Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 109/2023-T
Data da decisão: 2023-10-09  IMT  
Valor do pedido: € 88.142,82
Tema: IMT. Insolvência de Pessoa Singular. Isenção de IMT - art. 270º, 2 do CIRE. Fundamentação. Ónus da prova.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A..., Lda., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 23 de Fevereiro de 2023, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa (nº ...2022...) apresentada contra o acto de liquidação de IMT e de juros compensatórios no valor de € 88.142,82, e mediatamente sobre o próprio acto de liquidação, respeitante à aquisição, em 2019, de diversos prédios.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  5. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  6. Por Despacho de 30 de Março de 2023, foi parcialmente revogada a liquidação de IMT, no montante de € 57.348,40 (mantendo-se no montante de € 26.128,52), nos termos e para efeitos do art. 13º do RJAT.
  7. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 3 de Maio de 2023; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  8. Por Despacho de 3 de Maio de 2023, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  9. A AT apresentou a sua Resposta em 7 de Junho de 2023, juntamente com o Processo Administrativo.
  10. Por Despacho de 19 de Junho de 2023, dispensou-se a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT. As partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 3 de Novembro de 2023 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  11. A Requerente apresentou alegações em 3 de Julho de 2023.
  12. A Requerida apresentou alegações em 10 de Julho de 2023.
  13. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  14. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  15. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que tem por objecto social a agricultura, produção de vinhos, turismo, organização de actividades de animação turística e ensino desportivo e recreativo.
  2. Por escritura de compra e venda de 29 de Janeiro de 2019, a Requerente adquiriu os seguintes prédios:
  1. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de ... – extinta, concelho Peso da Régua;
  2. prédio rústico, sito no ... ou ..., inscrito na matriz sob o artigo...º, secção J da freguesia de ...– extinta, concelho Peso da Régua;
  3. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de ...– extinta, concelho Peso da Régua;
  4. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º, secção J da freguesia de...– extinta, concelho Peso da Régua;
  5. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção L da freguesia de ... – extinta, concelho Peso da Régua;
  6. prédio rústico, sito no ...,  ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de  ...– extinta, concelho Peso da Régua;
  7. prédio rústico, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de  ...– extinta, concelho Peso da Régua;
  8. prédio urbano, destinado habitação, sito na ...,  ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, da União de Freguesias de ... e  ..., concelho Peso da Régua;
  9. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de...– extinta, concelho Peso da Régua;
  10. prédio urbano, destinado a habitação, sito no ...– ..., inscrito na matriz sob o artigo...º, da União de Freguesias de ... e ..., concelho Peso da Régua;
  11. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º, secção J da freguesia de ... – extinta, concelho Peso da Régua;
  12. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção J da freguesia de ... – extinta, concelho Peso da Régua;
  13. prédio rústico, sito no Lugar de ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção D da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  14. prédio rústico, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  15. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção D da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  16. prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  17. prédio rústico, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  18. prédio rústico, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  19. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  20. prédio rústico, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  21. prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  22. prédio rústico, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, secção C da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  23. prédio urbano, sito na ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º da freguesia de ..., concelho Peso da Régua;
  1. Os alienantes foram B..., NIF..., insolvente, e sua mulher C..., NIF..., representados pelo Administrador Judicial Sr. D... .
  2. B... esteve, entre 2 de Janeiro de 2008 e 31 de Março de 2019, data em que ocorreu a cessação da actividade, colectado fiscalmente pela actividade de “Viticultura” – CAE 01210, enquadrado para efeitos de IRS na Categoria B – Rendimentos Empresariais e Profissionais, no Regime Normal do IVA com periodicidade trimestral, com contabilidade organizada por opção até 01-01-2018.
  3. Essa aquisição teve origem numa venda judicial, no âmbito do processo de insolvência nº .../18...T8PRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua – Juiz 1, no qual foram declarados insolventes B... e C... .
  4. Na data da celebração da escritura de compra e venda, o serviço de Finanças de Sintra ..., emitiu a declaração Mod. 1 de IMT e de Imposto do Selo (Verba 1.1) n.º 2019/..., com o código de isenção 31 - Aquisição de imóveis do Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais; aquisição de imóveis por arrematação judicial ou administrativa, ou ao abrigo de regimes legais de apoio financeiro à habitação.
  5. Numa análise posterior, verificou-se que estava em causa insolvência de pessoa singular, pelo que havia usufruído indevidamente do benefício do código 31, tendo-se entendido que tais aquisições não se enquadravam no benefício fiscal consignado nos artigos 269º e 270º do CIRE, aprovados pelo Dec-Lei nº 53/04, de 18 de março, em virtude de esta disposição legal se aplicar exclusivamente a pessoas coletivas, enquanto proprietárias insolventes.
  6. Por ofício datado de 26 de Fevereiro de 2020, do Serviço de Finanças de Sintra ... -..., foi a Requerente notificada do projeto de decisão de cancelamento da referida isenção, facultando-se o exercício do direito de audição nos termos do previsto no artigo 60.º da LGT.
  7. A Requerente exerceu esse direito de audição prévia, sustentando que a legislação aplicável não impede a aplicação da referida isenção aos imóveis adquiridos a insolventes pessoas singulares.
  8. Por ofício n.º ..., de 25 de Maio de 2021, o Serviço de Finanças de Sintra ... - ... notificou a Requerente da manutenção da decisão de cancelamento da isenção, para, no prazo de 30 dias, solicitar as competentes guias e efetuar o pagamento do IMT, no montante de € 80.704,72, acrescido de juros compensatórios no montante de € 7.438,10, referente à compra dos imóveis a que diz respeito a Decl. Mod. 1 do IMT n.º 2019/... .
  9. Na sequência da referida notificação, a Requerente submeteu, junto do Serviço de Finanças de Sintra ..., e ao abrigo do disposto no Artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, um pedido de notificação dos elementos omitidos na notificação (base de cálculo e fórmula de cálculo dos juros compensatórios).
  10. Em 17 de Novembro de 2021, foi emitida a liquidação de IMT em causa, com o nº..., no valor de € 83.476,93 (somente imposto), referente à Decl. Mod. 1 de IMT n.º 2021/..., de 17-11-2021.
  11. A Requerente apresentou, em 28 de Julho de 2021, Reclamação Graciosa (nº ...2022...) sobre a liquidação de IMT n.º ..., de 17 de Novembro de 2021, que incidiu sobre a referida aquisição de imóveis.
  12. Por despacho de 20 de Setembro de 2022, a Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa emitiu projecto de decisão a indeferir o pedido de anulação, mantendo a referida liquidação, com o fundamento de que “O reclamante não comprova que os ativos por si adquiridos naquela insolvência faziam parte de uma empresa (ainda que a título individual)”.
  13. Pelo ofício n.º ..., datado de 21 de Setembro de 2022, da Direção de Finanças de Lisboa, foi a Requerente notificada do referido projeto de decisão de indeferimento, facultando-se o exercício do direito de audição, nos termos do art. 60.º da LGT.
  14. A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, por carta de 11 de Outubro de 2022.
  15. Por despacho de 11 de Novembro de 2022, a Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa proferiu decisão de indeferimento, com a seguinte fundamentação: “Os imóveis, alienados, não estando contabilizados na atividade do sujeito passivo insolvente, pessoa singular, são propriedade do insolvente particular. (…) A iniciativa da liquidação de IMT é do contribuinte, pelo que é a este que cabe o ónus da prova do direito de isenção de IMT ao abrigo do Artigo 270º, n.º 2 do CIRE - Artigo 74º n.º 1 da Lei Geral Tributária. A afetação de bens à atividade empresarial – e que, consequentemente, integra o ativo - terá, necessariamente de consubstanciar uma afetação formal, definida numa data concreta, que resulte do tratamento contabilístico e fiscal conferido a esse bem. O reclamante não comprova que os ativos por si adquiridos naquela insolvência faziam parte, de uma atividade a título individual. A AT também não dispõe de qualquer informação, nas suas bases de dados, que permita evidenciar a afetação dos imóveis transmitidos a qualquer atividade empresarial ou profissional desenvolvida pelo insolvente. [§] Face ao exposto, atendendo a que o(a) reclamante não apresenta elementos suscetíveis de alterar a decisão projetada e se mantêm válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão, no qual é proposto o INDEFERIMENTO do pedido, deverá o mesmo ser convolado em definitivo.”
  16. Por ofício de 22 de Novembro de 2019, da Direção de Finanças de Lisboa, foi a Requerente notificada do referido despacho de indeferimento.
  17. Em 23 de Fevereiro de 2023, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
  18. A Requerente não efectuou o pagamento da importância liquidada (€ 88.142,82 = € 80.704,72 imposto + € 7.438,10 juros compensatórios), pelo que foi extraída certidão de dívida e instaurado processo de execução fiscal, com o n.º ...2021... .
  19. Nesse processo de execução fiscal foi prestada garantia bancária, na modalidade de depósito-caução no valor de € 123.435,26, encontrando-se o processo suspenso.
  20. Por Despacho de 30 de Março de 2023 da Subdiretora-Geral da Área de Gestão dos Impostos sobre o Património, foi parcialmente revogada a liquidação de IMT, na medida em que a AT passou a considerar que, do conjunto total dos prédios alienados, os prédios rústicos com cultura “vinha” poderiam ser objecto de isenção de IMT, já que, desenvolvendo o alienante a actividade vitícola, teria ocorrido uma aquisição de imóveis integrantes da actividade empresarial do insolvente, de acordo com a seguinte classificação:

Prédios rústicos, com parcela(s), cuja cultura é “Vinha”:

Artº Rústico ... Secção C - € 15.6245,68X5% = € 7.812,28

Artº Rústico ... Secção C - € 72.672,41X5% = € 3.633,62

Artº Rústico ... Secção C - € 21.498,92X5% = € 1.074,95

Artº Rústico ... Secção C - € 3.431,75X5% = € 171,59

Artº Rústico ... Secção J - € 1.110,52X5% = € 55,53

Artº Rústico ... Secção J - € 7.847,30X5% = € 392,37

Artº Rústico ... Secção C - € 27.852,21X5% = € 1.392.61

Artº Rústico ... Secção J - € 20.148,45X5% = € 1.007,42

Artº Rústico ... Secção J - € 836.160,66X5% = € 41.808,03

TOTAL = € 57.348,40

 

Prédios urbanos, com destino “Habitação”:

Artº Urbano ... - € 2.018,68X1% = € 20,19

Artº Urbano ... - (€109.008,64X2%)-€ 924,07 = € 1.256,10

Artº Urbano ...- (€ 133.838,36X5%)-€ 4.716,16 = € 1.975,76

Artº Urbano ... - € 21.196,12X1% = € 211,96

Artº Urbano ... - (€311.7085,61X8%)-€ 11.035,25 = € 13.901,44

TOTAL = € 17.365,45

 

Prédios rústicos sem qualquer parcela(s), cuja cultura seja “Vinha”:

Artº Rústico ... Secção C - € 129.700,063X5% = € 6.485,00

Artº Rústico ... Secção J - € 24.123,20X5% = € 1.206,16

Artº Rústico ... Secção J - € 5.349,49X5% = € 267,48

Artº Rústico ... Secção D- € 10.164,89X5% = € 508,25

Artº Rústico ... Secção D- € 2.994,29X5% = € 149,72

Artº Rústico ... Secção J- € 1.405,66X5% = € 70,29

Artº Rústico ... Secção L- € 19,18X5% = € 0,95

Artº Rústico ... Secção J- € 10.120,53X5% = € 56,02

Artº Rústico ... Secção J- € 384,39X5% = € 19,20

TOTAL = € 8.763,07

 
  1. Não estariam isentos de IMT os imóveis adquiridos e que, estando destinados a habitação e a fins não-vitícolas, estavam na esfera pessoal do alienante-insolvente, não na da sua actividade comercial.
  2. Assim, manteve-se, da liquidação de IMT nº ..., o montante de € 26.128,52 ( = € 17.365,45 + € 8.763,07), anulando-se parcialmente a liquidação no montante de € 57.348,40.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

  1. A Requerente começa por afirmar que os argumentos por ela aduzidos no exercício do direito de audição prévia foram desconsiderados, e que a Requerida, além disso, alterou a sua fundamentação quanto às razões para a revogação da isenção de IMT (art. 20º PPA).
  2. Afirma também que o seu pedido de fundamentação do cálculo do imposto e dos juros compensatórios não teve resposta (art. 24º PPA).
  3. Os principais argumentos da Requerente são (arts. 28º segs. PPA):
  1. Preterição de formalidade essencial – Art. 60.º, 7, da LGT
  2. Preterição de formalidade essencial – violação do direito de audição prévia
  3. Falta de fundamentação do acto de liquidação
  4. Falta de fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios
  5. Violação do princípio do inquisitório
  6. Ilegalidade dos entendimentos da AT:
    1. Da alegada impossibilidade de aplicação da isenção de IMT prevista nos artigos 269.º e 270.º do CIRE na aquisição de imóveis a insolventes singulares
    2. Da alegada falta de integração dos ativos na ora requerente e da falta de demonstração de que os bens adquiridos faziam parte da actividade dos insolventes
  7. Ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

III. A. 1. Preterição de formalidade essencial – Art. 60.º, 7, da LGT

 

  1. A Requerente insiste que a liquidação de IMT não levou em conta todos os fundamentos invocados pela Requerente em sede de direito de audição prévia, seja a factualidade contrária, seja a jurisprudência de Tribunais Superiores, violando a obrigatoriedade de serem levados em conta os elementos novos suscitados, que resulta do art. 60º, 7 da LGT.
  2. No entender da Requerente, a Requerida deveria ter-se pronunciado sobre a argumentação nova aduzida no exercício do direito de audição prévia.
  3. Não o tendo feito, ignorando o entendimento propugnado pela Requerente e procedendo até à alteração dos seus fundamentos, preteriu formalidade essencial, sendo inválida e devendo ser anulada nos termos do art. 163º do CPA.

 

III. A. 2. Preterição de formalidade essencial – violação do direito de audição prévia

 

  1. A Requerente alega que, no ofício n.º ..., de 25 de Maio de 2021, a Requerida invoca fundamentos de revogação que não tinham sido previamente comunicados: inicialmente o fundamento era o facto de os imóveis terem sido adquiridos “a uma insolvência singular e não a uma empresa”, passou a ser que “não ficou demonstrado que os imóveis alienados deixaram a esfera pessoal do insolvente para integrarem os ativos da empresa ou estabelecimento”, um fundamento novo sobre o qual a Requerente não teve oportunidade de se pronunciar – em violação do art. 60º, 1, a) e c) da LGT (também os arts. 267º, 5 da CRP e 45º do CPPT).
  2. Isto porque o projecto de decisão sobre o qual a Requerente se pronunciou tem fundamentos diferentes da decisão final que veio a ser tomada.
  3. Também aqui a Requerente sustenta que se preteriu formalidade essencial, sendo a liquidação inválida, pois, e devendo ser anulada.

 

III. A. 3. Falta de fundamentação do acto de liquidação

 

  1. Segundo a Requerente, a AT não modificou a fundamentação apenas entre o projecto de revogação da isenção de IMT e a decisão final de revogação; modificou-a novamente na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao argumentar que “O reclamante não comprova que os ativos por si adquiridos naquela insolvência faziam parte de uma empresa (ainda que a título individual)” e que “não dispõe de qualquer informação, nas suas bases de dados, que permita evidenciar a afetação dos imóveis transmitidos a qualquer atividade empresarial ou profissional desenvolvida pelo insolvente”, finalizando, na decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, por invocar que “O Reclamante não comprova que os ativos por si adquiridos faziam parte de uma atividade a título individual”.
  2. Segundo a Requerente, isso representaria uma modificação de entendimento, que partia da negação da possibilidade de isenção concedida a pessoas singulares para o reconhecimento tardio de que essa possibilidade decorre da lei – uma fundamentação “a posteriori” que, no seu entender, seria inadmissível – entre outras razões, porque retiraria à Requerente a possibilidade de reagir adequadamente contra o acto de liquidação em apreço.
  3. Por outro lado, isso representaria uma quebra do dever de fundamentação, nos termos do art. 77º da LGT, que não se compadece com incongruências sucessivas registadas, segundo a Requerente, nas sucessivas fases procedimentais.
  4. Também daqui retira a Requerente um argumento em apoio da invalidade da liquidação, devendo esta ser anulada.

 

III. A. 4. Falta de fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios

 

  1. A Requerente faz notar que, em nenhum momento do acto de liquidação e respectiva fundamentação, é feita referência à base legal, à base de cálculo, à fórmula de cálculo e ao nexo de causalidade que sustentam os juros compensatórios liquidados – e que essa falta de fundamentação expressa seria violadora do disposto nos arts. 77º da LGT e 268º da CRP.
  2. Essa falta seria agravada pela circunstância de a Requerente ter requerido, ao abrigo do art. 37º, 1 do CPPT, tal fundamentação, e tal solicitação não ter merecido qualquer resposta por parte da AT.
  3. Também daqui retira a Requerente um argumento em apoio da invalidade da liquidação, devendo esta ser anulada.

 

III. A. 5. Violação do princípio do inquisitório

 

  1. A Requerente alega ter ocorrido também uma violação do princípio do inquisitório consagrado no art. 58º da LGT, além das regras de distribuição do ónus da prova previstas no art. 74º, 1 da LGT.
  2. E isto porque, ao contrário do alegado pela AT, não caberia à Requerente fazer prova da afectação empresarial dos imóveis alienados pelos insolventes – mais a mais porque a aquisição foi mediada por um processo de insolvência –, mas sim à Requerida, que disporia dos meios para, através do exercício do princípio do inquisitório, chegar à factualidade relevante.
  3. Também daqui retira a Requerente um argumento em apoio da invalidade da liquidação, devendo esta ser anulada.

 

III. A. 6A. Ilegalidade dos entendimentos da AT: A) Da alegada impossibilidade de aplicação da isenção de IMT prevista nos artigos 269.º e 270.º do CIRE na aquisição de imóveis a insolventes singulares

 

  1. A Requerente retoma a observação de que no projecto de decisão de revogação da isenção de IMT se sustentou que esta revogação se justificava pelo facto de os imóveis terem sido adquiridos “a uma insolvência singular e não a uma empresa” – embora de imediato a própria Requerente ressalve que essa mesma fundamentação não foi usada já, pela Requerida, na decisão final.
  2. O argumento é que, treslendo o art. 270º, 2 do CIRE, a Requerida teria assentado a sua decisão (projectada) num entendimento ilegal.
  3. Novamente daqui retira a Requerente um argumento em apoio da invalidade da liquidação, devendo esta ser anulada.

 

III. A. 6B. Ilegalidade dos entendimentos da AT: B) Da alegada falta de integração dos ativos na ora requerente e da falta de demonstração de que os bens adquiridos faziam parte da actividade dos insolventes

 

  1. Quanto ao argumento de que não ficou demonstrado que os imóveis alienados tivessem deixado a esfera pessoal do insolvente para integrarem os activos da empresa ou estabelecimento, a Requerente observa que se trata de um requisito que não consta do art. 270º, 2 do CIRE, não se circunscrevendo tal preceito a situações de afectação à actividade do insolvente ou de ingresso na actividade do adquirente – sustentando ao invés, com apoio jurisprudencial, que não é possível proceder as destrinças entre bens que são vendidos em processo de insolvência, em termos da respectiva afectação, devendo daí decorrer que a isenção de IMT é extensiva à venda de todo e qualquer activo alienado na fase de liquidação da massa insolvente.
  2. Mesmo assim, a Requerente faz notar que os imóveis alienados estavam afectos à actividade vitícola do alienante insolvente, e que ingressaram na esfera patrimonial da Requerente, a qual tem por objecto, entre outros, a actividade agrícola e vitivinícola.
  3. Uma vez mais, daqui retira a Requerente um argumento em apoio da invalidade da liquidação, devendo esta ser anulada nos termos do art. 163º do CPA.

 

III. A. 7. Ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

  1. A Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com os mesmos fundamentos pelos quais alega as ilegalidades anteriormente elencadas.

 

III. A. 8. Indemnização por prestação de garantia indevida

 

  1. Dado que, para suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente teve de apresentar garantia bancária, a Requerente invoca o art. 53º da LGT, na medida em que considera indevida a quantia exequenda.

 

III. B. Posição da Requerente em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerente infere que, da anulação parcial, se retira o reconhecimento, pela Requerida, do direito da Requerente a indemnização por garantia indevidamente prestada.
  2. Quanto à parte subsistente de liquidação de IMT, a Requerente sustenta que se mantêm os vícios enumerados no seu Pedido de Pronúncia.
  3. Quanto ao ónus da prova, a Requerente sustenta que a alienação do imóvel decorreu no seio de um processo de insolvência no qual se presume que está em causa uma insolvência empresarial – e que, por isso, quem se arroga modificar uma realidade que se presumia isenta é a Requerida, sendo sobre ela, em consequência, que recai o ónus da prova: a prova de que os imóveis transmitidos no âmbito de uma insolvência empresarial não se encontravam afectos à actividade empresarial dos insolventes alienantes.
  4. Recusa a classificação de imóveis em que assenta a anulação parcial da liquidação, insistindo que a Requerida não provou, como lhe competia, a afectação específica de cada imóvel (aventando a hipótese de um prédio urbano poder estar destinado ao alojamento de trabalhadores das explorações vitícolas, por exemplo).
  5. Da alegada violação do ónus da prova pela Requerida, parte para o argumento da anulação de actos com base em fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário (art. 100º, 1 do CPPT).

 

III. C. Posição da Requerida na Resposta

 

III. C. 1. Violação do direito de audição prévia

 

  1. Na sua resposta, a Requerida começa por lembrar o art. 60º, 2, a) da LGT, que permite dispensar a audição dos contribuintes quando a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, o que sucedeu no caso – já que, tendo ocorrido uma errada isenção, se tratava de proceder a uma primeira liquidação (e não a qualquer liquidação adicional substitutiva), dispondo a AT de todos os elementos de prova necessários para a decisão.
  2. E acrescenta que, mesmo se a audição prévia fosse obrigatória, nesse contexto ela já se teria tornado uma formalidade não-essencial, cuja preterição não acarretaria a anulação do acto – porque, tratando-se de uma actividade vinculada da AT, a decisão não poderia ser outra do que aquela que foi tomada, em face dos elementos de prova disponíveis (art. 163º, 5, c) do CPA).
  3. Além disso, faz notar que o facto de a Requerida não seguir a argumentação jurídica da Requerente não significa que esta não tenha sido considerada e avaliada na tomada de decisão.

 

III. C. 2. Falta de fundamentação do acto de liquidação

 

  1. A Requerida repudia a alegação de falta de fundamentação do acto de liquidação, visto que foram notificados à Requerente os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, e os cálculos a que se procedeu para se chegar à liquidação em concreto – tendo a Requerente, como destinatário normal, ficado devidamente esclarecido acerca das razões que determinaram o acto que ela visa agora impugnar – não se exigindo, de maneira nenhuma, uma fundamentação exaustiva.

 

III. C. 3. Violação do princípio do inquisitório

 

  1. A Requerida lembra que, nos termos do art. 74º, 1 da LGT, é o sujeito passivo quem terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a AT – cabendo, portanto, ao contribuinte a comprovação da verificação dos pressupostos subjacentes à isenção prevista.

 

III. C. 4. Da ilegalidade do entendimento da AT

 

  1. A Requerida interpreta o art. 270º, 2 do CIRE no sentido de que a aquisição de um imóvel em fase de liquidação do activo no âmbito de processo de insolvência pode beneficiar de isenção de IMT, desde que se trate da aquisição de imóvel proveniente de empresa ou de estabelecimentos desta, visando o incentivo de uma atividade económica, beneficiando a transmissão dos elementos que compõem uma empresa, de forma a que a mesma possa ter continuidade no circuito económico, ainda que detida por pessoa ou empresa diversa.
  2. Ou seja, o intuito da norma seria o de favorecer a transferência de propriedade de bens que compõem a empresa ou estabelecimento comercial da sociedade insolvente para outrem, de modo que a actividade económica desenvolvida pela sociedade insolvente possa ter continuidade.
  3. No caso concreto, o que se verificou foi a venda de uma série de imóveis, propriedade de uma pessoa singular, que exercia uma actividade económica em nome individual e que se encontrava na situação de insolvência.
  4. E aí, lembra a Requerida, a jurisprudência é praticamente unânime a legitimar que, no âmbito da liquidação da massa insolvente, se proceda a uma distinção entre prédios de afectação estritamente pessoal – por exemplo, os destinados à habitação do insolvente – e outros prédios cuja afectação seja claramente funcionalizável à actividade empresarial do insolvente alienante; ou seja, uma separação entre imóveis afectos à esfera pessoal, e imóveis afectos à esfera profissional: identificando, entre estes últimos, os prédios rústicos com cultura “vinha”, que a Requerida admite terem sido integrantes da actividade empresarial do insolvente – e por isso beneficiarem da isenção de IMT prevista no art. 270º, 2 do CIRE.
  5. Quanto aos demais prédios, conclui serem da esfera pessoal, não empresarial, do insolvente-alienante, não tendo a Requerente, como lhe competia (art. 74º, 1 da LGT), feito prova em contrário.
  6. Não sendo eles subsumíveis no art. 270º, 2 do CIRE, para eles mantém-se a liquidação do IMT, no valor de € 26,128,52.

 

III. C. 5. Indemnização por prestação de garantia indevida

 

  1. A Requerida sustenta que, não havendo qualquer erro imputável aos serviços, não há lugar a este tipo de indemnização, nos termos do art. 53º da LGT.

 

  1. A Requerida termina a sua Resposta recordando a revogação parcial do acto impugnado, sustentando a total improcedência do pedido da Requerente relativo à parte subsistente no processo.

 

III. D. Posição da Requerida em Alegações

 

  1. Em alegações, a Requerida limita-se a remeter para o teor da sua resposta.

 

III. E. Fundamentação da decisão

 

Suscitam-se fundamentalmente quatro tipos de questões no presente processo, e procuraremos abordá-los acatando o disposto no art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, 1, c) do RJAT:

 

A) Questões relativas à fundamentação da liquidação de IMT e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

B) Questões relativas à aplicação do art. 270º do CIRE.

C) Questões de ónus da prova.

D) Questões de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

III. E. I. Questões relativas à fundamentação da liquidação de IMT e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Os diversos argumentos utilizados pela Requerente relativamente à forma dos procedimentos antecedentes ao presente processo, uns respeitantes à preterição de formalidades essenciais, outros à falta de fundamentação, acabam na verdade por convergir no argumento da falta de fundamentação ou, pelo menos, na existência de uma fundamentação que diverge do entendimento da Requerente, e, portanto, não convence a Requerente.

A alegação de que a liquidação de IMT não levou em conta todos os fundamentos invocados pela Requerente em sede de direito de audição prévia não é provada, e apenas se constata que a decisão divergiu desses fundamentos – não podendo razoavelmente esperar-se que, em contrapartida, a Requerida devesse limitar-se a abdicar imediatamente da sua própria fundamentação, em favor daquela que a Requerente subscreve.

A alegação de que a Requerida foi apresentando uma fundamentação evolutiva, ou seja, que não apresentou sempre os mesmos fundamentos – em alegado prejuízo dos direitos de reacção da Requerente – assenta no facto de a AT, num projecto de decisão, ter subscrito um entendimento sobre o art. 270º, 2 do CIRE que, não sendo ilegal nem sendo doutrinária ou jurisprudencialmente desacompanhada (como veremos), depois abandonou, tendo acabado por decidir com uma fundamentação diversa, que converge, aliás, com aquela que a Requerente mostra subscrever também.

Ora, extrapolar dessa evolução de entendimentos para a ideia de que foi preterida uma formalidade essencial não é apenas um exagero retórico, é uma contradição, já que o que a Requerente pretendia era que ocorresse essa mudança de entendimento num sentido convergente com o seu.

A Requerente não pode alegar, ao mesmo tempo, que, por um lado, as suas posições não foram atendidas porque a Requerida não teria mudado a sua posição – e que, por outro lado, a Requerida mudou a sua posição e não deveria tê-lo feito: são duas alegações incongruentes, contraditórias.

De resto, a convergência de posições veio a efectivar-se, de modo absolutamente inequívoco, e em benefício da Requerente, com a anulação parcial da liquidação de IMT.

Por outro lado, a audição prévia, que comprovadamente ocorreu, nem era em rigor necessária relativamente à liquidação de IMT subsequente ao cancelamento da isenção, visto que se tratava de uma liquidação inicial, para a qual bastava a declaração do contribuinte, nos termos do art. 60º, 2, a) da LGT.

Fica assim afastado o argumento da preterição de formalidade essencial: nenhuma formalidade foi ostensivamente preterida, e, pelo contrário, tiveram lugar, inclusivamente, formalidades não-essenciais.

Sendo que, insiste-se, é desvirtuar o conceito de “formalidade essencial” apresentá-la como a necessidade de a Requerida acatar imediatamente todos os argumentos da Requerente, ou – o que é ainda menos aceitável, por ser contraditório – apresentá-la como a impossibilidade de a Requerida modificar a sua fundamentação, mais a mais quando essa fundamentação evolui num sentido convergente com o da própria Requerente, e objectivamente benéfico para esta.

O mesmo se dirá, mutatis mutandis, relativamente ao exercício do direito de audição prévia que antecedeu o indeferimento da reclamação graciosa – momento em que, na essência, se solicitava à Requerente que fizesse prova do preenchimento dos pressupostos de isenção de IMT, o que, longe de ser incongruente com os fundamentos da anterior liquidação de IMT, é decorrência lógica do próprio pedido de reclamação graciosa, no qual se espera que o Reclamante faça prova plena dos pressupostos fácticos em que assenta a sua reclamação.

Quanto à alegação de falta de fundamentação do acto de liquidação de juros compensatórios, resulta claro, do contexto, que se tratava de simples consequência – e consequência automática, ope legis – da aplicação, aos valores e ao tempo transcorrido desde o facto tributário, do disposto no art. 35º da LGT. A identificação do instituto será já, por si, fundamentação bastante, posto que sucinta.

Afastados estes argumentos parcelares, resta o argumento genérico da falta de fundamentação, seja a relativa à liquidação de IMT, seja a da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Em termos gerais, lembremos que a exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos consta do art. 268º, 3 da CRP, quando estabelece que tais actos “carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o art. 77º, 1 da LGT estabelece a regra geral de que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

O STA tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo, que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões pelas quais o autor do acto decidiu como decidiu, e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

A suficiência da fundamentação centra-se na perceptibilidade das razões que imprimiram um determinado sentido à decisão – sendo que “perceptibilidade pelo destinatário” não é sinónimo de “concordância do destinatário”.

Lembrando ainda que, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77º da LGT, “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

E sem esquecer que “equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”, como estabelece o art. 153º, 2 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 2º, c) da LGT.

Na jurisprudência dos tribunais Administrativos, está também adquirido que “se do Relatório da fiscalização é possível conhecer o iter cognoscitivo que levou a AT à prática do acto, este está fundamentado. É nesta visão de conjunto que o impugnante encontrará a fundamentação dos actos tributários[1].

Impõe-se, neste ponto, uma reflexão mais genérica e abstracta acerca daquilo que, juridicamente, se entende por “fundamentação”.

Comecemos por destacar-lhe a dupla função, nas palavras de um ilustre cultor do Direito Fiscal:

A exigência de fundamentação (a exposição dos motivos por que se decidiu de um certo modo e não de outro) existe também como condição de racionalidade e de criação de condições materiais para o exercício das competências administrativas e judiciais de re-exame de uma decisão e de uma situação jurídica tributária[2].

Por força dessa dupla função, exige-se que a fundamentação revista as seguintes características:

  1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
  2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas ou supervenientes[3];
  3. Clareza: deve ser acessível e compreensível por um destinatário médio, evitando tecnicismos e ambiguidades, e mais ainda obscuridades, erros, contradições ou insuficiências, na enunciação dos pressupostos e, no que respeita à liquidação, na explicitação dos montantes calculados e das formas de cálculo;
  4. Suficiência ou plenitude: deve permitir identificar todos os elementos determinantes da decisão tomada (as disposições legais aplicáveis, a qualificação dos factos tributários, a quantificação dos factos tributários, as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo), e nomeadamente a justificação encontrada no quadro normativo – o domínio da legalidade –, e, quando intervenham margens de discricionariedade ou oportunidade, a motivação e as valorações prevalecentes[4].

A inexistência ou insuficiência da fundamentação torna, assim, o acto tributário (maxime a liquidação) anulável por vício de forma, porque materialmente ficaram comprometidas a racionalidade da decisão e a criação das condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte dos contribuintes[5].

Essa fundamentação não deve, nem pode, ser abstractamente apreciada – porque será sempre funcionalizada à situação concreta e ao tipo de acto, servindo em primeira linha para remover, junto do destinatário da decisão, qualquer impressão de que houve arbítrio nessa decisão[6]:

Fundamentar um ato, uma decisão, uma deliberação, consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por que se tomou uma decisão em determinado sentido[7].

As características da fundamentação concorrerão para que, numa liquidação de imposto, seja “compreensível, para um destinatário médio colocado na posição do real destinatário, face aos elementos efectivamente notificados, o porquê da inscrição nos cálculos apresentados daqueles valores, e não de outros quaisquer”; não bastando, para convalidá-lo, que as motivações de um acto tributário impugnado possam ser, ou tenham sido, intuídas pelo contribuinte: “não será aceitável que, perante uma fundamentação inexistente ou insuficiente, se ponha a cargo do contribuinte o ónus de adivinhar aquela, atribuindo ao palpite certeiro um efeito convalidante do défice de cumprimento dos respectivos deveres pela Administração Tributária[8].

O art. 77º, 1 da LGT estabelece que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

É um princípio genérico, que não se cinge aos actos “em série”, ou “de massa”, alargando-se, antes, a todos os tipos de actos tributários o dever de fundamentação sucinta, e a faculdade de remissão, com “mera declaração de concordância” com fundamentações precedentes[9], bastando que se identifique claramente, sem obscuridade ou ambiguidade, quais os documentos ou peças para que se remete – como o estabelecia já o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, de 19 de Janeiro de 1993: “A fundamentação, mesmo por remissão, deve ser expressa no próprio acto, por indicação da peça do processo cujas razões o acto assume, não podendo na ausência dessa indicação no próprio acto, ser buscada em qualquer peça do processo administrativo.”

Em suma, como há muito se tem por estabelecido,

A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores tem consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. É também pacificamente aceite que não preenche a exigência legal de fundamentação o recurso a meras fórmulas tabelares que não esclareçam devidamente a motivação de facto e de direito que presidiu ao acto da administração. Ponto é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática. Acresce dizer, na senda do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04 «que a lei exige uma exposição apenas sucinta dos fundamentos da decisão a fundamentar; que, por isso, não deve ser um “máximo” o conteúdo exigível da declaração fundamentadora; e que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».”[10]

E a doutrina converge com esse entendimento:

Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”[11]

Decorre das considerações precedentes que a fundamentação, até por causa do imperativo da clareza, deve ser simples – sem deixar de ser plena –.

Se a fundamentação se encontra já formulada completamente num determinado passo de um procedimento ou processo, é mais do que desnecessário, por redundância, repeti-la: pode ser até contraproducente, convertendo-se numa penosa reformulação de tudo o que já foi dito, de tudo o que já foi argumentado, de tudo o que já foi documentado – contribuindo presumivelmente para a entropia informativa por excesso, redundando, no final, em desinformação e vulnerabilização daquele a quem a informação deveria precipuamente aproveitar, que é o seu destinatário.

É, como vimos, o que acabou consagrado no nº 1 do art. 77º da LGT.

Nesse mesmo sentido reconheceu-se já, em sede de arbitragem tributária, que “quando o ato tributário (liquidação adicional de imposto, por exemplo) surge na sequência e em consequência dum procedimento inspetivo levado a cabo pela Administração Fiscal, a dialética ou diálogo que necessariamente se estabelece entre o contribuinte e a inspeção tributária, hão-de tornar difícil, em princípio, o não cumprimento ou até o cumprimento deficiente desse ónus de fundamentação na medida em que a decisão final se vai construindo ao longo desse processo com a participação do contribuinte[12].

Essa edificação “dialógica” de uma fundamentação tem acolhimento crescente na doutrina e na jurisprudência, embora não tenha ainda o reconhecimento que lhe seria devido, em todas as suas implicações – pioneiramente formuladas, de modo lapidar, por Saldanha Sanches: “Ao co-responsabilizar o sujeito passivo pela decisão final, a participação deste na audição prévia pode também contribuir para uma distinção entre as suas posições que merecem e não merecem tutela jurídica[13].

Um outro corolário da edificação “dialógica” de uma fundamentação é a admissão de uma possibilidade que de outro modo se entenderia como uma derrogação do princípio da contemporaneidade: a possibilidade de a cumulação de informação ao longo do processo deixar transparecer de forma mais completa uma fundamentação inicial, sem que isso constitua uma fundamentação sucessiva ou a posteriori de actos tributários ou administrativos. Como se lê numa decisão arbitral,

decorre do pedido de pronúncia arbitral e das impugnações administrativas que o precederam que a Requerente se apercebeu de que o Relatório da Inspecção Tributária estava subjacente às correcções efectuadas, cuja fundamentação foi expressamente assumida nas decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, que precederam a apresentação do pedido de pronúncia arbitral. […] No caso em apreço, apesar da falta de referência expressa à fundamentação no acto de liquidação, a Requerente impugnou-o através de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, em cujas decisões ficou claro que a fundamentação do acto de liquidação é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária que antecedeu a liquidação, que foi adoptada, no essencial, por último, na decisão do recurso hierárquico […] Por outro lado, quanto ao IRS, a quantia liquidada é exactamente a que foi indicada no Relatório da Inspecção Tributária, pelo que não há razão para duvidar que foi com base neste Relatório que foi efectuada a liquidação e, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado na sequência da notificação da decisão do recurso hierárquico, tem de se concluir que pode considerar-se convalidado o acto de liquidação do IRS, na linha da jurisprudência citada. Para além disso, esta fundamentação foi levada ao conhecimento da Requerente a tempo de exercer adequadamente o direito de impugnação contenciosa, que a Requerente efectivamente exerceu, como se constata pelo pedido de pronúncia arbitral.[14]

O contexto procedimental / processual não é, em suma, indiferente para se aferir em concreto a adequação da fundamentação produzida. Como se conclui numa outra decisão arbitral,

Deverá, desde logo, ser afastada a hipótese de existência de nulidade por falta de fundamentação, já que é bem patente a existência de um processo administrativo com junção de elementos probatórios, funcionamento do contraditório, fundamentação, conclusões […] Ou seja, todos os despachos decisórios que conduziram à liquidação contestada ou à confirmação da sua correcção, foram precedidos de informações dos serviços contendo todos os fundamentos, de facto e de direito, necessários à plena compreensão de como foi calculado o valor [§] Assim, verifica-se que o acto foi praticado num contexto procedimental susceptível de permitir ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito […]”[15].

Por outro lado, é a desnecessidade, ou até mesmo a inconveniência da repetição de fundamentações que ditam a possibilidade de fundamentação “por relação”, “por remissão” ou “por referência”, tal como elas encontram tradução no art. 77º da LGT. Daí infere a doutrina:

devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. […] No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório.[…] A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT)[16].

A repetição, se fosse exigida, suscitaria até novas dificuldades, forçando à detecção da mais pequena divergência, mesmo por lapso, entre fundamentações completas e sucessivas – gerando ruído, e até possivelmente litigância, à margem da apreciação directa do mérito das decisões fundamentadas. A clareza, a acessibilidade, da fundamentação ficariam comprometidas – novamente por excesso.

Daí que seja entendimento firmado na própria jurisprudência arbitral que a alusão a “sucinta exposição” no art. 77º, 1 é para ser tomada à letra:

Entende o Tribunal Arbitral não ser necessária grande explanação sobre o sentido e extensão do dever de fundamentação expressa e contextual dos atos tributários. Por isso, aborda a matéria apenas na perspetiva da aplicação ao caso concreto, pondo o acento tónico nos aspetos aqui relevantes. De acordo com o n.º 2 do art.º 77.º da LGT, a fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento de matéria tributável e do tributo”. Entre as várias razões que justificam a exigência da fundamentação, como as de propiciar ao decisor um momento de reflexão antes de emitir a sua vontade funcional, de garantir a transparência da atuação administrativa, de assegurar a possibilidade e eficácia do controlo hierárquico ou jurisdicional, sobressai a de possibilitar ao interessado administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar graciosa ou contenciosamente o ato. […] a possibilidade de intelecção dos fundamentos do ato tributário, e consequentemente da capacidade significante do discurso fundamentador, não é a mesma em todas as situações em que os mesmos são praticados. [§] Daí que o discurso fundamentador para poder ser entendido não careça de especial densidade significante. [§] No caso dos atos tributários, cuja prolação acontece após um “diálogo” estabelecido anteriormente com o administrado, nomeadamente através da sua notificação para apresentação de documentos ou prestação de informações ou, ainda, da sua audição sobre os relatórios efetuados nos procedimentos de inspeção tributária à sua concreta atividade, a possibilidade de apreensão dos fundamentos do ato aumenta e, consequentemente, diminui a exigência da espessura da sua declaração formal.”[17]

Ou, numa formulação ela própria mais sucinta:

o que importa é que, ainda que resumidamente ou de forma sucinta, se conheçam as premissas do ato e se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório[18]

As mesmas razões de economia e racionalidade de meios, aditadas à consciência de que a fundamentação se vai, não raro, adensando “dialogicamente” ao longo do processo, têm levado a jurisprudência a reconhecer que a fundamentação excessivamente minuciosa pode ser o contrário daquilo que teleologicamente se visa com uma verdadeira fundamentação – dispensando minúcias ainda onde elas notoriamente não contribuíssem já para a partilha de informação entre administração e contribuintes, numa espécie de efeito de “rendimento marginal decrescente” da própria informação. Daí que a referência a princípios, a regimes, ou a quadros normativos, possa dispensar a enunciação completa de tudo o que corresponde a esses princípios ou a esses regimes ou a esses quadros normativos.

Assim, por exemplo, para que a fundamentação de direito se considere suficiente, o Supremo Tribunal Administrativo tem decidido que

não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o acto fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível – entre tantos outros, os acórdãos proferidos pela 1ª Secção do STA […] Conforme se dá nota no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo proferido em 27/05/2003, no proc. n.º 1835/02, «tem sido entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que, na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado […]. Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado […] Orientação que, aliás, foi acolhida pelo Pleno daquela Secção, no acórdão de 25/03/93, no proc. n.º 27387, no qual se afirma que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do acto, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.[19].

Com limites, naturalmente:

Enferma de vício de falta de fundamentação de direito o acto que não contém, nem em si mesmo nem nas informações para que remete, a citação dos preceitos legais ou a invocação dos princípios jurídicos que determinaram o indeferimento da pretensão do requerente.”[20]; e “mesmo admitindo, excecionalmente e em casos muito atípicos (dificilmente compatíveis com a natureza da obrigação jurídica tributária de origem estritamente legal), que na fundamentação do ato não sejam mencionados os normativos legais em concreto subjacentes à decisão, sempre se terá de indicar o quadro legal que conduziu ao ato ou decisão, e este deve ser perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, de modo que sejam perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram[21].

No mesmo sentido da fundamentação sucinta, minimalista até, contra a fundamentação “quilométrica”[22], tem-se entendido que os requisitos da fundamentação devem ser reponderados face às necessidades dos “processos de massa”, compreendendo-se e aceitando-se que a fundamentação associada a tal produção de actos em massa se faça em moldes crescentemente padronizados, aproveitando-se as possibilidades tecnológicas, desde que, por essa via, não se coloque em causa o disposto no art. 77º da LGT ou as finalidades que se visam com o direito à fundamentação[23].

Admite-o com grande amplitude a doutrina e a jurisprudência, referindo-se à massificação genérica do fenómeno tributário e à padronização e informatização implicadas nessa massificação:

“Nos actos de liquidação de IRS, atenta a sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação.”[24].

Admite-o também a Lei. Lembremos a consagração desse mesmo princípio no nº 3 do art. 153º do CPA:

Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados.

Por uma questão de igualdade de armas, o conhecimento do itinerário cognoscitivo, valorativo e volitivo que culminou na escolha dos valores da liquidação, e não de outros quaisquer, incumbe à entidade autora do acto, não sendo concebível que recaia sobre o contribuinte o ónus de enunciar ele próprio os argumentos fundamentadores do acto impugnado, para de seguida os poder aceitar ou contradizer[25]: esse o sentido do dever de fundamentação consagrado genericamente no art. 268º da Constituição e no art. 77º da LGT.

Nem se aceitará que o dever de fundamentação seja tão atenuado na presença de um destinatário sofisticado que isso levasse a entender-se que caberia a esse destinatário convalidar a ausência de fundamentação através da sua própria iniciativa: mesmo que o contribuinte seja uma estrutura organizativa de grande dimensão e tecnicamente muito sofisticada, é de entender-se “que o cumprimento deficiente do dever de fundamentação a cargo da AT não pode ser convalidado pela acção do contribuinte, independentemente da dimensão organizativa ou da sofisticação dos seus serviços[26]

Em contrapartida, não poderá deixar de se levar em conta que o discernimento do concreto destinatário da fundamentação é um elemento a ser ponderado para se aferir se, sim ou não, a fundamentação lhe propiciou a ele, em concreto a ele e naquelas precisas circunstâncias – e não noutras mais remotas ou abstractas – a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência de aceitar ou impugnar, graciosa ou contenciosamente, o acto: daí que, em decisões arbitrais, se tenha concluído que houve fundamentação nos termos exigidos porque

da leitura do Relatório Inspetivo, da sua descrição dos factos e da conclusão jurídica que deles foi retirada, resulta a enunciação clara da via que conduziu à decisão procedimental. Esta conclusão é, aliás, confirmada pela atuação da Requerente, que só poderia ser assumida por quem entendeu perfeitamente a decisão e a sua fundamentação.[27]; ou que “de tudo isso ficou absolutamente ciente e consciente a impugnante já que doutro modo não se compreenderia a invocação dos fundamentos da liquidação para, de seguida, os impugnar nesta ação arbitral. [§] Ou dito doutro modo: não era possível a requerente assumir a posição impugnatória que assumiu neste processo sem ter entendido perfeitamente a decisão de liquidação objeto de impugnação e as razões que nortearam a Autoridade Tributária nesse sentido[28].

Na verdade, a fundamentação envolve também uma aferição pela sua eficácia, ou seja, pela “impressão do destinatário” – não no sentido de ela dispensar a verificação dos requisitos objectivos da sua verificação (até porque, lembremos, não é somente da protecção dos interesses do destinatário, da “função garantística” da fundamentação, que se trata, estando também em jogo a própria transparência e correcção objectiva do processo decisório, a “função endógena” da fundamentação[29]), nem no sentido psicologista de se remeter a uma indagação dos estados subjectivos de convicção do destinatário (o que seria impossível), mas sim no sentido de essa fundamentação ter a respectiva clareza avaliada pelo padrão do declaratário médio ou do declaratário concreto, se este dispuser de mais informação do que o declaratário médio – como resulta do princípio geral consagrado no art. 236º, 1 e 2, do Código Civil.

É aliás, no nosso entendimento, esse princípio geral da “impressão do destinatário” que confere autonomia à questão formal da fundamentação, que é essencialmente uma questão de acesso à informação relativa aos motivos que levaram a Administração a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação – e que tem que ser separada dessa outra dimensão material da fundamentação, que se refere à validade substancial do acto, respeitante à correspondência desses motivos à realidade, e à suficiência dessa correspondência para legitimar a concreta actuação administrativa[30].

Sendo que é no plano formal – demarcando-o por sua vez do tema da notificação, que não se confunde com ele[31] – que se indaga autonomamente sobre o cumprimento do dever de fundamentação, remetendo as questões materiais para a apreciação do mérito.

Como lapidarmente se estabelece numa decisão arbitral,

No caso em apreciação, verifica-se que a Requerida Autoridade Tributária deu a conhecer, através do relatório de inspeção, a fundamentação pela qual, na perspetiva daquela, a Requerente não podia deixar de incluir no valor tributável para efeitos de IVA o valor relativo à subvenção em apreço. [§] Ora, do teor do relatório de inspeção que subjaz à liquidação de IVA e JC, resultam de forma expressa, suficiente e congruente as razões de facto e de direito em que se respalda tal posicionamento da Autoridade Tributária. [§] Se estes pressupostos e razões aportados pela Autoridade Tributária para o relatório inspetivo são ou não substantivamente válidos é questão que tem a ver com o mérito e já não com a forma e que, portanto, se coloca numa outra dimensão de que não cumpre, neste ponto, conhecer. [§] In casu, fica patenteado o critério (mal ou bem) trilhado pela Autoridade Tributária.”[32].

Por outras palavras, tem-se entendido que, no que concerne aos vícios de forma de actos administrativos – como o acto tributário – as irregularidades devem considerar-se como não-essenciais desde que seja atingido o objetivo visado pela lei com a sua imposição[33].

Afigura-se pacífico na jurisprudência, assim, que

não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do acto e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido[34].

E quando o STA estabelece que “Não vale como fundamentação a motivação apresentada posteriormente à prática do acto, nem a constante de peças instrutórias anteriores para as quais não tenha sido feita remissão, expressa ou implícita.[35], isso equivale a admitir-se que a remissão possa ser implícita, ou seja, decorrente do próprio contexto do acto tributário, ou do qual este emerge[36].

Admitamos, em contrapartida, que não seria razoável daí inferir que toda a reacção jurídica do contribuinte revelaria, ipso facto, a “impressão do destinatário” demonstrativa da suficiência da fundamentação – até pela elementar razão de que entender uma fundamentação não é aceitar essa fundamentação, nem considerá-la sequer verdadeira, adequada ou completa.

Como já se observou em sede arbitral,

Este argumento, tal como é apresentado, improcede e podia mesmo conduzir, em tese, à inadmissibilidade da invocação (ou à irrelevância da consideração) do vício de falta de fundamentação dos actos caso o sujeito passivo recorresse aos Tribunais (fossem arbitrais ou judiciais). O facto de se apresentar um pedido de pronúncia não permite demonstrar, por si, que o acto estava devidamente fundamentado[37].

Ou, pelo já aludido prisma respeitante à correcção do próprio processo decisório,

o legislador quis que a administração não decidisse imponderadamente, obrigando-a a plasmar na fundamentação as razões da sua opção, de tal modo que a própria administração se aperceba, ao fundamentar, do bem ou mal fundado da sua escolha, a tempo de emendar a mão, se disso for caso, e que o acto se apresente transparente. Isto para concluir que não é decisivo o argumento, aliás, frequente, de acordo com o qual só o facto de o acto ter sido contenciosamente recorrido, com a decorrente imputação de vícios, já demonstra que ele estava devidamente fundamentado[38].

Mas, de acordo com o princípio geral da relevância do conhecimento, pelo declaratário, da vontade real do declarante, como estabelecido no nº 2 do art. 236º do Código Civil, não pode ser juridicamente indiferente, para a aferição da suficiência da fundamentação, a conduta do declaratário que seja reveladora da compreensão concreta, real, contextual, daquilo que foi transmitido juntamente com a decisão.

A doutrina afirma-o, aceitando que esteja cumprido o dever de fundamentação se, pela posição que toma e argumentos que utiliza, se evidencia que o contribuinte apreendeu as razões ou motivações, de facto e de direito, do autor do acto[39].

Compreende-se a essa luz a “ratio decidendi” de arestos como estes:

é patente do articulado da contribuinte que a mesma compreendeu, na íntegra, os diversos motivos fácticos que determinaram as correcções aritméticas propostas pela AT no Relatório de Inspecção. [§] Na verdade, as divergências existentes entre a AT e a contribuinte, são, como resulta do processo, questões de Direito[40]; ou “uma vez que se trata de uma correcção aritmética, derivada da acção de inspecção […], foi possível à Requerente conhecer o itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela AT para proceder à liquidação. Do teor do argumentário ínsito do presente processo resulta ter efectivamente a Requerida conhecimento desse itinerário[41].

É da “impressão do destinatário”, para pedirmos emprestada a categoria civilística, que se trata neste critério de ponderação quanto ao preenchimento dos requisitos da fundamentação, ao menos na sua teleologia “garantística”; e isso fica perfeitamente plasmado na fórmula canónica da jurisprudência dos tribunais superiores:

Segundo a jurisprudência uniforme deste STA, e atendendo à funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, ao fim instrumental que o mesmo prossegue, um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação[42].

De novo: ao exercer o seu direito de audição prévia e desse modo participar na formação das decisões relevantes da Requerida, a Requerente demonstrou o conhecimento necessário da fundamentação e das suas implicações, contestando-as com o seu particular entendimento acerca do regime aplicável – não coincidente com o entendimento da Requerida, o que sempre se adivinharia, dada a existência do litígio que é objecto deste processo.

Em ponto nenhum desses argumentos, e dos argumentos expendidos no presente processo, surge a mais leve dúvida sobre o que estava – e está – em causa na liquidação, e sobre os valores que nela constam.

A Requerente demonstra familiaridade com o quadro normativo e com a factualidade que se lhe subsume: não há, portanto, liquidação nova, nem inesperada, nem infundamentada, nem qualquer decisão-surpresa.

Há sim, sabemo-lo, um conflito de interpretações quanto ao regime aplicável, em matéria de articulação e prevalência desse regime. A Requerente discorda da fundamentação apresentada pela AT, já veiculada na decisão final de revogação da isenção de IMT, e é isso que a Requerente contesta, desde que exerceu pela primeira vez o seu direito de audição prévia.

Mas contestar uma fundamentação é a prova de que essa fundamentação existe, não o contrário.

É contraditório, e não se coaduna com uma visão dialógica e co-responsabilizadora do processo, que se discuta o teor de uma fundamentação no exercício do direito de audição prévia, para mais tarde, no processo, se alegar que essa fundamentação não existe, ou não basta.

Não procede, pois, o pedido da Requerente no que respeita às questões relativas à fundamentação da liquidação de IMT e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

III. E. II. Questões relativas à aplicação do art. 270º do CIRE.

 

Lembremos que a Requerente invoca que, no projecto de decisão de revogação da isenção de IMT, se sustentou que esta revogação se justificava pelo facto de os imóveis terem sido adquiridos “a uma insolvência singular e não a uma empresa”, embora a própria Requerente reconheça que essa fundamentação foi abandonada de imediato, e não foi usada sequer na decisão final de revogação da isenção.

O argumento da Requerente passa a centrar-se, por isso, seja no momento da decisão de revogação da isenção, seja no momento do indeferimento da reclamação graciosa, numa interpretação do art. 270º, 2 do CIRE, segundo a qual a isenção concedida é genérica, é extensiva à venda de todo e qualquer activo alienado na fase de liquidação da massa insolvente, e não autoriza destrinças entre tipos de imóveis, em termos da respectiva afectação pelo involvente / alienante.

Vimos igualmente que a Requerida, por seu lado, interpreta o art. 270º, 2 do CIRE no sentido de que a aquisição de um imóvel em fase de liquidação do activo no âmbito de processo de insolvência pode beneficiar de isenção de IMT, desde que se trate da aquisição de imóvel proveniente de empresa ou de estabelecimentos desta, visando o incentivo de uma atividade económica, beneficiando a transmissão dos elementos que compõem uma empresa, de forma a que a mesma possa ter continuidade no circuito económico, ainda que detida por pessoa ou empresa diversa.

Daí retira a Requerida a conclusão de que a teleologia da norma autoriza a destrinça entre prédios de afectação estritamente pessoal – por exemplo, os destinados à habitação do insolvente – e outros prédios cuja afectação seja claramente funcionalizável à actividade empresarial do insolvente alienante; ou seja, uma separação entre imóveis afectos à esfera pessoal, e imóveis afectos à esfera profissional, para restringir a estes últimos o direito à isenção de IMT prevista no art. 270º, 2 do CIRE.

Dessa destrinça, lembremo-lo, resultou a anulação parcial da liquidação de IMT, caindo € 57.348,40 relativos a prédios rústicos com parcelas cuja cultura é “Vinha”, e mantendo-se a liquidação de € 8.763,07 quanto a prédios rústicos sem qualquer parcela cuja cultura fosse “Vinha” e de € 17.365,45 quanto a prédios urbanos com destino “Habitação” – num total de € 26.128,52 de IMT remanescente.

Antes de analisarmos o ponto, transcrevamos a norma pertinente, o art. 270º do CIRE (Dec.-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, com as alterações do art. 234º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que vieram aditar a referência a “recuperação”):

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores;

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Impõe-se transcrevermos também o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2017, de 29 de Maio:

Uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art.º 270.º do CIRE aplica-se, não apenas às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, mas também às vendas e permutas de imóveis, enquanto elementos do ativo de sociedade insolvente, desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.[43]

Até pelo facto de conter uma enumeração que se pretende taxativa, o texto do art. 270º, 2 do CIRE não é inteiramente claro, tendo suscitado sucessivas dúvidas e conflitos interpretativos[44], dos quais o presente processo ainda se faz eco.

Começou por suscitar-se uma dúvida sobre se a referida isenção de IMT se aplica apenas à transmissão da própria empresa insolvente (ou de um seu estabelecimento), ou se, pelo contrário, abrange igualmente a transmissão isolada de imóveis da empresa, ocorrida no contexto de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, e, ainda, de liquidação da massa insolvente, para satisfação dos direitos dos credores.

A AT começou por adoptar o entendimento restritivo. Nos termos do Parecer n.º 166 da Direção de Serviços Jurídicos e do Contencioso da Direção-Geral dos Impostos, de 26 de Maio de 2008,

a aplicação dos benefícios fiscais do art. 270.º, n.º 2 do CIRE, depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou do estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente. A transmissão onerosa de bens imóveis isoladamente da empresa ou do estabelecimento não está, assim abrangida pela isenção”.

O STA foi predominantemente pelo entendimento oposto, ainda que com amplas vacilações, que ditaram a necessidade do Acórdão Uniformizador de 2017, a que já aludimos.

Num entendimento restritivo, excluíam-se da isenção as transmissões de imóveis “avulsas”, ou seja, desligadas da transmissão da universalidade da empresa ou estabelecimento.

No entendimento oposto, incluíam-se na isenção quaisquer transmissões avulsas de imóveis, desde que esses imóveis integrassem a massa insolvente, independentemente de quaisquer indagações quanto à respectiva afectação (ex.: acórdão do STA de 17 de Dezembro de 2014) – alegando-se fundamentalmente que a integração na massa insolvente bastaria já para preencher todos os requisitos do escopo normativo, para demonstração uma ligação qualquer com a empresa ou estabelecimento, e por isso acompanharem o objectivo geral do CIRE, de facilitação da venda rápida dos bens integrantes da massa insolvente.

Predominante, contudo, tem sido o entendimento intermédio, que, abrindo a possibilidade à isenção de IMT para transmissões avulsas de imóveis no activo de empresas ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente, contudo faz a ressalva de activos de pessoa singular cuja ligação a uma actividade empresarial não seja evidente, nem provada. Veja-se, por exemplo, o sumário do acórdão do STA proferido em 3 de Julho de 2013 (Processo n.º 0765/13):

O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)”.

Trata-se uma posição que concilia os interesses do CIRE com perspectivas próprias, e irrenunciáveis, do mundo contabilístico e fiscal. Como bem adverte Freitas Pereira, embora não possa falar-se propriamente “do património da empresa individual como realidade diferente da do património pessoal do empresário em nome individual (...) para efeitos contabilísticos e fiscais essa separação existe e tem importantes reflexos”[45].

Acompanhando o movimento jurisprudencial que culminou no Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2017, de 29 de Maio[46], e tendo em conta que a isenção de IMT, como todas as isenções, visa necessariamente a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (como estabelece o art. 2º, 1 do EBF), e esses interesses são, no caso, os de fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente, e por óbvias razões de interesse dos credores, mas também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando um “bónus” a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente –comprando mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência, a própria AT reviu o seu entendimento, estabelecendo, na Circular nº 4/2017, de 10 de Fevereiro de 2017 (da Direcção de Serviços do IMT, do IS, do IUC e das Contribuições Especiais – DSIMT), que a aplicação da isenção de IMT prevista no art. 270º, 2 do CIRE

não depende da coisa vendida, permutada ou cedida abranger a universalidade da empresa insolvente ou um seu estabelecimento. Assim, os atos de venda, permuta ou cessão, de forma isolada, de imóveis da empresa ou de estabelecimentos desta estão isentos de IMT, desde que integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

A ressalva predominante respeita, como já referimos, à transmissão de imóveis nos quais a afectação empresarial não é evidente nem está provada.

Nalguns casos, vai-se ao ponto de se asseverar que a isenção de IMT prevista no art. 270º, 2 do CIRE não é aplicável à venda de bens imóveis de pessoas singulares – o que evidentemente resulta de um entendimento que ilegitimamente exclui as pessoas singulares das áreas da empresarialidade.

Mas a fundamentação dominante não olha à titularidade, mas sim à afectação dos bens transmitidos, procurando evitar que, a pretexto de transmissões avulsas no seio de um processo de insolvência, se aplique uma isenção que conflitue com o teor literal do nº 2 do art. 270º do CIRE, do qual resulta uma inequívoca funcionalização, em exclusivo, às perspectivas e interesses de empresas ou de estabelecimentos – sendo vedado, porque estamos em domínios de benefícios fiscais, que uma interpretação analógica ou extensiva procure abarcar a esfera pessoal num âmbito de incidência do qual ela está nitidamente excluída.

Este entendimento é veiculado pela Instrução IMT 2014/01 da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, de Imposto do Selo, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais, referindo-se conjuntamente aos arts. 269º e 270º do CIRE:

“1- Comum a ambas as disposições é a referência literal ao termo “empresa”, realidade que estando em causa preceitos do CIRE, há de corresponder à definição constante do seu art.º 5º, ou seja, será «toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica».

2- Assim, para efeitos da isenção de IS (verba 1.1 da Tabela Geral) prevista na al. e) do art.º 269.º do CIRE, só os atos de venda, permuta ou cessão de elementos do ativo das empresas entendidas como organizações complexas, nos termos mencionados no ponto antecedente – se poderão considerar abrangidos pela previsão legal. Deste modo, não estão abrangidos por esta previsão legal os insolventes que sejam pessoas singulares e não exerçam uma atividade industrial, comercial ou agrícola”

A parte final desta Instrução autoriza uma interpretação a contrario: quando o insolvente seja pessoa singular que exerça uma actividade de natureza, industrial, comercial ou agrícola, pode o sujeito passivo adquirente dos bens à massa insolvente beneficiar das isenções de Imposto do Selo e de IMT – desde que resulte evidente, ou seja comprovado, que os bens transmitidos estavam destinados a essa actividade industrial, comercial ou agrícola.

Dito de outro modo: quando se prove que os imóveis transmitidos são habitacionais e não tenha sido alegado ou demonstrado que os insolventes / alienantes exerciam qualquer tipo de actividade empresarial ou comercial, seria patentemente abusivo subordinar as transmissões à isenção de IMT, contra o teor literal do art. 270º, 2 do CIRE e em aberta violação do “numerus clausus” dos benefícios fiscais.

Logo, a afectação dos imóveis transmitidos não pode ser despicienda em qualquer leitura do art. 270º, 2 do CIRE – a menos que se queira embarcar na interpretação abrogatória e “contra legem” do preceito; preceito que, é bom lembrar, se refere exclusivamente à venda de elementos do activo da empresa ou estabelecimento.

Admitir-se-á a isenção de IMT para bens imóveis de pessoas singulares que integrem o património de uma empresa, não outros quaisquer que, não integrando o património de uma empresa, revistam por única característica o facto de fazerem parte de um processo de insolvência.

É isso que é estabelecido lapidarmente no acórdão de 3 de Julho de 2013 (Processo n.º 0765/13):

em causa nos presentes autos está a interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, havendo que decidir se a norma deve ser interpretada no sentido em que quer a venda, quer a permuta, quer a cessão, ainda que integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, para que isentas de IMT terão de ter por objecto necessário a empresa ou estabelecimento desta, ou se, como decidido, a referência à empresa ou estabelecimentos desta se refere apenas à cessão, estando compreendidos no âmbito da isenção de IMT também as vendas e permutas de imóveis integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vício de inconstitucionalidade. (…). Em suma, enquanto que a Fazenda Pública defende uma interpretação restritiva no sentido de o nº 2 do art. 270.º do CIRE apenas abranger as transmissões onerosas de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutado ou cedido no âmbito do plano de insolvência, o acórdão atrás transcrito concluiu que o mais adequado ao sentido e alcance da lei de autorização legislativa para aprovação do CIRE será admitir uma interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente. De qualquer modo, para o que nos interessa no caso dos autos, o ponto é que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”.

O paralelismo entre os arts. 269º e 270º do CIRE, que é muito evidente e ao qual já aludimos, permite-nos ainda citar o Acórdão do STA de 25 de Setembro de 2013 (Processo nº 866/13):

“I - De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do activo da empresa». II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa.”

No mesmo sentido, e com os mesmos fundamentos, há uma abundante jurisprudência arbitral relativamente à isenção de IS, desde as decisões arbitrais nos Processos nºs 649/2015 T, 95/2015 T, 13/2016-T ou 106/2016 T.

E no que respeita à isenção de IMT, é igualmente abundante a jurisprudência arbitral que recusa a isenção de IMT à transmissão de imóveis nos quais não seja evidente, ou não tenha sido provada, a afectação empresarial – desde as decisões arbitrais nos Processos nºs 649/2015-T, 512/2016-T, 514/2016-T e 518/2016-T até à decisão no Processo nº 427/2022-T.

Foi em perfeita consonância com esta orientação jurisprudencial dos tribunais superiores, e dos tribunais arbitrais, que a AT procedeu à anulação parcial do acto de liquidação do IMT, relativamente à transmissão de imóveis cuja afectação empresarial fosse aparente, mantendo a liquidação relativamente a imóveis cuja afectação empresarial não fosse evidente nem tivesse sido demonstrada.

Também aqui, em suma, quanto às questões relativas à aplicação do art. 270º do CIRE, não procede o pedido da Requerente.

 

III. E. III. Questões de ónus da prova.

 

Na argumentação da Requerente, não lhe caberia fazer prova da afectação empresarial dos imóveis alienados pelos insolventes – mais a mais porque a aquisição foi mediada por um processo de insolvência –, mas sim à Requerida, que disporia dos meios para, através do exercício do princípio do inquisitório, chegar à factualidade relevante. Este, no seu entender, o resultado da distribuição do ónus da prova (art. 74º, 1 da LGT) – sendo que, ao não o acatar, a Requerida teria incorrido directamente numa violação do princípio do inquisitório consagrado no art. 58º da LGT.

Em reforço dos seus argumentos, sustenta que teria ocorrido uma inversão do ónus da prova em resultado da presença de uma presunção – a presunção de empresarialidade que, no seu entender, recobriria todo o processo de insolvência, e cada um dos seus actos. A ser assim, caberia à Requerida demonstrar que os imóveis transmitidos no âmbito de uma insolvência empresarial não se encontravam afectos à actividade empresarial dos insolventes alienantes – incluindo os prédios com afectação habitacional, não podendo excluir-se que também eles desempenhassem um papel relevante na actividade empresarial do insolvente / alienante.

Rematando que, em todo o caso, se gerou fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o que deveria levar à anulação total da liquidação nos termos do art. 100º, 1 do CPPT.

Em sua defesa, a Requerida sustenta que, em resultado da distribuição do ónus da prova, é à Requerente que cabe demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito à liquidação – no caso, a comprovação dos pressupostos subjacentes à isenção prevista, relativamente aos prédios que, na liquidação subsistente após a anulação parcial, foram excluídos do benefício dessa isenção.

A leitura da norma pertinente dá-nos uma resposta simples.

Dispõe o art. 74º, 1 da LGT:

O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Ora, se a Requerente invoca o direito ao benefício previsto no art. 270º, 2 do CIRE, é a ela que cabe provar os factos constitutivos de cuja verificação depende esse direito.

Vimos já que é minoritária a tese de que há uma presunção de empresarialidade a recobrir todo o processo de insolvência, em particular no que respeita a alienações “avulsas” ou “independentes” da universalidade da empresa ou estabelecimento. E cabe aqui insistir que, nos antípodas de uma tal “presunção”, a afectação dos imóveis transmitidos não pode ser despicienda em qualquer leitura do art. 270º, 2 do CIRE – a menos que se queira embarcar na interpretação abrogatória e “contra legem” do preceito.

Por outro lado, a descoberta dessa afectação de cada um dos imóveis nem sequer estava vedada à Requerente, não dependendo, ao contrário do que ela sugere, do exercício de qualquer princípio do inquisitório por parte da Requerida.

Muito simplesmente, a prova de que o imóvel objecto de venda no âmbito do processo de insolvência se encontrava afecto à actividade empresarial do insolvente, empresário em nome individual, passaria por demonstrar que o imóvel se encontrava registado no activo imobilizado da contabilidade de empresário do insolvente, com as consequências que daí decorrem, designadamente, ao nível do registo das depreciações e eventual relevância em sede de mais ou menos valias, assim como pela demonstração de que os encargos relativos àquele bem eram reconhecidos no âmbito da actividade empresarial do insolvente.

Demos como provado que o insolvente marido esteve enquadrado no regime da contabilidade organizada por opção, motivo pelo qual se crê que se tivesse existido, efectivamente, afectação do imóvel à actividade empresarial, não haveria dificuldades em demonstrá-la através dos elementos da contabilidade, que, inclusive, deveriam estar disponíveis à ordem do processo de insolvência.

A Requerente, enquanto adquirente do imóvel passível de beneficiar da isenção, deveria ter-se munido, aquando do processo de aquisição, dos elementos necessários à comprovação dos benefícios fiscais de que pretendesse usufruir em tal processo.

É que, embora esteja em causa um benefício fiscal automático, este não é um benefício fiscal presumido, mas, unicamente, um benefício fiscal que não carece de reconhecimento administrativo prévio, não dispensando, evidentemente, a prova dos respectivos pressupostos, por quem, de acordo com as regras que repartem o respectivo ónus, a ela está obrigado[47].

Ora, no caso, e como se viu já, era à Requerente que assistia o ónus da prova do direito aos benefícios fiscais a que se arroga, pelo que a insuficiência de prova a tal respeito sempre terá de ser decidida contra si.

Face ao exposto, na ausência de prova, por parte da Requerente, de que os imóveis adquiridos faziam parte do activo da empresa, e na ausência também de qualquer dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário que convocasse a aplicação do art. 100º, 1 do CPPT, fica por demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação das isenções de IMT, previstas no artigo 270º, 2 do CIRE: motivo pelo qual não merecem censura as liquidações impugnadas, improcedendo, também aqui, o pedido arbitral.

 

III. E. IV – Questões de indemnização por prestação de garantia indevida

 

No caso em apreço, tendo sido declarado improcedente o pedido de anulação das liquidações impugnadas que estão na origem do processo executivo onde foi prestada a garantia, fica prejudicado o conhecimento do pedido de condenação da AT no pagamento de uma indemnização por prestação indevida de garantia.

 

III. E. V – Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, pela ordem disposta pelo art. 124º do CPPT, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

IV. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo na ordem jurídica a liquidação de IMT e juros compensatórios (na parte não-revogada) e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra ela (na parte em que não houve deferimento implícito através da revogação parcial);
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido formulado;
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

V. Valor do processo

 

Não obstante o pedido formulado pela Requerida no art. 101 da sua Resposta, no sentido de redução do valor da acção em correspondência com os efeitos da anulação parcial da liquidação de IMT, entende-se que o único valor possível a considerar – também para efeito de determinação das custas, ponto crucial na actividade arbitral prestada sob a égide do CAAD – é o montante que motivou a constituição do tribunal arbitral.

Lembrando o princípio geral de que, nos termos do art. 296º do CPC, o valor da acção representa a utilidade económica imediata do pedido, determinado no momento da propositura da acção nos termos do art. 299º, 1 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

Fixa-se, assim, o valor do processo em € 88.142,82 (oitenta e oito mil, cento e quarenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

 

Custas no montante de € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 9 de Outubro de 2023

 

Os Árbitros

 

Fernando Araújo

 

António Alberto Franco

 

Ana Rita Chacim

 

 



[1] Acórdão do TCA Sul, de 31 de Outubro de 2006, Processo nº 122/04 (sublinhado nosso).

[2] J.L. Saldanha Sanches & João Taborda da Gama, “Audição-Participação-Fundamentação: A Co-Responsabilização do Sujeito Passivo na Decisão Tributária”, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, p. 290.

[3]A única fundamentação dos actos tributários a atender nos processos impugnatórios é a que consta do acto, directamente ou por remissão, pois está-se perante um contencioso de mera legalidade, em que se visa apreciar a legalidade da actuação da Administração Tributária tal como ela ocorreu, não podendo o tribunal aferir da sua legalidade com base em fundamentos que dele não constam.” - Processo n.º 144/2014 - T do CAAD.

[4] Acórdão do TCA-Sul de 4 de Dezembro de 2012, Processo nº 6134/12. Processos n.º 394/2014-T, n.º 703/2016-T, n.º 543/2017-T e n.º 10/2018-T do CAAD.

[5] Acórdão do STA de 14 de Fevereiro de 2013, Proc. nº 645/12. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª ed., pp. 113-114.

[6] Processo n.º 30/2012-T do CAAD.

[7] Acórdão do STA de 6 de Fevereiro de 1991 (sublinhado nosso).

[8] Processo n.º 30/2012-T do CAAD.

[9] Processo n.º 116/2012-T do CAAD.

[10] Acórdão do STA, Processo n.º 667/10; Proc. nº 109/2012 –T do CAAD.

[11] Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, anotação ao art. 77º da LGT.

[12] Processo nº 131/2012 - T do CAAD.

[13] J.L. Saldanha Sanches & João Taborda da Gama, “Audição-Participação-Fundamentação: A Co-Responsabilização do Sujeito Passivo na Decisão Tributária”, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, pp. 295ss., 304.

[14] Processo n.º 120/2015 -T do CAAD.

[15] Processo n.º 124/2015 - T do CAAD.

[16] Paulo Marques e Carlos Costa, A Liquidação de Imposto e a Sua Fundamentação, pp. 146ss.; Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª ed., pp. 113ss..

[17] Processos n.os 8/2011-T e 130/2012-T do CAAD.

[18] Processo nº 131/2012 – T do CAAD.

[19] Acórdão do STA, de 17 de Novembro de 2010, Proc. n.º 01051/09; Processos n.º 394/2014 -T e n.º 10/2018-T do CAAD.

[20] Acórdão do STA de 18 de Abril de 1996, Proc. n.º 36830; Processo n.º 245/2016-T do CAAD.

[21] Processo n.º 703/2016-T do CAAD.

[22] J.L. Saldanha Sanches & João Taborda da Gama, “Audição-Participação-Fundamentação: A Co-Responsabilização do Sujeito Passivo na Decisão Tributária”, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, p. 291.

[23] Processo n.º 137/2013-T do CAAD.

[24] Acórdão do STA de 17 de Junho de 2009, Proc. n.º 0246/09. No mesmo sentido, os Acórdãos do TCA-Sul de 28 de Fevereiro de 2012, Proc. nº 4893/11, e de 16 de Novembro de 2004, Proc. nº 879/03.

[25] A fundamentação abrangerá tanto actos favoráveis como desfavoráveis para o contribuinte: “Diferentemente do texto constitucional (artigo 268º-4, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos atos “(…) quando afetem direitos e interesses legalmente protegidos (…)”, em sede de procedimento tributário (art 77º, da LGT), não se entendeu restringir a exigência de fundamentação da decisão apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir, naturalmente, uma maior densidade da fundamentação nestes últimos casos” - Processo nº 131/2012 - T do CAAD. “Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto” - Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, 4ª ed., 675-676.

[26] Processo n.º 116/2012-T do CAAD.

[27] Processo n.º 130/2012-T do CAAD.

[28] Processo nº 131/2012 - T do CAAD.

[29]Não se visa, pois, e apenas, que o particular fique ciente das razões por que a Administração decidiu de uma e não de outra maneira; quer-se, também, impor à Administração, por, esta via, uma necessária reflexão e ponderação explícitas das razões e argumentos em confronto, que a fundamentação do acto deve patentear, assim tornando transparente a actividade administrativa. Daí que não baste dizer, em demonstração do cumprimento do dever de fundamentar, que o administrado reagiu contra o acto administrativo, revelando, com essa reacção, ter atingido o alcance e razões do acto” - Processo n.º 39/2014-T do CAAD. Cfr. Processo n.º 355/2017-T do CAAD.

[30] Processos n.º 394/2014 -T e n.º 248/2016 - T do CAAD.

[31] Estabelece-o o Supremo Tribunal Administrativo: “Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, uma coisa é a fundamentação do acto e outra é a comunicação desses fundamentos ao interessado: enquanto aquela constitui um vício susceptível de determinar a anulação do acto que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem reflectir na validade do acto comunicando” – Acórdão do STA de 16 de Novembro de 2016, Proc. n.º 0954/16.

[32] Processo n.º 338/2015-T do CAAD. E acrescenta-se nesse mesmo acórdão: “A fundamentação que o nosso ordenamento jurídico impõe como condição de validade do acto que se destine a suportar, reveste tão só uma dimensão formal, que não uma dimensão substancial e consubstancia-se na explanação dos motivos aptos a suportarem a decisão final.”

[33] Processo nº 131/2012 - T do CAAD.

[34] Acórdão do STA de 30 de Janeiro de 2013, Proc. nº 0105/12; Processo nº 746/2014 - T do CAAD.

[35] Acórdão do STA de 19 de Maio de 2004, Proc. nº 0228/03 (sublinhado nosso).

[36] Como se infere no Acórdão do Processo n.º 10/2018-T do CAAD.

[37] Processos n.º 39/2014-T e n.º 339/2017-T do CAAD.

[38] Acórdão do TCA-Sul de 28 de Fevereiro de 2012, Proc. nº 4893/11.

[39] Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, 3ª ed., pp. 381-382.

[40] Processo n.º: 60/2013-T do CAAD.

[41] Processo n.º 162/2014 - T do CAAD.

[42] Acórdão do STA de 2 de Dezembro de 2010, Processo n.º 0554/10.

[43] Cfr. Epifânio, Maria do Rosário (2022), Manual de Direito da Insolvência, 8ª ed., Almedina, 433-434.

[44] Dinis, David Sequeira & Luís Bértolo Rosa (2015), “A Isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nas Vendas e Permutas em Processo de Insolvência”, Revista da Ordem dos Advogados, 75 (1/2), 465-466.

[45] Manuel Henrique de Freitas Pereira (1992), “Tratamento Fiscal da Transferência de Bens Imóveis entre o Património Privado e o Património Empresarial de uma Pessoa Singular”, CTF, 367, 8-26.

[46] Arestos da Secção de Contencioso Tributário do STA proferidos nos processos n.º 01508/12, de 05-11-2014, n.º 01085/13, de 17-12-2014, n.º 0575/15, de 18-11-2015, n.º 0968/13, de 11-11-2015, n.º 01345/15, de 16-12- 2015, n.º 01067/15, de 18-11-2015, n.º 01350/15, de 20-01-2016, n.º 0788/14, de 16-03-2016, n.º 0788/14, de 25-01-2017, 01159/16, de 01-02-2017, recurso n.º 0724/16, de 15-02-2017.

[47] Veja-se as lapidares considerações a esse respeito por Rui Duarte Morais, na decisão do processo nº 457/2022-T, ou ainda a fundamentação da decisão do Processo nº 613/2021-T, ambos do CAAD.