. Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

a)      A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro; e

b)      A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, o Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida quanto ao ressarcimento dos danos por si sofridos com a prestação indevida de uma garantia bancária.

 

3.1.2.   A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

 

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.1.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício, desde que afectos a habitação, como fez a Requerida relativamente ao Prédio.

 

a)      A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda como impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.

 

b)     A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes

 

Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.

 

Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

Não se vê razão para a desconsideração da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, nem se pode concluir que, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, se impõe uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.

 

Atentos a letra e o espírito da lei, não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal. 

 

c)      A ratio legis da verba 28.1 da TGIS

 

O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[2]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas”. “Casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

d)     Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

O entendimento do tribunal arbitral rejeita o juízo de inconstitucionalidade invocado pela Requerida. É sabido que cabe à lei – lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado – a fixação dos elementos essenciais da incidência dos impostos. Contudo, o entendimento acolhido pelo tribunal arbitral não descura o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, porque, como se procurou demonstrar pelos argumentos apresentados supra, a solução que se advoga resulta de disposições normativas que não enfermam de qualquer inconstitucionalidade orgânica.

 

3.1.4. Indemnização por prestação indevida de garantia

 

O Requerente apresenta igualmente um pedido de indemnização pela prestação indevida de garantia.

 

Pedidos deste teor não constituem novidade no CAAD, havendo várias decisões no sentido de admitir a sua cognoscibilidade pelos tribunais arbitrais[3]. Como se deixou já dito em termos sumários, também este tribunal arbitral entende poder conhecer desse pedido.

 

A alínea b) do n.º 1 do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, sejam eles relativos a juros indemnizatórios ou à prestação indevida de garantias.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à administração tributária e aduaneira. Manifestações desse princípio podemos encontrar no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no n.º 4 do art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Especificamente sobre a indemnização em caso de garantia indevida se refere o art.º 171.º do CPPT, resultando claro dessa disposição que se pode conhecer do pedido de indemnização no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, o que se impõe por razões de economia processual, já que o direito à indemnização por garantia indevidamente prestada depende do que se decida sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. Assim, forçoso é concluir que também o processo arbitral deve ser tido como adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada consta, como bem refere o Requerente, do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

 

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

 

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

 

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

 

 (…)

 

No caso sub judice, como se disse, os actos de liquidação controvertidos são ilegais, uma vez que as normas em que se baseiam não se mostram aplicáveis à factualidade dos autos, erro que não pode deixar de ser imputável à Requerida já que as ditas liquidações são da sua exclusiva iniciativa e responsabilidade.

 

Contudo, não pode o tribunal arbitral condenar a Requerida a pagar ao Requerente uma indemnização que visa ressarci-lo de danos que não quantifica nem sequer, em sentido próprio, alega. 

 

3.1.5. Questão prejudicada: inconstitucionalidade invocada pelo Requerente

 

O Requerente suscitou a questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, caso elas fossem interpretadas no sentido de que o IS ali previsto poderia incidir sobre cada um dos andares ou partes independentes do Prédio.

 

Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão e a de quaisquer outros vícios de que possam enfermar as contestadas liquidações.

 

4.      Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais;

b)      Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

 

 

5.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 10.244,09 (dez mil duzentos e quarenta e quatro euros e nove cêntimos).

 

 

6.      Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 14 de Julho de 2015

 

 

O Árbitro

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)



[1] Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

[2] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.

[3] Vejam-se, a título de exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos processos números 233/2013-T, 112/2013-T e 36/2013-T.