ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA
Proc nº 131/2012 - T
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
…, Lda., (doravante designada também por “Requerente” ou “Autora”), NIF …, com sede na Rua …, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 10º e seguintes, do RJAT (DL nº 10/2011) e 99º e seguintes, do CPPT pedindo a anulação das liquidações adicionais de retenção na fonte de IRS e juros compensatórios referentes aos períodos de 2010 e 2011 (liquidações nºs 2012… e 2012…) na importância de € 172.797,99.
A Requerente invocou a fundamentar o pedido de anulação, a violação dos artigos 124º, 125º e 135º, do CPA e 73º e 77º, da LGT (disposições invocadas pela autora na formulação do pedido) e, requereu concretamente (pedido):
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Que sejam anuladas as liquidações mencionadas, “(…)com todas as consequências legais, porquanto a Requerente foi objeto de atos ilegais de inspeção tributária praticados fora do âmbito do procedimento inspetivo aberto apenas em 11 de novembro de 2011 e, por conseguinte, a ilegalidade cometida é geradora do vício de anulabilidade dos atos de liquidação aqui em crise fundada em tais atos inspetivos, nos termos do artigo 135º do CPA; ou se assim não se entender e sem prescindir (…)”,
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Que sejam anuladas “(…)as liquidações aqui em crise, com todas as consequências legais, porquanto a Requerente não foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo e, por conseguinte, a ilegalidade cometida é geradora do vício de anulabilidade dos atos de liquidação aqui em crise fundada em tal procedimento, nos termos do artigo 135º do CPA; ou se assim não se entender e sem prescindir (…)”,
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Que sejam anuladas “(…)as liquidações aqui em crise, com todas as consequências legais, porquanto padecem do vício de falta de fundamentação, nos termos dos artigos 73º e 77º ambos da LGT e artigos 124º e 125º ambos do CPA; ou se assim não se entender e sem prescindir (…)”,
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Que sejam anuladas “(…) as liquidações aqui em crise, com todas as consequências legais, porquanto padecem do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de Direito, e por violação do princípio da proporcionalidade e o princípio da legalidade; ou se assim não se entender e sem prescindir (…)”,
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Que sejam anuladas parcialmente “(…) as liquidações aqui em crise, com todas as consequências legais, porquanto o padecem do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de facto e de Direito (…)”.
Fundamentou o seu pedido nas seguintes (alegadas) ilegalidades (em síntese):
- “A requerente foi alvo de actos ilegais de inspecção tributária praticados fora do âmbito do procedimento inspectivo aberto apenas em 11 de Novembro de 2011” (itens 16 a 29);
- “A requerente não foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo” (itens 30 e 31);
- “As liquidações padecem de vício de falta de fundamentação” (itens 33 a 52);
- “As liquidações padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade” - pressupostos de aplicação da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6º do Código do IRS e tentativa ilisão dessa presunção - (itens 54 a 104);
- As liquidações na fonte padecem de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de Direito, o que implicaria a sua anulação parcial – “momento da exigibilidade retenção na fonte” - (itens 106 a 115);
Alegou, no essencial e mais detalhadamente, o seguinte quadro factual e jurídico:
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A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (adiante Relatório), através do Ofício n.º …, de 13 de julho de 2012 (Doc. 3), que concluiu a inspeção tributária realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2011… / OI2012…;
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Na sequência, a Requerente foi notificada das liquidações aqui em crise (Docs. 1 e 2);
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A AT violou formalidades da inspeção tributária (RCPIT) considerando que era em 11-11-2011 o início da ação inspetiva e esta, com o ato de inventariação de valores em caixa, ocorreu em data anterior – 10-11-2011;
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A demandante não foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo pois a AT não cumpriu com as obrigações da dispensa da notificação prévia do início do procedimento [artigo 50º-1/c), do RCPIT];
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Tais ilegalidades são geradoras de anulabilidade dos atos de liquidação [artigo 135º, CPA];
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A AT tinha a obrigação legal de provar os pressupostos de funcionamento da presunção prevista no artigo 6º-4, do CIRC;
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Sem prejuízo da prolixidade do Relatório da Inspeção Tributária, que atesta a obscuridade e falta de clareza da fundamentação subjacente às liquidações aqui em crise, a Requerente, na melhor e possível interpretação do Relatório, considera que a Administração Tributária (adiante AT) veio concluir, em sede de inspeção tributária, que as entregas aos sócios da requerente de importâncias que totalizam nos anos de 2010 e 2011 o montante de € 759.689,33 (que se encontrava em “Caixa” e “Bancos”), serão de considerar a título de distribuição de lucros e de adiantamento de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS.1
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O artigo 7º n.º 3-a) ponto 3 do Código do IRS consagra que o momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os rendimentos de capital corresponde à data da colocação à disposição.
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Tal colocação à disposição, segundo a AT, “(…) sucedeu com as entregas efetuadas dos valores registados em “Caixa” e em “Bancos”.2
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No caso de um procedimento inspetivo externo, o início deste procedimento deve ser notificado ao contribuinte com uma antecedência mínima de cinco dias úteis relativamente ao seu início, nos termos do artigo 49º do RCPIT.
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No caso em apreço, e de acordo com os dados do Relatório, o início da inspeção aqui em crise teve início em 11 de novembro de 2011, de acordo com a notificação do artigo 51º do RCPIT, e o seu termo em 15 de junho de 2012.
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Sucede, porém, que os atos de inventariação de valores em caixa ocorreram em 10 de novembro de 2011, conforme contagem efetuada em 10 de novembro de 2011 (anexo 2 ao Relatório):
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No presente caso, verificamos que o início da inspeção, para todos os efeitos legais, ocorreu em 11 de novembro de 2011 com a notificação do despacho que determinou a inspeção, nos termos do n.º 1 do artigo 51º do RCPIT, conforme dados do Relatório.
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O ato de inventariação de valores em caixa de 10 de novembro de 2011 ocorreu assim antes do início da inspeção tributária aqui em crise, em clara violação das normas do RCPIT e dos princípios subjacentes.
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Se assim não se entender e sem prescindir, então será de concluir que a Requerente não foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo, pois a AT não cumpriu com as obrigações da dispensa da notificação prévia do início do procedimento, nos termos do artigo 50º n.º 1 c) do RCPIT (notificação do anexo do n.º 3 do artigo 49º do RCPIT e do despacho que determinou o procedimento da inspeção).
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Em ambos os casos, as ilegalidades cometidas são geradoras do vício de anulabilidade dos atos de liquidação aqui em crise fundadas em tal procedimento / atos inspetivos, nos termos do artigo 135º do CPA3, e, por conseguinte, as liquidações aqui em apreço devem ser anuladas, com todas as consequências legais.
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O Relatório da Inspeção Tributária não está fundamentado (arts 54º, 73º e 77º, da LGT e 124º e 125º, do CPA), sendo que a exagerada tentativa de fundamentação acabou por viciar a própria fundamentação e a clareza desta para provar o funcionamento da presunção
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De todo o modo as operações geradoras da tributação ora impugnada representam retificações de operações subjacentes a um contrato de mútuo outorgado em 1 de fevereiro de 2002 entre a requerente e a sócia …;
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Estes lançamentos contabilísticos de retificação deveriam ter-se efetuado em datas anteriores a 2011 e 2011 “ (…) porque dizem respeito aos empréstimos realizados pela requerente ao sócio no âmbito do contrato de mútuo então celebrado em 2002 (…) [cfr artigos 57. e ss., da petição inicial];
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As entregas do sócio à sociedade “(…) refletem pagamentos parciais por conta do empréstimo contratado para abater à dívida existente (…)”;
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E, por isso, não deveria a AT aplicar a presunção consagrada no artigo 6º-4, do CIRS na medida em que a existência do alegado contrato de mútuo ilide a sobredita presunção;
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As liquidações adicionais violam os princípios constitucionais da legalidade e da proporcionalidade na medida em que traduzem atos com vista à cobrança de impostos em quantidade superior às que resultam ou espelham as obrigações contabilísticas da requerente;
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Não sendo aceite o supra invocado, designadamente a comprovação do mútuo à sócia e gerente e a consequente existência de fundamento para as liquidações adicionais de IRS, só podem ser considerados ou objeto de tributação os rendimentos respeitantes aos períodos das liquidações – 2010 e 2011 -, respetivamente € 28.848,09 e € 28.455,50.
A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve os atos tributários sob impugnação, conforme comunicou ao CAAD (Cfr artº 13º, do RJAT).
Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei 10/2011, de 20/01 e na Portaria 112-A/2011, de 22/03, foi constituído em 29-1-2013 (cfr. ata de constituição) este Tribunal Coletivo, após prévia designação dos árbitros pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD e consequente aceitação do encargo pelos mesmos.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta ao pedido, sintetizando os seguintes factos essenciais relevantes do processo administrativo:
Na sequência de selecção central de sujeitos passivos reportada ao exercício de 2009, constatou-se que o sujeito passivo apresentou, nesse exercício, saldo de caixa (muito) superior a 50.000,00 e que esse saldo superava os seus passivos correntes (critérios de selecção).
O sujeito passivo foi, então, em 20/07/2011, notificado para apresentar os balancetes sintéticos de 2010 e 2011.
Face ao respectivo teor, e com os fundamentos que constam da “Proposta de Acção Inspectiva” – junta ao processo administrativo (PA), que aqui damos por reproduzido –, foi proposta “a realização de acção tendente à contagem física do saldo de caixa e no caso de divergência significativa relativamente aos elementos contabilísticos, a realização da respectiva conciliação, no sentido de se apurar a eventual distribuição de lucros/por conta de lucros e/ou despesas não devidamente documentadas, com os subsequentes efeitos fiscais”.
Em consonância com o proposto, por despacho de 11-09-2011, foi aberta a Ordem de Serviço n.º OI2011…, para a realização de procedimento de Inspecção Externa, de âmbito parcial.
Já depois de iniciado o procedimento, o âmbito da acção inspectiva passou de “parcial” a “geral”.
Tendo-se verificado, ainda, a necessidade de analisar a contabilidade integral dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011, foi elaborada proposta de emissão de nova ordem de serviço.
Com os fundamentos constantes dessa Proposta de Acção Inspectiva, em Junho de 2012, foi determinada a emissão da correspondente Ordem de Serviço n.º OI 2012….
A carta-aviso de abertura de acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2011…, dados os específicos objetivos que visava, foi entregue em mão ao contribuinte.
Essa entrega ocorreu em 11-11-2011.
A acção inspectiva teve início em 11-11-2011.
Nesse dia 11-11-2011 teve lugar a diligência de contagem física do saldo de caixa, tendo sido elaborado o “Termo de declarações/contagem” (junto ao Relatório Inspectivo como anexo 2, pág. 53 e 54).
Em conformidade com esse documento e com os esclarecimentos aí prestados e confirmados pelo representante da requerente – Dr. … – e pelo então Técnico Oficial de Contas da empresa, a ora requerente tem por sócios, além da gerente (Dra. …), os seus dois filhos, tendo por objecto a prestação de serviços médicos.
No âmbito da requerente, é a sócia gerente que presta serviços, fazendo-o nas instalações dos clientes, designadamente na P… Lda., e em outras clínicas.
A requerente não dispõe de instalações próprias, tendo sede na morada da empresa que lhe presta serviços de contabilidade.
Aquando da diligência inspetiva, verificou-se que a contabilidade da empresa só estava efetuada até Março de 20114 e, por causa dessa situação, não foi possível definir o saldo contabilístico da conta “caixa”.
Apurou-se, então, contudo, pela contagem física, não existirem quaisquer valores em caixa.
O representante explicou que essa situação se devia ao facto de ter utilizado o dinheiro da empresa na sua esfera pessoal.
Nem o representante da requerente, nem o seu (então) TOC, Sr. Dr. … fizeram qualquer menção à existência de um qualquer suposto empréstimo ou contrato de mútuo.
Da análise posteriormente efetuada à contabilidade da empresa apurou-se que, ao longo do ano de 2010, ocorreram alguns movimentos de transferências de valores da sociedade para a propriedade dos sócios, ou melhor da sócia gerente (cf. quadro a fls. 20 do relatório)
Alguns desses movimentos ocorreram por contrapartida a crédito da conta “12 – Depósitos à Ordem”;
Outros registos desta conta ocorreram por contrapartida a débito da conta “278820998 – Cheques” e da conta “278820999 – Diversos”5.
Na verdade, sempre que eram emitidos cheques com origem na conta bancária, em que os beneficiários eram os sócios, o movimento contabilístico ocorria na conta “278820998 – Cheques”.
Quando a disponibilidade para os sócios era através do pagamento, por parte da empresa, de despesas pessoais destes, era movimentada a conta “278820999 – Diversos”.
No momento em que tais movimentos ocorreram, na medida em que os sócios são “qualificados como devedores da sociedade” pelo movimento a débito das contas “2788 – Outros devedores e credores” ou “268 – Outras operações”, confirma-se a saída de tais importâncias para o património dos sócios.
Sempre que as saídas para os sócios tinham origem na conta bancária, as transferências ou os cheques, estavam refletidos nos extratos bancários.
A movimentação de tais contas teve inicio apenas no ano de 2010 e com os pressupostos que se evidenciaram.
Antes disso não se encontram quaisquer movimentos contabilísticos ou documentos, externos ou internos, que reflitam saídas para os sócios.
Em 2010 estão, pois, contabilizadas saídas de dinheiro da ora requerente para a sócia ou o pagamento de despesas pela requerente que são da responsabilidade da sócia.
E estão-no sem que esta qualifique/contabilize tais saídas como “empréstimos”.
Apenas em Dezembro (de 2010) foram registados no balanço da empresa “empréstimos” a sócios (utilização da “conta 268512”).
Em 31 de Dezembro de 2010, os valores acumulados no “caixa” ascendiam a € 737.385,63.
Valor que se vinha acumulando ao longo dos exercícios (na conta caixa) e que suportavam valores próximos e com evolução paralela das contas de reservas e de resultados transitados, ou seja dos lucros acumulados da sociedade, que vinham sendo retidos na empresa6.
Nessa data de 31 de Dezembro de 2010 o saldo da conta caixa foi movimentado por contrapartida da conta “268512 – A médio e longo prazo”.
Foram transferidos diretamente os valores em “caixa” para o património dos sócios
E contabilizou tal operação diretamente como suposto “crédito” concedido aos sócios a médio e longo prazo.
A empresa passou, então, a ter um caixa sem quaisquer valores7.
Simultaneamente à transferência dos valores em “caixa”, as importâncias que antes constituíam uma “dívida” dos sócios na conta “278820998 – Cheques” e na conta “278820999 – Diversos” foram também transferidas para a conta “268512 – A médio e longo prazo”.
Ao longo do ano de 2011 a conta “268512 – A médio e longo prazo” foi sendo movimentada por contrapartida das contas de disponibilidades (do “caixa” e de depósitos à ordem)8.
Os referidos movimentos não apresentaram, contudo, qualquer regularidade, nem quanto ao montante, nem quanto à periodicidade.
O saldo da conta caixa encontrou-se frequentemente credor9.
Ou seja, foram efetuados pagamentos antes da entrada de meios financeiros em “caixa”.
Os sócios pagavam diretamente despesas que eram da sociedade através das suas contas pessoais ou transferindo para as contas bancárias da empresa as importâncias necessárias10.
Essas contas da sociedade eram providas apenas com os recursos financeiros necessários para o cumprimento das obrigações da mesma.
Depois a sociedade, logo que tinha disponibilidade para o efeito, fazia entregas aos sócios que repunham ou compensavam esses pagamentos (cf. como exemplos: a movimentação de todo o saldo da conta do “caixa” em Outubro de 2011 que reflete a devolução de toda a disponibilidade em “caixa” para a propriedade dos sócios por contrapartida da conta “268512 – A médio e longo prazo”).
Nessa altura era anulado o referido saldo credor da conta caixa.
Voltavam a ser movimentados valores a débito da “conta 268512 — A médio e longo prazo” de “empréstimos” que assim anulavam as entradas anteriores dos sócios.
É, ainda, de salientar que o mês de Julho de 2011 foi o último em que ocorreu atividade na empresa de forma regular.
Depois disso, apenas se verificou a contabilização de rendimentos no mês de Dezembro de 2011, correspondendo ao remanescente de serviços que faltava facturar11.
A contabilização de todos os movimentos de saídas para os sócios ocorreu nos termos referidos.
A contabilização de todos estes movimentos foi efectuada apenas em 2010 e em 2011.
Só nesses anos foram lançadas em conta-corrente dos sócios importâncias a seu favor.
Contrariamente ao que se verifica relativamente a 2010 e 2011, não existem quaisquer documentos internos ou externos relativos a quaisquer alegados movimentos semelhantes em anos anteriores, designadamente em 2008 ou em 2009 (também inspecionados).
Até serem entregues aos sócios em 2010 e 2011, existiam valores em caixa correspondente ao saldo da conta caixa.
É isso o que resulta da contabilidade da empresa, nomeadamente do saldo aí acumulado em caixa.
Desde o início da atividade que a conta caixa era a regulamente utilizada para cumprir as obrigações da sociedade perante terceiros.
Foi analisada a contabilidade desde 2008 e não foi identificado um único indício de que os saldos que nos anos de 2008 e 2009 se acumulavam no caixa lá não se encontrassem.
Na sociedade estiveram refletidos ao longo de nove anos valores em caixa (até a requerente proceder à sua transmissão para os sócios, em 2010 e 2011), os quais foram certificados, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, pelos próprios sócios e responsáveis técnicos, conforme se provou com as prestações de contas da empresa.
Em 27 de Abril de 2012, foi ouvido sobre a situação o, então, Técnico Oficial de Contas da requerente. (cf. anexo 13 ao relatório, a fls. 97).
Explicou – nas suas declarações – que, nas contabilizações que foram efetuadas na conta “268512 – médio e longo prazo”, foram seguidas as instruções dadas pela gerência e que considera tratar-se de pagamentos por conta dos sócios ou de pagamentos aos sócios.
Não referindo tratarem-se de empréstimos.
E referiu-se ao facto de ao longo de 2011 a conta caixa ter apresentado saldos credores dizendo que os sócios efetuavam pagamentos de despesas da empresa e que, por isso, depois, se verificava a anulação do saldo credor do caixa por contrapartida da “conta empréstimos” (aos sócios).
Mais disse o então TOC que, quando a empresa gerava recebimentos – evidenciando, nessa altura, a conta de caixa um saldo devedor – o excesso também era contabilizado a título de “empréstimos” aos sócios (explicando, ainda, que os movimentos eram sempre ao sócio gerente e nunca para os filhos, embora estes também fossem sócios).
Disse desconhecer a motivação da empresa para lhe dar as instruções para contabilizar aqueles “empréstimos” aos sócios.
Não referiu a existência de qualquer contrato de mútuo.
Só em 22 de Maio de 2012 – ou seja, decorridos mais de seis meses do início da inspecção – a empresa apresentou um documento designado “contrato de mútuo” (cf. anexo 10 ao Relatório, pág. 83 e 84).
A verdade, contudo, é que na contabilidade da empresa não se encontrava qualquer “contrato de mútuo” da sociedade aos seus sócios, designadamente à sua sócia gerente.
E que o mesmo só “apareceu” após (numerosas) insistências para apresentação de documento ou documentos aptos a suportar os registos contabilísticos que, a partir de 31 de Dezembro de 2010, foram feitos na conta “268512 – médio e longo prazo”.
O dito contrato teria sido, supostamente, celebrado em 1 de Fevereiro de 2002, ou seja logo no início da atividade da ora requerente,
E concretizaria um alegado mútuo – ou, melhor, uma abertura de crédito, dados os seus termos – entre a sociedade “Dra. …, Unipessoal, Lda” e R... (Unipessoal Lda).
O contrato mostra-se assinado pela Sra. Dra. …, em nome pessoal, como primeira e como segunda “contratante”.
No suposto “mútuo”, a sociedade (1ª “contratante”) afirma possuir excedentes de tesouraria destinados à aquisição de instalações.
E afirma que, enquanto não faz essa aquisição, empresta, durante 15 anos, os excedentes de tesouraria que forem gerados, até 750.000€, à Sra. Dra. … (2º “contratante”).
Mais, estipula que o “empréstimo” não vence juros enquanto o primeiro contraente não recorrer a financiamentos a terceiros.
A realização do alegado “empréstimo” não se encontra mencionada em qualquer ata da sociedade, não tendo, pois, sido deliberada por esta.
Nunca a existência do aludido “empréstimo” – e o consequente compromisso da empresa de disponibilizar ao sócio a totalidade da sua liquidez (que fosse sendo gerada) – foi mencionada em qualquer prestação de contas, seja à Administração Tributária, à Conservatória do Registo Comercial, ou outras interessadas.
O contrato foi celebrado por simples documento particular.
Não foi pago o imposto do selo.
Estando em causa um contrato de abertura de crédito, cumpria pagar também, mensalmente, imposto do selo, em função da utilização do mesmo, nos termos da verba 17.1.4 da TGIS.
Nem o representante, nem o então TOC da requerente, referiram ou, muito menos, apresentaram algum documento que esclarecesse em que momentos e em que montantes teriam recorrido à utilização do crédito em causa, resultante do contrato de abertura de crédito que a requerente apresentou.
Não está contabilizada qualquer amortização do capital alegadamente emprestado.
Não está contabilizado qualquer pagamento de juros do suposto empréstimo.
Isso apesar de a empresa em todos os anos ter registado contabilisticamente encargos financeiros que se relacionam com juros suportados com entidades bancárias no âmbito de financiamentos contraídos junto das mesmas12.
Nunca, até Dezembro de 2010, a contabilidade reflectiu a existência de qualquer “empréstimo” aos sócios.
Em 19 de Junho de 2012, após diversas deslocações à sede da ora requerente e realizada aprofundada análise do quadro factual acima sumariado e em consonância com a mesma, foi elaborado um projecto de Relatório.
Conclui-se aí que as operações relevantes para a matéria em discussão não se referem a mútuos, tratando-se, antes, de lançamentos em conta-corrente dos sócios, presumindo-se, por isso, que tais importâncias se referem a distribuição dos lucros da sociedade, conforme estatuído no n.º 4 do artigo 6º do CIRC.
Alias, uma verdadeira contabilização de empréstimos, ainda que aos sócios, implicaria a movimentação da “conta 41 – Investimentos financeiros (e não da já referida “268512 – médio e longo prazo”, que mais não é que uma conta de natureza indefinida relacionada com sócios).
Concluiu-se que os valores que foram sendo pagos (colocados à disposição) pela sociedade aos sócios, ao longo dos anos 2010 e de 2011, e à medida que o foram – naquilo que excede as importâncias por si emprestadas à sociedade – não podem, por falta de enquadramento, ser considerados i) mútuos da sociedade ao sócio (conforme pelo mesmo havia sido mencionado), nem uma ii) remuneração do trabalho dependente (o que, de resto, nunca foi alegado pelo contribuinte), apenas podendo configurar uma distribuição de lucros ou adiantamentos por conta dos lucros.
O que constitui rendimentos de capitais, tributáveis em sede de IRS (nos termos do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º, do n.º 4 do artigo 6º e do n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7º do Código do IRS) e que, em consonância, estava a ora requerente obrigada ao cumprimento das normas que estabelecem a tributação destes rendimentos por retenção na fonte (em conformidade com a alínea c) do n.º 1 do artigo 71º e n.º 3 do artigo 98º do Código do IRS).
Demonstrou-se no relatório que a distribuição de lucros em causa no ano de 2010 ascendia a €737.385,63 e, no ano de 2011, ascendia a €22.303,70.
Pelo que, atendendo a que taxa de retenção em vigor até Junho de 2010 era de 20%, e que passou, então, para 21, 5%, calculou-se (no Relatório) as retenções na fonte devidas em cada período/mês, de 2010 e de 2011, em que os lucros foram colocados à disposição dos sócios da requerente.
Devidamente notificada para exercer o Direito de audição, entendeu a ora requerente não o fazer.
Em 16-07-2012 foi notificada do relatório final.
Seguidamente, foi notificado das liquidações de retenção na fonte números 2012… e 2012…, relativas aos anos de 2010 e a 2011, respectivamente.
Não ocorreu qualquer violação das formalidades da inspeção tributária.13
Nem os atos de liquidação padecem de falta ou insuficiente fundamentação pois doutro modo e designadamente, não poderia a demandante reagir revelando ter compreendido os motivos e os critérios que determinaram as correções técnicas efetuadas, criticando-os especificamente, designadamente a desconsideração pela AT do mútuo (alegadamente) por si efetuado à sua sócia ….14
Por outro lado e fundamentalmente, a demandante não ilidiu, como lhe competia, a presunção legal prevista no artigo 6º, n.º 4, do CIRS: não tendo os lançamentos a crédito da sócia sido efetuados a título de empréstimo, nem sendo resultantes da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais (nem a requerente, diga-se, argui em sentido contrário relativamente a estes dois últimos aspetos), presumiu-se que os mesmos foram feitos a título de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros.
O que constitui rendimento de capitais, tributável em sede de IRS, nos termos do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º, do n.º 4 do artigo 6º e do n.º 2 da alínea a) do n.º 3 do artigo 7º do Código do IRS).
Relativamente ao alegado contrato de mútuo - de que nunca foi exibido o original do escrito apresentado em fotocópia – refere que a assinatura e qualidade de gerente da sócia …, não se mostra reconhecida a qualquer título [cfr artigo 260-4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), onde se estatui que "os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura, com indicação dessa qualidade"] e não se mostra pago o imposto de selo que seria (sempre) devido pela formalização do contrato, nos termos legais e foi preterida a forma legalmente prescrita, que seria a escritura pública (cf. artigo 1143º do Código Civil e 270º-F, nº 2, do Cód das Soc Comerciais), o que, diga-se, contende com a validade do acordo.
Por outro lado, em violação do disposto no artigo 270º-F/3, do Cód das Soc Comerciais, o alegado contrato de mútuo nunca foi patenteado com o relatório de gestão e documentos de prestação de contas da requerente.15
A signatária, quanto identificada (no alegado contrato de mútuo) na veste de “2º contratante”, indica como domicílio a morada seguinte:
«Travessa de … n.º 25 …»
E, no contrato de sociedade, outorgado por escritura pública cerca de um mês antes da (suposta) celebração do mútuo, a mesma indica uma morada distinta (cf. documento n.º 4).
Para além disso, o código postal indicado (no mútuo) não existia, com essa nomenclatura, à data de 1 de Fevereiro de 2002 (cf. documento n.º 5).
Nesse documento, da autoria dos CTT, que se junta e a que se apela, refere-se o seguinte:
«… corresponde à morada Travessa …, … desde 08-08.2002 (*) (…)
(*) Quando o sistema de código postal com 7 dígitos entrou em vigor (1998/99) à “Travessa …, …” foi atribuído o código …. E assim permaneceu até 07/08/2002. Durante 2002, houve necessidade de reestruturar a área geográfica do código base 4405: parte permaneceu com o mesmo código, mas à outra parte foi atribuído o novo código base … e consequentemente novos códigos postais do tipo … foram atribuídos às artérias dessa área. A “Travessa …, …, estava nessas condições, mudando de … para … em 08-08-2002».
É certo que poderia a ora requerente – como alega – ter vindo demonstrar durante o procedimento que a colocação à disposição dos sócios do saldo em “caixa” não teve lugar da forma pronunciada na contabilidade
Porém, a requerente não procedeu a essa demonstração durante a ação inspetiva.
Não o fez, também, em sede do direito de participação na formação das decisões a ela respeitantes, não exercendo a faculdade que lhe foi dada de, em sede de direito de audição prévia, infirmar (ou tentar infirmar) o sentido que se antevia em face do projeto de relatório inspectivo que lhe foi notificado.
Por outro lado, não se pode afirmar, como se diz no item 109 do petitório, que a requerente «logrou demonstrar que os montantes em causa já se vêm acumulando desde 2002», sem que se efetue a correspondente comprovação.
Os lançamentos contabilísticos alegadamente “retificativos”, não têm qualquer suporte documental ou explicação e não demonstram, em momento algum, que a empresa procedeu à entrega de importâncias aos sócios anteriormente ao ano de 2010.
Sem essa prova, o que permanece é a realidade expressa pela contabilidade que demonstra que, em vários momentos no ano de 2010 (sendo o mais significativo reportado a 31 de Dezembro) e de 2011, foram lançados em contas correntes dos sócios montantes que se apurou não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Impõe, por isso, o princípio da legalidade fazer atuar a presunção estabelecida no artigo 6º, n.º 4, do CIRC, que determina que tal disponibilização se presume feita a título de lucros ou adiantamento de lucros.
Beneficiando dessa presunção a Administração Tributária, como já se aludiu, não carece de demonstrar a perceção dos lucros ou do seu adiantamento.
A AT requereu a junção aos autos pela demandante do original do contrato de mútuo documentado por fotocópia.
Ao que se opôs a demandante alegando que “(...)não se alcança a necessidade de apresentar o seu original (...)” e pedindo o indeferimento do pedido formulado pela AT.
Por acórdão interlocutório de 19-2-2012 e com os fundamentos aí invocados, foi a autora convidada a exibir o original do contrato de mútuo até ao encerramento da reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT).
Teve lugar em 2-4-2013 a reunião a que alude o citado artigo 18º, tendo a requerente declarado que o original do contrato de mútuo havia sido exibido aquando da inspeção tributaria a que aludem os autos e que esteve na origem das liquidações adicionais “(...) mas que não é possível apresentar o mesmo dado este se ter extraviado, apresentando para testemunhar o facto a gerente da requerente, Dra. … (...)” – cfr ata.
Foi então proferida deliberação no sentido de admitir a depôr aquela gerente “(...) independentemente do juízo que o Tribunal venha a fazer a final sobre a admissibilidade ou não da ora requerida prova testemunhal (...)”
Houve produção de prova testemunhal prestação de depoimento (de parte) da sobredita sócia gerente, com registo sonoro (cfr ata).
As partes produziram, após encerramento da produção de prova, as suas alegações orais, de facto e de direito, em que, no essencial, mantiveram as posições assumidas nos respetivos articulados.
Este Tribunal é competente para dirimir o litígio.
O processo é o próprio e as partes são legítimas e têm personalidade e capacidade jurídica, estando devidamente representadas.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo.
Não há outras questões prévias ou exceções para além das já apontadas e decididas.
Cumpre apreciar o mérito dos pedidos.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – OS FACTOS PROVADOS
Os factos essenciais para o objeto do litígio que se mostram provados são seguintes:
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A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (adiante Relatório), através do Ofício n.º …, de 13 de julho de 2012 (Doc. 3, junto com requerimento inicial), que concluiu a inspeção tributária realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2011… / OI2012…, com os fundamentos que constam da “Proposta de Ação Inspetiva” – junta ao processo administrativo (PA), anexo a estes autos [(…) “a realização de ação tendente à contagem física do saldo de caixa e no caso de divergência significativa relativamente aos elementos contabilísticos, a realização da respectiva conciliação, no sentido de se apurar a eventual distribuição de lucros/por conta de lucros e/ou despesas não devidamente documentadas, com os subsequentes efeitos fiscais (…)]”.
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Na sequência dessa inspeção e do relatório (que integra o processo administrativo junto), a Requerente foi notificada, juntamente com o relatório da inspeção tributária, de liquidações de retenção na fonte de IRS números 2012… e 2012…, relativas aos anos de 2010 e a 2011, de € 4.974,03 e € 167.823,96 (ambas incluindo juros compensatórios) e que constituem os documentos 1 e 2, juntos com o requerimento inicial:
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A carta-aviso de abertura de ação inspetiva foi entregue em mão à requerente em 11-11-2011.
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A ação inspetiva teve início em 11-11-2011.
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Nesse dia 11-11-2011 teve lugar a diligência de contagem física do saldo de caixa, tendo sido elaborado o “Termo de declarações/contagem” [junto ao Relatório Inspetivo como anexo 2, pág. 53 e 54 onde, por lapso de escrita, consta como data “10-11-2011”].
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Apurou-se, pela contagem física, não existirem quaisquer valores em caixa.
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A requerente não dispõe de instalações próprias, tendo sede na morada da empresa que lhe presta serviços de contabilidade.
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Aquando da diligência inspetiva, verificou-se que a contabilidade da empresa só estava efetuada até Março de 201116 e, por causa dessa situação, não foi possível definir o saldo contabilístico da conta “caixa”.
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Em 2010 estão contabilizadas saídas de dinheiro da ora requerente para a sócia ou o pagamento de despesas pela requerente que são da responsabilidade da sócia.
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Apenas em Dezembro (de 2010) foram registados no balanço da empresa “empréstimos” a sócios (utilização da “conta 268512”).
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Em 31 de Dezembro de 2010, os valores acumulados no “caixa” ascendiam a € 737.385,63.
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Valor que se vinha acumulando ao longo dos exercícios (na conta caixa) e que suportavam valores próximos e com evolução paralela das contas de reservas e de resultados transitados, ou seja dos lucros acumulados da sociedade, que vinham sendo retidos na empresa17.
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Nessa data de 31 de Dezembro de 2010 o saldo da conta caixa foi movimentado por contrapartida da conta “268512 – A médio e longo prazo”.
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Foram transferidos diretamente, em 2010 e 2011, os valores em “caixa” para o património dos sócios
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E contabilizou-se tal operação diretamente como suposto “crédito” concedido aos sócios a médio e longo prazo.
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A empresa passou, então, a ter um caixa sem quaisquer valores18.
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Simultaneamente à transferência dos valores em “caixa”, as importâncias que antes constituíam uma “dívida” dos sócios na conta “278820998 – Cheques” e na conta “278820999 – Diversos” foram também transferidas para a conta “268512 – A médio e longo prazo”.
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Ao longo do ano de 2011 a conta “268512 – A médio e longo prazo” foi sendo movimentada por contrapartida das contas de disponibilidades (do “caixa” e de depósitos à ordem)19.
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Os referidos movimentos não apresentaram, contudo, qualquer regularidade, nem quanto ao montante, nem quanto à periodicidade.
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O saldo da conta caixa encontrou-se frequentemente credor20.
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Os sócios pagavam diretamente despesas que eram da sociedade através das suas contas pessoais ou transferindo para as contas bancárias da empresa as importâncias necessárias21.
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Essas contas da sociedade eram providas apenas com os recursos financeiros necessários para o cumprimento das obrigações da mesma.
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Depois a sociedade, logo que tinha disponibilidade para o efeito, fazia entregas aos sócios que repunham ou compensavam esses pagamentos (cf. como exemplos: a movimentação de todo o saldo da conta do “caixa” em Outubro de 2011 que reflete a devolução de toda a disponibilidade em “caixa” para a propriedade dos sócios por contrapartida da conta “268512 – A médio e longo prazo”).
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A contabilização de todos os movimentos de saídas para os sócios ocorreu nos termos referidos e apenas em 2010 e 2011.
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Só nesses anos (2010 e 2011) foram lançadas em conta-corrente dos sócios importâncias a seu favor.
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Contrariamente ao que se verifica relativamente a 2010 e 2011, não existem quaisquer documentos internos ou externos relativos a quaisquer alegados movimentos semelhantes em anos anteriores, designadamente em 2008 ou em 2009 (também inspecionados).
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Até serem entregues aos sócios em 2010 e 2011, existiam valores em caixa correspondente ao saldo da conta caixa.
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Desde o início da atividade da requerente que a conta caixa era a regulamente utilizada para cumprir as obrigações da sociedade perante terceiros.
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Na sociedade estiveram refletidos ao longo de nove anos valores em caixa (até a requerente proceder à sua transmissão para os sócios, em 2010 e 2011), os quais foram certificados, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, pelos próprios sócios e responsáveis técnicos.
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Na contabilidade da empresa requerente não se encontra registado qualquer “contrato de mútuo” da sociedade aos seus sócios, designadamente à sua sócia gerente, nem o mesmo consta dos relatórios de gestão e documentos de prestação de contas da requerente.
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Nunca, até Dezembro de 2010, a contabilidade refletiu a existência de qualquer “empréstimo” aos sócios.
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O documento que constitui o anexo 10 do relatório de inspeção (fls 83) anexo a este processo (com a denominação “contrato de mútuo”) foi entregue pela demandante à inspeção tributária vários meses após o início da ação inspetiva e sem nunca ter sido exibido o original do mesmo.
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A demandante foi notificada das liquidações de retenção na fonte números 2012… e 2012…, relativas aos anos de 2010 e a 2011, respectivamente, efetuadas na sequência da sobredita ação inspetiva.
B – FACTOS ESSENCIAIS NÃO PROVADOS
Não ficou provado:
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Que a requerente tenha celebrado o contrato de mútuo invocado no processo e a que alude a fotocópia incorporada no relatório da inspeção – anexo 10/fls 83 (cfr proc administrativo anexo);
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Que o original do contrato mencionado tivesse alguma vez sido exibido ou apresentado aos inspetores da requerida antes ou durante a realização da aludida ação inspetiva.
C – MOTIVAÇÃO
Para a convicção do Tribunal Arbitral relativamente aos factos - provados e não provados – relevaram o relatório da ação inspetiva, as liquidações adicionais objeto de impugnação, os elementos documentais a que se fez alusão e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, tudo em conjugação com os depoimentos, inconcludente e não convincente, da sócia e gerente da demandante, … – que revelou um surpreendente desconhecimento de factos essenciais que devia conhecer como gerente e sócia da requerente, designadamente quanto ao tempo, forma e modo como seria ou foi amortizado o alegado empréstimo (mútuo – fotocópia que constitui anexo 10 do relatório da inspeção (42, dos factos provados) e sobre a constituição da própria sociedade e da sua aparente evolução de sociedade comercial unipessoal para sociedade por quotas – e de … – o inspetor tributário que procedeu à ação inspetiva a que se aludiu e que confirmou, de forma convincente, conhecedora, isenta e detalhada, o historial da inspeção e respetivas conclusões, não deixando grandes dúvidas ao tribunal sobre a realidade dos factos em causa neste processo, designadamente as transferências para os sócios e, mais concretamente, para a sócia …, a inexistência e/ou não exibição do original do contrato de mútuo e o seu não registo contabilístico ao longo dos anos.
Por outro lado e ainda relativamente ao alegado mútuo (essencial para fundamentar a impugnação objeto do processo), não poderia nunca relevar o depoimento pessoal ou testemunhal porquanto a isso obstam os artigos 364º-1 e 393º-1, do Código Civil (que proíbem “substituir” o documento em falta (Cfr artigo 1143º, do Cód Civil) por prova testemunhal e que explicam ou justificam a necessidade de recorrer ao processo de reforma (Cf arts 1069º e ss. e 1073º, do Cód de Processo Civil).22
Acresce ainda que a “mutuária” e depoente não soube (!) concretizar o quando e o como seriam feitas as amortizações desse “empréstimo”
Foram ainda relevantes para a convicção do Tribunal as declarações, reduzidas a auto assinadas pelo depoente e não impugnado, prestadas no âmbito da inspeção tributária e que constam do relatório final, prestadas pelo Técnico Oficial de Contas da requerente, … [fls 97 desse relatório junto a este processo] que, designadamente, quando questionado sobre o motivo pelo qual foram considerados empréstimos na conta “268512 – Médio e longo prazo”, relacionada com os sócios, respondeu que “(…) foram seguidas as instruções dadas pela gerência que considera tratar-se de pagamentos por conta dos sócios ou pagamentos aos sócios (…)” e sobre a natureza dos empréstimos aos sócios referiu “(…) que não tem qualquer conhecimento da motivação da empresa para tais operações (…)”
D – O DIREITO
Questões a decidir:
São, em síntese e se bem entendemos, as seguintes as questões a apreciar e decidir (seguindo a “nomenclatura” alegada):
1ª Se a requerente foi alvo de atos ilegais de inspeção tributária praticados fora do âmbito do procedimento inspetivo e se foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo” [itens 16 a 31 do requerimento inicial]
2ª Se as liquidações impugnadas padecem de vício de falta de fundamentação” (itens 33 a 52);
3ª Se as mesmas liquidações padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade - pressupostos de aplicação da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6º do Código do IRS e tentativa ilisão dessa presunção - (itens 54 a 104);
4ª Se as liquidações na fonte padecem de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de Direito, o que implicaria a sua anulação parcial – “momento da exigibilidade retenção na fonte” - (itens 106 a 115).
Vejamos cada uma destas questões de per si:
1ª Se a requerente “foi alvo de atos ilegais de inspeção tributária praticados fora do âmbito do procedimento inspetivo (…)” e se “(…)foi validamente notificada do início do procedimento inspetivo”
O Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), aprovado pelo DL nº 413/98, de 31-12, visa, de harmonia com o artigo 2º do diploma preambular, a observação das realidades tributarias, a verificação do cumprimento das obrigações tributarias e prevenção das infrações tributárias.
O procedimento da inspeção tributária obedece aos princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação – artigos 5º e ss., do RCPIT.
Os contribuintes têm uma participação importante no procedimento e na formação das decisões finais de forma a serem evitados litígios inúteis ou desnecessários que, doutro modo, poderiam proliferar (Cfr preâmbulo do RCPIT e art 59º-3, da LGT).
A notificação prévia, e com antecedência, do contribuinte, com indicação dos seus direitos, deveres e garantias no procedimento, traduz essa preocupação do legislador em dar ao contribuinte todas as garantias de defesa e possibilidade de facultar aos serviços de inspeção todos os elementos e informações relevantes para que as conclusões finais do relatório inspetivo traduzam a realidade fiscal do contribuinte e a decisão tenha as maiores garantias quanto ao seu acerto – cfr. artigo 49º, do RCPIT.
Situações há, porém, sob pena de frustração ou comprometimento da finalidade da ação inspetiva, em que – tal como acontece em certos procedimentos cautelares judiciais -, se impõe, em nome de valores superiores, esbater as garantias dos contribuintes, designadamente no que concerne, por exemplo, à notificação prévia para o procedimento de inspeção – Cfr art 69º-2, da LGT.
Será, por exemplo, o caso, entre outros, de inventariação ou contagem de valores em caixa, em que está a Autoridade Tributária dispensada de efetuar a notificação prévia ao contribuinte – Cfr artigo 50º-1/c), do RCPIT.
Estão aí em causa, precisamente, situações em que a eficácia da ação inspetiva pode depender irremediavelmente do “efeito surpresa”.
De todo o modo, nestas situações especiais ou excecionais, é entregue ao contribuinte, no momento da prática dos atos de inspeção, cópia da ordem de serviço ou despacho que determinou o procedimento de inspeção – Cfr art 50º-2, do RCPIT.
Nos termos do artigo 49º do RCPIT, a data de início do procedimento externo de inspeção deve ser notificada ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias face a esse início.
Tal deverá ser efetuado mediante o envio de uma carta-aviso, bem como de um anexo que contenha os direitos, deveres e garantias do sujeito passivo ou obrigado tributário no procedimento de inspeção.
Subsunção
Foi expressamente referido no Relatório da Inspeção:
«(…)Pelos objectivos específicos da acção inspectiva a carta-aviso foi entregue em mão, pelo que não ocorreu a notificação prévia do procedimento de inspecção. Esta dispensa tem fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 50º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (…)».
Nessa situação, embora não tivesse de ter tido lugar a notificação prévia, a notificação ao contribuinte – correspondente carta-aviso e anexo – tinha que ter lugar “no momento da prática dos atos de inspeção”, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 50º do RCPIT.
Ora, in casu, está documentado no processo administrativo e no relatório da inspeção, que o contribuinte recebeu esses elementos em 11-11-2011 (e não em 10-11-2011).
Mostra-se assim cumprida a notificação prevista no n.º 2 do artigo 50º do RCPIT.
Ainda quanto à data (11-11-2011 e não, como consta, 10-11-2011) é de esclarecer – face ao que vem arguido nos itens 24 e 25 do petitório – que, no caso em apreço, ocorreu, como se viu, um lapso material na elaboração do Termo de Declarações/Contagem (cf. anexo 2 ao relatório inspectivo, pág. 53), no que respeita à data que aí foi inscrita, pois onde (erradamente) está escrito 10-11-2011, deveria estar 11-11-2011.23
Trata-se de lapsus calami, comprovado pelo circunstancialismo alegado e documentado pela AT24 para o justificar ou comprovar e de que decorre como única consequência a mera retificação (Cfr artigo 249º, CC).
O “termo de contagem” foi, pois, elaborado no seguimento do início do procedimento inspetivo e após a contagem efetuada do saldo em “caixa”, no dia 11 de Novembro de 2011 (Cfr parágrafo 5º - fls 18, do Relatório da Inspeção e ordem de serviço e carta-aviso juntos ao PA e documentos 1 e 225, juntos cos a resposta da AT).
Pelo que carece de qualquer sustentação o que sobre a matéria foi alegado pela impugnante, designadamente como fundamento de pretensa ilegalidade do acto e, consequente, pedido de anulação (do mesmo).
Mais se dirá, ainda, face ao que aí foi alegado, que, mesmo que assim não fosse, sempre se teria que atender a que, como explicita António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001 pág. 318) “(…)A falta de comunicação do início do procedimento fica sanada se, não obstante, o contribuinte tomar conhecimento por outro meio desse facto, o que pode ser designadamente revelado pela sua ulterior intervenção no procedimento, desde que essa intervenção seja feita a tempo de fazer valer os direitos que lhe assistem (…)”.
E não poderia ser de outro modo na medida em que as formalidades processuais são meios de garantir objetivos e não finalidades em si mesmas.
Por isso, sendo atingido o objetivo para que foram criadas, ter-se-ão de considerar irrelevantes eventuais irregularidades ocorridas.
Daqui decorre a óbvia conclusão de improcedência dos vícios e/ou irregularidades invocados.
2ª Se as liquidações impugnadas padecem de vício de falta de fundamentação” (itens 33 a 52).
Não suscita controvérsia afirmar-se que todas as decisões de procedimentos tributários, designadamente as que afetem direitos ou interesses dos contribuintes legalmente protegidos, carecem de fundamentação expressa e acessível (Cfr, v.g., artigos 268º-3, da Constituição e 77º, da LGT).
A exigência legal da fundamentação tem em vista colocar o contribuinte em condições de conhecer e compreender o "iter" cognoscitivo, valorativo e volitivo do respetivo autor e, consequentemente, de se poder determinar pela aceitação ou pela impugnação do ato.
Quando se trata de atos de liquidação de impostos, até pela sua natureza declarativa, deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo (os juros), de outras prestações devidas (artigo 35º-9, da LGT)26.
O legislador tributário exige apenas para cumprimento deste dever de fundamentação, uma sucinta exposição escrita que seja suficientemente clara para a compreensão da motivação da Administração Tributária para o ato de liquidação a que procede.
Ou, dito doutro modo: o que importa é que, ainda que resumidamente ou de forma sucinta, se conheçam as premissas do ato e se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório27.
Diferentemente do texto constitucional (artigo 268º-4, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos atos “(…) quando afetem direitos e interesses legalmente protegidos (…)”, em sede de procedimento tributário (art 77º, da LGT), não se entendeu restringir a exigência de fundamentação da decisão apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir, naturalmente, uma maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.28
A fundamentação, quando inexistente ou insuficiente, torna o ato tributário (maxime a liquidação) anulável por vício de forma – artigo 123º,124º, 133º e 135º, do CPA e arts 70º-1 e 99º-c), do CPPT.
Todavia, tem-se entendido uniformemente na Jurisprudência que, no que concerne aos vícios de forma de atos administrativos (e o ato tributário tem, obviamente, essa natureza – Cfr artigo 120º, do CPA), que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objetivo visado pela lei com a sua imposição.29
Em matéria tributária é o artigo 77º, da LGT que concretiza, em especial, esse dever de fundamentação estabelecendo que esta pode ser “efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.30
Ou seja: é necessário que seja possível a um contribuinte médio (o clássico bonus pater familiae) compreender (que não se confunde com aceitar) as motivações da Administração Fiscal para concluir e proceder dum determinado modo (e não de outro).31
Ora quando o ato tributário (liquidação adicional de imposto, por exemplo) surge na sequência e em consequência dum procedimento inspetivo levado a cabo pela Administração Fiscal, a dialética ou diálogo que necessariamente se estabelece entre o contribuinte e a inspeção tributária, hão-de tornar difícil, em princípio, o não cumprimento ou até o cumprimento deficiente desse ónus de fundamentação na medida em que a decisão final se vai construindo ao longo desse processo com a participação do contribuinte.
Subsunção
Os factos apurados e a análise e enquadramento jurídico dos mesmos no Relatório Inspetivo – núcleo essencial da fundamentação –, possibilitam a um contribuinte que usasse de uma diligência normal (bonus pater familiae), escolher entre a aceitação da legalidade do ato e o recurso a procedimentos graciosos e/ou judiciais.
Sendo que, no caso, o ora requerente optou por reagir pela via contenciosa.
Veja-se, a propósito, tal como alega a AT, a síntese de enquadramento efetuada no ponto 3, item 7 da petição inicial onde a ora requerente refere que “…a Administração tributária (adiante AT) veio concluir, em sede de inspeção tributária, que as entregas aos sócios da A… de importâncias que totalizavam nos anos de 2010 e 2011 o montante de € 624.834,68 (que se encontrava em “Caixa e “Bancos”), serão de considerar a título de distribuição de lucros e de adiantamento de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5º do Código do IRS”.
Isso porque aquela fundamentação, contrariamente ao que se pretende fazer crer no petitório, foi suficientemente clara e congruente.
Efetivamente, no Relatório analisam-se exaustivamente os factos que fundamentam as correções.
Ao fazer-se essa análise – que se quis exaustiva – os factos apurados são apreciados de diversos ângulos e perspetivas que, por vezes, implicam a sua repetição, mas tal não colide, naturalmente, em nada, com o cumprimento do dever de fundamentação.
A densidade factual do relatório prende-se, em grande medida, com os termos da contabilidade analisada e com a forma como nela foram refletidos os movimentos financeiros.
Sendo de notar, ainda, que em sede de “conclusões” se procedeu no Relatório à síntese dos principais factos e fundamentos resultantes da ação inspetiva.
Por outro lado, no requerimento inicial da presente ação arbitral, a requerente revela ter compreendido os motivos e os critérios que determinaram as correções técnicas efetuadas, criticando-os especificamente.
Também por essa razão, é de concluir que o quadro factual e jurídico aplicado foi assimilado pelo respetivo destinatário (a ora requerente).
O que confirma a inverificação do imputado vício de falta de fundamentação.
É ainda salientar, face ao referido no petitório, que se, hipoteticamente, a decisão da Administração fosse errada, por não se verificarem os pressupostos de facto necessários para proferir a decisão que foi tomada, ou as normas legais indicadas não fossem aplicáveis ao caso ou, ainda, tivessem sido deficientemente interpretadas e aplicadas, estar-se-ia perante vícios decorrentes de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito. E já não perante vicio de forma por falta de fundamentação.
No relatório da inspeção está patenteada claramente a base da presunção (artigo 6º-4, do CIRS), ou seja, que as importâncias ora em causa (devidamente identificadas) foram escrituradas como lançamento na conta corrente do sócio principal sem que resultassem (na perspetiva da AT) de mútuo, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Depois estão explicitados os motivos, momentos e montantes das retenções na fonte que a ora requerente deveria ter feito e cuja falta de cumprimento implicou as liquidações de retenção na fonte impugnadas nos presentes autos.
E de tudo isso ficou absolutamente ciente e consciente a impugnante já que doutro modo não se compreenderia a invocação dos fundamentos da liquidação para, de seguida, os impugnar nesta ação arbitral.
Ou dito doutro modo: não era possível a requerente assumir a posição impugnatória que assumiu neste processo sem ter entendido perfeitamente a decisão de liquidação objeto de impugnação e as razões que nortearam a Autoridade Tributária nesse sentido.32
Concluindo nesta parte (sem outras, desnecessárias, considerações): não ocorreu in casu e pelas razões e fundamentos expressos, a violação do quadro jurídico e legal mencionado já que não se afigura não preenchido, pelo menos com o caráter de essencialidade, o dever legal de fundamentação dos atos de liquidação sub juditio.
3ª A aplicação da presunção prevista no artigo 6º-4, do CIRS
Dispõe o artigo 6º-4, do CIRS:
Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Presunções são as ilações que a lei ou julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido – art.º 349.º do Código Civil (CC).
Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – n.º1 do art.º 350.º do CC.
Compete à AT demonstrar a existência dos factos (lançamentos em quaisquer contas dos sócios) que levam à presunção de que trata de lucros ou adiantamento destes, tributáveis em sede de IRS [rendimentos da categoria E –artigos 5º- 1 e 2/h) e 7º-1 e 3 – nº2/a), do CIRS].
E compete à impugnante demonstrar que os lançamentos resultam de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais para justificar, designadamente, o não cumprimento da obrigação fiscal de retenção de IRS na fonte [arts 71º-1/c) e 98º-3, do CIRS]
Subsunção
No caso, estão demonstrados esses lançamentos ou créditos a favor da sócia da sociedade requerente, ….
A requerente, para justificar a não retenção na fonte, procurou demonstrar que os lançamentos e entregas à sócia mencionada, ocorreram em execução de contrato de mútuo, celebrado, em 1-2-2002, por escrito particular, entre a requerente (na forma societária anterior “Dra …, Unipessoal, Lda.”) e a sócia de mesmo nome.
Este “contrato”, apenas na forma de fotocópia, foi apresentado à Inspeção Tributária depois de algumas insistências.
O original de tal documento não foi apresentado, tendo sido justificada a omissão pelo extravio desse título.
Ora tratando-se de um mútuo a respetiva prova estava sujeita a forma: ou escritura pública ou documento assinado pelo mutuário – artigo 1143º, CC33.
Só o empréstimo mercantil entre comerciantes admite – o que não é o caso dos autos em que só a alegada mutuante tem esse estatuto -, qualquer tipo de prova, seja qual for o valor – artigo 396º, do Cód Comercial.
Ou seja: ainda que fosse exibido o original do alegado contrato – e só assim poderia estar cumprido o necessário ónus (não com mera fotocópia), não poderia considerar-se provada a existência e subsistência de um tal contrato uma vez que a falta de forma legal implica a nulidade do negócio jurídico – artigo 220º, do CC.
No caso e atento os valores alegadamente mutuados – superiores a € 20.000 – só a escritura pública cumpriria essa exigência probatória.
Assim é que, não estando provado o mútuo nem qualquer outro fundamento válido para considerar ilidida a presunção prevista no artigo 6º-4, do CIRS, o que tem forçosa e legalmente de prevalecer é a realidade expressa pela contabilidade e que demonstra que, em vários momentos de 2010 (a mais significativa reportada a 1-12-2010) e de 2011, foram efetuados lançamentos a crédito, em contas correntes dos sócios, de diversos montantes (perfazendo o montante global apurado e que foi objeto das liquidações sub juditio).
Não ocorre assim qualquer ilegalidade nas liquidações processadas.
4ª Se as liquidações na fonte padecem de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto e de Direito, o que implicaria a sua anulação parcial – “momento da exigibilidade retenção na fonte” - (itens 106 a 115).
Questiona-se aqui, subsidiariamente, o momento da exigibilidade da retenção na fonte.
A tese defendida pela requerente é a de que só deverão ser objeto de tributação os montantes de € 28.848,09 e € 28.455,50 respeitantes aos períodos das liquidações em causa nos autos (anos de 2010 e 2011) de harmonia com o seguinte quadro (cfr artigo 114º, da petição inicial):
Acontece, porém, que a demandante – como se afirmou supra -, não demonstrou uma realidade diferente da contabilisticamente retratada e apurada na ação inspetiva, designadamente que as transferências ocorreram efetivamente nos momentos indicados no sobredito quadro em que se demonstra a acumulação de saldos na “conta caixa” ao longo dos anos (desde 2002).
Mas uma coisa é a acumulação dos valores, outra bem diferente é a distribuição dos mesmos, designadamente pelos sócios.
Daí a mesma conclusão de que há-de prevalecer, nestas circunstâncias, designadamente na ausência de prova em contrário, a realidade contabilística ou seja a factualidade que transparece dos lançamentos contabilísticos.
Recorda-se, este propósito que foi a seguinte a factualidade apurada (cfr supra, factos provados):
“(…)Em 31 de Dezembro de 2010, os valores acumulados no “caixa” ascendiam a € 737.385,63.
Valor que se vinha acumulando ao longo dos exercícios (na conta caixa) e que suportavam valores próximos e com evolução paralela das contas de reservas e de resultados transitados, ou seja dos lucros acumulados da sociedade, que vinham sendo retidos na empresa
Nessa data de 31 de Dezembro de 2010 o saldo da conta caixa foi movimentado por contrapartida da conta “268512 – A médio e longo prazo”.
Foram transferidos diretamente, em 2010 e 2011, os valores em “caixa” para o património dos sócios
E contabilizou-se tal operação diretamente como suposto “crédito” concedido aos sócios a médio e longo prazo.
A empresa passou, então, a ter um caixa sem quaisquer valores (…)”
Daqui decorre, sem necessidade de outras considerações, que para apuramento do momento da retenção e contagem dos respetivos juros compensatórios, a AT cumpriu o disposto nos artigos 7º e 98º-1, do CIRS.
Os atos de liquidação não estão assim inquinados, também neste perspetiva, da invocada ilegalidade.
III - DECISÃO
Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela requerente …, Lda..
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Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 172.797,99.
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Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Requerente.
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Lisboa e CAAD, 25 de junho de 2013
Os Árbitros
(José Poças Falcão)
(João Marques Pinto)
(Maria Manuela do Nascimento Roseiro)