SUMÁRIO:
I – Quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável.
II – Não fazendo o legislador qualquer referência expressa à residência total e/ou parcial nos três anos anteriores, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que a não residência fiscal em território português prevista no artigo é completa, ou seja, não é admissível a residência fiscal em Portugal em qualquer um desses anos.
III – Nessa circunstância, o Requerente não logrou preencher as condições cumulativas previstas nas alíneas a) e b) do artigo 12.º-A do Código do IRS para poder beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Professora Doutora Regina de Almeida Monteiro, Professora Doutora Ana Paula Rocha e Dr. Francisco Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
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Relatório
A..., maior, contribuinte n.º ..., residente na ..., ..., ...-... ...-Cacém (“Requerente”), veio requerer a constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao exercício de 2019, e à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a considerar, nas declarações modelo 3 de 2020 e 2021, o benefício previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS. Peticiona ainda a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida nestes autos a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 27-02-2023 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 13-04-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 03-05-2023.
A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 05-06-2023, juntamente com o processo administrativo, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, concluindo que o pedido deve ser julgado improcedente – como se analisará adiante.
Por despacho de 06-06-2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e facultado às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do mencionado despacho, podendo o Requerente pronunciar-se sobre a exceção invocada pela Requerida na Resposta.
Apenas veio o Requerente apresentar alegações escritas, em 27-06-2023, mantendo a sua posição inicial.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Perante os argumentos das partes, há dois tipos de questões que importa analisar e decidir:
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Questão prévia: competência do Tribunal Arbitral em razão do valor da causa.
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Questão de fundo: elegibilidade do Requerente, no ano de 2019, para o regime fiscal aplicável a ex-residentes.
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Da exceção
No pedido de constituição de tribunal arbitral e no pedido de pronúncia arbitral, o Requerente indicou como valor da utilidade económica do pedido e, portanto, como valor do processo, o montante de € 97.799,60 (noventa e sete mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta cêntimos), correspondente ao excesso de rendimento tributável considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de liquidação do IRS do Requerente respeitante ao ano de 2019.
Em sede de Resposta, a Requerida arguiu que pretendendo o Requerente a anulação da liquidação de IRS n.º 2020... referente ao ano de 2019, a qual despoletou um reembolso no montante de € 4.693,84, deve, por conseguinte, ser este o valor do processo a considerar.
Como resulta do estatuído no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
O artigo 296.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT – norma basilar no tangente à determinação do valor da causa em todas as situações às quais seja aplicável, direta ou subsidiariamente, a lei processual civil –, determina que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, sendo que, como decorre do artigo 299.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta.
O artigo 31.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, alínea c), do RJAT, replica o vertido no citado n.º 1 do artigo 296.º do CPC, estatuindo-se no subsequente artigo 32.º que quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa (n.º 1) e que quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício (n.º 2).
Por seu turno, o artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatuindo sobre o valor da causa, também apela (embora implicitamente) ao conceito de utilidade económica do pedido, a qual pode ser resultante da importância de imposto cuja anulação se pretende (alínea a)) ou do valor que poderá servir para determinar concretamente o montante de imposto a pagar (alíneas b) e c)).
Este artigo do CPPT afigura-se de crucial importância pois, como resulta do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário; temos, pois, que para efeitos de determinação do valor da causa do processo arbitral tributário o que releva são as normas de processo tributário atinentes a essa matéria, ou seja, o valor da causa é aqui determinado segundo os critérios vertidos no artigo 97.º-A do CPPT.
A fim de solucionar a questão da determinação do valor da causa no caso concreto, afigura-se que, em face da causa de pedir e do pedido densificados no pedido de pronúncia arbitral, são potencialmente aplicáveis, in casu, as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, que estabelecem o seguinte:
Artigo 97.º-A
Valor da causa
1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;
Conforme decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 17.01.2019, no processo n.º 62/18.4BCLSB, que acompanhamos, “Primeira hipótese: a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A: (…) para que a alínea a) possa ser aplicável é necessário que estejam reunidas duas condições: (i) que haja liquidação que determine um montante de imposto a pagar superior a zero e que (ii) essa liquidação seja impugnada. É que a norma apela a um conceito restrito de liquidação, isto é, refere-se ao resultado positivo da operação aritmética de aplicação de uma determinada taxa de imposto à matéria colectável e não propriamente a essa operação aritmética. Caso contrário cair-se-ia no absurdo de em situações em que não se apura imposto a pagar se admitir que o valor da causa pudesse ser igual a zero.
(…)
Segunda hipótese: a alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A.
(…)
a letra da lei não deixa margem para dúvidas: quando não tenha havido liquidação (no sentido de imposto a pagar) ou o imposto liquidado não seja impugnado, o valor da causa é igual ao valor contestado da fixação da matéria tributável”.
Isto posto, volvendo ao caso concreto, atenta a causa de pedir vertida no pedido de pronúncia arbitral, constatamos que não está efetivamente em causa a discussão sobre um qualquer montante concreto de IRS a pagar, caso em que o valor da causa corresponderia a esse montante.
Com efeito, neste processo arbitral, o que o Requerente visou atacar foi o rendimento tributável determinado pela Autoridade Tributária para efeitos de liquidação de IRS, que considerou 100% dos rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo Requerente, entendendo este que deveriam ter sido excluídos de tributação 50% desses rendimentos ao abrigo do regime fiscal previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, isto é, € 97.799,60.
Considerando que da liquidação controvertida não resultou qualquer imposto a pagar, o valor da causa no caso vertente terá, inevitavelmente, de ser determinado pela aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, cifrando-se, portanto, no montante de € 97.799,60 (noventa e sete mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta cêntimos), que corresponde à matéria tributável considerada pela Autoridade Tributária para efeitos de liquidação do IRS e que o Requerente contesta.
Em suma: o tribunal é competente para analisar a liquidação de imposto em causa, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT. E não existem outras exceções ou nulidades que obstem ao conhecimento do pedido.
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Matéria de Facto
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Factos provados
Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 2019, o Requerente alterou a sua situação para residente em Portugal (cf. alegado no artigo 1.º do PPA e não contestado pela Requerida).
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O Requerente era menor de idade até 2017 (cf. alegado no artigo 25.º do PPA e não contestado pela Requerida).
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Em 18-10-2019, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o Reino Unido, com produção de efeitos à data de 22-05-2016 (cfr. Documento n.º 6 junto ao PPA).
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Em 25-06-2020, o Requerente entregou a declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019, na qual mencionou o estatuto de residente fiscal e declarou ter auferido rendimentos do trabalho dependente no valor total de 204.505,00 € (cfr. processo administrativo).
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Em 02-07-2020, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação n.º 2020..., de 2020-07-02, da qual resultou um valor a reembolsar de 4.693,84 €, tendo o rendimento tributável determinado ascendido ao montante de 195.599,20 € (cfr. processo administrativo).
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Em 02-03-2022, o Requerente procedeu à entrega de um pedido retroativo de alteração de morada para o Reino Unido, para os períodos entre 2013 e 2016 (cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA).
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Em 15-08-2022, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de IRS de 2019, 2020 e 2021 (cfr. processo administrativo).
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Por despacho de 28-12-2022, exarado pela Chefe do Serviço de Finanças de Sintra-..., foi o pedido de alteração de morada com data retroativa indeferido (cfr. processo administrativo).
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Em 23-03-2023, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação n.º 2023..., relativa ao IRS de 2020, no seguimento da emissão de declaração oficiosa, da qual resultou um valor de imposto a pagar de 257.560,23 €, tendo o rendimento tributável determinado ascendido ao montante de 877.056,27 €, idêntico ao valor total de rendimentos do trabalho dependente atribuídos ao Requerente na referida declaração oficiosa (cfr. processo administrativo).
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Não tendo o Requerente sido notificado de qualquer projeto de decisão da revisão oficiosa apresentada, em 15.12.2022 formou-se a respetiva presunção de indeferimento tácito.
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Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa, não ficou provado que o Requerente tivesse sido residente fora do território português na totalidade do ano de 2016.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT).
Neste sentido, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, o disposto no artigo 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados.
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Matéria de Direito
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Questão a decidir e argumentos das partes
Como referido, a questão jurídico-tributária que emerge do litígio existente entre as partes consiste, nuclearmente, em determinar a aplicabilidade ao Requerente, no ano de 2019, do regime fiscal aplicável a ex-residentes.
A argumentação essencial do Requerente é, em síntese, a seguinte:
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Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS, são excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições de acesso:
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Tornar-se residente fiscal em Portugal em 2019 ou 2020, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS;
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Não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores (tornando-se, de novo, residente em Portugal em 2019, o sujeito passivo não pode ter sido residente em território nacional em 2016, 2017 e 2018; e tornando-se, de novo, residente em Portugal em 2020, não pode ter sido residente em 2017, 2018 e 2019);
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Ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
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Ter a situação tributária regularizada;
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Não ter solicitado a inscrição como residente não habitual.
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O Requerente residiu no Reino Unido em 2016, 2017, 2018.
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O Requerente regressou a Portugal em 2019.
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O Requerente não atualizou o seu cadastro fiscal, nem o registo no cartão de cidadão.
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Considerando que a alínea b) do artigo 16.º, do CIRS exige três requisitos de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente, o Requerente não reunia os pressupostos necessários para tal – tendo apresentado vasta prova para o efeito –, não podendo ser considerado residente fiscal, em Portugal, com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º, do Código do IRS.
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O Requerente era menor até 2017 pelo que não pode obter nenhum certificado de residência fiscal no reino Unido pelo simples facto, aliás alegado e sancionado pela AT, de que não desenvolvia nenhuma actividade remunerada nesse país até 2017, apenas aí residindo, estudando e treinando na academia do clube de futebol ... .
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O exercício probatório com violação do princípio do inquisitório, levado a cabo pela Administração Tributária, ao desconsiderar todos os elementos factuais juntos pelo Requerente, com o argumento de que os mesmos não provam de forma inequívoca a não residência fiscal em Portugal, não observando assim os requisitos documentais estabelecidos pela própria Administração Tributária por via de “direito circulatório”.
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Não existe qualquer fundamento para a exigência de um certificado de residência fiscal, por um lado porque não se trata de residência fiscal o requisito contido no art.º 12º -A do CIRS, mas de residência física, por outro lado porque tal prova é impossível em razão da menoridade do Requerente até 2017 e consequentemente só a partir dessa data ter passado a constar do registo fiscal britânico.
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A liquidação de IRS 2020... referente ao ano de 2019 enferma viola o art.º 12-A do CIRS por erro dos serviços quanto aos pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada e substituída por outra que considere o previsto no art.º 12º - A do CIRS, - 50% do rendimento tributável obtido pelo Requerente - 195.599,20€ / 2 (50%) = 97.799,60€
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A Requerida contrapõe dizendo, em síntese, o seguinte:
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Conforme consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o Requerente, em 2019-10-18 alterou retroativamente a sua residência para o estrangeiro (Reino Unido) com efeitos à data de 2016-05-22, o que significa que de acordo com aquela informação se presume a sua residência em território nacional até àquela data.
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Nos termos do n.º 4 do artigo 16.º do CIRS “a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, […]”, pelo que se verifica que o requerente foi residente em Portugal no ano de 2016, mais concretamente, até 2016-05-22.
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Apesar de o Requerente não preencher os requisitos para ser considerado residente em território nacional pela totalidade do ano, estando prevista a possibilidade de residência parcial, e, não fazendo o legislador referência expressa à residência total e/ou parcial nos três anos anteriores, salvo melhor entendimento, consideramos que o legislador pretendeu referir-se a qualquer residência, seja pela totalidade do ano ou apenas uma parte do mesmo.
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Ao pedido não foi junto documento idóneo para comprovar a sua residência no estrangeiro pela totalidade do ano de 2016, nomeadamente, o certificado de residência fiscal ao abrigo do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido emitido pelas autoridades fiscais competentes, uma vez que também em Portugal foi considerado residente, ainda que parcial, ao abrigo da legislação interna e de acordo com a informação constante no cadastro por si alterada com efeitos retroativos.
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Prevê o n.º 4 do artigo 16.º do CIRS que “a perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, (…)”, pelo que se verifica que o requerente foi residente em Portugal no ano de 2016, mais concretamente, até 2016-05-22.
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Dos documentos juntos não resulta comprovado que o requerente tenha sido residente fiscal no estrangeiro na totalidade do ano de 2016.
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Por consulta às obrigações acessórias, verifica-se que no ano de 2016 foram pagos ao requerente rendimentos de trabalho dependente em Portugal na qualidade de residente.
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Do regime fiscal aplicável a ex-residentes
O regime fiscal aplicável a ex-residentes vem regulado pelo artigo 12.º-A do Código do IRS.
A norma em causa foi aditada ao Código do IRS pelo artigo 258.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, com a seguinte redação:
Artigo 12.º - A Regime fiscal aplicável a ex-residentes
1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.
2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
Este preceito estabelece uma medida excecional de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.
Porém, depende da declaração do sujeito passivo de pretender beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal.
Conforme se considerou na decisão arbitral proferida no processo n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22 “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede.
Consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.
Para poder beneficiar deste regime excecional de tributação em IRS, dos rendimentos da Cat. A, o Requerente teria, pois, de cumprir todos os requisitos estabelecidos no art.º 12-A do CIRS.
Assim, o Requerente, além de ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015, e de ter a sua situação tributária regularizada, também teria de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.
Tendo em conta o facto C. do probatório o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o Reino Unido, com produção de efeitos à data de 22-05-2016, pelo que, até essa data, se considerou residente fiscal em Portugal.
Não fazendo o legislador qualquer referência expressa à residência total e/ou parcial nos três anos anteriores, e presumindo que o legislador fiscal soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º da Lei Geral Tributária), não se pode senão concluir que a não residência fiscal em território português prevista no artigo é completa, ou seja, não é admissível a residência fiscal em Portugal em qualquer um desses anos.
Nessa circunstância, o Requerente não logrou preencher as condições cumulativas previstas nas alíneas a) e b) do artigo 12.º-A do Código do IRS para poder beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes.
Por um lado, no tocante à alínea a), pelo facto de ter sido residente em território português para além de 31 de dezembro de 2015. Por outro lado, no que respeita à alínea b), pelo facto de ter sido residente em território português num dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal, in casu, o ano de 2016.
De resto, a prova oferecida pelo Requerente não afasta essa conclusão. Com efeito, para fazer prova da residência fora de território português no ano de 2016, o Requerente apenas juntou um contrato de opção (“Option Deed”) assinado com o B... Limited, em 2015, no qual consta, nomeadamente, a opção de atribuição de bolsa de estudo com início a 1 de julho de 2016. O Requerente não apresentou qualquer outro documento comprovativo de residência naquele território em período anterior a essa data.
Assim, em jeito de conclusão, o Requerente não preenche os critérios para beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, pelo que a liquidação de IRS, relativa ao exercício de 2019, é legal e não deve ser anulada.
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Decisão
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De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:
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Julgar improcedente a exceção suscitada pela Requerida, sendo, por isso, o tribunal arbitral competente para a decisão do mérito da causa.
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Julgar totalmente improcedentes todos os pedidos do Requerente.
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Manter a liquidação impugnada de imposto (IRS de 2019).
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Condenar o Requerente nas custas deste processo.
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Valor do processo
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Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 97.799,60.
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Custas
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Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.754,00, a cargo do Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Porto, 22 de setembro de 2023.
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(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente)
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(Prof. Doutora Ana Paula Rocha - Árbitro Adjunto)
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(Dr. Francisco Melo -Árbitro Adjunto Relator)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)