Sumário:
I - Tanto no caso de provisões, como no caso de perdas por imparidade, está-se perante situações, em que o princípio da especialização dos exercícios não só permite, mas até impõe, que a relevância fiscal da componente negativa da liquidação seja atribuída no exercício em que a provisão deve ser efetuada ou a perda deve ser reconhecida, antecipando essa relevância em relação ao momento em que se venha a materializar pecuniariamente a ocorrência negativa.
II - Se um crédito se encontra vencido antes de 01/01/2013, mas a respetiva incobrabilidade se verificar a partir daquela data, o momento temporal para proceder à regularização, é do da verificação da incobrabilidade à luz da alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA. Nestas circunstâncias, deve o ROC certificar se os requisitos legais para a regularização se encontram verificados, nos termos do artigo 78.º n.º 9 do Código do IVA, na redação dada pela Lei n.º 66-B2012, de 31-12.
III. Nos casos em que o ato impugnado não enferma de vícios geradores de nulidade nem se está perante uma situação de inexistência jurídica, existe o referido ónus de imputação de vícios, pelo que, se o ato tem mais que um fundamento e cada um deles é suficiente para, por si só, justificar a decisão, o êxito da impugnação depende de serem imputadas ilegalidades a todos os fundamentos invocados no ato, pois se houver algum fundamento que não seja atacado e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente, terá de se concluir que o ato deverá ser mantido na ordem jurídica, por a decisão nele contida ter um fundamento cuja validade jurídica não foi destruída.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral Coletivo:
I – Relatório
1. A..., Lda., contribuinte n.º..., com sede no ..., freguesia de ..., ...-..., ..., vem requerer a constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 5.º n.º 3 al. a) artigos 6 e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC (incluindo Juros) n.º 2022..., no montante de €69.735,56 (liquidação corrigida, conforme docs. n.º 1 e 2 do Pedido de Pronúncia Arbitral, doravante PPA) e das liquidações em sede de IVA e Juros, que totalizam o valor de €91.340,42, na parte que digam respeito à correção de IVA no montante de €73.800,00 de IVA seguidamente identificadas (docs. n.ºs 3 a 12 do PPA):
- 2022..., de €2.320,77 (IVA);
- 2022..., de €326,40 (Juros);
- 2022..., de €10.405,07 (IVA);
- 2022..., de €1.422,29 (Juros);
- 2022..., de €29.792,72 (IVA);
- 2022..., de €3.943,51 (Juros);
- 2022..., de €11.435,37 (IVA);
- 2022..., de €1.629,14 (Juros);
- 2022..., de € 26.079,07 (IVA);
- 2022..., de € 3.986,08 (Juros).
2. A Requerente requer a condenação da AT na restituição dos montantes indevidamente pagos em sede de IRC, na variação que resulta de €88.669,05 para €314.684,55 e em sede de IVA no valor €73.800,00, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
A Requerente é uma sociedade comercial de direito português que se dedica à atividade de construção e montagem de estruturas e instalações elétricas civis e industriais.
No âmbito de uma ação inspetiva de que foi alvo, a AT comprovou que a Requerente, com referência ao exercício de 2019, declarou como imparidades de dívidas a receber de clientes o montante de €305.554,23, respeitando a créditos em contencioso (€22.000,54) e a créditos em mora há mais de 24 meses (€57.538,19 e €226.015,50).
Encontram-se excluídos do pedido da Requerente os créditos em contencioso que respeitavam ao cliente B..., no valor de €22.000,24, os quais não desencadearam qualquer correção.
Adicionalmente, a Requerente aceita a anulação da perda por imparidade registada em relação ao cliente C..., S.A., no valor de €57.538,19, uma vez que este crédito foi pago, entretanto, na totalidade.
A Requerente não se conforma, no entanto, com a correção à dedutibilidade dos gastos respeitantes à sua cliente D..., no montante de €226.015,50, com fundamento na violação da al. a) do n.º 1 do artigo 28º-A do Código do IRC, por os créditos revelarem uma maturidade superior a 6 meses, sendo-lhe imputada a violação do princípio da especialização dos exercícios.
Defende que se tratava de um cliente francês, e que entre 2011 e 2019 enviou diversas comunicações e realizou contactos telefónicos tendo os responsáveis garantido que iria receber os seus créditos. Uma vez que a Requerente não foi a tribunal reclamar o crédito, pois nunca considerou que o mesmo estivesse em risco sério de ser recebido, não teve forma de saber da existência de processos de execução em curso contra essa empresa. Por conseguinte, só a partir de 2019 soube da impossibilidade absoluta da cobrança, ao ter conhecimento da cessação da atividade da empresa e da declaração de insolvência proferida pelos tribunais franceses no ano 2011.
Neste sentido, defende que não se encontravam reunidos os requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 28-B, pois muito embora se verificasse mora superior a seis meses não existiam provas objetivas da imparidade, mas antes a confiança reiterada num cliente, com o qual trabalhou ao longo de muitos anos, mantendo uma comunicação escrita e pessoal regular, tendo desenvolvido diligências destinadas a obter o pagamento da dívida, sendo certo que, no entender da Requerente, até 2019 nada evidenciava o risco de incobrabilidade do seu crédito.
Em apoio da sua tese, a Requerente invoca jurisprudência do CAAD, designadamente no processo n.º 387/2020-T e processo n.º 553/2019-T, nos quais se admite a aceitação das perdas por imparidade há mais de seis meses, registadas num exercício fiscal diferente ao exercício em que foi identificado o risco de incobrabilidade, desde que não se prove que o registo em exercício subsequente resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.
Relativamente às correções efetuadas à regularização do IVA, do total das liquidações impugnadas nesta sede no valor de €91.340,42, a Requerente aceita que assiste razão à AT em realizar correções no montante de €17.540,42, devendo ser anuladas aquelas liquidações que no total atinjam o montante de €73.800,00.
Com efeito, a Requerente não se pode conformar com a correção de IVA no valor de €73.800,00, relativa ao seu cliente E..., Lda., invocando que comprovadamente a empresa não dispunha de bens no seu ativo, conforme resultou de certidão emitida pelo Juízo de Execução da Comarca do Porto, de 03-04-2018.
Entende que essa certidão judicial deveria constituir prova bastante do direito à regularização do crédito incobrável, pois ainda que respeite à execução de uma letra num valor muito inferior de apenas €3.000,00, uma vez que a respetiva ação executiva foi extinta nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC, tal facto levou a Requerente a presumir a inutilidade de interpor as demais ações judiciais para cobrança do seu crédito, dada a evidente ausência de bens para responder pela totalidade da dívida.
Quanto ao facto de a AT invocar o errado enquadramento legal da regularização, devendo enquadrar-se na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, em vez de ter sido efetuada ao abrigo da alínea b) da mesma disposição legal, a Requerente advoga que tal facto não acarreta qualquer prejuízo para AT, sendo antes uma questão de forma.
Finalmente, refere que as faturas da E... vencidas e não pagas respeitam ao ano 2007 e 2008, e que em 2019, a empresa ainda não havia sido declarada insolvente. Por conseguinte, o dispositivo legal a aplicar à data em que as faturas se venceram era o n.º 7, alínea a) do artigo 78.º do Código do IVA, não dependendo a regularização da obrigatoriedade de certificação do ROC, ao contrário do que resulta do entendimento defendido pela AT no Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT).
3. A AT, na sua resposta, reitera o entendimento expresso no RIT, quer no âmbito das correções que deram origem à liquidação de IRC, quer no âmbito das correções em sede de IVA.
Em relação às correções em sede de IRC, a AT não aceita o valor registado pela Requerente, a título de perda por imparidade, no montante de €226.015,50, inscrito no extrato de conta corrente do cliente “D...”, sedeado em França. Segundo a AT os motivos da não aceitação nada têm a ver com diferença entre o montante citado e o valor de €223.000,00, referente ao somatório das 22 faturas emitidas ao cliente.
Entende que no caso não se encontravam cumpridas as condições impostas quer no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A quer do artigo 28º-B e ainda o disposto no artigo 18.º todos do Código do IRC, que possibilitassem a aceitação das respetivas imparidades como gasto fiscal registado no exercício de 2019.
Decorre dos elementos constantes do procedimento inspetivo que o risco de incobrabilidade, assente na existência do crédito em mora e de diligências tendentes ao seu recebimento, verificou-se em data muito anterior ao exercício de 2019, pois quer em 2008 quer em 2011, a Requerente apresentou provas nos autos em que solicitava pagamento dos seus créditos, tendo inclusivamente em 2008, havido contatos escritos entre a Requerente e o advogado encarregue de representar a empresa devedora no processo de insolvência.
Acresce que existem elementos apresentados pela Requerente aos SIT, evidenciando a existência de uma certidão do Tribunal Judicial de Toulouse, onde se pode constatar a liquidação da sociedade D..., no ano de 2013.
Havendo evidências bastantes do risco de cobrança do crédito, a Requerente agiu em sentido diverso daquele que é propugnado pelo normativo contabilístico, quando somente reconheceu contabilisticamente a perda em 2019, desrespeitando o princípio da especialização dos exercícios. Defende que a aceitabilidade fiscal das perdas por imparidade baseia-se no correto reconhecimento contabilístico (vide, §25 da NCRF 27), que por sua vez acompanha de perto o princípio da periodização que também está na base da tributação em sede de IRC.
Invoca, o disposto no artigo 28.º-B do CIRC, no qual se consideram créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, a saber, quando o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE), ou quando se esteja diante de créditos que tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral ou estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
Refere que este artigo deve ser lido em conjugação com o disposto no artigo 18.º do CIRC, respeitando os princípios da prudência e da especialização dos exercícios, só podendo ser considerado um gasto em anos posteriores ao que dizem respeito, caso não se prove que o registo em ano diferente resulte de uma omissão voluntária e intencional, situação que não ocorreu no caso em apreço, pois segundo o RIT, o registo em 2019 origina uma perda da receita fiscal que não ocorria se o registo fosse efetuado no ano devido, sendo por conseguinte ilegal a dedução fiscal das perdas por imparidade em apreço.
Relativamente à regularização de IVA referente ao cliente E..., Lda., no valor de €73.800,00, inscrita no campo 40 da Declaração Periódica e na linha relativa ao normativo da alínea b), do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, sustenta a Requerida que este enquadramento não se encontra correto uma vez que o campo utilizado se destina a imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, sendo certo que o crédito em causa não foi reclamado em processo de insolvência.
Acresce que a Requerente procedeu à regularização do IVA da sua cliente E... na declaração periódica de março de 2019, por só nesse período ter adquirido a certeza de que não iria ter condições para pagar. Contudo, a certidão emitida pelo juízo da comarca do Porto é de 13/04 de 2018, o que faz concluir que a Requerente estaria em condições de realizar a regularização em período anterior.
Além do referido no RIT defende-se a aplicação Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013 (OE 2013), retificada pela declaração de retificação n.º 11/2013, de 28 de fevereiro, que aditou ao CIVA os artigos 78.º-A a 78.º-D – criando novas regras para a regularização de IVA aplicável aos créditos de cobrança duvidosa e créditos incobráveis. Tal lei em sede de disposições transitórias, estabelece os n.ºs 6 e 7 do artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, nos termos do qual:
1) O disposto nos n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do CIVA aplica-se, apenas, aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013;
2) O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do CIVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei, ou seja, aos créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013.
Assim, uma vez que os créditos aqui em análise se venceram em 2007 e 2008, está claro ser de aplicar os n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do CIVA, pois são créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013.
No que respeita à certificação do ROC, se a incobrabilidade se verificar antes de 01/01/2013, não há lugar à obrigação de certificação, considerando a AT indispensável saber a data da incobrabilidade.
Ora, face ao que refere a Requerente, ao afirmar que a lei aplicável ao caso em concreto seria a Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, em que não é necessária a certificação de ROC, entende a AT ser de concluir que a Requerente está a considerar que os créditos foram considerados incobráveis antes de 01/01/2013. Nesse cenário, o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, sendo que no limite para estas situações a regularização teria de ser efetuada até ao final do ano de 2016.
Mas, se ao invés o facto que determinou a incobrabilidade foi a certidão emitida pelo Juízo de Execução da Comarca do Porto – Juiz 1, de 13-04-2018, que certifica que o cliente não possui bens no seu ativo, então entende a AT, que será necessária a certificação do ROC e o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Face ao exposto, em nenhuma das circunstâncias verificadas nos autos, se verificam os requisitos necessários à regularização do IVA. Pelo que se conclui inelutavelmente que:
- ou a regularização é extemporânea, se os créditos são considerados incobráveis antes de 01/01/2013, ou;
- ou, tratando-se de créditos considerados incobráveis após 01/01/2013, não cumpre com a obrigação de certificação do ROC (artigo 78.º, n.ºs 9 e 10 do CIVA), nem com a obrigação de comunicação ao devedor (artigo 78.º, n.º 11), pelo que, qualquer que seja a situação, a regularização efetuada a favor da Requerente mostra-se indevida.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17 de maio de 2023.
Por despacho arbitral de 20 de junho de 2023, foi designado o dia 07 de julho de 2013 para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, na qual houve lugar à audição das duas testemunhas arroladas pela Requerente, o senhor F..., e o senhor K... .
Por requerimento do dia 05 de julho de 2023, a Requerente juntou aos autos um documento, tendo a Requerida proposto o desentranhamento do mesmo alegando a intempestividade da junção.
Por despacho arbitral de 05 de julho de 2013, indefere-se o requerimento de desentranhamento de documento formulado pela AT e ordena-se a junção de todas as peças do processo administrativo que não constam do que foi enviado, designadamente todos os documentos apresentados pela Requerente, bem como o teor integral do projeto de Relatório da Inspeção Tributária e do Relatório da Inspeção Tributária final.
Em 11 de julho de 2023 a AT junta aos autos o processo administrativo instrutor.
Por despacho de 12 de julho de 2023, o Tribunal Arbitral determinou o prosseguimento do processo com alegações facultativas simultâneas, fixando o prazo em 10 dias para a respetiva apresentação e indicando como data para a decisão o dia 09 de outubro de 2023.
Nesta conformidade as partes apresentaram alegações escritas mantendo as posições defendidas nos respetivos articulados.
5. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
6. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
II - Fundamentação
A - Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, no consenso destas (também em relação a documentos, valores peticionados nos autos e pagamentos), bem como a prova documental junta pelo Requerente, e Processo Administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial, com capital social integralmente realizado de €550.000,00, que se dedica à atividade de construção e montagem de estruturas e instalações elétricas civis e industriais;
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A Requerente está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal;
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Ao abrigo da Ordem de Serviço 012022..., de 05-03-2022, da Direção de Finanças do Porto, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva externa de âmbito parcial, ao exercício fiscal de 2019, que se iniciou em 13 de junho de 2022, conforme Processo Administrativo (doravante PA);
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A ação inspetiva foi de âmbito parcial, em sede de IVA e de IRC incidindo na análise contabilística e fiscal das provisões e imparidades relevadas nas declarações anuais de IES e Modelo 22.
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O Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT), que aqui se dá como reproduzido, e que, na parte relevante, refere o seguinte:
“V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades
V.1 Em sede de IRC
V.1.1. Perdas por imparidade de créditos
A A... apresentou a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES), com referência ao exercício de 2019, onde declara no campo A5013 - Outras imparidades (perdas/reversões), o montante Ode € 305.554,23, e que se veio a verificar tratar-se de imparidades de dívidas a receber de clientes, referentes a:
1. Créditos em contencioso relativo a processos de execução, cliente B... LDA, NIPC..., no montante de € 22.000,54, respeitante à fatura n.° 1928 de 31/03/2017, no montante de € 82.000,54;
2. Créditos em mora há mais de 24 meses: do cliente C..., S.A., NIPC..., no montante de € 57.538,19, relativo à fatura n.° 1494 de 30/06/2015, no montante total de € 120.514,60 e do cliente D..., FR ..., no montante de € 226.015,50, relativo a 22 faturas dos anos de 2007 e 2008.
(...)
V.1.1.3. Perdas por imparidades cliente D..., FR ...
O sujeito passivo reconheceu perdas por imparidades relativas a créditos em mora há mais de 24 meses deste cliente, no montante de € 226.015,50, relativos a 22 faturas dos anos de 2007 e 2008.
Atentos os documentos recolhidos, verificou-se o seguinte:
• Divergência do montante em dívida, isto porque, o montante em dívida extraído do extrato de conta corrente é de G 226.015,50 e o somatório das faturas em dívidas perfaz o montante de € 223.001,00;
• O cliente entrou em processo de insolvência em França, tendo o sujeito passivo apresentado fax, com data de 02/06/2008, trocado com o advogado encarregue de representar a empresa no processo de insolvência que decorreu em França, com o envio de documentos para instruir o processo;
• A notificação do Tribunal de Toulouse do despacho proferido que se pronunciou sobre os créditos de admissão no passivo de insolvência apresenta data de 15/03/2011 (não foi apresentada cópia do despachado proferido indicado na comunicação);
• Existência de uma certidão do Tribunal de Toulouse, França, onde consta a liquidação judicial da sociedade em 31/01/2013;
• Comprovativos das diligências efetuadas para recebimento durante o ano de 2015.
Assim sendo, importa aferir se o respetivo gasto cumpre os requisitos para que seja aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 28.°- A do CIRC, dispõe que “podem ser deduzidas para efeitos fiscais as perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade".
Esta possibilidade de dedução é indissociável dos princípios constitucionais da tributação de acordo com a capacidade contributiva e o rendimento real. A empresa pode deduzir perdas por imparidade relativamente a créditos resultantes da sua atividade normal que venham ser considerados de cobrança duvidosa. A dedução das perdas por imparidade é expressamente relacionada com o princípio da especialização dos exercícios, ou seja, liga-se a um determinado período de tributação e à correspondente periodização do lucro tributável. A dedução das perdas por imparidade deve ocorrer no momento em que se torna claro que se está diante de uma dívida de cobrança duvidosa.
Nos termos os nºs. 1 e 2 do artigo 18.° do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica, sendo as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores imputáveis ao período de tributação apenas quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
A fim de evitar, ao nível do sujeito passivo, a livre densificação do que sejam créditos de cobrança duvidosa e limitar a possibilidade de redução artificial da base tributável, o artigo 28.°- B, do CIRC, sob a epígrafe de perdas por imparidade em créditos, estipula que para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.°- A do mesmo diploma, se consideram créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, a saber, quando o devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto, ou quando se esteja diante de créditos que tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral ou estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
Relativamente aos créditos em mora superior a seis meses, situação em que se encontram todos os créditos aqui em análise, o n.º 2 estabelece as percentagens dos mesmos que limitam o montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos, as quais são de 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses; 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses, 75 % para créditos em mora há mais de ,18 meses e até 24 meses e 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses. Como se pode observar, as percentagens aumentam à medida que a antiguidade do crédito aumenta, refletindo o acréscimo do risco de incumprimento e a redução da capacidade de cobrança.
Importa considerar, neste âmbito, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 27 (NCRF 27). Nos parágrafos §§ 23 a 26 consagram-se as normas sobre o reconhecimento das imparidades de ativos financeiros à data de cada relato financeiro. Dispõe-se que havendo evidência objetiva de imparidade deve a respetiva perda ser reconhecida na demonstração de resultados.
A evidência objetiva é descrita como uma realidade observável, suscetível de investigação empírica e validação intersubjetiva. Nos termos do § 24, a mesma inclui dados observáveis que chamem a atenção do detentor do ativo para eventos de perda como sejam, nomeada e sinteticamente, a significativa dificuldade financeira do devedor, o não pagamento ou incumprimento do juro ou da amortização da dívida, a existência de dificuldades económicas do devedor que levem o credor à concessão de condições que de outro modo não consideraria, probabilidade do devedor entrar em falência, uma observável diminuição de fluxos de caixa futuros. O § 25 acrescenta a possibilidade de outros fatores virem evidenciar a imparidade, tais como alterações significativas que possam ter efeitos adversos no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o devedor opere.
As normas legais e contabilísticas acabadas de mencionar revestem-se de grande relevância para o caso concreto. As mesmas pretendem concretizar uma articulação razoável dos princípios da tributação do rendimento real, da periodização dos exercícios, da prudência na gestão empresarial e da proteção da base tributável. No seu conjunto, visam reduzir a margem de subjetividade na dedução de perdas por imparidades. Na verdade, elas impõem o registo das imparidades sempre que se trate de créditos relacionados com a atividade normal da empresa, considerados de cobrança duvidosa e como tal evidenciados na contabilidade.
No caso em análise não está em causa a sua relação com a atividade normal da empresa, nem o facto de se tratar de créditos empresariais suscetíveis de serem considerados de cobrança duvidosa apresentando risco considerável de incobrabilidade, na medida em que se está diante de créditos em mora há mais de 24 meses e no caso há um número considerável de anos.
A presença de provas objetivas de imparidade e a realização de diligências não pode ser dissociada do facto de que o registo da imparidade em 2019 esbarra no princípio da periodização económica do lucro tributário, na medida em que, nos termos do artigo 18.º n.º 1. e n.º 2 do CIRC, a regra é a de que as componentes negativas do lucro tributável devem ser imputadas ao período de tributação em que são suportadas, sendo a imputação das mesmas a outros períodos de tributação excecional e limitada a componentes negativas imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
Daqui resulta que para se proceder à imputação a 2019 de componentes negativas consubstanciadas nas imparidades por créditos de cobrança duvidosa era necessário que se estivesse diante de realidades imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas, o que não é o caso. Na verdade, resulta dos dados objetivos disponíveis que o risco inerente à cobrança já existia em anos anteriores a 2019. Os elementos fornecidos pelo sujeito passivo dão-nos conta do processo de insolvência em 2011 e do encerramento judicial em 2013.
Diante desta realidade, é inteiramente razoável concluir pela significativa dificuldade financeira do devedor e da falência do mesmo, de que se fala no § 24 as alíneas a) e d) da NCRF 27. Estes elementos permitem que se conclua, razoavelmente, pela existência de provas objetivas de imparidade, para efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º- B do CIRC.
Os princípios da especialização de exercícios e da prudência, objetivamente conformadores da atividade económica e do direito fiscal, obrigariam aqui ao registo das imparidades, pois de outra forma a contabilidade não espelharia a realidade patrimonial da empresa e o rendimento real. Na verdade, as regras constantes dos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC, para além da sua relevância imediata em sede de compliance fiscal, produzem o importante efeito regulatório de incentivar os administradores das sociedades comerciais a adotar uma postura atenta, diligente, proactiva, sistemática, organizada e competitiva de otimização da gestão. Esta postura, além de propiciar um bom funcionamento da economia, não deixará de ter importantes consequências no adequado cumprimento das obrigações fiscais — tanto principal como acessórias — e na preservação da base tributável.
No caso em apreço verifica-se que o registo da imparidade em 2019 origina uma perda de receita fiscal que não ocorria se o registo fosse efetuado no ano devido, conforme a seguir se demonstra:
(1) Os prejuízos relativos ao exercício de 2011, podem ser deduzidos na totalidade, durante 4 anos, conforme disposto no artigo 52.º do CIRC (redação em vigor à data).
Fica assim demonstrada a perda de receita fiscal no montante de € 35.112,47 (€ 61.602,12 - € 26.489,65).
Assim, conclui-se que a perda por imparidade registada deste cliente, no montante de € 226.015,50, não pode ser aceite fiscalmente no ano de 2019, nos termos do disposto nos artigos 18.º, 23.º, 28.º-A e 28.º-B do CIRC.
Atento o exposto, não são aceites fiscalmente as perdas por imparidades registadas, no montante de € 57.538,19 relativo ao cliente C..., S.A e no montante de € 226.015,50 relativo ao cliente D..., o que totaliza o montante total de € 283.553,69.
II.1. Em sede de IVA
II.1.1. Regularização de IVA em créditos incobráveis
O sujeito passivo efetuou uma regularização de IVA a seu favor, no montante de € 73.800,00, no campo 40 da declaração periódica de 2019-03, tendo indicado a regularização no quadro 1-B do anexo à declaração periódica, inscrito no campo e linha relativa ao normativo da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.° do CIVA, imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência, referente ao cliente E..., LDA., NIPC... .
Após análise dos elementos recolhidos, verifica-se o seguinte:
1. Esta regularização é relativa à fatura n° 1695, de 28/11/2007, no montante total de € 217.800,00, com IVA no montante de € 37.800,00, e à fatura n° 2053, de 24/10/2008, no montante total de € 216.000,00, com IVA no montante de € 36.000,00.
2. O sujeito passivo enquadrou a regularização efetuada no normativo da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, que estabelece que os sujeitos passivos podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de insolvência. No entanto, este enquadramento não está correto uma vez que o crédito não foi reclamado em processo de insolvência.
3. Foi apresentado pelo sujeito passivo, Certidão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto — Juízo Execução - Juiz 1, com data de 13/04/2018, onde certifica uma dívida exequenda de € 3.000,00, relativa a uma letra com data de 30/06/2011 e referente ao executado E..., LDA, bem como que o processo foi arquivado por não se encontrarem bens do executado suscetíveis de serem penhorados, tendo sido requerido o registo do mesmo na lista pública das execuções em 13-04-2018, nos termos do artigo 78.º do CIVA.
4. Pelo que se conclui que a regularização efetuada tem enquadramento na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA.
A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013 (OE 2013), retificada pela declaração de retificação n.º 11/2013, de 28 de fevereiro, aditou ao CIVA os artigos 78.º-A a 78.º-D — criando novas regras para a regularização de IVA aplicável aos créditos de cobrança duvidosa e créditos incobráveis.
A referida Lei procedeu, ainda, à alteração das alíneas b), c) e d) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, relativas aos créditos considerados incobráveis, e aditou, na parte final do n.º 9 do artigo 78.º do CIVA, a obrigatoriedade de certificação por Revisor Oficial de Contas (ROC) dos créditos previsto no n.º 7 do mesmo artigo.
Em sede de disposições transitórias, estabelecem os n.ºs 6 e 7 do artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012 que:
- O disposto nos n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do CIVA aplica-se, apenas, aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013;
- O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do CIVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei, ou seja, aos créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013.
Relativamente à alínea a) (a qual manteve a redação anterior), a remissão para a alínea c) do n.º 2 do artigo 806.º do Código do Processo Civil deve entender-se feita para o correspondente preceito do novo Código do Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), v.g., o artigo 717.º, n.º 2 alínea b).
No que respeita à certificação por ROC, na parte final do n.º 9 do artigo 78.° do CIVA, foi aditado o seguinte: “(...) devendo este certificar, ainda, que se encontram, verificados os requisitos legais para a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 7 deste artigo"
Deste modo, no caso de créditos vencidos antes de 01/01/2013:
- Se a incobrabilidade se verificar a partir de 01/01/2013, data da entrada em vigor da Lei do OE 2013, o ROC deve certificar se os requisitos legais para a regularização do imposto estão verificados;
- Se a incobrabilidade se verificar antes de 01/01/2013, não há lugar a certificação por ROC.
Assim, relativamente a esta temática dos créditos incobráveis, temos três tipos de situações:
a. Créditos vencidos e considerados incobráveis antes de 01/01/2013, em que não é necessária a certificação de ROC e que o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.° do CIVA, sendo que no limite para estas situações a regularização teria de ter sido efetuada até ao final do ano de 2016;
b. Créditos vencidos antes de 01/01/2013 e considerados incobráveis após aquela data, em que é necessária a certificação do ROC e o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA;
c. Créditos vencidos e considerados incobráveis após 01/01/2013, em que é necessária a certificação do ROC e o prazo para efetuar a regularização é de 2 anos, a contar do 1.º dia do ano civil seguinte, nos termos do n.º 3 do artigo 78.°-B do CIVA.
Os créditos aqui em análise são créditos vencidos antes de 01/01/2013, importa então saber quando é que os mesmos foram considerados incobráveis para decidirmos em que situação enquadrar, se na situação a. ou b..
Nesse sentido, foi o sujeito passivo notificado pessoalmente aquando do início do procedimento inspetivo, para relativamente ao IVA regularizado a favor da empresa no campo 40 da DP 2019-03, apresentar comprovativos relativos à regularização e registos contabilísticos do crédito incobrável.
Não foi apresentado pelo sujeito passivo qualquer documento comprovativo da referida regularização.
Uma vez que não foi comprovado pelo sujeito qual a data em que os créditos foram considerados incobráveis, vamos analisar as duas situações possíveis:
a. No caso do crédito ter sido considerado incobrável antes de 01/01/2013, o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, sendo que no limite para estas situações a regularização teria de ter sido efetuada até ao final do ano de 2016;
b. No caso de o crédito ter sido considerado incobrável após 01/01/2013, é necessária a certificação do ROC e o prazo para efetuar a regularização é de 4 anos a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Por conseguinte para exercer o direito à regularização prevista no n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, devem os sujeitos passivos reunir diversos requisitos e dar cumprimento às obrigações estabelecidas nos n.ºs 9, 10, 11 e 16 do mesmo artigo.
1. O enquadramento legal do artigo 78.º, n.º 7, determina que “(...) podem deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis: “. No caso da alínea a) após o registo a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 717.º do Código do Processo Civil, ou seja, após o registo informático da execução finda “Extinção da execução por não terem sido encontrados bens penhoráveis...".
2. Obrigação de certificação do ROC, nos termos do artigo 78.º, n.º s 9 e 10.
• O valor global dos créditos, o valor do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança e o insucesso devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por ROC, devendo este certificar ainda que se encontram verificados os requisitos legais do n.º 7.
• A certificação deve ser efetuada por cada um dos períodos em que foi feita a regularização e até ao termo do prazo estabelecido para a entrega da declaração periódica ou até à data de entrega da mesma, quando esta ocorra fora de prazo.
3. Obrigação de comunicação ao devedor, nos termos do artigo 78.º, n.º 11.
A comunicação deve identificar:
i) As faturas
ii) O montante do crédito
iii) O montante de imposto a regularizar
iv) O processo ou acordo em causa
v) O período em que a regularização é efetuada
A neutralidade do imposto está sempre salvaguardada, na medida em que, é obrigatória a comunicação ao devedor da intenção de se proceder à regularização do imposto, para que o mesmo efetue a regularização a favor do Estado.
4. Os documentos certificados e comunicações a que se referem os n.ºs 7 a 11 devem integrar o processo de documentação fiscal previsto nos artigos 130.º do Código do IRC e 129.º do Código do IRS.
O Sujeito passivo apenas apresentou Certidão do Tribunal, com data de 13/04/2018, onde certifica uma dívida exequenda de € 3.000,00, relativa a uma letra com data de 30/06/2011 e referente ao executado E..., LDA, certifica ainda que o processo foi arquivado por não se encontrarem bens do executado suscetíveis de serem penhorados, tendo sido requerido o registo do mesmo na lista pública das execuções em 13-04-2018, nos termos do artigo 78.° do CIVA.
Não tendo cumprido com a obrigação de certificação do ROC (artigo 78.º, n.ºs 9 e 10 do CIVA), nem de comunicação ao devedor (artigo 78.º, n.º 11). Tão pouco esclareceu e comprovou em que data foram efetuados os registos contabilísticos de reconhecimento da incobrabilidade do crédito.
Face ao exposto, não se verificam reunidos os requisitos legais e obrigações previstos no artigo 78.º, n.ºs 9, 10 e 11 do CIVA, para que o imposto possa ser deduzido, pelo que a regularização efetuada no campo 40 da Declaração Periódica 2019-03, a favor do sujeito passivo, no montante de € 73.800,00, não é devida.
V.2.2. Regularizações de IVA a favor do Estado
(...)
X. Direito de Audição
Nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o sujeito passivo foi notificado do Projeto Relatório da Inspeção Tributária, pelo ofício n.º 2022... de 19-10-2022, remetido sob registo postal RF...PT, rececionado em 21-10-2022, para exercer no prazo de 25 dias o direito de audição.
O sujeito passivo exerceu o Direito de Audição, através de petição escrita, que se junta como anexo, nossa entrada n.º 2022..., de 17-11-2022.
O sujeito passivo vem invocar, nomeadamente, os argumentos que a seguir se descrevem, os quais merecem por parte da administração tributária as respostas que a seguir se apresentam:
7. No que se refere às perdas por imparidade relativas a créditos em mora há mais de 24 meses do cliente D..., sociedade comercial de direito francês,
(...)
14. A incobrabilidade objetiva e definitiva só resulta do encerramento do processo de liquidação, seja por falta de bens, seja mesmo no caso de existirem bens que depois de liquidados (vendidos), em rateio efetuado pelo Tribunal, não venha a ser distribuído qualquer valor do produto da sua venda aos seus credores.
(...)
16. A declaração de insolvência de uma empresa não é uma sentença de morte. (. . .)
22. ' Ou seja, como acima se disse, o início de um processo de insolvência não é a morte da empresa e o processo que lhe segue também não é o seu funeral.
23. Pode antes ser a revitalização da mesma.
24. Naturalmente que o encerramento do processo de insolvência depois de terminada a sua liquidação já o será, sendo que no caso concreto, verifica-se pela certidão judicial que agora se junta, que ocorreu em 31/01/2013.
25. Não obstante esse facto não ter sido do conhecimento do Sujeito Passivo /expoente naquela altura, mas muito posteriormente.
(...)
33. Mesmo que os SIT possam entender que pelo menos desde 2011, que os créditos detidos pela Exponente sobre aquela empresa francesa constituiriam fiscalmente créditos duvidosos, o sujeito passivo teria de esperar 24 meses para regularizar o IRC por via de créditos de cobrança duvidosa, ou seja, só em 2013, o que daria uma perda fiscal do Estado muito menor que aquela que os STI vieram a apurar, conforme resulta dos cálculos abaixo discriminados. (.. .)”
Apreciação: Os argumentos proferidos relativamente às correções em sede de IRC efetuadas às perdas por imparidade registadas do cliente D... não colhem, tendo em consideração o seguinte:
1.O facto de a instauração do processo de insolvência ter ocorrido em 2011, já é evidência objetiva e descrita como uma realidade observável, suscetível de investigação empírica e validação intersubjetiva. Nos termos do § 24 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.° 27 (NCRF 27), a mesma inclui como um dado observável na sua alínea d) “Torne-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer reorganização financeira,”
2.Nos termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 28.º-B, os créditos consideram-se em mora desde a data de vencimento e não desde a data em que são considerados de cobrança duvidosa. Assim, relativamente às faturas aqui em causa, as mesmas encontram-se em mora desde 2007 e 2008 e não desde 2013, conforme afirmado no ponto 33 do direito de audição.
3.Conclui-se, assim que a perda por imparidade relativamente ao cliente D..., deveria ter sido registada no ano de 2011 e não em 2019, sendo que, cf. já exemplificado no ponto V.1.1.3. do projeto de relatório, a opção do sujeito passivo originou perda de receita fiscal.
4.Com isto não se está a colocar em dúvida a capacidade de gestão da administração da empresa ’ou a questionar a sua liberdade de conformação estratégico-comercial. É certamente aos administradores que, no exercício e no âmbito da sua liberdade de iniciativa económica privada constitucionalmente consagrada, cabe definir e executar os planos de desenvolvimento da sua atividade de negócios, nomeadamente os que considerem mais oportunos e adequados para a cobrança dos créditos da empresa.
5.Contudo, o que está em causa, no processo em apreciação, é simplesmente reconhecer a existência, na legislação tributária, de critérios objetivos para o registo das imparidades que retiram ao contribuinte o poder de livremente escolher o exercício em que pretende proceder à contabilização e dedução das respetivas perdas, minimizando os riscos de abuso fiscal de imparidade.
6.Neste contexto, importa salientar que os critérios económicos, empresariais e contabilísticos, por um lado e os critérios fiscais, por outro, não coincidem necessária e inteiramente. A não ser assim, o sujeito passivo poderia controlar livremente o timing das deduções, estando abertas as portas a um planeamento fiscal agressivo através da transferência de deduções temporalmente orientada para os exercícios em que as mesmas se revelassem fiscalmente mais vantajosas, em função da variação anual dos lucros e perdas, das taxas marginais de imposto ou dos benefícios fiscais.
7.Assim, são de manter as correções propostas relativamente à imparidade registada do cliente D..., no montante de € 226.015,50.
8. De referir que relativamente às correções propostas relativamente à imparidade registada do cliente C..., S.A., NIPC ..., no montante de € 57.538,19, nada foi referido no direito de audição apresentado.
Sujeito Passivo (SP): "I. Em sede de IVA:
41. Quanto ao cliente H..., LDA, houve lapso no tratamento contabilístico e fiscal, de que a ora Expoente se penitencia.
42.Já no que se refere à regularização de IVA em créditos incobráveis do cliente E..., LDA., NIPC ..., NIPC ..., importa desde logo deixar bem assente que em todo o dossier fiscal, a dedução e regularização desse IVA a favor da Expoente está de acordo com o disposto na alínea
a) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, incluindo no Relatório do Revisor Oficial de Contas.
43. Por lapso no envio da DIVA e possivelmente devido ao scroll do rato, o preenchimento da caixa de texto passou para a alínea b).
44. Na verdade, o Sujeito Passivo/Expoente, enquadrou a regularização de IVA efetuada no normativo da alínea a) do n. 7 do já referido artigo 78º.
52. No que ao primeiro daqueles requisitos diz respeito, concretamente a certificação pelo ROC nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 9 10 do CIVA, a mesma efetuada, não tendo sido anteriormente junta porque não solicitada conforme doc. 5 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzida para os devidos e efeitos legais.
54. Ainda, no que respeita ao cumprimento do dever legal de comunicação ao devedor nos termos e para os efeitos do disposto no n.º11 do artigo 78º também esse dever foi integralmente cumprido, conforme carta datada de 02/05/2019 e respetivo envelope e aviso de Recepção que se junta como doc.s 6, 7 e 8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e efeitos legais.
55.Razão pela qual se deverá concluir que o dossier fiscal da regularização do IVA do cliente E..., LDA no montante de 73.800,00 € cumpriu todos os requisitos legais, não devendo por via disso ser efetuada qualquer correção nessa matéria.”
Apreciação: Os argumentos proferidos e documentos apresentados relativamente às correções em sede de IVA e relativamente à regularização de IVA em créditos incobráveis do cliente E..., LDA, NIPC ..., não colhem, tendo em consideração o seguinte:
1. A alegação o do ponto 52., de que a certificação do ROC “não tendo sido anteriormente junta porque não solicitado” não corresponde à verdade, porque, conforme foi referido no ponto V.2.1. do projeto de relatório, aquando do início do procedimento inspetivo (13-06-2022) o sujeito passivo foi notificado pessoalmente, cf. notificação que se junta em anexo, para apresentar cópia do dossier fiscal e, ainda relativamente ao IVA regularizado a favor da empresa no campo 40 da DP 2019-03, apresentar comprovativos relativos à regularização e registos contabilísticos do crédito incobrável. Durante os atos de inspeção não foi apresentado pelo sujeito passivo qualquer documento comprovativo da referida regularização, apesar de conforme estipula o n.º 16 do artigo 78.º do CIVA estes documentos deverem integrar o processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do CIRC (o que se verificou não ter sido cumprido). Tão pouco foi esclarecida, e documentada, a existência dos registos contabilísticos do crédito incobrável, bem como a data em que foram efetuados.
2. Acresce que, durante os atos de inspeção, em conversa com F..., que no âmbito do procedimento inspetivo sempre foi a pessoa interlocutora como sendo responsável por esclarecer as questões contabilísticas, apesar de formalmente o contabilista certificado da A... ser I... (que o gerente da A... disse ser sogro de F...), o mesmo referiu que relativamente aos créditos em causa, cuja data de vencimento se verifica antes de 01.01.2013, não era necessário certificação por um ROC, mas que se fosse não haveria problema porque ele, para além de contabilista certificado também era ROC.
3.Efetivamente veio a verificar-se que a certificação dos créditos agora apresentada em sede de direito de audição foi efetuada por F..., ROC n.º ..., datada de 11 de março de 2019.
4.Ora, tendo em conta o Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, designadamente o estipulado nos Capítulos 3 — Ameaças e salvaguardas - e Capítulo 4 — Independência - coloca-se-nos a dúvida se não estaremos perante um conflito de interesses e de falta de independência, tendo em conta os relacionamentos profissionais, familiares e pessoais existentes entre o ROC, a A... e o gabinete responsável pela execução da contabilidade da A... .
5.Além disso, a certificação dos créditos emitida, está enferma de falhas, a saber:
i.) Não certifica a realização de diligências de cobrança e o seu insucesso, que devem estar documentalmente comprovados;
ii.) A própria certificação emitida refere a documentação de suporte dos referidos créditos, e o insucesso, total ou parcial, das diligências, mas o único documento anexo à certificação, anexo 1, é um quadro onde estão identificadas as duas faturas em causa e respetivos montantes;
iii.) Não tendo sido apresentados mais elementos para além dos já referidos, só podemos concluir que o sujeito passivo não os terá na sua posse.
6.O sujeito passivo apresentou em sede de direito de audição fotocópia da carta, respetivo envelope e aviso de receção remetida à empresa devedora comunicando a intenção de efetuar a regularização do IVA.
7.No que respeita ao cumprimento do dever legal de comunicação ao devedor nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, os documentos apresentados não nos permitem aceitar que os requisitos legais foram cumpridos, pelo seguinte:
i) Não foi apresentada a primeira comunicação, e respetivos registos, pelo que não podemos aferir da sua existência;
ii) A alegada segunda comunicação datada de 02 de maio de 2019, refere que a regularização do IVA vai ocorrer na declaração periódica de IVA (DP) do período de maio de 2019, o que não está correto, uma vez que a regularização foi efetuada na DP de março de 2019;
iii) Acresce que a data aposta pelos CTT no aviso de recção apresentado como respeitando ao envio da segunda comunicação ao devedor, é de 2019-05-13. No entanto, a DP 2019-03 foi submetida em 2019-05-10, conforme se pode verificar pela informação retirada da base de dados da AT que se junta como anexo. Assim, fica demonstrado que a comunicação ao devedor foi enviada em data posterior à da entrega da declaração periódica em que foi efetuada a respetiva regularização;
iv) A comunicação ao devedor não pode ser considerada como efetuada, uma vez que, mesmo fazendo fé na alegada segunda notificação, a mesma foi devolvida por ter sido endereçada para uma morada que já não era a da empresa devedora, facto de que o sujeito passivo era conhecedor;
v) Note-se que, o devedor aquando da emissão das faturas aqui em causa, em 2007 e 2008, tinha o nome de C... Lda., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., Valongo. Em 2011 alterou o nome para E..., Lda., e a morada para Rua ..., n.º ..., ...-... ... .
vi) Na carta e registo agora apresentado pela A..., verifica-se que a mesma foi endereçada para “E..., Lda, anteriormente designada. C... Lda”, pelo que se conclui que a A... tinha conhecimento da alteração da designação e morada.
vii) A A... não pode alegar desconhecimento da alteração da morada, uma vez que na Certidão apresentada em 2018, relativa ao processo de execução por si intentado contra a E..., Lda, de que se anexa cópia, consta o domicílio da E... como sendo: Rua ..., n.° ..., ...-... ... .
viii) O aviso de receção apresentado comprova que a carta foi devolvida ao remetente com a indicação de “mudou-se” — cfr. carimbo aposto no envelope de envio.
ix) Mais uma vez reforçamos que o sujeito passivo sabia que a empresa devedora não recebeu a carta, porque a mesma não foi enviada para o endereço correto, e não diligenciou para dar cumprimento à obrigação de comunicação ao devedor nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 11 do artigo 78.ºdo CIVA.
8.A acrescer a tudo isto, não podemos deixar de referir que o valor da regularização deverá corresponder ao valor do IVA incluído nas faturas, ou parte delas, que se tornaram incobráveis, nos termos do n.º 7 do artigo 78.° do CIVA, e cujo crédito foi atempadamente reclamado em tribunal.
9.Ora, verifica-se que a certidão que nos foi apresentada relativa ao processo de execução: .../17...T8PRT, de 13-03-2018, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, certifica uma quantia exequenda de € 3.000,00 e que dos autos consta que o exequente nada recebeu dessa quantia.
10. No entanto, com base na certidão referida no ponto anterior, o sujeito passivo regularizou IVA no valor de € 73.800,00 relativamente a um montante em dívida de € 433.800,00.
11.Face a tudo o que foi exposto, ficou demonstrado que o sujeito passivo não cumpriu com as obrigações estabelecidas no artigo 78.º do CIVA, para estar habilitado a efetuar a regularização do imposto a seu favor no montante de G 73.800,00, no período 2019-03, pelo que é de manter a correção proposta.
Conclui-se, assim ser de manter as correções propostas no Projeto de Relatório, em sede de IRC e IVA.
(...)”
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Nas reuniões realizadas entre o consultor da Requerente, F..., e a gerência, na pessoa do Senhor K..., sempre lhe foi transmitido que a empresa D... era um cliente de confiança e que ia pagar, cfr. depoimento da testemunha F...;
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Na perspetiva da Requerente, a certeza quanto à insolvência da empresa D... só foi confirmada através de um documento pedido ao Tribunal francês em 2021, que foi junto ao processo e assim se soube que estavam encerrados. Contudo, em 2011, há um documento enviado por um consultor da D..., relativamente a uma dívida de €4.000,00, que não é concreto sobre a questão da insolvência, cfr. depoimento da testemunha F...;
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A Requerente dispunha de um engenheiro responsável pela gestão das obras junto da sua cliente D..., deslocando-se a França, e assegurando as reuniões com os encarregados de obra, com outros engenheiros e com o Senhor J... que era a pessoa de contacto de contacto, funções que assumiu desde 2008 até 2020, altura em que soube que a empresa tinha encerrado, cfr. depoimento da testemunha G...;
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O pico dos trabalhos realizados para o cliente D... ocorreu até 2010, sendo que a última intervenção a título de execução de obra ocorreu entre 2014 e 2015 (trabalhos de conclusão), realizando-se trabalhos pontuais de assistência no âmbito da boa execução da obra, até 2019, para os quais muitas vezes contratavam prestadores locais evitando a deslocação a França, cfr. depoimento da testemunha G...;
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O engenheiro responsável pela obra para o cliente D..., nunca teve conhecimento dos problemas financeiros que esta empresa atravessava, desconhecia todas as questões relacionadas com pagamentos, faturações, não fazia os autos de obra e todos esses assuntos eram centralizados pelo Senhor J... que nunca lhe disse que a empresa estava em falência, cfr. depoimento da testemunha G...;
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Com o cliente E..., Lda. eram mantidas relações contratuais normais, de conta-corrente, conforme era transmitido pelo Senhor K..., mas desconhece-se quando cessaram os pagamentos desta empresa à Requerente, cfr. depoimento da testemunha F...;
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Com o cliente E..., Lda. a Requerente apenas executou um dos títulos do conjunto total das faturas em dívida, no valor de €3.000,00, pretendendo poupar no valor da taxa de justiça que seria devida caso executasse todas as faturas, cfr. depoimento da testemunha F...;
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Com vista a suspender as execuções que foram instauradas na sequência da ação inspetiva que originou liquidações adicionais de IRC e de IVA, a Requerente procedeu ao pagamento das liquidações adicionais no montante global de € 161.075,98, conforme certificações efetuada sobre as liquidações adicionais de IRC e de IVA, junto com o PPA, (vide, doc.s n.ºs 1 a 12).
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O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 07 de março de 2022.
2. Factos não provados
Na análise e decisão de cada situação concreta deste processo, respeitante a correções em sede de IRC e em sede de IVA, far-se-á referência aos pontos e temas que não foram dados como provados no processo, seja por inexistência de documentos comprovativos relevantes, seja por a prova testemunhal não ter sido mais concreta e esclarecedora relativamente a alguns pontos que a Requerente pretendia provar nesta ação.
As testemunhas inquiridas revelaram não estar a par das questões que se discutiam nos autos, tendo efetuado uma prova de natureza meramente genérica e ambígua, sem aportar elementos fácticos esclarecedores que permitissem uma análise das operações nas suas vicissitudes concretas.
Pelos motivos expostos, não lograram convencer o tribunal.
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas partes, no consenso destas (também em relação aos documentos, valores e datas dos pagamentos), nas informações oficiais e demais documentação constante do processo administrativo.
A inquirição da testemunha F..., não se revelou esclarecedora face à falta de informação direta sobre os factos. Esta testemunha declarou ser consultor da empresa desde 2012, embora também tenha prestado serviços pontuais na qualidade de Revisor Oficial de Contas (ROC), tendo procedido à certificação de alguns saldos, afirmou ainda ter ajudado a gerência no âmbito do procedimento inspetivo em causa.
Relativamente ao cliente D..., não revelou conhecer o tipo de contrato existente entre a Requerente e o seu cliente, nem o tipo de serviços concretamente prestados, nem se as visitas de um engenheiro da Requerente à obra executada para a D... em França se realizavam ao abrigo de novas relações contratuais existentes entre as duas empresas entre 2013 e 2019, ou se apenas eram visitas enquadradas na execução de obrigações de garantia e assistência técnica para o bom funcionamento da obra anteriormente realizada e que originou o registo da imparidade em 2019 aqui discutido.
Deixou claro que as informações que dispunha eram-lhe prestadas pela gerência, em concreto, pelo Senhor K..., tendo aconselhado a empresa a registar a imparidade quando o gerente lhe transmitiu que a D... se encontrava em situação económica difícil.
Relativamente ao cliente E..., a informação transmitida foi genérica, revelando desconhecimento quanto à data da cessão dos pagamentos, limitando-se a esclarecer que assegurou todos os procedimentos legais tendentes à regularização do IVA operada em 2019.
No âmbito das questões relacionadas com o acompanhamento de obra junto do cliente D..., a testemunha G..., afirmou que nas reuniões havidas com o Sr. J... (representante do cliente em França) apenas se discutiam questões relacionadas como os materiais e com a execução da obra, nunca tendo abordado nem ouvido qualquer informação relativa à faturação, pagamentos ou situação financeira da sua cliente.
Ora, considerando a natureza das responsabilidades funcionais desta testemunha, incumbindo-lhe o acompanhamento do cliente em todos os aspetos que dizem respeito à gestão de obra, não pode deixar de causar estranheza a total ausência de conhecimento em relação às dívidas existentes pelos trabalhos realizados no âmbito de uma obra que acompanha desde 2008. É sabido que um diretor de obra assume múltiplas funções que passam não só pelo acompanhamento da execução dos trabalhos, logística de materiais, gestão das pessoas envolvidas, como também pelo controlo orçamental e a gestão dos pagamentos e recebimentos de acordo com os autos de medição efetuados.
Assim, o tribunal considerou o depoimento desta testemunha como pouco esclarecedor do ponto de vista dos factos trazidos aos autos e, em certa medida, incoerente face à longevidade do projeto que acompanhou e às funções assumidas nesse âmbito.
Em síntese, o depoimento das duas testemunhas, foi ambíguo e nalguns pontos até incongruente, não revelando força suficiente para infirmar informações devidamente documentadas, e não tendo sido possível confirmar, pelos seus depoimentos, a veracidade das motivações apresentadas nos autos pela Requerente quanto ao tratamento dos créditos aqui em causa.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
No âmbito da inspeção realizada à Requerente, com referência ao exercício de 2019, a AT colocou em causa imparidades declaradas relativas a dívidas de clientes no montante total de €305.554,23.
Tais imparidades reportam-se a créditos em contencioso (B... Lda., no valor de €22.000,54) e a créditos em mora há mais de 24 meses (C..., S.A, no valor de €57.538,19 e D... no valor de €226.015,50).
No que diz respeito a estas correções, apenas se discute nos presentes autos a imparidade constituída pela Requerente em 2019, relativa ao cliente D..., no valor de
€ 226.015,50.
Em sede de IVA, a inspeção comprovou regularizações que a Requerente fez a seu favor, no campo 40 da DP de 03-2019, respeitante a créditos considerados incobráveis do seu cliente E... Lda., no montante de €73.800,00, relativas à fatura n.º 1695, de 28-11-2007, e fatura n.º 2053 de 24-10-2008.
Foi ainda identificado pela inspeção que a Requerente não procedeu à regularização do IVA, a favor do Estado, no montante de €6.233,00, respeitante à nota de crédito emitida pelo Fornecedor H..., Lda.
A este respeito, é aceite pela Requerente a correção no montante de €6.233,00, respeitante à nota de crédito emitida pelo Fornecedor H..., Lda., permanecendo como questão a decidir nos presentes autos a correção no montante de €73.800,00, relativa ao cliente E... Lda.
Analisaremos cada um dos temas em capítulo autónomo.
3.2. – IRC – Imparidades de clientes - €226.015,50
A AT procedeu à correção da liquidação de IRC da Requerente, relativamente ao exercício de 2019, estando em causa créditos em mora há mais de 24 meses do cliente D..., sociedade de direito francês, por considerar que tendo sido instaurado um processo de insolvência em 2011 com encerramento judicial em 31/01/2013, este facto configura uma realidade observável, suscetível de investigação empírica, e que nos termos da norma de Relato Financeiro (NCRF 27), conjugada com a alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A e o artigo 28.º-B, a imparidade respeitante a faturas que se encontravam em mora desde 2007 e 2008, deveria ter sido registada em 2011, e não em 2019.
Neste sentido, a AT defende que a Requerente não respeitou o princípio da especialização dos exercícios, e a legislação tributária nos termos da qual se indicam critérios objetivos para o registo das imparidades que retiram ao contribuinte o poder de livremente escolher o exercício em que pretende proceder à contabilização das respetivas perdas, tendo-se ademais verificado, no caso em apreço, e demonstrado no RIT, que a opção do sujeito passivo originou perda de receita fiscal.
A Requerente, por seu turno, defende ter tido conhecimento do processo de insolvência muito mais tarde e que, ao longo dos anos, em todos os contactos mantidos com a gerência desta empresa francesa, por sinal conhecida e pujante no mercado da construção civil, era-lhe garantido que iria receber o valor em dívida. Apesar de diversas missivas enviadas, só em 2019 foi dado conhecimento à Requerente que a D..., já não existia, altura em que procedeu ao registo da imparidade, assegurando desta forma o respeito pelos requisitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 28º-A e do artigo 28.º- B, ambos do Código do IRC.
Vejamos.
Está em causa a análise da questão das perdas por imparidade em dívidas a receber.
De acordo com o artigo 23º do Código do IRC, “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC (…) [considerando-se] abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, (…) as perdas por imparidade (…)” (cf. alínea h) do n.º 2 do artigo 23.º do Código).
Acresce que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º-A, do Código do IRC, “Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: as relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade (…)”.
Por outro lado, o artigo 28.º-B do Código do IRC, estatui o seguinte:
1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento;
2 - O montante anual acumulado da perda por imparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:
a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;
b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;
c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;
d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.
Acresce que nos termos n.º 1 do artigo 18.º do Código IRC, “1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.”
Assim, da análise conjugada das normas acima, é de aceitar como gasto fiscal – nas percentagens legalmente previstas – as perdas por imparidades por créditos em dívida os créditos que, cumulativamente:
a) Resultem da atividade normal da empresa;
b) Sejam considerados de cobrança duvidosa no final do exercício em questão;
c) Encontrem-se evidenciados como de cobrança duvidosa na contabilidade;
d) E que o crédito de cobrança duvidosa se encontre, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º-B, devidamente justificado.
Ora, uma vez que as dívidas da Sociedade D... decorrem de serviços prestados pela Requerente em obras realizadas em França, o que não é posto em causa pelos SIT no relatório de inspeção, torna-se claro que o crédito em dívida decorre da atividade normal da empresa.
Discute-se, contudo, o momento em que o risco da incobrabilidade do crédito foi constatado pela Requerente, sendo certo que as faturas em dívida se reportam aos anos 2007 e 2008, muito embora só tenham sido registadas como imparidade no exercício de 2019.
Por conseguinte, cumpre verificar se se encontram cumpridos os requisitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do Código do IRC, para que estes créditos em mora há mais de 6 meses desde a data do respetivo vencimento, sejam considerados de cobrança duvidosa, isto é, se existiam ou não provas objetivas e verificáveis do risco inerente à cobrança dos créditos do cliente, em anos muito anteriores a 2019, como invoca a AT.
Comecemos pela matéria de facto, considerando que os circunstancialismos de facto têm que se mostrar estabilizados com vista à decisão da causa.
De acordo com a factualidade acima descrita, verificamos que existe mora há mais de seis meses, e que a Sociedade D... tinha pendente desde 2011 um processo de liquidação judicial, no Tribunal Judicial de Toulouse que ficou concluído no ano de 2013. A Requerente não coloca em causa este facto, mas aduz que só lhe chegou ao conhecimento em 2019.
No entanto, e a propósito da existência do processo de insolvência que culminou na liquidação da empresa, defende a Requerente, em sede de direito de audição, “que a declaração de insolvência não é uma sentença de morte” e que “o processo que se lhe segue não é o seu funeral”, acrescentando, que estando a milhares de quilómetros não tinha como saber da apresentação de insolvência nem sequer conhecimento da possível existência de tal processo, uma vez que nunca reclamou créditos no mesmo.
Ora, entende-se que a AT fez prova nos autos de que a Requerente possuía elementos objetivos do risco de imparidade em momento muito anterior a 2019.
Com efeito, o sujeito passivo apresentou aos SIT a cópia da correspondência mantida com o escritório de advogados que procedeu à instrução do processo de insolvência em França. Note-se, conforme resulta do RIT, que foram enviados pela Requerente dois faxes datados de 02/06/2008, com cópia das faturas em dívida, aqui em apreço. Acresce que foi enviada uma carta datada de 15/02/2011 dos advogados responsáveis pela liquidação da D... à Requerente, com cópia do despacho proferido no processo de insolvência.
Temos, pois, que concluir que tal factualidade não é compatível com a tese da Requerente assente no total desconhecimento da insolvência da empresa francesa e respetivo encerramento judicial em 2013. Os elementos que contam do RIT, consubstanciados na troca de correspondência com os advogados da empresa insolvente, (documentos, que constam de fls. 154 e seguintes do documento do direito de audição junto em 11-07-2023), a notificação da Requerente em 2011 do despacho do Tribunal sobre a admissão dos créditos (a fls. 152-153 do documento do direito de audição), levam a concluir que pelo menos em 2011 a Requerente possuía elementos suficientes para o reconhecimento da imparidade pois, conforme refere a AT, com base na NCRF 27 § 24, tornou-se manifestamente «provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira».
Por conseguinte, o risco de incobrabilidade era objetivo, manifesto e palpável desde pelo menos 2011, não se impondo, para reconhecer uma imparidade, o conhecimento da cessação da atividade, e um grau de certeza inabalável da impossibilidade de pagamento (pois a insolvência foi conhecida muito antes) que a Requerente diz só ter obtido em 2019.
Bastando “o risco” da incobrabilidade, o lançamento, com valores negativos, opera no exercício em que o risco é manifestamente identificável, ainda que a respetiva concretização só venha a ocorrer nos exercícios seguintes.
Acresce que, em 2011, já tinham passado mais de 24 meses sobre o vencimento dos créditos, pelo que estavam reunidas todas as condições para reconhecer a imparidade.
Ora, conforme refere a AT, a Requerente ao registar a imparidade em 2019, não só desatendeu critérios objetivos de reconhecimento da perda por imparidade como violou as regras de periodização do lucro tributável e de especialização dos exercícios.
No âmbito da especialização dos exercícios, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Administrativo, embora a propósito de provisões, mas inteiramente aplicável às perdas por imparidade, refere o seguinte[1]:
“A consideração de uma provisão como custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos sãos princípios da contabilidade:
•o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido);
• o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu – ainda que só meramente possível – custo);
•A não constituição da provisão num dado exercício (ou a sua constituição por valor insuficiente) resulta numa violação deste princípio na medida em que terá como efeito deslocar para outros exercícios custos pertencentes àquele.”
Ora, esta jurisprudência é transponível, pelo menos por identidade de razão, para as perdas por imparidade de créditos, em que não é menos provável a ocorrência de uma diminuição patrimonial do que quando existe mero risco previsível de vir a ocorrer uma perda.[2]
Com efeito, tanto no caso de provisões, como no caso de perdas por imparidade, está-se perante situações, como entendeu o STA, em que o princípio da especialização dos exercícios não só permite, mas até impõe, que a relevância fiscal da componente negativa da liquidação seja atribuída no exercício em que a provisão deve ser efetuada ou a perda deve ser reconhecida, antecipando essa relevância em relação ao momento em que se venha a materializar pecuniariamente a ocorrência negativa.
A Requerente invoca a jurisprudência do CAAD no Acórdão proferido no processo n.º 387/2020-T, no qual se refere que “as perdas por imparidade em créditos em mora há mais de seis meses podem, excecionalmente, ser consideradas, para efeitos fiscais, num exercício fiscal diferente ao exercício em que foi identificado o risco de incobrabilidade desde que não se prove que o registo em exercício subsequente resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios”.
Tal jurisprudência vem na esteira do entendimento defendido pelo STA, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos (agora gastos) referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais».[3]
Subjacente à referida jurisprudência encontram-se duas circunstâncias a assinalar: por um lado, a AT tem de orientar a sua atividade pela prossecução do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP), que se reconduz, em sede de IRC, a que os contribuintes paguem o que devem em função do seu rendimento (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e, por outro lado, a situação em que o sujeito passivo foi prejudicado ou não teve vantagem pelo atraso da relevância fiscal do gasto, que, a verificar-se, é um elemento de relevo decisivo para presumir que o erro foi involuntário e não intencional.
Contudo, no caso em apreço, e ao contrário do que afirma a Requerente, esta usufruiu de vantagens fiscais ao reconhecer contabilisticamente as perdas por imparidade em desrespeito do princípio da especialização de exercícios. Com efeito, o facto de ter reconhecido tardiamente a imparidade, concretamente no ano de 2019, implicou um prejuízo para o Estado, no montante de €35.112,47, conforme resulta do RIT, (vide quadro supra constante do ponto V.1.1.3 do RIT, onde se compara a situação efetivamente declarada pelo sujeito passivo, versus a situação declarativa caso a imparidade tivesse sido registada no exercício devido, concluindo-se o seguinte: “Fica assim demonstrada a perda de receita fiscal no montante de € 35.112,47 (€ 61.602,12 - € 26.489,65”).
Atendendo ao exposto, não se consideram aceites fiscalmente as perdas por imparidade registadas no montante de €226.015,50, no ano de 2019, improcedendo o pedido da Requerente neste segmento.
3.3. – IVA – Regularização de IVA em créditos incobráveis - € 73.800,00
A Requerente fez uma correção de IVA no valor de €73.800,00, relativa ao seu cliente E..., Lda., invocando que comprovadamente a empresa não dispunha de bens no seu ativo, conforme resultou de certidão emitida pelo Juízo de Execução da Comarca do Porto, de 13-04-2018. Defende que esta certidão judicial deveria constituir prova bastante do direito à regularização do crédito incobrável, pois ainda que respeite à execução de uma letra de valor muito inferior de apenas €3.000,00, uma vez que a respetiva ação executiva foi extinta nos termos do n.º 2 do artigo 750.º do CPC, tal facto levou a Requerente a presumir a inutilidade de interpor as demais ações judiciais para cobrança do seu crédito, dada a evidente ausência de bens para responder pela totalidade da dívida.
As duas faturas em causa, vencidas e não pagas respeitam ao ano 2007 e 2008, e em 2019, a empresa ainda não havia sido declarada insolvente.
A Requerente defende que o dispositivo legal a aplicar à data em que as faturas se venceram era o n.º 7, alínea a) do artigo 78.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, não dependendo a regularização da obrigatoriedade de certificação do ROC, ao contrário do que resulta do entendimento defendido pela AT no RIT.
Por seu turno, a AT defende que em sede de disposições transitórias, estabelecem os n.ºs 6 e 7 do artigo 198.º da Lei n.º 66-B/2012, o seguinte:
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O disposto nos números 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do Código do IVA, aplica-se, apenas, aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro 2013;
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O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente Lei, ou seja, aos créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013.
Por conseguinte, os créditos em causa venceram-se em 2007 e 2008, portanto antes de 1 de janeiro de 2013, sendo que notar que a necessidade de certificação por ROC, nos termos da parte final do n.º 9 do artigo 78.º do Código do IVA, verifica-se no caso de a incobrabilidade se verificar a partir de 01/01/2013, cabendo ao ROC certificar se os requisitos legais para a regularização do imposto estão verificados.
Porém, a certificação pelo ROC seria dispensável se a incobrabilidade tiver ocorrido antes de 01/01/2013, muito embora neste cenário a regularização fosse extemporânea por ultrapassar o prazo de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
Certo é que, segundo a AT, a Requerente nunca apresentou aos SIT qualquer registo ou documento indicando a data da incobrabilidade do crédito.
Sem prejuízo do que antecede, a Requerente juntou aos autos uma certidão emitida pelo Juízo de Execução da Comarca do Porto de 13-04-2018 – comprovando que o cliente não possui bens no seu ativo – concluindo-se que os créditos devem ser considerados incobráveis a partir da data da certidão, sendo, por conseguinte, necessária a certificação do ROC, e aplicando-se o prazo de regularização de 4 anos, a contar do facto que determinou a incobrabilidade, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
Vejamos então.
O IVA cuja regularização se discute respeita a duas faturas emitidas pelo cliente da Requerente, E..., Lda., uma referente a 28-11-2007 (fatura n.º 1695 no valor de €37.800,00) e outra de 24-10-2008 (fatura n.º 2053, no valor de €36.000,00).
Conforme resulta do probatório, as faturas em causa devem considerar-se vencidas em 2007 e 2008, respetivamente, correspondendo a data da incobrabilidade do crédito, à certidão emitida pelo Juízo da Comarca do Porto de 13-04-2018, igualmente junta aos autos pela Requerente e constante do PA.
Acresce que a Requerente refere nos autos (ponto 43 do PPA) que “a regularização foi efetuada na declaração periódica de Março de 2019, por só nesse período, ter adquirido a certeza de que a E... não iria mais ter condições de poder pagar”.
No PPA, a Requerente sustenta que reunia todos os pressupostos para beneficiar do direito à regularização do IVA, e que procedera de acordo com o artigo 78.º do Código do IVA, na redação introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, sendo-se aplicável este regime e não a Lei n.º 66-B, de 31-12 (conforme artigo 198.º da Lei n.º 66º-B/2012, de 31-12).
Em concreto, a Requerente invoca que não é necessária a certificação pelo ROC, o que era verdade, ao abrigo da referida norma, caso a incobrabilidade do crédito se verificasse em momento anterior a 01/01/2013.[4]
Contudo, no caso em apreço, estamos perante faturas vencidas antes de 01-01-2013 cuja incobrabilidade ocorreu depois desta data, ou seja, após 01/03/2013.
Assim, se os créditos se encontram vencidos antes de 01/01/2013, mas a respetiva incobrabilidade se verificar a partir daquela data, o momento temporal para proceder à regularização, é do da verificação da incobrabilidade à luz da alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, o que se materializou, in casu, com a certidão judicial que comprova a inexistência de bens ou rendimentos penhoráveis.
Nestes termos, deve o ROC certificar se os requisitos legais para a regularização se encontram verificados, nos termos do artigo 78.º n.º 9 do Código do IVA, na redação dada pela Lei n.º 66-B2012, de 31-12, no qual se prevê o seguinte:
“9 - O valor global dos créditos referidos no número anterior, o valor global do imposto a deduzir, a realização de diligências de cobrança por parte do credor e o insucesso, total ou parcial, de tais diligências devem encontrar-se documentalmente comprovados e ser certificados por revisor oficial de contas, devendo este certificar, ainda, que se encontram verificados os requisitos legais para a dedução do imposto respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 7 deste artigo. Redacção dada pela Lei n.º 66-B/2012 - 31/12).” (sublinhado nosso)
Ora, com esta delimitação, cumpre concluir que a Requerente não observou os pressupostos previstos na lei para beneficiar do direito à regularização do IVA.
Em sede de direito de audição, a Requerente fez prova de ter havido certificação por ROC, mas sem ter dado cumprimento aos requisitos exigidos para essa prova, designadamente a certificação da realização de diligências de cobrança e o seu insucesso.
A falta de prova das referidas diligências encontra-se evidenciada no RIT, sem que a Requerente tenha trazido aos autos elementos que coloquem em causa estas informações:
“5. Além disso, a certificação dos créditos emitida, está enferma de falhas, a saber:
i.) Não certifica a realização de diligências de cobrança e o seu insucesso, que devem estar documentalmente comprovados;
ii.) A própria certificação emitida refere a documentação de suporte dos referidos créditos, e o insucesso, total ou parcial, das diligências, mas o único documento anexo à certificação, anexo 1, é um quadro onde estão identificadas as duas faturas em causa e respetivos montantes;
iii.) Não tendo sido apresentados mais elementos para além dos já referidos, só podemos concluir que o sujeito passivo não os terá na sua posse.”
Ademais, e conforme salienta a AT em sede de direito de audição, a Requerente não fez prova da comunicação enviada ao devedor, sendo que tal exigência é um corolário do princípio da neutralidade do IVA, e resulta bem claro do disposto no artigo 78.º n.º 11 do Código do IVA que “11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada.”
Refira-se que no caso de não pagamento das faturas, a regularização não pode ser efetuada pelo sujeito passivo enquanto este não tiver previamente comunicado a sua intenção de anular uma parte ou a totalidade do imposto para que possa efetuar a regularização a favor do Estado.
A prova relevante para este efeito, foi solicitada à Requerente aquando do início do procedimento inspetivo (13-06-2022), tendo o sujeito passivo sido notificado pessoalmente (cfr. RIT) para apresentar cópia do dossier fiscal “e ainda relativamente ao IVA regularizado a favor da empresa no campo 40 da DP 2019-03, apresentar comprovativos relativos à regularização e registos contabilísticos do crédito incobrável. Durante os atos de inspeção não foi apresentado pelo sujeito passivo qualquer documento comprovativo da referido regularização (...)” (vide, factos provados, apreciação do Direito de Audição).
Ainda que a Requerente tenha apresentado fotocópia da carta, respetivo envelope e aviso de receção remetido ao devedor, a comunicação não se pode considerar validamente efetuada, pois conforme apuraram os SIT, o sujeito passivo conhecia a morada correta do devedor e não diligenciou no sentido de corrigir a situação. Tal constatação, que não vem sequer impugnada pela Requerente nos autos, resultando patente dos factos constantes do RIT, em sede e apreciação ao direito de audição. Vejamos apenas os excertos considerados mais relevantes:
“ii) A alegada segunda comunicação datada de 02 de maio de 2019, refere que a regularização do IVA vai ocorrer na declaração periódica de IVA (DP) do período de maio de 2019, o que não está correto, uma vez que a regularização foi efetuada na DP de março de 2019;
iii) Acresce que a data aposta pelos CTT no aviso de recção apresentado como respeitando ao envio da segunda comunicação ao devedor, é de 2019-05-13. No entanto, a DP 2019-03 foi submetida em 2019-05-10, conforme se pode verificar pela informação retirada da base de dados da AT que se junta como anexo. Assim, fica demonstrado que a comunicação ao devedor foi enviada em data posterior à da entrega da declaração periódica em que foi efetuada a respetiva regularização;
iv) A comunicação ao devedor não pode ser considerada como efetuada, uma vez que, mesmo fazendo fé na alegada segunda notificação, a mesma foi devolvida por ter sido endereçada para uma morada que já não era a da empresa devedora, facto de que o sujeito passivo era conhecedor;
v) Note-se que, o devedor aquando da emissão das faturas aqui em causa, em 2007 e 2008, tinha o nome de C... Lda., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., Valongo. Em 2011 alterou o nome para E..., Lda., e a morada para Rua ..., n.° ..., ...-... ... .
vi) Na carta e registo agora apresentado pela A..., verifica-se que a mesma foi endereçada para “E..., Lda, anteriormente designada C... Lda”, pelo que se conclui que a A... tinha conhecimento da alteração da designação e morada.
vii) A A... não pode alegar desconhecimento da alteração da morada, uma vez que na Certidão apresentada em 2018, relativa ao processo de execução por si intentado contra a E..., Lda, de que se anexa cópia, consta o domicílio da E... como sendo: Rua ..., n.° ..., ...-... ... .
viii) O aviso de receção apresentado comprova que a carta foi devolvida ao remetente com a indicação de “mudou-se” — cfr. carimbo aposto no envelope de envio.”
Por conseguinte, para além da falta de certificação pelo ROC a Requerente não fez prova, nem sequer se pronunciou no seu pedido, relativamente ao segundo vício imputado ao ato de liquidação, relativo à falta de comunicação ao devedor.
Ora, nos casos em que o ato impugnado não enferma de vícios geradores de nulidade nem se está perante uma situação de inexistência jurídica, existe o referido ónus de imputação de vícios, pelo que, se o ato tem mais que um fundamento e cada um deles é suficiente para, por si só, justificar a decisão, o êxito da impugnação depende de serem imputadas ilegalidades a todos os fundamentos invocados no ato, pois se houver algum fundamento que não seja atacado e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente, terá de se concluir que o ato deverá ser mantido na ordem jurídica, por a decisão nele contida ter um fundamento cuja validade jurídica não foi destruída.
De resto, o entendimento do STA sobre o ónus de impugnação de atos anuláveis que tem vindo a ser perfilhado é no sentido de que quando um ato de administrativo tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um ato tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de atividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto”.[5]
Face ao exposto, e perante a ausência de impugnação do segundo fundamento invocado pela AT (falta de comunicação ao devedor nos termos do n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA), improcede também, nesta parte, o pedido da Requerente.
3.4. – Juros compensatórios
Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade dos atos tributários relativos a IRC e a IVA, fica necessariamente prejudicado o pedido de pagamento de juros compensatórios.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
IV -Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 135.000,00, o que não foi contestado pela Requerida e corresponde, segundo a Requerente, ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Afigura-se que o valor indicado será ligeiramente inferior ao valor das pretensões anulatórias formuladas, mas, é seguro que a diferença é irrelevante quer para efeitos de custas, quer para determinar a intervenção de Tribunal Coletivo, quer para efeitos de admissibilidade de recurso.
Neste contexto, sendo proibida a prática de actos processuais inúteis, como determina o artigo 130.º do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e não havendo qualquer utilidade em suscitar um incidente do valor, com o inerente atraso na prolação da decisão, o Tribunal Arbitral, atenta a especial relevância atribuída ao acordo das Partes na fixação do valor da causa (artigo 305.º, n.º 1 do CPC) decide fixar o valor da causa em € 135.000,00, indicado pelo Sujeito Passivo que com a aceitação da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 305.º, n.º 4, do CPC).
V - Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754.00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 25 de setembro de 2023
O Presidente do Tribunal Arbitral
Jorge Lopes de Sousa
A Árbitro vogal
Sílvia Oliveira
A Árbitro vogal (relator)
Filipa Barros
[1] Acórdão do STA de 28-01-2015, Processo n.º 0652/14.
[2] Vide, neste sentido Acórdão do CAAD de 03-02-2020, Processo n.º 553/2019-T
[3] Cfr. Acórdão do STA de 04/02/2008, proferido no processo n.º 0807/07.
[4] Cfr. artigo 198.º da Lei n.º 66-B, que estabelece as seguintes disposições transitórias:
“- O disposto nos n.ºs 7 a 12, 16 e 17 do artigo 78.º do Código do IVA aplica-se apenas aos créditos vencidos antes de 1 de janeiro de 2013.
7 - O disposto nos artigos 78.º-A a 78.º-D do Código do IVA aplica-se aos créditos vencidos após a entrada em vigor da presente lei.”
[5] Cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.º 039073, de 05-10-2000.