Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2023-T
Data da decisão: 2023-10-02  IRC  
Valor do pedido: € 494.802,09
Tema: IRC. Dedutibilidade de custos. Tributação autónoma
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., SGPS, S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 24 de Janeiro de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa (procedimento nº ...2022...) apresentada contra a autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2019.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  6. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 3 de Abril de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  7. Por Despacho de 3 de Abril de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  8. A AT apresentou a sua Resposta em 10 de Maio de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
  9. Por Despacho de 17 de Julho de 2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT. As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 3 de Outubro de 2023 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  10. As partes não apresentaram alegações.
  11. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  12. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  13. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima que gere participações sociais noutras sociedades.
  2. A Requerente é, desde 2007, a dominante num grupo de sociedades sujeito ao RETGS, sendo o seu perímetro constituído pelas sociedades:
  1. B..., S.A., NIF...;
  2. C..., S.A., NIF ...;
  3. D…, Unipessoal, Lda., NIF…;
  4. E... S.A., NIF...;
  5. F..., Lda., NIF...;
  6. G... S.A., NIF... .
  1. A Requerente entregou em 31 de Julho de 2020 a declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2019, que deu lugar à liquidação nº 2020..., em 31 de Agosto de 2020.
  2. Nessa declaração apurou-se o montante de €681.818,14 a título de tributação autónoma, correspondente a um total de encargos de €4.642.357,37, dos quais €3.257.569,87 respeitantes a encargos com viaturas ligeiras de passageiros.
  3. As sociedades integrantes do grupo dominado pela Requerente utilizam viaturas ligeiras de passageiros através do regime de aluguer operacional de viaturas (“AOV”), um regime que exclui a opção de compra da viatura pelo utilizador no final do período do contrato:

 

  1. Os custos suportados nesse regime de AOV pelas sociedades dominadas pela Requerente foram sujeitos a tributação autónoma do seguinte modo:

 

  1. Quanto à sujeição a tributação autónoma dos encargos suportados com a utilização de portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros alugadas em regime de AOV e a outras viaturas daquela natureza que não se encontravam alugadas ao abrigo daquele regime, ela ocorreu do seguinte modo:

 

  1. No que especificamente respeita a custos suportados com a utilização de portagens:

 

  1. E no que respeita a custos com a utilização de estacionamentos:

 

  1. Os encargos totais com a utilização de portagens e de estacionamentos ascendeu, assim, em 2019, para as sociedades dominadas pela Requerente, a €71.826,26 ( = €68.459,10 + €3.367,16).
  2. A Requerente veio a entender que teriam sido incorretamente sujeitos a tributação autónoma os encargos com viaturas em regime de AOV e os encargos com portagens e estacionamentos, num valor total de tributação autónoma de €494.802,09 (os €489.955,24 da tributação autónoma sobre a totalidade dos encargos com AOV de viaturas ligeiras de passageiros + os €4.846,85 da tributação autónoma sobre o valor dos encargos com portagens e estacionamentos relativos a viaturas ligeiras de passageiros não relacionadas com o aluguer em regime de AOV).
  3. Com esse fundamento, pretendendo a correcção da autoliquidação e baseando-se na sua interpretação do art. 88º do CIRC, a Requerente apresentou, em 6 de Julho de 2022, Reclamação Graciosa sobre a autoliquidação de IRC.
  4. No âmbito do procedimento de reclamação graciosa nº ...2022..., à ora Requerente foi solicitado, por ofício de 15 de Julho de 2022 do Inspector Tributário, que juntasse comprovativo com identificação – 1) da matrícula de cada viatura, 2) da locadora, 3) do valor de aquisição de cada veículo considerado para efeitos de cálculo da tributação autónoma e 4) da taxa de tributação autónoma aplicada aos encargos com cada viatura.
  5. Em 28 de Julho de 2022 a Requerente identificou a locadora, H..., como “fornecedora principal do Grupo”, e juntou um mapa “com todos os elementos solicitados”, referente ao apuramento da tributação autónoma  incidente sobre encargos com AOV de viaturas ligeiras de passageiros.
  6. Nas várias colunas desse mapa discriminam-se: Ano / Empresa / Matrícula / Portagens / Combustível / Rendas e Alugueres / Lavagens / Parques / Seguros / IUC / Conservação e Reparação / Total Sujeito / Taxa / TA / Marca Modelo (cf. Contrato) / Valor de Mercado (cf. sites de referência) / Entidade.
  7. Na coluna “Entidade” aparece sempre referida a H... (sem excepção).
  8. Na coluna “Valor de mercado” surgem somente 3 intervalos de valores: a) < 25.000; b) 25.000 / < 35.000; c) = > 35.000, correspondendo às taxas de TA (tributação autónoma) de, respectivamente, a) 10%, b) 27,5% e c) 35% (art. 88º, 3 do CIRC).
  9. Por ofício de 11 de Agosto de 2022, a AT solicitou à H... a identificação do valor de aquisição dos veículos, referindo que “a identificação do custo de aquisição deverá corresponder ao preço que o locador considerou para o cálculo da renda (do aluguer) mensal, ao qual terá de ser acrescido o IVA, visto que, não sendo dedutível, constituiria uma componente do custo de aquisição da viatura”.
  10. Em resposta de 30 de Agosto de 2022, a H... apontou para várias deficiências da lista da Requerente: a repetição de entradas, e a existência de 20 viaturas não locadas pela + H... .

 

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  1. E juntou uma lista completa de todos os outros veículos, indicando para cada um deles o valor de aquisição (valores sem IVA):

 

 

 

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A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa para exercício do direito de participação / audição prévia.

 

  1. Nesse projecto discriminava-se já o valor de aquisição considerado pela H..., acrescido de IVA a 23%, relativamente às viaturas alugadas no período de 2019:

 

 

 

 

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  1. A AT sustentou que a ora Requerente a) não tinha demonstrado a existência de qualquer erro de subsunção dos factos nas alíneas do art. 88º, 3 do CIRC, apesar de tê-lo alegado; b) que apenas ocorreram duas disparidades entre o valor apurado e a indicação de intervalos de valores pela ora Requerente (veículos com matrículas ... e ...), a exigirem uma declaração de substituição, dado daí resultar imposto em falta no valor de €1.703,79; c) que não foi possível validar a situação de 7 veículos, por não terem sido locados pela H... e a ora Requerente não ter indicado o respectivo locador.
  2. No exercício do direito de audição, a ora Requerente esclareceu que o veículo de matrícula ...  é um híbrido “plug-in” cujo valor deve ser considerado sem IVA; e que o veículo de matrícula ... é um Renault Mégane IV Sport 1.5 Blue dCi que faz parte de um lote de 40 veículos iguais, não tendo sido identificado por lapso da locadora.
  3. A Requerente foi notificada, em 28 de Outubro de 2022, do indeferimento da Reclamação Graciosa, por despacho de 26 de Outubro de 2022.
  4. Em 24 de Janeiro de 2023, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente começa por manifestar a sua discordância relativamente aos fundamentos do indeferimento da Reclamação Graciosa, em especial a ênfase no ónus da prova, associada ao facto de a Requerente não ter alegadamente feito prova de qualquer erro no cálculo dos encargos, nomeadamente algum erro conexo com o custo de aquisição das viaturas em questão – ao que a Requerente contrapõe que tal prova seria objectivamente impossível, por não ter acesso aos dados do custo efectivo de aquisição das viaturas, mas apenas ter acesso aos contratos de aluguer e administração e às facturas relativas aos referidos contratos de aluguer de veículos, que foram juntos como prova.
  2. Alega que cabia à AT tomar a iniciativa de realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade dos factos, e não se cingir aos elementos apresentados pelos contribuintes, sublinhando que isso decorre dos princípios da verdade material e do inquisitório e da noção de “ónus da prova objectivo”.
  3. Reconhecendo que podia, ela própria, solicitar à locadora os concretos valores relativos aos custos de aquisição das viaturas em AOV, argumenta que essa informação não serviria, por tais valores serem insindicáveis.
  4. E opõe-se à solicitação, pela AT, dessa informação junto da locadora, sustentando que o que a AT obteve foi uma “ficção”, o preço de aquisição considerado pela locadora para o cálculo da renda mensal, e não a “verdade material”, que seria o custo suportado.
  5. Para a Requerente, esse “custo suportado” não pode ser apenas o valor comercial indicado pela locadora, mesmo que seja esse o preço de aquisição que a locadora considerou para calcular o aluguer mensal (acrescido de IVA) – tem de ser algo mais, insistindo a Requerente que há que traçar uma clara distinção entre o valor que a locadora pagou para adquirir a viatura, por um lado, e, por outro, o preço considerado pela locadora para o cálculo da renda que cobra aos seus clientes.
  6. Alega, a esse respeito, que “nos contratos de aluguer em regime de AOV, as entidades locadoras, por questões atinentes ao seu próprio negócio, não facultam às entidades locatárias informações quanto ao preço efetivamente pago pela aquisição da viatura ulteriormente locada” (art. 61º do PPA).
  7. E sustenta que o preço de aquisição tenderá a ser inferior ao considerado para o cálculo da renda a praticar nos contratos AOV, sendo que este “será um preço ficcionado ou inflacionado face ao preço de aquisição efetivamente suportado pela locadora” (art. 65º do PPA).
  8. Do argumento de que a locadora não tem obrigação de facultar às locatárias o valor do custo de aquisição, extrapola a requerente para um âmbito mais geral: “A lei não exige, em lado algum, o dever de cumprir quaisquer obrigações declarativas e/ou informativas, seja às entidades locadoras seja às entidades locatárias, no sentido da especificação dos valores de aquisição das viaturas em regime de AOV.” (art. 68º do PPA).
  9. Daí retira a Requerente o argumento de que lhe seria impossível determinar o custo de aquisição das viaturas em questão, já que o as locadoras “ficcionariam” esses valores no âmbito da sua estratégia comercial (arts. 76º, 78º, 83º e 99º do PPA).
  10. Por outro lado, a Requerente entende que, mesmo que se entenda que os encargos foram devidamente apurados nos termos do art. 88º, 3 do CIRC, a eles deveria corresponder uma taxa de tributação autónoma de somente 10%, a exemplo do que se vem praticando nos contratos de “rent-a-car”, dada a similitude das situações contratuais (que excluem ambas a aquisição dos veículos).
  11. Nesse caso, a tributação autónoma perfaria um total de €311.068,37, e não os €489.955,24 que foram liquidados, havendo lugar à devolução de €178.886,87.
  12. A Requerente também discorda do argumento da AT que, considerando aberta a tipologia do art. 88º, 5 do CIRC, infere que os encargos com portagens e estacionamentos são relacionados com as viaturas – inferência que a Requerente entende ser violadora da tipicidade fiscal.
  13. No entendimento da Requerente sobre o que dispõe o art. 88º do CIRC, no que se julga acompanhada pela jurisprudência, não deveriam ter sido considerados encargos com portagens e estacionamentos, no montante total de €505.291,69, e por isso seria indevida a tributação autónoma de €71.826,26.
  14. Tal como no exercício do direito de audição, a Requerente insiste que a viatura de matrícula ... é um híbrido “plug-in” pelo que o seu valor foi incorrectamente contabilizado pela AT como estando sujeito a IVA a 23%, o que empolou indevidamente o seu valor de aquisição. E quanto à viatura de matrícula ..., insiste que se trata de viatura com valor de aquisição inferior a €25.000, e não igual ou superior a €35.000, como por lapso terá contabilizado a AT. E assinala que a AT deveria ter considerado isso na sua decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, e não o fez, em violação do art. 60º, 7 da LGT.
  15. Termina pedindo ainda o pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios contados a partir do indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, nos termos do art. 43º da LGT.

 

III. B. Posição da Requerida

 

  1. Na sua resposta, a Requerida começa por realçar o facto de a Requerente não provar aquilo que alega em apoio das suas pretensões, violando o princípio do ónus da prova (art. 342º do Código Civil, art. 74º, 1 da LGT), lembrando que alegar não é provar.
  2. No que respeita à tributação autónoma dos encargos com o regime de aluguer operacional de viaturas, relativo a viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019, a Requerida não entende como é que a Requerente pode argumentar que a ausência de referência, nos contratos de AOV, aos custos de aquisição suportados pelas locadoras impede a tributação autónoma (a 10%, 27,5% ou 35%) dos encargos suportados com esses alugueres.
  3. A Requerida lembra que não há razão nenhuma que suporte essa retenção estratégica de informação, tanto que a divulgação do valor de aquisição é prática comum noutras formas contratuais, mormente naquelas em que é preciso proceder a amortizações.
  4. Além disso, assinala que:
  1. basta, para efeitos de tributação autónoma, que sejam fornecidos intervalos de valores, como a própria Requerente fez (que se indique se o valor de aquisição das viaturas é inferior a 27.500 € (art. 88º, 3, a) CIRC), ou é igual ou superior a 27.500€ e inferior a 35.000€ (art. 88º, 3, b) CIRC), ou é igual ou superior a 35.000€ (art. 88º, 3, c) CIRC));
  2. solicitado pela AT à locadora que indicasse os custos de aquisição suportados com cada viatura, ela prontamente o fez;
  3. a Requerente não demonstrou ter feito qualquer esforço para solicitar esses mesmos valores à locadora, limitando-se a presumir que ela jamais os forneceria.
  1. Para a Requerida, é decisivo, seja o facto de a Requerente não ter feito prova de qualquer erro na subsunção às diversas categorias do art. 88º, 3 do CIRC, seja, mais ainda, o facto de ter sido possível à AT, graças às diligências junto da H..., verificar a correspondência entre o preço de aquisição das viaturas em regime de AOV, considerado para efeitos de cálculo da tributação autónoma devida, e o preço de aquisição considerado pela H... para o cálculo do aluguer mensal, acrescido de IVA, cobrado à Requerente (com a única excepção de pouquíssimos lapsos informativos cometidos pela própria Requerente).
  2. A Requerida não aceita que a Requerente afirme repetidamente que não dispõe de informação, ou que não dispõe de informação fidedigna, ou até que existe uma atitude de sonegação de informação das locadoras perante os locatários ou até perante a AT, e não prove nada do que afirma ou insinua – procurando retirar ilações dessas afirmações sem prova, de afirmações meramente conclusivas: “Se a Requerente dispunha de elementos concretos e fidedignos que sustentem a tese de que o valor de aquisição da viatura que se encontra alugada em regime AOV, i.e., o preço efectivamente pago pela locadora é inferior ao valor da viatura considerado no cálculo das rendas, que designa por “preço ficcionado ou inflacionado” e que esta divergência conduz a erros de enquadramento nas alíneas do artigo 88.º, n.º 3, que se reflictam em agravamento da tributação autónoma paga, caber-lhe-ia trazer ao processo essa demonstração, à luz do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT. Não o fez.” (arts. 27 e 28 da Resposta).
  3. Nem tão-pouco, sublinha a Requerida, foi feita a prova de que a locadora recusou qualquer informação à Requerente, ou sequer que a Requerente tenha solicitado qualquer informação.
  4. Quanto à proposta de tributação autónoma de todos os contratos de AOV à taxa uniforme de 10%, a Requerida lembra que ela não tem qualquer suporte legal, nem existindo qualquer paralelismo com a figura contratual do “rent-a-car”.
  5. No que respeita à tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019, a AT, além de louvar-se nas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 31/2012-T e 92/2013-T do CAAD, sustenta ainda que o art. 88º, 5 do CIRC não representa qualquer tipologia fechada, exemplificando apenas alguns dos tipos dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros (veja-se o “nomeadamente”), pelo que não está em causa qualquer violação da tipicidade fiscal.
  6. Ora, adianta a Requerida, os encargos com portagens e estacionamentos decorrem da utilização de viaturas ligeiras de passageiros, ainda que outros veículos também incorram neles – aliás como todo o tipo de veículos, e não somente os ligeiros de passageiros, geram encargos com “depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”.
  7. A Requerida invoca ainda duas fichas doutrinárias que versam o tema em apreço neste processo, nomeadamente o modo de determinar o “custo de aquisição” relevante para o cálculo da tributação autónoma.
  8. Nestes termos, conclui a Requerida que não foi detectado qualquer erro na autoliquidação de IRC do grupo após a recolha de elementos junto da entidade locadora dos veículos em regime de AOV – a H... .
  9. E ainda que, no número exíguo de casos em que a correspondência não pode ser verificada, é à Requerente que cabe a prova da demonstração da existência de qualquer erro na subsunção dos encargos suportados com essas viaturas em regime de AOV, para efeitos de aplicação de uma das taxas de Tributação Autónoma previstas no art. 88º, 3 do CIRC.
  10. Quanto aos juros indemnizatórios, a Requerida sustenta não ter havido erro dos serviços, e, portanto, não serem devidos tais juros.

 

III. C. Fundamentação da decisão

 

As questões que se suscitam são as seguintes:

  1. tributação autónoma dos encargos com regime de aluguer operacional de viaturas, relativo a viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019, o que implicaria a devolução de €489.955,24 de tributação autónoma indevida.
  2. tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019, o que implicaria a devolução de €71.826,26 de tributação autónoma indevida.
  3. aplicação subsidiária de uma única taxa de tributação autónoma de 10%, por equiparação a situações contratuais como a do “rent-a-car”, o que implicaria a devolução de €178.886,87 de tributação autónoma indevida.
  4. situação dos veículos com matrículas ... e ... e dos veículos contratados por outra locadora que não a H... .
  5. o direito a juros indemnizatórios.

 

Antes de analisarmos cada um desses pontos, transcrevamos as normas pertinentes.

Em 2019 os n.os 3 e 5 do art. 88.º do CIRC (na redacção da Lei nº 82-C/2014) dispunham o seguinte:

 

Artigo 88.º

Taxas de tributação autónoma

 

3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 27 500 €;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 27 500 € e inferior a 35 000 €;

c) 35% no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a (euro) 35 000.

 

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

 

É sabido como a introdução do mecanismo de tributação autónoma visou lidar com despesas cujo regime fiscal fosse difícil de fixar, por se encontrarem numa zona de sobreposição entre a esfera privada e a esfera empresarial, procurando-se evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição oculta de lucros ou atribuíssem rendimentos que acabariam por não ser tributados na esfera dos seus efectivos beneficiários.

Entendeu o legislador que tais práticas lesariam a igualdade e conduziriam a situações de transparência duvidosa (de ligação problemática com uma “causa empresarial”), susceptíveis de afectarem negativamente a receita fiscal.

E assim, ao mesmo tempo que se aceita a dedutibilidade de certos custos, aplica-se uma tributação autónoma que, incidindo sobre a despesa, reduz a vantagem fiscal de se incorrer nos referidos custos. É uma tributação que nasce independentemente da existência ou não de matéria colectável, constituindo, pois, uma excepção ao princípio da tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro apurado – sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e, por isso, passível de tributação.

Lembremos ainda, a propósito, a posição assumida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 197/2016, de 13 de Abril de 2016:

A tributação autónoma não tem um qualquer efeito cumulativo em relação ao IRC e só incide sobre as despesas concretamente efetuadas e não sobre os rendimentos empresariais sujeitos a imposto, e, por conseguinte, ela não tem a consequência […] de ampliar a taxa sobre a tributação global relativa aos rendimentos da empresa. Com efeito, a tributação autónoma não pode ser entendida como um adicional ao imposto que o contribuinte deva pagar a título de IRC.

E, por outro lado, o índice percentual mais elevado que é aplicável à realização de despesas (e que é suscetível de ser agravado no caso de empresas com prejuízo fiscal) é justificado justamente por se tratar de uma medida fiscal penalizadora do contribuinte e destinada a evitar a realização de despesas excessivas e desnecessárias do ponto de vista do interesse empresarial. E como se trata de uma taxa que recai, não sobre os rendimentos empresariais, mas sobre uma despesa que o contribuinte pôde realizar e que se contém na sua disponibilidade financeira, não pode naturalmente atribuir-se-lhe um efeito confiscatório. (…).”

 

III. C. I- tributação autónoma dos encargos com regime de aluguer operacional de viaturas, relativo a viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019.

 

O argumento da Requerente é essencialmente o de que, na ausência de um regime específico para a tributação autónoma dos contratos de AOV, essa tributação autónoma se torna impossível pelo facto de não constar, dos contratos de AOV, o valor de aquisição da viatura – implicitando que, na ausência dessa menção expressa no contrato, se torna impossível obter essa informação da contraparte, ou, pelo menos, a informação que seja obtida dessa contraparte será congenitamente, e por definição, falsa: “será um preço ficcionado ou inflacionado face ao preço de aquisição efetivamente suportado pela locadora” (art. 65º do PPA).

Este argumento não procede: embora o art. 88º, 3 do CIRC não imponha aos contribuintes aquilo que seria uma impossibilidade – uma indicação de valores com base em informação de que não disponham –, nada indica que o custo de aquisição das viaturas em AOV constitua um segredo comercial, e menos ainda que as locadoras arrisquem o incumprimento de deveres declarativos, sejam contratuais sejam legais (perante a AT) retendo informação ou prestando informações falsas.

Não se percebe, por isso, a razão pela qual a Requerente optou por alegar a recusa da locadora em prestar informação quanto ao valor de aquisição dos veículos, quando a verdade é que:

  1. a própria Requerente forneceu, no mapa que entregou à AT em 28 de Julho de 2022, os valores de mercado que permitiam já preencher os requisitos relevantes com o rigor adequado, ou seja os intervalos de valores do art. 88º, 3 do CIRC – e portanto nenhuma acção ou omissão da locadora impediu a requerente de cumprir deveres declarativos de acordo com as regras legais aplicáveis (factos provados n.os 14, 15 e 17).
  2. a Requerente nem chegou a alegar que tentou obter informação mais precisa junto da locadora, e menos ainda fez qualquer prova disso.
  3. à primeira solicitação da AT (em 11 de Agosto de 2022), a locadora respondeu prontamente (em 30 de Agosto de 2022) e com o rigor exigido, fornecendo valores que se harmonizavam em geral com os fornecidos pela própria Requerente, depois de terem sido acrescidos de IVA por cálculo da AT (factos provados n.os 19, 20 e 22).

Nem a prova do custo efectivo de aquisição das viaturas era impossível, como pretendeu a Requerente, nem muito menos alguma dificuldade no apuramento desses valores, se tivesse ocorrido – mas não ocorreu –, teria obstado à liquidação da tributação autónoma, tal como ela ocorreu.

Quanto às dúvidas lançadas sobre a sindicabilidade e fiabilidade de elementos fornecidos pela locadora, e as insinuações relativas a “ficções de preços” urdidas pela própria locadora, são argumentos conclusivos que nada provam, e talvez pudessem – e devessem – ser evitados, na ausência de provas concretas.

Do que não restam dúvidas é que os encargos com a aquisição das viaturas, e todos os demais elementos legalmente exigidos, foram devidamente apurados nos termos do art. 88º, 3 do CIRC, e que, portanto, não se descortina qualquer erro na autoliquidação de IRC e de tributação autónoma.

Assim sendo, tem de improceder a impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, no que respeita à liquidação de tributação autónoma sobre os encargos com regime de aluguer operacional de viaturas, relativo a viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019.

 

III. C. II- tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019.

 

No entendimento da Requerente sobre o que dispõe o art. 88º do CIRC, não deveriam ter sido considerados encargos com portagens e estacionamentos, no montante total de €505.291,69, e por isso seria indevida a tributação autónoma de €71.826,26.

A Requerida, por seu lado, entende que o art. 88º, 5 do CIRC não representa qualquer tipologia fechada, exemplificando apenas alguns dos tipos dos encargos com viaturas ligeiras de passageiros (veja-se o “nomeadamente”), pelo que não está em causa qualquer violação da tipicidade fiscal.

Lembremos que, segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência.

Ora ditam as regras da experiência que os encargos com portagens e estacionamentos sejam despesas tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiros – são típicas da utilização desses veículos, embora, evidentemente, não sejam exclusivas desses veículos, tal como o não são as despesas expressamente enumeradas no art. 88º, 5 do CIRC.

Não se afigura razoável, assim, que, no vigor da argumentação, se pretenda:

  1. que as portagens e os estacionamentos não são uma realidade comum, constante, e incindível da utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros;
  2. que uma norma que está expressa e indubitavelmente formulada em termos de enumeração aberta, exemplificativa, incluindo um “nomeadamente” inserido antes de uma exemplificação, seja lida como uma tipificação fechada, um “numerus clausus”.

É verdade que, como se argumenta na fundamentação da decisão arbitral no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, essa exemplificação foi perdurando nas sucessivas versões que antecederam aquela que vigorava no período de referência como art. 88º, 5 do CIRC, e nunca se incluiu expressamente a alusão a portagens e estacionamentos – mas o argumento é, se atentarmos bem nele, reversível:

  1. nas sucessivas versões também nunca se aboliu o “nomeadamente”, retirando o carácter ostensivamente exemplificativo da norma – quando essa abolição poderia ter acontecido;
  2. jamais é conclusivo qualquer argumento de inclusão ou exclusão, não-inclusão ou não-exclusão, de um item numa lista aberta e meramente exemplificativa.

Também é verdade que, como se argumenta na fundamentação da aludida decisão no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, a exemplificação dentro de uma enumeração aberta serve para delimitar a analogia entre o expresso e o implícito – mas também aqui se impõe reconhecer que as despesas com portagens e estacionamentos são tanto ou mais inerentes à utilização de viaturas ligeiras de passageiros como as despesas que servem de exemplos na enumeração do art. 88º, 5 – e que se impõe como evidência às regras de experiência que ditam a convicção deste tribunal e presidem à sua apreciação dos factos.

Dizer o contrário é pretender desconhecer o que é a utilização corrente, comum, desses viaturas – tão corrente e tão comum que, só no ano de 2019, representou um total de €505.291,69 de despesas para o grupo da Requerente.

Não se ignora o entendimento contrário que é perfilhado por alguma jurisprudência (TCAN, acórdãos de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, e Proc. 635/09 TCAN, de 31/03/2022, e a já referida decisão arbitral Proc. nº 138/2022-T, do CAAD), mas a íntima e prudente convicção deste tribunal deve mais à livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da sua experiência, do que à existência de precedentes jurisprudenciais que, propendendo para o “numerus clausus”, se afiguram incompatíveis com a letra e o espírito do art. 88º, 5 do CIRC.

 

III. C. III - aplicação subsidiária de uma única taxa de tributação autónoma de 10%, por equiparação a situações contratuais como a do “rent-a-car”.

 

Quanto ao pedido subsidiário de aplicação de uma taxa de tributação autónoma de somente 10%, a exemplo do que se vem praticando nos contratos de “rent-a-car”, dada a similitude das situações contratuais (que excluem ambas a aquisição dos veículos), ele tem de improceder, seja porque não tem qualquer base legal a sustentar o afastamento da regra do art. 88º, 3 do CIRC, seja porque está longe de ser evidente a analogia que a Requerente pretende estabelecer entre as duas figuras contratuais – uma analogia que de todo o modo está proscrita nestes domínios, e logicamente exigiria a verificação de uma lacuna, e essa lacuna não existe.

 

III. C. IV- situação dos veículos com matrículas ... e ... e dos veículos contratados por outra locadora que não a H... .

 

Trata-se de uma questão que, não sendo de pura legalidade, extravasa a competência dos tribunais arbitrais, pelo que este tribunal não pode pronunciar-se sobre ela (art. 2º do RJAT).

Poderá apenas o tribunal recordar que a própria AT sugere a solução da entrega de uma declaração de substituição, o que porventura poderá constituir a resposta adequada a este ponto.

 

III. C. V - o direito a juros indemnizatórios.

 

Não se tendo descortinado qualquer erro imputável aos serviços da Requerida, não tem a Requerente direito a juros indemnizatórios.

 

III. C. VI – questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

 

IV. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica a liquidação de IRC n.º nº 2020... e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra ela;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido formulado;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 494.802,09 (quatrocentos e noventa e quatro mil, oitocentos e dois euros e nove cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas no montante de € 7.650,00 (sete mil, seiscentos e cinquenta euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 2 de Outubro de 2023

 

Os Árbitros

 

 

Fernando Araújo

 

Adelaide Moura

 

Ana Teixeira da Sousa

(vencida conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

No que concerne ao ponto  III. C. II- tributação autónoma sobre encargos com portagens e estacionamentos incorridos pelas viaturas ligeiras de passageiros utilizadas na actividade da Requerente e do seu grupo em 2019 subscrevo posição contrária à expressa pelo colectivo pelo que voto vencida.

 

Efectivamente  a posição que subscrevo está amplamente explicitada e justificada em diversos diversas vezes em acórdãos do TCA e do CAAD. A título exemplificativo refiro:

 

  1. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte

00635/09.6BEPRT

 

 

 

Secção:

2ª Secção - Contencioso Tributário

 

 

 

 

Data do Acordão:

31-03-2022

 

 

Tribunal:

TAF do Porto

………………

II - Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD é tributado, mas já não as despesas com portagens, estacionamento e parques de estacionamento.

 

No que toca ao ponto II supra discorre o TCA do Norte, na análise que acompanho:

 

…………….. questão que importa conhecer é a de saber se as despesas referentes a juros de ALD, portagens e estacionamentos se enquadram na previsão do artigo 81.º, n.º 3 e 5 do CIRC e como tal sujeitas a tributação autónoma.
Decorre do relatório de inspecção tributária que a Impugnante/Recorrente deveria ter incluído, para efeitos de apuramento do imposto decorrente da tributação autónoma, os custos referentes a juros de ALD, portagens e estacionamento, no pressuposto que todos os encargos dedutíveis relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas ficam sujeitos a tributação autónoma à taxa de 5%., nos termos do artigo 81.º, n.º 3, do Código do IRC.
Ora, para o efeito, dispunha o artigo 81.º, nos seus números 3 e 5, do Código do IRC, na redacção em vigor à data dos factos tributários, que:

“3 - São tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
(…)
5 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”
Também sobre a questão de saber se as despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento e juros de ALD se enquadram no artigo 81.º nº 3 do CIRC, já se pronunciou este TCAN, nos acórdãos, de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, respectivamente. Mais uma vez, por concordarmos com a mesma, acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, de 11/03/2021, proferido no processo n.º 2303/11.0BEPRT.
Consta do referido acórdão o seguinte: (…) A recorrente sustenta que só devem ser tributadas as despesas realmente não incorridas para os fins da empresa, o que decorre, até, da natureza forfetária da tributação.
Porém, o desígnio legislativo desta anomalia que sempre é tributar uma despesa num imposto sobre o rendimento, e, ainda mais, uma despesa aceite como custo, reside precisamente numa deliberada cegueira do Legislador relativamente ao fim concreto e real de cada despesa, de modo a que todas sejam tributadas, dissuadindo, assim, o excesso de custos formalmente imputados aos fins da empresa mas susceptíveis de aproveitamento individual ou também individual.
Portanto são irrelevantes os fins concretos (da empresa ou, na realidade, particulares) das despesas desconsideradas pela Impugnante mas consideradas pela AT para tributação autónoma, desde que abrangidas pelos nºs 3 e 5 do artigo 81º (Actual 88º) do CIRC.
Admitimos a natureza exemplificativa do nº 5 do artigo 81º (actual 88º) do CIRC, porém, com as cautelas metodológicas recomendadas pelo princípio da legalidade em direito fiscal, analisado, aqui, na necessidade da previsão em lei, das realidades objecto da incidência tributária (cf. artigos 8º nº 1 da LGT e 103º nº 2 da Constituição).
Tomados de tais cautelas, julgamos que, se é certo que as menções expressas no citado normativo não esgotam as espécies de objectos de despesa tributáveis, também o é que, em homenagem ao princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, as outras realidades assimiláveis ao nº 3 do artigo 81º mediante a exemplificação do nº 5 hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no nº 5.
Nesta ordem de pensamento, o pagamento dos juros de um ALD haverá de ser tributado. Com efeito, tratando-se do cumprimento em último termo, de uma obrigação acessória da renda de um contrato de aluguer, esse, expressamente previsto no nº 5, a sua natureza não é diversa, não há uma diferença de essências entre este pagamento e o do aluguer, ou, se há, trata-se, ainda assim, de uma natureza análoga à da dívida da renda do aluguer.
Não se diga, com a Recorrente, que assim se está a discriminar negativamente, para efeitos tributários, as sociedades mais endividadas relativamente às menos endividadas. De modo nenhum: se são as sociedades mais endividadas que mais sofrem as consequências negativas fiscais da tributação autónoma dos juros de ALD de veículos, então não se está a tratar desigualmente situações iguais, mas sim tratar desigualmente o que é desigual, aliás, segundo essa desigualdade, o que já é um modo de realizar a igualdade tributária.
Já as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, essas, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às subjacentes às espécies de despesas enunciadas no nº 5 do artigo 81º do CIRC (redacção em 2008). Na verdade, estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.
Aliás, precisamente porque se reportam a factos concretos situados no tempo e no espaço, as despesas com portagens e estacionamentos são susceptíveis de uma apreciação, caso a caso, sobre se foram efectivamente feitas para fins da empresa ou não, o que dá sentido material à sua exclusão dessa tributação cega em que consiste a tributação autónoma sub judicio, do ponto de vista da pertença ou não, das despesas, aos fins da empresa.
À conclusão hermenêutica aqui perfilhada quanto aos nºs 3 e 5 do artigo 81º do CIRS conduz-nos, também, uma interpretação histórica:
Antes do recurso, pelo legislador, à tributação autónoma ora sub juditio, o tellos da dissuasão do abuso do registo de despesas quejandas com automóveis ligeiros, só formalmente imputadas aos fins empresariais, era prosseguido mediante a aplicação de um limite percentual à dedutibilidade dessas despesas. Assim, o artigo 41º nº 4 do CIRC, na redacção dada pela lei nº 39-B/94 de 27 de Dezembro, limitava a 20% a dedutibilidade das despesas “com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível”. Quando optou por prosseguir o mesmo fim mediante a tributação autónoma das despesas (artigo 81º nºs 3 e 5 da actual redacção do CIRC), o legislador aproveitou para deixar claro o que queria entender por veículo ligeiro de passageiros (incluindo, desta feita expressamente, automóveis ligeiros mistos e motociclos), mas manteve (nº 5) praticamente a mesma exemplificação de despesas, continuando, assim, a não incluir despesas como as de portagens e estacionamentos, que havia todo o motivo para incluir expressamente, atenta a sua recorrência, se fosse sua intenção tributá-las autonomamente.
Também este elemento histórico aponta para a exclusão das despesas sub juditio, da tributação autónoma prevista no artigo 81º nºs 3 e 5 do CIRC.
Como assim, não se sufraga, nesta instância, a sentença recorrida, na parte em que julgou ter a AT andado bem quando relevou para tributação autónoma nos termos do artigo 81º nº 3 do CIRC as despesas registadas pela Impugnante e ou suas agrupadas, com estacionamentos, parques de estacionamento e portagens de veículos, pelo que, apenas nesta parte, o recurso procede quanto a esta questão. (…)”
Nesta conformidade e transpondo a jurisprudência citada, a sentença recorrida não merece censura no que concerne aos custos com os juros de ALD, incorrendo em erro de julgamento na parte referente às despesas com pagamento de portagens, estacionamentos e parques de estacionamento.
Pelo exposto, aqui totalmente transponível com as devidas adaptações, haverá que conceder parcial provimento ao recurso da Recorrente AM. e revogar a sentença recorrida neste segmento.

 

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/53a6ed854555ceea8025881e00339c21?OpenDocument

 

 

No mesmo sentido o acórdão do CAAD no processo 138/2022, do qual destaco o sumário:

 

  1. Acórdão do CAAD Processo 138/2022

Sumário: I – A declaração dos encargos com as viaturas para efeitos de tributação autónoma prevista no artigo 88º-3, do CIRC, pressupõe o conhecimento do custo de aquisição das viaturas utilizadas pelo sujeito passivo em regime de “AOP” (Aluguer Operacional de Viaturas).

 

II – O regime “AOP” distingue-se do Leasing, por pressupor obrigatoriamente a devolução da viatura à locadora no final do contrato sem opção de compra pelo locatário.

 

III – Cabe ao contribuinte ou sujeito passivo declarar e demonstrar as despesas de harmonia com as regras legais aplicáveis e, designadamente, o apuramento do valor dos veículos utilizados em regime AOP [para efeitos de aplicação da taxa de tributação correspondente, nos termos do artigo 88º, do CIRC].

 

IV - as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento não se enquadram no artigo 88.º n. º 3 do Código do IRC – Cfr.Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), acórdãos de 11/03/2021, de 29/04/2021 e de 17/02/2022, proferidos no âmbito dos processos n.º 2303/11.0BEPRT, n.º 519/06.3BEPRT e n.º 2113/08.1BEPRT, publicados em www.dgsi.pt.

 

https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listpage=266&listPage=10&id=6669

 

Por outro lado a divulgação recente por parte da AT do  Ofício Circulado n.º 20257, de 21 de junho de 2023, que aborda a questão da tributação em IRS do pagamento pela empresa de portagens e estacionamento quando o colaborador utiliza a sua viatura ao serviço da empresa e que conclui pelo seguinte:

……………………….

17. Questão diferente e que não pode ser confundida são os custos concretamente identificados que possam vir a ser suportados, acessoriamente, no âmbito de uma deslocação ao serviço da entidade patronal, relativos a portagens e estacionamentos. Trata-se de gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador, incorridos no âmbito da sua atividade laboral e no interesse da respetiva entidade empregadora, pelo que devem ser por ela suportados.

18. Estes gastos não podem considerar-se incluídos no subsídio por quilómetro percorrido, porquanto não se tratam de gastos previsivelmente estimados, mas sim de gastos acessórios, concretamente identificados, suportados pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal.

19. A não ser assim, poderia estar-se, por esta via, e no que concerne às portagens, a desincentivar o trabalhador do uso da autoestrada, levando-o a optar por percursos mais longos e morosos, com as consequentes perdas de eficiência.

20. Acresce que, se parece evidente que, no caso de serem utilizadas viaturas da empresa ou até mediante recurso a carros de aluguer, as despesas com portagens e estacionamentos são da responsabilidade da entidade patronal (podendo tais montantes ser ou não imputados aos clientes), também no caso de utilização de viatura própria do trabalhador tais gastos devem ser suportados pela empresa.

21. Assim, é de concluir que a finalidade pretendida com a atribuição subsídio de transporte é a de ressarcir o trabalhador pelos gastos presuntivos incorridos pela deslocação na sua viatura própria ao serviço da entidade patronal, por impossibilidade de a entidade patronal facultar-lhe uma viatura de serviço, não estando incluídos nesses gastos os custos concretamente identificados e efetivos de deslocação relativos a portagens e estacionamento.

22. Assim sendo: a) Em sede de IRS, o pagamento de estacionamentos e portagens pela utilização de viatura própria do trabalhador ao serviço da empresa, desde que documentalmente comprovado, não constitui para o trabalhador um acréscimo de rendimento, mas um mero reembolso de despesas, pelo que o seu pagamento pela entidade patronal não se encontra no âmbito da tributação prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS; b) Em sede de IRC, na medida em que se trate de uma despesa incorrida pelo trabalhador com a deslocação ao serviço da empresa, é um gasto dedutível (alínea d) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC)

 

Concluindo a AT que o reembolso de estacionamentos e portagens consiste em gastos acessórios, concretamente identificados, suportados pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal e não incluídos no subsídio de transporte. Entendo que podemos concluir que a própria AT reconhece que não se estará perante compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal. Neste caso este reembolso ficaria afastado da tributação autónoma prevista no artigo 88.º do Código do IRC, por falta de previsão legal

 

 

Ana Teixeira de Sousa