Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2014-T
Data da decisão: 2015-02-25  Selo  
Valor do pedido: € 19.223,54
Tema: IS – Terrenos para construção - Verba nº 28.1. da TGIS
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Novembro de 2014, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.    A (doravante designada por “Requerente”), contribuinte
nº …, residente na Rua …, em …, apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 8 de Setembro de 2014, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.    O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral “se digne considerar o presente pedido de pronúncia arbitral (…) procedente por provado, com fundamento nas razões de facto e de direito (…) apresentadas e, em consequência, seja anulada ou declarada nula a liquidação de Imposto do Selo in casu, com as legais consequências”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 8 de Setembro de 2014 e notificado à Requerida na mesma data.

 

1.4.    O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Em 21 de Outubro de 2014, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12 de Novembro de 2014, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.    Em 18 de Dezembro de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida ser julgado improcedente, absolvendo-se a AT do pedido”.

 

1.8.       Na mesma data, a Requerida apresentou também requerimento no sentido de solicitar a dispensa da realização da primeira reunião arbitral (nos termos e para os efeitos previstos no artigo 18º do RJAT), o qual tendo sido notificado ao Requerente, obteve a sua concordância em 6 de Janeiro de 2015.

 

1.9.       Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 7 de Janeiro de 2015, foram notificados o Requerente e a Requerida para “por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações do Requerente”.

 

1.10.   Foi ainda designado, no despacho referido no ponto anterior, o dia 25 de Fevereiro de 2015 para efeitos de prolação da decisão arbitral e foi o Requerente advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar com data de 4 de Fevereiro de 2015).

 

1.11.   Em 14 de Janeiro de 2015, o Requerente apresentou requerimento no sentido de requerer a este Tribunal Arbitral que “em caso de decisão favorável ao Requerente se digne ordenar o reembolso das quantias indevidamente pagas (…) respeitantes à primeira prestação, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos” tendo em consideração que “em 16.10.2014, o Requerente procedeu ao pagamento perante a Autoridade Tributária da referida primeira prestação e respectivos juros no montante total de EUR 6.626,58”.

 

 

1.12.   Em 22 de Janeiro de 2015, o Requerente apresentou alegações escritas no sentido de reiterar os argumentos apresentados no pedido de Pronúncia Arbitral, concluindo que “o acto de liquidação em análise é assim nulo e de nenhum efeito, pois, a quantia exigida não tem qualquer fundamento legal ou factual”, pelo que:

 

1.12.1.       “Deverá a presente impugnação ser julgada provada e procedente,
anulando-se ou declarando-se nulo o acto sub judice, com as legais consequências”;

1.12.2.       “Deverá ser ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga relativamente á liquidação da primeira prestação (…), acrescida dos juros indemnizatórios devidos”.

 

1.13.   A Requerida não apresentou alegações, apesar de atempadamente notificada para o fazer (vide ponto 1.9., supra).

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

2.1.    “É proprietário do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 847, da freguesia de ..., município de Lisboa”.

 

2.2.    Nesta âmbito, foi o Requerente “notificado das liquidações do Imposto do Selo nº 2014 ... (respeitante à primeira prestação), no montante de EUR 6.407,86 e a nº 2014 ... (respeitante à segunda prestação), no montante de
EUR 6.407,84, sendo o ano de 2013 o respectivo ano de imposto em causa, correspondendo ao montante total de EUR 19.223,54
”.

 

2.3.    Por não concordar, “o Requerente apresentou, em 30 de Abril de 2014, reclamação graciosa relativa ao Imposto do Selo liquidado”, requerendo que “deve ser deferida a presente reclamação e em conformidade deverá promover-se a anulação da ora reclamada liquidação de Imposto do Selo (…) no valor de EUR 19.223,54, relativamente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... ... sob o artigo ...”.

 

2.4.    Em 23 de Julho de 2014, o Requerente foi notificado para “exercer o direito de audição prévia e tomar conhecimento do projecto de decisão e da sua fundamentação, concluindo pelo indeferimento da reclamação graciosa apresentada”.

 

2.5.    Em 1 de Agosto de 2014, o Requerente exerceu o seu direito de audição, por escrito, reiterando “as conclusões anteriormente formuladas como, com os elementos agora apresentados, considera que deve Reclamação Graciosa ser deferida, por provada e, consequentemente, ser anulada a liquidação de Imposto do Selo (…) nº 2013 ...”.

 

2.6.    Em 20 de Agosto de 2014, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

 

2.7.    Segundo o Requerente, “a liquidação em apreço decorre pretensamente da aplicação do disposto na Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro”, incidindo a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) “apenas sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário (VPT) constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), seja igual ou superior a EUR 1.000.000 sobre o VPT utilizado para efeito de IMI: por prédio com afectação habitacional”.

 

2.8.    Ora, segundo o Requerente, “conforme se comprova na caderneta predial urbana referente ao terreno in casu (…), trata-se de terreno para construção e não de um prédio com afectação habitacional como dita a lei”.

 

2.9.    Acrescenta o Requerente que “procedeu à aquisição do imóvel em causa, no âmbito da sua actividade profissional de compra para revenda de imóveis, não tendo procedido a qualquer edificação no mesmo”.

 

2.10.  “Assim, a liquidação de Imposto do Selo em apreço, em nome do princípio da legalidade e da tipicidade dos tributos, só poderia ter sido operada com base no disposto na TGIS e de acordo com os factos aí previstos pelo legislador (…)” e, “neste sentido, de acordo com o princípio da legalidade e da tipicidade, a Administração Fiscal apenas deve proceder à liquidação que for pertinente em caso de verificação de todos e de cada um dos elementos típicos previstos na lei como geradores do direito do Estado ao tributo”.

 

2.11.  Ora, ainda segundo o Requerente, “uma vez que in casu não foi provada a verificação dos pressupostos de que depende a exigibilidade do imposto em análise, é manifesto que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que o pagamento exigido ao ora Demandante é ilegal e inexigível”.

 

2.12.  Nesta medida, “o acto de liquidação in casu configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei” pelo que “o acto em análise é assim nulo e de nenhum efeito (…)”.

 

2.13.  Nestes termos, para o Requerente, “o acto de liquidação de Imposto do Selo enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados os artigo 268°, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 124º e 125° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e 77º da Lei Geral Tributária (LGT)” pelo que “o acto de liquidação (…) deverá ser anulado”.

 

 

2.14.  Assim, termina o Requerente peticionando a este Tribunal Arbitral que “se digne considerar o presente pedido de pronúncia arbitral (…) procedente por provado, com fundamento nas razões de facto e de direito acima apresentadas e, em consequência, seja anulada ou declarada nula a liquidação de Imposto do Selo in casu, com as legais consequências”.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:

 

3.2.    “É entendimento da AT que o prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada, têm natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto da presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12”.

 

3.3.    “Com esta alteração legislativa, o IS passaria a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.4.    “Na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, em sede de IS, há que recorrer ao Código do IMI, na procura de uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no art. 67º, nº 2 do Código do IS na redacção dada pela Lei nº 55- A/2012, de 29/10”.

 

3.5.    Assim, continua a Requerida, “nos termos da referida disposição legal, às matérias não reguladas no Código, respeitantes à verba nº 28 da TGIS aplica-se subsidiariamente o disposto no Código do IMI”, nos termos do qual:

 

3.5.1.     “Dispõe o nº 1 do art. 2º que prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico (…)” e,

3.5.2.     “Dispõe o art. 6º, nº 1 (…) integrando neste conceito” (de prédio urbano) “os terrenos para construção, isto é os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou  autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…)”.

 

 

3.6.    Por outro lado, segundo a Requerida, “a noção de afectação do prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, o que bem se compreende porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação”.

 

3.7.    “Ao contrário do propugnado pelo Requerente, a AT entende que o conceito de prédios com afectação habitacional, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”.

 

3.8.    “Note-se que o legislador não refere prédios destinados a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional - expressão diferente e mais ampla, cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6º, nº1 alínea a) do Código do IMI

 

3.9.    Por outro lado, ainda que “no que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação, (…) o mesmo tenha como pressuposto as edificações já construídas”, “não se pode ignorar que o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes, (…), a finalidade (…)”, entendendo a Requerida que “também os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas (…)” pelo que “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”.

 

3.10.  No que diz respeito à “pretensa violação dos princípios constitucionais, não pode a AT deixar de salientar que a CRP obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação do tratamento (…)”, pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28 da TGIS não consubstancia violação de qualquer comando constitucional” dado que “incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel”, tratando-se “de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito”.

 

3.11.  Com efeito, “a diferente aptidão dos imóveis (habitação/serviços/comércio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, afastar da incidência do Imposto do Selo os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais”.

 

 

3.12.  Com efeito, “(…) a tributação em sede de Imposto do Selo obedece a critérios de adequação, aplicando-se de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00, incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis”.

 

3.13.  “Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”, “o que não se verifica porquanto tal medida será de aplicar de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a EUR 1.000.000,00”.

 

3.14.  Nestes termos, “(…) a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei (…) devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.

 

3.15.  Por último, e quanto à prova testemunhal apresentada pelo Requerente, entende a Requerida que “a questão que se submete à apreciação do Tribunal Arbitral é uma questão estritamente jurídica, pelo que não há necessidade de produção de prova de quaisquer factos, além dos que estão documentalmente provados no processo”, “pelo que não se vislumbra a necessidade da audição de testemunhas tendo em conta que o tribunal pode e deve oficiosamente conhecer de todas as questões de direito colocadas, sem necessidade de ouvir previamente as testemunhas arroladas”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.4.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.5.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Dos factos provados

 

5.2.    Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.2.1.     O Requerente é proprietário de um prédio urbano (terreno para construção), inscrito na matriz predial urbana sob o nº ... da freguesia de ... (...), em …, cujo VPT, determinado em 2012, ascende a EUR 1.922.353,92 (conforme documentos nº 1 e 2, anexados com o pedido).

 

5.2.2.     O Requerente foi notificado da liquidação de Imposto do Selo nº 2013 ..., datada de 17 de Março de 2014, no montante total de
EUR 19.223,54, respeitante ao prédio identificado no ponto 5.2.1., supra, tendo sido posteriormente notificado do documento relativo ao pagamento da primeira prestação daquele imposto, que a seguir se identifica:

 

DOCUMENTO

ARTIGO MATRICIAL

VPT

COLECTA

PRESTAÇÃO

DOC. ANEXO AO PEDIDO

2014 ...

...

1.922.353,92

19.223,54

ABRIL/2014

6.487,86

Nº 3

             
 

 

5.2.3.     O Requerente efectuou o pagamento da primeira prestação relativa à liquidação de imposto acima identificada em 16 de Outubro de 2014 (conforme documento apresentado com requerimento anexado ao processo em 14 de Janeiro de 2015).

 

5.2.4.     O Requerente apresentou reclamação graciosa relativa à liquidação de Imposto do Selo acima identificada em 2 de Maio de 2014 (documento nº 5 anexado com o pedido), tendo sido notificado do projecto de decisão (no sentido de indeferimento), através do Ofício nº ..., de 15 de Julho de 2014, para exercer o direito de audição prévia (documento nº 6 anexado com o pedido).

 

5.2.5.     O Requerente exerceu, em 1 de Agosto de 2014, o direito de audição prévia por escrito (documento nº 7 anexado com o pedido), tendo sido notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, através do Ofício nº ..., de 14 de Agosto de 2014 (documento nº 8 anexado com o pedido).

 

5.2.6.     O Requerente anexou com o pedido documento relativo ao pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo, e que a seguir se identifica, mas que não está relacionado com a liquidação de imposto objecto do pedido de pronúncia arbitral (na verdade, não há qualquer coincidência dos seus elementos), pelo que aqui não será considerado:

 

DOCUMENTO

ARTIGO MATRICIAL

VPT

COLECTA

PRESTAÇÃO

DOC. ANEXO AO PEDIDO

2014 ...

...

1.641.239,67

16.412,40

JULHO/2014

5.470,80

Nº 4

             
 

 

5.3.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

5.4.    Dos factos não provados

 

5.5.    Não foi obtida evidência dos documentos relativos à segunda e terceira prestação do Imposto do Selo respeitante à liquidação objecto de Pronúncia Arbitral, nem foi obtida evidência quanto ao pagamento dessas prestações.

 

5.6.    Não obstante o exposto no ponto anterior, o acto tributário que se está a analisar é a liquidação do Imposto do Selo nº 2013 ..., de 17 de Março de 2014, no valor total de EUR 19.2223,54, facto esse já dado como provado no ponto 5.2.2., supra.

 

5.7.    Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a questão essencial a decidir é a de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro, nomeadamente, saber se:

 

6.1.1.     Nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto;

6.1.2.     Os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”,

 

de modo a determinar se a liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido de Pronúncia Arbitral enferma de vício de violação daquela verba nº 28.1. (por erro sobre os pressupostos de direito), o que justificaria a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

 

6.2.    A resposta às questões enunciadas no ponto anterior impõe a análise das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, de modo a determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição, dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP.

 

 

Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)

 

6.3.    A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção:

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.

28.2 – (…)".

 

6.4.    Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).

 

6.5.    Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.6.    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.7.    Ainda de acordo com o nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.8.    Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.

 

 

6.9.    Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção[nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).

 

6.10.  Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédios com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.

 

6.11.  Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.

 

6.12.  Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional” com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da LGT.

 

Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”

 

6.13.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [2].

 

6.15.  Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais (sublinhado nosso).

 

6.16.  “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim[3].

 

6.17.  Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida será, de facto, ilegal, por não haver, em qualquer dos terrenos, qualquer edifício ou construção.

 

6.18.  No entanto, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.

 

6.19.  Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[4]

 

6.20.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[5], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.21.  Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo (sublinhado nosso).

 

 

6.22.  Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:

 

6.22.1.   “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental
”.

6.22.2.   “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho”.

6.22.3.   “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

6.22.4.   “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.23.  Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).

 

6.24.  Por ser demasiado ampla, esta enunciação dos motivos subjacente à adopção das medidas poucos contributos veio trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.

 

6.25.  E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[6], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[7]

 

6.26.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (chamando a contribuir de uma forma mais agravada os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação), ao fazer incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).

 

6.27.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção.

 

6.28.  Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal (naquele incluídos).

 

6.29.  Por outro lado, tendo em consideração o acima já analisado, refira-se ainda que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.

 

6.30.  Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[8] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI [9].

 

6.31.  Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas” (nomeadamente, as liquidações respeitantes ao ano de 2013), como é o caso da liquidação que está em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [10].

 

6.32.  Ora, quanto à liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral, não resulta, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje do texto da verba 28.1. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[11]) (sublinhado nosso).

6.33.  Neste âmbito, da letra da lei não decorre nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).

 

6.34.  E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos[12] da proposta de lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.

 

6.35.  Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades.

 

6.36.  Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.

 

 

6.37.  Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.

 

6.38.  Pode assim concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [13].

 

6.39.  Nestes termos, e em resposta às questões acima colocadas nos pontos 6.1.1.e 6.1.2., conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS (na redacção prevista pela Lei
nº 55-A/2012) porquanto os terrenos para construção (com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000) não se subsumem na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”, sendo, portanto, ilegal o acto de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente.

 

Do pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios

 

6.40.  Assim, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação acima já identificado, e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito” (sublinhado nosso), pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes eventualmente já pagos pelo Requerente, a título do imposto suportado, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

 

6.41.  Adicionalmente, e face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), o Requerente tem direito a juros indemnizatórios[14] à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas relativamente à liquidação de Imposto do Selo nº 2013 ... (e referente ao ano de 2013), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

7.2.    Neste âmbito, a regra básica relativa à responsabilidade por encargos dos processos é a de que deve ser condenada a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for [artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].

 

7.3.    No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida.

 

7.4.    Nestes termos, tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.4.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo, datada de 17 de Março de 2014 (respeitante ao ano de 2013) e identificada neste processo,
anulando-se, em consequência, o respectivo acto tributário;

7.4.2.     Condenar a Requerida no reembolso das quantias indevidamente pagas pelo Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.4.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 19.223,54.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2015

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.

[3] Vide CAAD Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.

[4] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[5] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[6] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[7] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).

[8] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

[9] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.

[10] Vide neste sentido AC STA 048/14, de 9 de Abril e AC STA 0272/14, de 23 de Abril.

[11] Neste âmbito, refira-se que tendo em consideração o disposto no artigo 103º, nº 3, da CRP (proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal), não é possível admitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a uma liquidação de Imposto do Selo que diga respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior (dado que este facto ocorreu a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção da lei).

Ainda nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua jurisprudência em matéria fiscal, designadamente, no Acórdão (AC) nº 128/2009, de 12 de Março considerou que decorre do artigo 103º, nº 3, CRP que “qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável”.

[12] Na apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação.  Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” [Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII, de 11 de Outubro, pag. 32)].

[13] Vide AC STA 048/14, de 9 de Abril, AC STA 0272/14, de 23 de Abril, AC STA 0505/14, de 29 de Outubro e AC STA 0740/14, de 10 de Setembro.

[14] Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 29º do RJAT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” (sublinhado nosso).