Sumário:
A norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (Presidente), Catarina Belim (vogal) e Sofia Ricardo Borges (vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formar o Tribunal Arbitral Coletivo constituído em 03-01-2023, decidem no processo identificado, nos seguintes termos:
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RELATÓRIO
A..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., no ..., ..., Lisboa, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.o, ambos do Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a PRONÚNCIA ARBITRAL sobre a (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cf. Documento 1) apresentada pela Requerente com vista à contestação do ato tributário de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referente ao ano 2020, materializada na declaração periódica de imposto com referência a Dezembro do ano em apreço, no montante de € 742.957,09 e a consequente declaração de (i)legalidade daquele acto de (auto)liquidação de IVA, nos termos e com os fundamentos seguidamente expostos.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada também pelas formas abreviadas “AT” ou “Requerida”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito em 16-09-2022 e aceite pelo Presidente do CAAD em 19-09-2022 e foi notificado à Requerida em 26-09-2022.
Os árbitros identificados e signatários deste acórdão, manifestaram a aceitação das suas funções no prazo legal. Em 11-10-2022 as partes foram notificadas da designação dos árbitros para constituir o Tribunal Arbitral e não manifestaram intenção de os recusar, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28-11-2023.
A Requerida apresentou resposta (“R-AT”) em 16-01-2023, que concluiu afirmando que o pedido do Requerente deve ser julgado improcedente, por não provado e a AT absolvida do pedido mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados.
Em 29-05-2023 foi realizada a reunião do Tribunal Arbitral com as partes e foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente, tendo sido esta audiência realizada na sequência de repetição de audiência de 21-03-2023, que não foi gravada. Em momento posterior foi junto pela Requerida e foi devidamente incorporado nos autos, o processo administrativo digitalizado (“PA”), que ficou incorporado nos autos e foram apresentadas alegações escritas pela Requerente.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.A. Posição da Requerente
A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
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Nos presentes autos aduzidos com vista à Pronúncia Arbitral, vem a ora Requerente suscitar a pronúncia sobre a legalidade da autoliquidação de IVA relativa ao ano 2020, nos termos da qual a Requerente procedeu à dedução, segundo critérios provisórios, nas declarações periódicas referentes aos meses de Janeiro a Novembro do mesmo ano, do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista, e segundo critérios definitivos, na declaração periódica referente ao mês de Dezembro do mesmo ano (cf. o n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA).
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Em concreto, peticiona a ora Requerente a correção da declaração periódica referente ao mês de Dezembro de 2020, no que tange com a dedução de IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista relativos às atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas.
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Ora, verificou a ora Requerente existir erro na autoliquidação efectuada no ano 2020, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas, esta não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido em conformidade com a legislação nacional e comunitária deste imposto.
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Em concreto, a Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2020, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados.
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Tal procedimento resultou dos ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
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Na verdade, a ora Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano 2020 de 10%, que aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 5.715.054,55), se materializou no valor de € 571.505,45 de IVA dedutível.
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Diferentemente, caso na autoliquidação em causa se tivesse procedido à inclusão das amortizações financeiras do leasing no cálculo do critério da percentagem de dedução referente ao ano 2020, esta reportar-se-ia a 23%, ao invés de 10%.
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E, aplicando a percentagem de dedução de 23% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, no montante de € 5.715.054,55, constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 1.314.462,55.
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Deve, pois, a autoliquidação efectuada com referência ao ano 2020 ser anulada na parte referente ao IVA que, por motivo de erro, não foi deduzido: correspondente a € 742.957,09.
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Tal montante consubstancia uma prestação tributária entregue em excesso pela Requerente e deve, por isso, ser-lhe restituída, acrescida de juros indemnizatórios desde a data de apresentação da declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2020, até ao respectivo pagamento à Requerente, dado que, em seu entender, o erro na autoliquidação é imputável à AT, pois derivou da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos por esta emanados.
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A Requerente é uma instituição de crédito, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.o, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro8.
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No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto. É o caso das operações de financiamento/concessão de crédito, e das operações relativas a pagamentos.
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Simultaneamente, a Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto (cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA). Em concreto, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos.
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Pelo exposto, e uma vez que adquire recursos que são afectos, simultaneamente, a operações que conferem o direito à dedução e, operações que não conferem tal direito, a atividade prosseguida pela Requerente encontra-se abrangida por distintos regimes de dedução do IVA incorrido.
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Ora, relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.o 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
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É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem directamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente – a locação financeira -, que conferem o direito à dedução.
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Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a ora Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
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Por outro lado, nas situações em que a Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
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Encontram-se neste caso, por exemplo, os encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático – (“TPA’s”).
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Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
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De facto, não sendo viável determinar um ou vários critérios objectivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afectação real (critérios objectivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições de recursos de utilização mista, restou à Requerente, conforme acima salientado, a aplicação do método da percentagem de dedução.
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A supra referida percentagem de dedução foi determinada tendo em consideração as orientações genéricas emanadas pela AT.
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Em concreto, procedeu a Requerente ao cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2020, em estrita consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA.
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Contudo, a Requerente verificou que, se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do contrato de leasing – em sentido oposto ao sustentado pela AT -, a percentagem de dedução definitiva apurada seria de 23%.
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Consequentemente, o IVA passível de dedução, pela percentagem de dedução definitiva, respeitaria a € 1.314.462,55, no que concerne ao ano 2020.
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E, uma vez que, conforme se demonstrará infra, a desconsideração, do cálculo do pro rata, dos montantes relativos às amortizações financeiras no âmbito da actividade de leasing se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA, conclui-se que, com referência ao ano 2020, a Requerente deduziu imposto a menos do que aquele preceituado pela legislação, nacional e comunitária.
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Consequentemente, em virtude do método do crédito de imposto que rege o sistema comum do imposto a Requerente liquidou, com referência ao ano em análise, mais imposto do que aquele que era devido. Tal excesso de pagamento cifrou-se no montante de € 742.957,09.
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Ora, perante a percepção de que, na supra referida declaração periódica de IVA, a Requerente havia liquidado e, consequentemente, entregue prestação tributária em excesso, apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 131.o do CPPT e do artigo 97.o do Código do IVA, competente Reclamação Graciosa da autoliquidação de imposto relativa ao referido período de imposto.
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Sem prejuízo do que antecede e face à relevância da tramitação do processo da atividade de leasing para a boa compreensão do tema em discussão, a Requerente descreve detalhadamente as diversas etapas e procedimentos que integram o referido processo, juntando aos autos, enquanto Documentos 3-6, os manuais de procedimentos utilizados por todos os intervenientes do processo de leasing, sendo com base nos mesmos que se garante que os múltiplos processos seguem sempre a mesma metodologia.
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A tramitação de um processo de leasing na esfera da Requerente inicia-se com uma proposta por parte do cliente, seguida de uma análise de risco e de uma decisão – culminando esta fase do processo com a emissão do contrato. Posteriormente verifica-se a entrega do bem locado, a qual depende de uma autorização prévia comunicada pela Requerente ao fornecedor do bem. Ademais, é nesta fase que surge uma proposta de seguro. Em determinadas situações a proposta de seguro deverá ser preenchida junto do cliente, digitalizada e enviada para a área de General Insurance, para verificação da conformidade e emissão do certificado provisório de seguro para a agência. Assim, nesta fase do processo de leasing, existem inúmeras interacções entre a Direcção comercial da Requerente, os fornecedores dos bens locados e o departamento interno da Requerente responsável pela gestão de seguros de bens locados, interacções essas com vista à disponibilização dos bens locados.
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A autorização de pagamento e o registo do empréstimo com vista à disponibilização dos bens locados dependerão de interacções entre a Requerente e os fornecedores dos bens locados (análise da documentação remetida pelo fornecedor com referência aos bens locados). Além disso, fica a Requerente responsável por enviar a proposta de seguro à seguradora e proceder ao carregamento do seguro sem o qual os bens não podem ser locados.
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A participação da Requerente no processo de legalização da viatura locada (no caso de leasing automóvel) passa por garantir o preenchimento do modelo único (para viaturas) e a legalização da viatura. Periodicamente, os fornecedores são contactados para obtenção de cópia do comprovativo de legalização.
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No que respeita ao pagamento dos impostos das viaturas financiadas em leasing referentes a anos anteriores, a Requerente recebe da Autoridade Tributária e Aduaneira as notificações para pagamento de Imposto Único de Circulação (“IUC”) e procede, seguidamente, à identificação do locatário ou contrato associado por forma a obter as guias de pagamento do imposto, disponibilizadas no Portal das Finanças. Posteriormente, a Requerente solicita, internamente, o seu pagamento e junta o comprovativo de pagamento à respetiva guia.
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Neste âmbito, a Requerente notifica o locatário, referindo a data limite para o débito do montante de imposto liquidado. Nos casos em que não é possível o débito na conta do locatário do bem móvel por variados motivos, e sempre que se justifique apresentar reclamação graciosa à Autoridade Tributária e Aduaneira, a Requerente reúne os elementos necessários e formaliza este procedimento no prazo de 120 dias após a data limite de pagamento. Neste contexto, dois dias após o pagamento (do IUC) à Autoridade Tributária e Aduaneira, a certidão comprovativa do pagamento é disponibilizada e a Requerente envia a mesma para a morada do cliente.
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Ademais, importa notar que, no que se refere ao pagamento do IUC do ano corrente, a Requerente retira, numa base mensal, do Portal das Finanças, a respetiva guia de pagamento de imposto a ser liquidado no mês seguinte e envia uma carta aos locatários, notificando-os para o débito nas suas contas bancárias. Cumpre referir que tal notificação é enviada até 15 dias antes da data agendada para o débito. Posteriormente, procede, tal como supra referido, à recolha das certidões comprovativas do pagamento e envia as mesmas para os clientes.
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Nos casos de infrações rodoviárias que envolvam viaturas locadas, uma vez recebido o pedido de identificação do condutor, a Requerente deve, atendendo à matrícula que consta da notificação recebida, proceder à identificação do locatário da viatura, enviando uma carta ao cliente (com o original da notificação) e uma carta à entidade autuante na qual seja identificado o locatário.
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A gestão dos bens locados depende amplamente do papel activo que a Requerente assume na manutenção/gestão dos seguros dos referidos bens.
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Com efeito, após receção das cartas das seguradoras, cumpre-lhe verificar a informação prestada, nomeadamente a atualização do capital seguro, o cancelamento do seguro de contratos de leasing liquidados, a cessação de contratos de seguros por falta de pagamento de prémios e pedidos de cancelamento de apólices. Quando informada pela(s) Seguradora(s) da falta de pagamento dos prémios de seguro e pedidos de cancelamento de apólices relativamente a contratos ativos, a Requerente remete notificação para a morada do cliente a solicitar apresentação de evidência de seguro válido, encetando, em simultâneo, as diligências necessárias junto da seguradora para reactivação do seguro. Se tal não for possível, e não for apresentada evidência, é enviada – com o conhecimento da área comercial – uma nova notificação ao cliente, informando-o de que a Requerente irá contratar um seguro de responsabilidade civil ou de bens em leasing. Seguidamente, deverá ser colocado o seguro por débito directo da conta do cliente. Quando sejam rececionadas cartas que referem renovações, atualizações de coberturas ou capitais, é enviado para validação da General Insurance e, caso o seguro não esteja em conformidade, solicita-se a rectificação da apólice mediante o envio de um e-mail para a área comercial. Caso não haja resposta no prazo de 15 dias, é reenviado um e-mail para o Director Comercial. Ao 15.º dia de cada mês, são reportadas, via e-mail, as situações de incumprimento do mês anterior.
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A respeito da documentação atinente às viaturas financiadas em leasing, a Requerente recebe a Carta de Apresentação ou Documento Único Automóvel do respetivo fornecedor e é responsável por remeter os documentos em apreço ao cliente.
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O termo do leasing ou eventuais alterações do mesmo (e.g. cedência de posição contratual), implicam inúmeras interacções entre as áreas de gestão de carteira e a contabilidade e reporte financeiro, bem como a direcção comercial e o departamento interno da Requerente responsável pela gestão de seguros de bens locados.
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Com efeito, o incumprimento contratual ou o não exercício da opção de compra por parte do cliente/locatário representa, na esfera da Requerente, um aumento do seu activo, podendo esta proceder à posterior venda dos bens, casos em que as referidas áreas deverão interagir.
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Ademais, refira-se que a disponibilização e gestão das viaturas no âmbito dos contratos de leasing mobiliário celebrados implica o recurso a uma vasta panóplia de despesas como é o caso do pagamento de rendas para armazenamento e/ou manutenção dos veículos, dos custos com leiloeiras, solicitadores, advogados, entre outros – custos estes necessários para dar resposta às vicissitudes que tipicamente ocorrem nesta atividade.
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Afigura-se, desta forma, inequivocamente demonstrado que os procedimentos adotados pela Requerente no âmbito do segmento da locação financeira integram um universo significativo de atividades atinentes à disponibilização dos bens locados.
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Com efeito a Requerente incorre não apenas em gastos relativos à gestão dos contratos e financiamento (que se materializam na proposta por parte do cliente, seguida de uma análise de risco e de uma decisão, culminando com a emissão do contrato) mas também, e num montante muito significativo, em despesas e recursos com vista a garantir a disponibilização dos bens locados [i.e. autorização da entrega do bem locado após emissão do contrato; pagamento a fornecedores e carregamento do empréstimo; participação no processo de legalização; amortizações; processo de controlo do pagamento de impostos das viaturas financiadas em leasing; processo de identificação de condutores das viaturas locadas; manutenção de seguros dos bens locados; envio de comprovativo de apresentação e documento único automóvel; emissão de declarações; gestão de recibos de indemnização; contabilização e reporte financeiro dos bens recuperados e posteriormente alienados, em virtude de incumprimento contratual e por não exercício de opção de compra; cedência de posição contratual e outras vicissitudes].
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Adicionalmente, importa salientar que a disponibilização de viaturas ou equipamentos objecto de leasing implica, por forma a dar uma resposta mais imediata às questões ou problemas dos clientes, a envolvência dos balcões de atendimento da Requerente, com os inerentes gastos associados aos mesmos, bem como de um serviço de call centers e o acesso a software (aplicação) para apoio ao cliente.
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É manifesto que o contrato de leasing é muito mais do que um contrato de financiamento, consistindo, também, numa efectiva (e diária) disponibilização do veículo ao locatário.
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A recondução do leasing a um mero financiamento merece crítica pois tal configuração é típica dos contratos de concessão de crédito automóvel. De facto, caso estivéssemos perante um mero financiamento, sem uma componente de disponibilização da viatura, estaríamos perante um contrato de concessão de crédito automóvel.
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No âmbito de contratos desse cariz (crédito automóvel) estamos perante, só e apenas, um contrato de mútuo stricto sensu, tal como definido no artigo 1142.º do Código Civil Português, como o “(...) contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
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Ao passo que num contrato de crédito automóvel o consumo de recursos se esgota com o financiamento e a gestão dos contratos, sendo ao longo da vida do contrato apenas emitidas faturas numa base mensal, de forma automática (não existindo praticamente consumo de recursos), o leasing automóvel, como vimos, implica a disponibilização (diária) de um bem que permanece na esfera de propriedade do seu locador. Daí que nesta tipologia de contratos se imponham tarefas/acções/interações marcadamente relacionadas com o veículo, como amplamente demonstrado anteriormente.
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Parece resultar claro que o leasing mobiliário não se reconduz ao mero financiamento e gestão contratual. Estar-se-á, neste último caso, perante tal no âmbito de uma típica concessão de crédito automóvel.
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É inegável que o leasing mobiliário (in casu o automóvel) tem uma componente de financiamento. Não obstante, este modelo contratual implica necessariamente uma forte componente de disponibilização dos bens, a qual leva a um elevado consumo de recursos na esfera do locador, como supra exposto.
II.B. POSIÇÃO DA REQUERIDA
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
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O presente tema do direito à dedução em sede de IVA, decorrente de atividades mistas, no segmento das locações financeiras de veículos, é matéria que se encontra pacificamente uniformizada pelos Acórdãos do STA 101/19; 84/19; 87/20; 32/20; 63/20 e o 113/20, 74/21.0BALSB, 75/21.9BALSB, 89/21.9BALSB, 118/21.6BALSB, 66/21.0BALSB, 48/20.9BALSB, 38/20.1BALSB, 128/20.0BALSB.
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Em resumo, e para o que aqui interessa:
«O artigo 17.o, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»
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Em bom rigor, aquilo que a Requerente se propõe provar, e que se revela essencial para este processo, nomeadamente se os gastos são sobretudo consumidos pela disponibilização de veículos, é uma absoluta falácia em face daquilo em que sustenta o pedido da presente ação.
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Em primeiro lugar, é desde logo a própria Requerente que confessa, no artigo 114.º da p.i., que a sua atividade, inclusive no “caso vertente”, ou seja, no caso da locação financeira, é «apenas exerce uma só atividade – a atividade financeira.»
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Ou seja, a “disponibilização” do veículo, situada num muito curto período de tempo, assume um caráter meramente instrumental, necessário para que o financiamento se efetive, dado ser o objeto do contrato, mas que não se reveste como a finalidade essencial do contrato de locação – que mais não é que uma modalidade de concessão de crédito, por via do leasing automóvel.
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Ademais, o que pretende a Requerente é calcular a proporção do direito à dedução em sede de IVA por recurso ao método pro-rata, tal como previsto no artigo 23.o, n.o 4 do CIVA:
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.o 1 do artigo 20.o e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.o 1 do artigo 2.o, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
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No caso concreto, e com base no aludido artigo, pretende a Requerente considerar a parcela da capital – que compõe, a par do juro e do IVA, a renda da locação financeira – na fração do numerador.
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Note-se, desde logo, tal como confessado pela Requerente nos artigos 45.º e 46.º da p.i., que «relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa [...] no âmbito da aquisição de bens objecto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem directamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente – a locação financeira -, que conferem o direito à dedução.»
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Isto é, a parcela do capital (e o IVA que lhe está associado), no âmbito da renda mensal por contrapartida da locação financeira, está intimamente ligada com o IVA suportado no preço de compra inicial do veículo, objeto do contrato de locação, e que é inicialmente deduzido através de uma imputação direta.
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A consideração da parcela da amortização financeira na fração do numerador ao longo da vida útil do contrato de locação configurará uma dupla dedução de IVA concernente à mesma realidade – a compra do veículo e o posterior reembolso parcelar pelo locatário ao locador, através das rendas mensais.
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A consideração, inaceitável, daquela parcela, a ser aceite pelo Tribunal arbitral, resultará numa percentagem de dedução de 23%, em vez dos 10% apurados pela aplicação do Ofício-Circulado n.º 30108, ponto 9.
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O problema é que esta discussão é exclusivamente de direito e a apreciação e ponderação jurídica sobre se a parcela do capital deve ou não concorrer na fração do numerador em nada se relaciona com o facto de apurar se os custos gerais, indiferenciados, do Banco são mais consumidos nos atos de financiamento e de gestão de contratos de locação financeira, se nos atos de disponibilização de veículos.
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Isso porque a parcela do capital, que é reembolsada parcelarmente pelos locatários ao Banco:
1) não representa o trabalho – e os consumos indiferenciados decorrentes desse trabalho - da Requerente, no âmbito da locação financeira;
2) nem tem previsto na sua composição qualquer montante cujo propósito seja o de reembolsar o Banco dos custos indiferenciados cuja percentagem de IVA aqui reclama;
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Por este motivo, é errado que a Requerente parta para este processo alcandorada a uma percentagem de 23% - cujo cálculo obteve pela aplicação integral do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, isto é, obteve através da aplicação de norma jurídica -, mas que a justifique através da produção de prova no sentido de tentar, sem sucesso, qualificar a intensidade do trabalho e a complexidade da locação financeira.
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Em que é que a putativa predominância dos consumos por atos de disponibilização de veículo (consumo de horas dos trabalhadores, consumo de água, luz, software, economato, etc.), que a Requerente nem sequer consegue provar/quantificar por recurso a elementos de contabilidade, se coaduna com a consideração da parcela do capital na fração do numerador, por aplicação do método do pro-rata?
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Salvo o devido respeito, isso faria lógica somente no caso de a Requerente ter conseguido calcular a percentagem do direito à dedução por recurso ao método de afetação real, melhor dizendo, por recurso a um critério que permitisse compreender o peso dos consumos decorrentes da área de negócio da locação financeira na estrutura global de custos de todas as áreas de negócio da Requerente.
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A Requerente até tem ao seu dispor um critério, que não aplica, mas que elucidaria melhor – seria mais aproximado da realidade e respeitador do princípio da neutralidade – que é o do peso da atividade de leasing na atividade de financiamento total do Banco.
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Nos termos do artigo 51.º da p.i., a Requerente confessa que não é viável recorrer ao método de afetação real, pela impossibilidade de encontrar critérios objetivos, rigorosos e precisos, que permitam o cálculo rigoroso dos consumos afetos à atividade de locação financeira.
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Por esse motivo, recorreu ao método do pro-rata – método residual – para esse efeito, ainda que tal resulte, porque resulta, numa inflação artificiosa do direito de % à dedução do IVA, dado que considera na fração do numerador a parcela da amortização financeira que serve exclusivamente para reembolsar – e não remunerar – o capital que a instituição bancária desembolsou na compra do veículo, objeto do contrato de locação financeira.
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A produção de prova testemunhal só teria cabimento se a Requerente se propusesse comprovar um critério de afetação real para calcular o direito à dedução que resultasse numa diminuta distorção da tributação.
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O que não faz, pois, tal como confessa no artigo 51.º da p.i., não consegue achar um critério para esse efeito.
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Acontece que em causa está a aplicação de dois métodos forfetários concorrentes – o método pro-rata versus ofício-circulado (pro-rata mitigado) – os quais não contemplam qualquer tipo de prova, porquanto resultam antes de um método automático, criado pelo legislador (ou, no caso, imposto pela Administração Tributária) precisamente e também pela dificuldade de produção de prova inerente aos gastos que são consumidos tanto por atividades de crédito sujeitas como isentas de IVA.
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Ou seja, concluindo como no início, a presente discussão é eminentemente jurídica, cabendo à Requerente, se assim quisesse e o entendesse, conjeturar um critério de afetação real que demonstrasse o real consumo dos gastos gerais pela locação financeira (e, dentro desta, os reais consumos dos atos de disponibilização de veículo).
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O que fica por demonstrar.
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O que não pode a Requerente nem esse Tribunal aceitar é o afastamento da aplicação de um método de imputação específica (ínsito no ofício-circulado) - e que configura um método forfetário – em benefício de um outro método forfetário – o pro-rata, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 CIVA - e tentar justifica-lo por recurso a produção de prova, ficcionando para o efeito que o método que pretende aplicar é um método de afetação real e que o critério utilizado foi antes o das horas despendidas pelos trabalhadores afetos ao leasing nas diferentes tarefas da locação financeira (e não, como aconteceu na realidade, em que a Requerente obteve 23% de direito à dedução, que resultou da consideração da parcela do capital na fração do numerador).
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Para rematar, os 23% que a Requerente reclama em termos de dedução de IVA e que obteve por aplicação do pro-rata (23.º, n.º 4 CIVA) não assumem – não podem assumir - o significado de que os atos de disponibilização de veículo da locação financeira consomem especificamente 23% dos custos gerais, indiferenciados, que o Banco suporta em todas as suas atividades: sujeitas e isentas.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
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Fundamentação
IV.1. MATÉRIA DE FACTO
Factos dados como provados
Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:
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A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, configurando uma instituição de crédito, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que tem por objeto social a realização das operações descritas no art.º 4.º, n.º 1 desse Regime Geral, nomeadamente, entre outras atividades de natureza financeira, a atividade de leasing (locação financeira).
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Para efeitos de IVA, configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.
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Caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações, no âmbito da atividade financeira, isentas do imposto nos termos do n.o 27 do artigo 9.o do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.o do mesmo diploma.
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A ora Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do último período do ano de 2020, na medida em que, por força da aplicação dos critérios estabelecidos no Oficio-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não considerou no cálculo da percentagem de dedução definitiva prevista no artigo 23.º do CIVA o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (leasing e ALD).
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A reclamação graciosa foi objecto de despacho de indeferimento, com fundamentação que tem correspondência com os argumentos apresentados pela Requerida na sua Resposta, e que foi notificado à Requerente por despacho da Requerida de 08.06.2022.
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A Requerente apurou uma percentagem de dedução inferior àquela que segundo o seu entendimento seria a correta face às disposições legais em vigor, e que de acordo com os seus cálculos ascendia a 23% (em vez do que originariamente apurou, 10%), o que, em sua perspetiva, se consubstanciou na entrega de prestação tributária (IVA) em excesso.
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A percentagem definitiva que a Requerente apurou por aplicação do coeficiente de imputação específico constante do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 10%, correspondeu a um montante de IVA, que deduziu, de € 571.505,45, e se tivesse aplicado o pro rata puro constante do n.º 4 do art.º 23.º do CIVA teria tido direito a deduzir € 1.314.462,55, correspondentes à percentagem de € 23%.
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O método aplicado pela Requerente a que se faz referência nas duas alíneas anteriores foi aplicado com referência, apenas, ao IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços afetos quer às suas operações que conferem direito à dedução quer às que o não conferem (inputs mistos).
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Quanto aos bens e serviços adquiridos nos quais a Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva com as suas operações ativas aplicou o método da imputação direta, nos termos do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA, como sucedeu no que respeita à aquisição dos veículos para locação financeira, deduzindo na íntegra o IVA aí incorrido.
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Quanto aos inputs em que a Requerente identificou uma conexão direta mas não exclusiva com as operações ativas realizadas aplicou o método da afetação real, nos termos do n.º 2 do art.º 23.º do CIVA.
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A Requerente dispõe de um Manual de procedimentos da atividade de leasing no qual se identificam as tarefas envolvidas e a forma de realização das mesmas junto aos autos e que se dá por reproduzido.
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Na atividade de leasing, as rendas que a Requerente cobra têm duas componentes distintas, uma que corresponde à devolução do capital adiantado pela Requerente na compra do veículo, e outra correspondente a juros e outros encargos.
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A taxa de juro aplicada ao contrato depende do perfil de risco do cliente, avaliado previamente à contratação.
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No decurso da vigência do contrato de leasing pode haver lugar a múltiplas vicissitudes, incluindo, entre outras, a renegociação da taxa de juro, amortizações parciais do capital, alargamentos de prazo, cessões de posição contratual.
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Na sua atividade de leasing a Requerente cobra ainda diversos encargos aos clientes de forma avulsa, como sucede com os IUCs, multas de trânsito e outros.
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A atividade de leasing da Requerente desenvolve-se em duas fases, uma primeira que tem início com a manifestação de interesse por parte do cliente e origina o contrato, tendo uma duração de até 3 meses, e uma segunda fase, que a Requerente também designa de “fase de gestão de carteira”, que corresponde ao decurso do contrato, após a celebração deste e entrega do veículo, e que tem uma duração de entre 4 a 5 anos.
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A entrega dos veículos aos locatários é feita pelo fornecedor diretamente ao cliente da Requerente, após autorização desta para o efeito.
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No que respeita à atividade de leasing da Requerente, é com o financiamento e a gestão dos contratos que são consumidos com maior relevância os recursos de utilização mista (inputs mistos).
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A Requerente apresentou o pedido arbitral na origem dos autos a 16.09.2022.
Factos dados como não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, em factos não questionados pelas partes, e no depoimento testemunhal.
Quanto à prova testemunhal, prestou depoimento uma testemunha, B..., indicada pela Requerente, Diretor da área “Centro de Ativo” da Requerente, que trata a formalização quer de processos de crédito hipotecário, quer de crédito não hipotecário, onde se enquadra o leasing mobiliário. A testemunha informou que a Requerente tem uma equipa afeta ao leasing mobiliário e que é a si que a respetiva responsável reporta.
Não obstante o vínculo profissional existente entre a Requerente e a testemunha, esta aparentou ao Tribunal procurar responder com verdade aos factos sobre os quais foi questionada e dos quais tinha conhecimento.
O depoimento da testemunha foi especialmente claro na descrição dos trâmites do processo de leasing, e quanto a ser na segunda fase do processo, a fase de “gestão de carteira”, que se segue à entrega do veículo, e que se prolonga por vários anos, envolvendo as mais variadas tarefas, que se verifica um maior consumo de recursos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
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Matéria de Direito
Constituem questões a apreciar no presente processo arbitral:
- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»
- Saber se os custos em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs utilizados nos atos de financiamento e gestão dos ditos contratos;
V.1. TEMA PRÉVIO
A título preliminar[2] importa salientar que nos presentes autos a Requerente pretende ver apreciada a questão de direito consistente no facto de, na sua perspetiva, não se extrair do artigo 23.º do Código do IVA, nem dos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA, suporte legal que confira à AT o poder de impor uma fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata distinta da que consta do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA (que transpõe o artigo 174.º da Diretiva), ou uma afetação real que não seja baseada em critérios objetivos, discordando que o coeficiente de imputação específico possa ser considerado como tal.
A esta questão de direito acresce uma questão de facto. A Requerente visa demonstrar que o consumo dos recursos de utilização mista (ou “promíscuos”) pela atividade de leasing foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens objeto de locação e não tanto pela componente de financiamento e gestão dos contratos de locação.
O tema a decidir prende-se, desta forma, com o método de dedução (parcial) do IVA nos recursos de utilização mista das instituições de crédito que desenvolvem as atividades de leasing e ALD em simultâneo com as atividades de concessão de crédito e foi já objeto de duas pronúncias no Tribunal de Justiça, nos processos Banco Mais, C-183/13, de 10 de julho de 2014, e Volkswagen, C-153/17, de 18 de outubro de 2018, a que acresce o profuso debate na jurisprudência nacional da última década.
É assim considerável o lastro adquirido nesta matéria, pelo que as questões de direito suscitadas foram já aprofundadas e clarificadas pelo Tribunal de Justiça, no que respeita à interpretação do Direito da União Europeia, em concreto da Diretiva IVA, e pelo Supremo Tribunal Administrativo, em relação ao direito interno, destacando-se neste último caso dois importantes e recentes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.ºs 084/19.8BALSB e 0101/19.1BALSB, de 24 de fevereiro de 2021 e de 20 de janeiro de 2021, respetivamente, todos no sentido da admissibilidade do coeficiente de imputação específica consagrado no n.º 9 do Ofício-circulado n.º 30108, à luz do Direito da União Europeia e da legislação nacional. E o mesmo vem sucedendo com Acórdãos do Pleno do mesmo STA mais recentes, como é o caso do Acórdão de 22 de Março último, prolatado no processo n.º 142/21.9BALSB, e do Acórdão de 23 de Março de 2022, também do Pleno, aí referenciado.
Diversamente, a jurisprudência arbitral que se pronunciou inicialmente sobre esta matéria propendia para a inadmissibilidade do mencionado coeficiente de imputação específica, em linha com a argumentação da Requerente, por entender que se estaria perante um terceiro método, sem cabimento no artigo 23.º do Código do IVA, resultando, desse modo, violado o princípio da legalidade tributária.
Porém, na sequência do acórdão para uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de março de 2020, no processo n.º 7/19, assistiu-se a uma inflexão no sentido das decisões arbitrais, de que são exemplos as proferidas nos processos n.º 709/2019-T, de 13 de setembro de 2020, n.º 759/2019-T, de 5 de setembro de 2020, e n.º 927/2019-T, de 21 de setembro de 2020, concluindo-se que “a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno”.
V.2. O ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IVA E O COEFICIENTE DE IMPUTAÇÃO ESPECÍFICO
O coeficiente de imputação específico consta do Ofício-circulado n.º 30108, da área de gestão tributária do IVA, de 30 de janeiro de 2009, no qual se refere, com relevância para esta análise, o seguinte:
“7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.
9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
Segundo a Requerente, o artigo 23.º do Código do IVA só prevê dois métodos de dedução, o pro rata e a afetação real, constituindo o coeficiente de imputação específico um método desprovido de base legal, pois, por um lado, não obedece à fórmula de cálculo imperativa do pro rata (n.º 4 do citado artigo 23.º), e por outro lado, também não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de utilização dos recursos mistos e, por essa razão, não tem assento no mencionado preceito, nem na Diretiva IVA. Por último, assinala que a Requerida não demonstrou a ocorrência de distorções na tributação, que sempre seria condição necessária para a aplicação impositiva do método da afetação real.
Afigura-se, todavia, que a Requerente não tem razão.
Desde logo, no processo C-183/13, o Tribunal de Justiça considerou que os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 23.º do Código do IVA constituem a transposição do artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA, correspondente ao anterior artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva, posição que foi sucessivamente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo em múltiplos acórdãos. Neste âmbito, referimos, a título ilustrativo, além dos supra citados, os acórdãos de 29 de outubro de 2014, processo n.º 1075/13; de 4 de março de 2015, processo n.º 1017/12; de 3 de junho de 2015, processo n.º 0970/13; de 17 de junho de 2015, processo n.º 0956/13; e de 15 de novembro de 2017, processo n.º 0485/17.
Com efeito, o legislador português reproduziu no artigo 23.º do Código do IVA o essencial do regime de dedução parcial, i.e., aplicável aos recursos de utilização mista, previsto nos artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA. Tal como na Diretiva, o método do pro rata é consagrado como método supletivo de dedução do IVA (artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do Código). Alternativamente, os sujeitos passivos podem optar pelo método da afetação real, sem prejuízo de a AT poder “impor condições especiais ou [ ] fazer cessar esse procedimento” se verificar que o mesmo provoca ou pode provocar [em função dos critérios objetivos empregues] distorções significativas na tributação (artigo 23.º, n.º 2 do Código). Por fim, pode ser a própria AT a impor a afetação real em detrimento do pro rata quando o sujeito passivo exerça atividades distintas ou este método seja passível de causar distorções significativas na tributação (artigo 23.º, n.º 3 do Código).
Como é salientado no acórdão do Tribunal de Justiça C-183/13, inexistindo na Diretiva regras que concretizem o método da afetação real, cabe aos Estados-Membros estabelecê-las, tendo em conta “a finalidade e a sistemática da referida diretiva e os princípios em que assenta o sistema comum do IVA”, nomeadamente o da “neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas”.
Importa, para tanto, ter em conta as características específicas próprias às atividades dos sujeitos passivos, a fim de se obterem resultados mais precisos na determinação do alcance do direito à dedução, pois o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução.
Declara a este propósito o acórdão (Pleno) do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 084/19.8BALSB) que a norma do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “ao permitir que a AT imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, aquela regra de determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA”, que estabelece que os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou parte dos bens ou serviços, nos exatos termos do disposto no artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA.
Assim, não se verifica o vício de ilegalidade que a Requerente sindica em relação ao ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, que funda a autoliquidação controvertida, esclarecendo o acórdão, também daquele Supremo Tribunal (Pleno), no processo n.º 101/19.1BALSB, que a expressão «afetação real» empregue pelo artigo 23.º do Código do IVA corresponde à expressão «utilização» adotada na Sexta Diretiva, a qual, “por sua vez «não pode deixar de ser entendida como imputação do uso real e efetivo que cada bem ou serviço adquirido tenha em cada um dos tipos de operações em que é usado conjuntamente» (cit. José Guilherme Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, in «Desfazendo mal-entendidos em matéria do direito à dedução…», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, número 1, pág. 50). Interpretação que a alteração introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de janeiro, veio de alguma forma confirmar, ao aditar a frase «…com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito»”. E agora, acrescentamos nós, menos dúvidas existirão, pois a própria Diretiva passou a mencionar, em vez da expressão «utilização», outra expressão, coincidente com a empregue no Código do IVA: a “afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”. (sublinhado nosso)
Seguindo ainda este aresto, “[a] questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do ofício circulado n.º 30108 [...] era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efetiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Diretiva e da alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º em particular.
E foi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente.
Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão). […]
Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.º do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redação do seu n.º 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente.
Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária”.
Sobre a alegação de que um pro rata mitigado não constitui um método de afetação real, o Supremo Tribunal Administrativo sustenta que não é assim, porque não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens e serviços. “A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução.
Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna.”
E conclui que, sob este prisma, as referências ao (ou, dito de outro modo, à violação do) princípio da legalidade e da reserva de lei não têm cabimento.
Posição que, pelas razões acima expostas, aqui se acompanha.
V.3. SOBRE O COEFICIENTE DE IMPUTAÇÃO ESPECÍFICO NÃO SER UM CRITÉRIO OBJETIVO
Assente o pressuposto de que o coeficiente de imputação específica é enquadrável no método da afetação real, uma segunda questão que daí deriva prende-se com saber se esse método constitui um critério objetivo e é ajustado, no sentido de constituir “uma modalidade do cálculo de dedução que reflita objetivamente a parte real das despesas efetuadas com bens ou serviços de utilização mista que é imputada a operações que conferem o direito à dedução.”
Com efeito, de acordo com o Tribunal de Justiça, importa que o critério adotado seja mais preciso do que o resultante do método residual do pro rata, considerando as especificidades do sujeito passivo, o que acontece se a utilização dos bens e serviços for sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo entende também dever ser extraída das disposições nacionais que procedem à transposição da norma da Diretiva IVA.
Neste âmbito, o citado Ofício-circulado n.º 30108 invoca que se trata de um método menos suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados e de conduzir a distorções significativas na tributação. O que, de uma forma geral, é uma asserção válida, atentas as características-padrão da atividade de locação financeira.
De facto, a remuneração da atividade de leasing, apesar de juridicamente configurada como uma renda unitária, do ponto de vista económico corresponde tendencialmente a apenas uma das duas componentes compreendidas nesta renda, “os juros e outros encargos”, o que é refletido no tratamento contabilístico conferido às locações, nos termos da IFRS 16 , que as equipara às operações de financiamento ou concessão de crédito.
O valor do capital que é “amortizado” (no sentido de reembolsado ou pago), representa o valor do bem escolhido pelo locatário e que a este foi cedido. Ou seja, quando essa quantia é paga pelo locatário, via rendas, não constitui a remuneração da atividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou, dito de outro modo, o reembolso do preço da viatura que findo o contrato, e se este se executar e desenvolver dentro da normalidade, passará para a esfera jurídica do locatário.
Assim, a atividade do locador, que disponibiliza a viatura ao locatário porque despendeu os meios financeiros para o efeito, é remunerada pela componente da renda, aqui denominada de “juros e outros encargos”, que excede o valor do reembolso do capital usado para adquirir a viatura.
Do ponto de vista do IVA, o valor do imposto liquidado na renda (output) referente à componente de reembolso do capital (originariamente usado para adquirir a viatura) está afeto por imputação direta, à dedução, na sua esfera, do IVA incorrido na aquisição dessa viatura (input). O valor do capital debitado ao locatário e do IVA liquidado corresponderá ao do custo de aquisição da viatura e do respetivo IVA deduzido, em virtude dessa imputação/afetação direta, e em razão de tal componente não contemplar, à partida, qualquer margem para acomodar ou prever outros inputs, como os de utilização mista em causa nesta ação, nem o “lucro” da operação.
Deste modo, é a componente da renda remanescente ao capital (este exclusivamente afeto ao input da viatura adquirida para locação) que reflete a ponderação por parte do sujeito passivo dos gastos (inputs) que estima incorrer na operação e da sua margem financeira. É esta componente dos juros e outros encargos que representará a (única) remuneração económica dos gastos da atividade de leasing e ALD, pois a outra, a do capital, esgota-se com o input da aquisição da viatura, não sobrando qualquer valor para imputar a outros gastos/inputs.
Assim sendo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da atividade financeira da Requerente apenas será a priori proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos e já não a do capital, que, à partida, não apresenta conexão com esses gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação direta.
Caso contrário, estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da atividade geral, com juros e capital do leasing. Nesta situação, a comparação apenas será paritária se incluirmos na fração que apura a proporção do IVA dedutível, para além do capital e juros do leasing, o valor dos empréstimos e dos juros recebidos na restante atividade. Em sentido idêntico, v. voto de vencido na decisão arbitral no processo n.º 408/2019-T, de 23.03.2020 (pág. 58).
O método do pro rata que a Requerente pretende aplicar traduzir-se ia no incremento significativo da percentagem de dedução sem que o mesmo tivesse qualquer conexão com um presumível consumo equivalente de IVA nos gastos mistos pela atividade de leasing. Pelo que se verifica a condição de que o método do pro rata é, em abstrato, passível de causar na situação em análise um acréscimo injustificado do nível de dedução do IVA nos recursos de utilização mista, derivado da consideração da componente de capital da renda de leasing (que, em princípio, não tem conexão direta com esses gastos) no cômputo da percentagem de dedução acompanhada, em simultâneo, da não consideração do capital mutuado, relativo à restante atividade financeira, por forma a que as realidades sejam comparáveis/equivalentes.
É este efeito que o Ofício-circulado citado tem subjacente ao referir que o método da percentagem de dedução tout court “é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”. Pelo que não se pode concordar com a Requerente que a AT não tenha fundado a imposição do coeficiente específico de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ou seja, na distorção significativa passível de ocorrer pelo método supletivo.
Adicionalmente, ao contrário do afirmado pela Requerente, o critério em análise é um critério de natureza objetiva embora aproximativo, característica que é, aliás, comum aos outros critérios objetivos comummente aceites e aplicados no método da afetação real, como o número de pessoas afetas às atividades, ou o número de horas homem incorridas, metros quadrados ocupados, entre outros. Todos estes critérios, apesar de objetivos, não podem deixar de ser encarados como aproximativos da realidade e não como um espelho rigoroso.
Uma exigência de rigor milimétrico representaria a impossibilidade de aplicar a afetação real, pois nenhum dos referidos critérios garante a exata medida de consumo dos recursos por cada uma das atividades/operações, com e sem direito à dedução, e traduziria uma interpretação de um rigor formalista incompatível com o princípio da neutralidade do imposto. A pretexto de um alegado incumprimento de requisitos dificilmente alcançáveis, viabilizaria a dedução de imposto em montante consideravelmente superior ao que corresponde ao consumo (aproximado) dos bens e serviços pelas operações que conferem direito à dedução, transformando imposto indedutível em imposto efetivamente deduzido pelo sujeito passivo (ou vice-versa).
No plano concreto, quanto a determinar se tal entendimento é de afastar atentas as circunstâncias verificadas na esfera da Requerente, aplica-se o entendimento sedimentado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, reiterada nos dois recentes acórdãos do Pleno acima identificados (de 2021), de que, quando o ato de liquidação adicional do IVA se fundamenta no não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.
Desta forma, cabe “ao sujeito passivo alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não era sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Solução que reputamos adequada também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” Esta questão (de erro nos pressupostos de facto) será apreciada autonomamente no ponto seguinte.
V.4. CONSUMO DE RECURSOS SOBRETUDO DETERMINADO PELA “GESTÃO DE CARTEIRA”
Como condição de admissibilidade da aplicação do coeficiente de imputação específico, o acórdão Banco Mais (C-183/13) requer que a utilização dos bens e serviços “promíscuos” seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de leasing. Afirma a este propósito a Requerente que no seu caso concreto tal não sucede. Porém, de novo, sem razão, ressaltando da matéria de facto que o consumo mais expressivo de recursos mistos por parte da área de leasing, e inevitavelmente pela área de contencioso (na parte que se prende com o leasing), se verifica no decurso da execução do contrato de locação financeira e não em relação à fase inicial de disponibilização do bem locado.
Com efeito, não só a disponibilização é muito menos consumidora de recursos, sendo as tarefas descritas pela Requerente de acompanhamento dos seguros, pagamento de IUC, gestão de multas, alterações aos contratos, identificação de condutores, incumprimentos, não exercício da opção de compra, entre outras, respeitantes ao decurso dos contratos. Como, nesta fase, decurso dos contratos, “gestão de carteira”, desde logo a própria duração no tempo dos consumos com o desempenho das respectivas tarefas se prolonga muito mais, por quatro a cinco anos.
Mesmo na aceção lata de disponibilização perfilhada pela Requerente, afigura-se que as características do contrato de locação financeira não são de molde a fazer recair sobre o locador encargos significativos associados à disponibilização dos bens locados “no decurso do contrato”.
“ (...) Posto isto, parece-nos evidente decorrência do próprio regime legal, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários, como proprietário sui generis que os “aluga”, circunscrever-se-ão essencialmente ao da aquisição do veículo (supra tratado). Incorrendo, a par desses, como será de admitir, em custos de financiamento e gestão dos contratos.
Será pois neste último contexto - custos de financiamento e gestão dos contratos - que se detectarão com relevo, é a nossa maneira de ver, possíveis inputs promíscuos.” (cfr. voto de vencido na decisão arbitral n.º 383/2019-T, de 27.02.2020, p. 43)
Deste modo, a Requerente não conseguiu demonstrar que o consumo de recursos de utilização mista pela sua atividade de leasing foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens locados, ónus que, de acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo acima referida, lhe competia.
Por fim, numa breve referência ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2018, no processo Volkswagen Financial Services, C-153/17, convém notar que a situação fática aí apreciada é distinta da aqui em causa, como também se lê no voto de vencido no processo n.º 408/2019-T: “[...] o locador era empresa pertencente a grupo automóvel, portanto produtores/fornecedores, no Grupo, dos veículos; o contrato em causa é um contrato consagrado pelo legislador do Reino Unido que não tem correspondência com o nosso contrato de locação financeira, trata-se ali de contrato “hire-purchase” (locação-venda será a figura mais próxima nos OJ continentais), com especificidades próprias e distintas das do nosso contrato de locação financeira; o regime de IVA aplicável no caso é distinto do nosso: a parte das rendas correspondente à amortização de capital está sujeita (conferindo direito a dedução) enquanto que a dos juros e demais encargos está isenta (sem direito a dedução). E o que o SP ali vem peticionar (...) é que lhe seja permitido deduzir os inputs em que incorreu, o que não lhe era permitido fazer à partida porque, no RU, no tipo de contrato em causa, a parte da renda correspondente aos juros e encargos está isenta, não dá direito a dedução, e é com relação a essa que incorreu em inputs [só aí os repercutiu no preço] […].”
De igual modo, Sérgio Vasques aponta as diferenças entre a situação analisada no processo C-153/17 e o caso português, explicando que “o direito do Reino Unido obriga à desagregação do leasing em duas operações: a disponibilização do veículo e o seu financiamento. […] Para efeitos de IVA, as duas operações são tratadas de forma distinta também. A disponibilização do veículo constitui uma operação tributada; ao passo que o financiamento é tido como uma operação de concessão de crédito isenta.”
Acresce que as conclusões do Tribunal de Justiça no processo C-153/17 foram ditadas pelo facto de o tribunal nacional de reenvio ter previamente determinado que, nesse caso concreto, os custos gerais tinham uma relação direta e imediata com a totalidade das atividades do sujeito passivo e, assim, com a disponibilização dos veículos. Na situação vertente, a Requerente não alegou, e menos demonstrou, que os recursos de utilização mista foram sobretudo determinados pela disponibilização dos veículos locados (associada à componente de capital das rendas de leasing e ALD) e não pela gestão dos contratos.
Em termos similares se expressa o voto de vencido do processo arbitral n.º 408/2019-T acima citado, conforme se retira do seguinte excerto ilustrativo: “E sempre se refira, para além do mais, que a repartição mais precisa da utilização dos inputs mistos requer, numa situação como a que deu origem ao Acórdão Volkswagen versus numa como a que deu origem ao Acórdão Banco Mais (esta última sim semelhante à dos presentes autos), pela diversidade de situações subjacente, uma distinta concretização das normas de apuramento (do montante de IVA dedutível) em causa. Desde logo, enquanto que naquela os inputs incorridos deixariam de ser considerados para efeitos de dedução caso se aceitasse o método tal como concretizado pela Autoridade Fiscal do Reino Unido (o que o TJUE afastou), nesta os inputs incorridos estão precisamente a ser considerados da forma mais aproximada à realidade por via do método tal como preconizado pela AT (…).”
V.5. Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Vem a Requerente apelar à CEDH, mais especificamente ao Protocolo adicional à mesma, art.º 1.º, para invocar a tutela do montante de € 742.957,09 que vem nestes autos reclamar como sendo seu direito (o valor a cuja dedução teria direito, segundo pugna, por aplicação do método do pro rata puro).
Defendendo ser esse um seu direito de crédito perante a Requerida, ali enquadrável.
Não lhe assiste razão, como decorre do que já se vem de concluir. Com efeito, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, desde logo e contrariamente ao que a Requerente afirma, não lhe está a ser coartado um direito à dedução de IVA. Pela Liquidação, como se viu, está a aplicar-se o método de apuramento do montante de IVA dedutível que, no caso, melhor aproximação à realidade do consumo de inputs mistos permite.
V.6. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Peticionou, por fim, a Requerente que para além do reembolso da quantia que tinha sido voluntária e indevidamente paga, seria ainda devido o pagamento de juros indemnizatórios.
A este respeito dispõe-se no artigo 43.º, n.º 1 da LGT que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Tendo-se determinado, nos presentes autos, que não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, nem o pagamento de prestação tributária superior à devida, não se encontram reunidos os requisitos de que depende a aplicabilidade daquele regime, pelo que também improcede o peticionado pela Requerente a este respeito.
V.6. REENVIO PREJUDICIAL
A questão de interpretação do Direito Europeu discutida nos autos foi especificamente clarificada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça a propósito do caso Banco Mais, C-183/13, conforme ficou acima referenciado.
Neste contexto, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do acórdão Cilfit, a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:
a) A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou
b) O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou
c) O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.
No caso sub judice, verifica-se o preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas b) e c), podendo afirmar-se que o “ato” em questão está devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que já se pronunciou “de forma firme”, como o tem entendido também a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo supra referida, pelo que atualmente não se suscitam dúvidas, nem há fundamento para suscitar o reenvio prejudicial.
Pelos motivos expostos, julga-se não verificado o vício de erro nos pressupostos de direito e de facto alegado pela Requerente, em virtude de o coeficiente de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 ter suporte legal no artigo 23.º, n.ºs 3 e 2 do Código do IVA, não ocorrendo violação do princípio da legalidade, e ser conforme ao Direito da União Europeia, em concreto ao disposto no artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA e ao princípio da neutralidade fiscal, concluindo-se pela manutenção da autoliquidação de IVA reportado ao ano 2020.
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DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar a ação improcedente, com as legais consequências.
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VALOR DO PROCESSO
Nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e cumprindo com a previsão do artigo 306.º, n.º 2 do CPC e do artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) e alínea e) do RJAT, fixa-se ao processo o valor de € 742.957,09.
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CUSTAS
O valor da taxa de arbitragem é fixado em € 10.710,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e fica a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de setembro de 2023
Os árbitros,
Guilherme W. d'Oliveira Martins (Presidente com declaração de voto de vencido junta à presente decisão)
Catarina Belim (vogal) (com declaração de voto junta à presente decisão – esclarecimento quanto ao voto pela improcedência)
Sofia Ricardo Borges (vogal)
Voto de Vencido proferido pelo Árbitro Guilherme W. d’Oliveira Martins
1. Matéria de direito em apreciação
Está em causa aferir se a norma constante do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno.
Salvo o devido respeito não poderemos concordar com as conclusões da presente decisão, pese o facto de o STA ter proferido jurisprudência uniformizadora neste contexto no seu Acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020 (Processo n.º 7/19), fundado na contradição existente, quanto à mesma questão fundamental de direito, entre decisão arbitral (decisão recorrida) e o Acórdão do STA de 15 de Novembro de 2017 (Processo n.º 0485/17 - acórdão fundamento).
2. A jurisprudência uniformizadora
Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico a jurisprudência não é fonte imediata de direito, contudo, importa reconhecer a sua enorme relevância na medida em que o trabalho desenvolvido na aplicação do direito, e materializado na jurisprudência, consubstancia uma fonte de conhecimento do direito.
A jurisprudência uniformizada é admissível no âmbito do Contencioso Tributário (artigos 148.º e 152.º do CPTA e artigos 284.º e 289.º do CPPT), em ordem a evitar ou a resolver decisões contraditórias sobre a mesma questão jurídica.
Destarte, importa assinalar que os acórdãos de uniformização de jurisprudência, embora não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos assentos pelo revogado artigo 2.º do Código Civil, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções do Supremo Tribunal, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais hierarquicamente inferiores constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do artigo 629º, n.º 2, alínea c), do CPC. Há, portanto, que reconhecer à jurisprudência uniformizada um valor persuasivo ou um valor legal específico, embora não possa ser considerada uma fonte de direito.
A jurisprudência constante ou uniforme incrementa confiança no sistema jurídico, na medida em que em que o sentido das decisões dos tribunais se torna previsível e expectável, podendo os tribunais limitar-se a reproduzir ou a seguir as decisões proferidas por outros tribunais na apreciação de casos semelhantes. Embora, naturalmente, não possamos deixar de reconhecer, num plano doutrinário, que existam alguns mecanismos vantajosos destinados a salvaguardar a expectativa das partes no proferimento de uma decisão baseada na jurisprudência uniforme ou uniformizada, há que sublinhar que os tribunais, na apreciação de qualquer caso concreto, são livres de alterar a jurisprudência firmada ou seguida até então.
Com efeito, não obstante a jurisprudência uniformizada vise evitar que se verifiquem decisões contraditórias, com prejuízo para a interpretação e aplicação uniforme do direito e dos princípios da confiança e da igualdade, razão pela qual o sistema admite que existam mecanismos que permitam uniformizar a jurisprudência, num Estado de direito tais mecanismos não podem ter um valor absoluto.
De facto, nos sistemas de Direito de inspiração romano-germânico o princípio que vigora neste domínio é o de que as decisões dos tribunais não constituem precedente vinculativo na apreciação de casos idênticos. Esta não vinculatividade permite que o juiz de uma ação possa decidir diferentemente do que foi decidido antes numa outra causa ou do que foi decidido, quanto a casos semelhantes, por outros juízes.
Importa neste contexto salientar que os interessados que recorrem a juízo não podem contar com a aplicação da lei nos termos definidos pela jurisprudência uniformizada, uma vez que, se o tribunal a tal se tivesse obrigado, ao arrepio da Constituição, estar-se-ia perante um limite à liberdade de decisão do tribunal, que, nos termos do estatuído no artigo 203.º da Constituição, apenas está sujeito à lei.
Isto é, a jurisprudência uniformizada não se configura como regra obrigatória, mas apenas, atendendo ao seu escopo, como um caminho tendencialmente predominante de acordo com o qual os tribunais entendem dever-se aplicar a lei, suprindo, inclusive, eventuais lacunas desta última, ou seja, a jurisprudência não cria o direito, interpreta-o.
Doutrinariamente, entende-se que os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que se encontra ultrapassada em função da evolução doutrinária ou jurisprudencial provocada pelas dinâmicas sociais, económicas e sociológicas, ou caso existam fortes fundamentos para crer que não representa, ou já não consubstancia, a melhor hermenêutica jurídica e não traduz a melhor e mais adequada aplicação do direito.
No tocante ao caso sub judice, a nossa discordância com jurisprudência uniformizada assenta na convicção de que não consubstancia a melhor solução legal, sendo que, em nosso entendimento, atentos os elementos gerais de interpretação da lei, a melhor solução jurídica, salvo o devido respeito, não é a advogada na presente decisão.
Vejamos.
3. Regras em causa
a) Do direito à dedução
O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica – a neutralidade.
Consubstancia-se como o elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado”, assentando no método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas. Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Diretiva IVA (DIVA), “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
O mecanismo do exercício do direito à dedução permite ao sujeito passivo expurgar do seu encargo o IVA suportado a montante, não o refletindo assim como custo operacional da sua atividade, retirando, desta forma, o efeito cumulativo ou de cascata, propiciando, tal como referimos, a neutralidade económica do imposto.
As situações expressas de exclusão do direito à dedução são excecionais e reportam-se a casos específicos enunciados pelo legislador nacional em termos taxativos, de acordo com o estatuído na DIVA, em função do tipo de despesas em causa.
Decorre dos artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA que o sujeito passivo apenas pode deduzir o imposto suportado na medida em que os bens e serviços sejam utilizados para efeitos das próprias operações tributadas, ou isentas que concedam tal direito. Por sua vez, o imposto suportado em inputs destinados à realização de operações não sujeitas não é suscetível de vir a ser deduzido, salvaguardando-se, contudo, as operações localizadas no estrangeiro (não sujeitas no território nacional), mas que seriam tributáveis concedendo direito a dedução se localizadas no território nacional.
De acordo com o disposto no artigo 168.º da Diretiva IVA, transposto, em parte, pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, o sujeito passivo pode deduzir no Estado-membro em que se encontra estabelecido o IVA suportado nas transmissões de bens e prestações de serviços, assim como nas operações assimiladas nas aquisições intracomunitárias de bens e nas importações ali localizadas, “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…) ”.
Conforme o estatuído no artigo 179.º da Diretiva IVA, “[o] sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º
(…).”
Em conformidade com a jurisprudência do TJUE, o direito à dedução não pode ser limitado e pode ser exercido imediatamente em relação à totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante.
Assim, só são permitidas derrogações à regra fundamental do direito à dedução integral do IVA nos casos expressamente previstos pela Diretiva, conforme o TJUE salientou, nomeadamente, nos Casos Ampafrance e Sanofi e na jurisprudência aí citada.
Ora, a este propósito, a Diretiva IVA prevê duas exceções. A primeira visa a legislação existente: a cláusula de standstill do artigo 176.º da Diretiva IVA. A segunda exceção, prevista no artigo 177.º da Diretiva IVA, visa a nova legislação.
Importará ainda mencionar a cláusula geral constante do artigo 395.º, n.º 1, da Diretiva, que permite introduzir medidas especiais derrogatórias para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.
Em conformidade com o previsto na Diretiva IVA, o Código do IVA determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos. Igualmente de acordo com o estatuído na Diretiva IVA, o legislador nacional vem determinar algumas situações excecionais de exclusão do direito à dedução em função do tipo de despesas em causa.
As regras do exercício do direito à dedução do imposto contemplam requisitos objetivos, mais ligados ao tipo de despesas, subjetivos, relativos ao sujeito passivo, e temporais, atinentes ao período em que é possível exercer o direito à dedução do IVA, os quais se devem verificar em simultâneo para se exercer o direito à dedução .
De acordo com o disposto nos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA, para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA suportado os sujeitos passivos mistos, como é caso, isto é,, aqueles que em simultâneo praticam operações que conferem direito à dedução de IVA e operações que não conferem tal direito e utilizam bens e serviços em ambas as operações, podem optar pela aplicação do designado método do pro rata ou pelo método da afetação real.
Assim, o n.º 1 do artigo 173.º Diretiva IVA vem determinar que:
“No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (…)”
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo”. Por sua vez, estatui o n.º 1 do citado artigo 174.º (a que correspondia o artigo 19.°, n.º 1, da Sexta Diretiva) que “O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes: - no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; - no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem esse direito à dedução.”
Por um lado, a Diretiva permite aferir sobre aquela proporção em função do método de percentagem de dedução ou pro rata, tendo por referência o peso do volume de negócios referente às operações que conferem direito a dedução em relação à globalidade das operações.
Por outro lado, de acordo com o n.º 2 daquele preceito, determina-se que os Estados membros podem autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se possuir contabilidades distintas para cada um desses sectores, obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas, e estabelecer que não se tome em consideração o imposto sobre o valor acrescentado que não pode ser deduzido pelo su- jeito passivo, quando o montante respetivo for insignificante.
O pro rata de dedução conforme refere a epígrafe do capítulo 2 da Diretiva IVA poderá, em síntese, ser aferida em função do método da percentagem de dedução, o denominado pro rata (que poderá ser geral ou sectorizado), determinado em função do volume de negócios e o regime alternativo, denominado entre nós por afetação real, que terá por base a utilização efectiva dos inputs.
Concluindo pela primazia na aplicação do método da afetação real, Xavier de Basto e Odete Oliveira referem que “(…) a leitura correta destas normas obriga a considerar esses procedimentos previstos na diretiva por ordem crescente de “finura” em termos de resultado a obter, constituindo a regra do pro rata, portanto, segundo esta leitura, a que conduz ao resultado menos rigoroso – e por isso ela é a regra aplicável sempre que não seja possível outro procedimento com resultado mais adequado.” Como adequadamente notam os autores, a Directiva IVA “(…) deixa aos Estados membros a possibilidade de aceitar ou mesmo impor os procedimentos mais rigorosos, reservando o pro rata como sistema residual e supletivo”.
O artigo 23.º do CIVA vem, nomeadamente. determinar o seguinte:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.”
Se atentarmos ao parágrafo 6.º do ponto 98 relativo às conclusões do Relatório do Grupo de Trabalho que entre nós se debruçou sobre esta questão, é-nos referido que a condição de sujeito passivo misto em sede de IVA, abrangida pelo disposto no artigo 23.º do CIVA, não resulta propriamente do exercício simultâneo de operações que conferem o direito à dedução e de operações que não conferem esse direito, mas sim, da utilização “mista” dos seus inputs, isto é, pela afetação simultânea dos inputs em que foi suportado IVA aos dois tipos de operações .
Neste sentido, o TJUE, em reiterada jurisprudência, tem entendido que, antes do mais, para efeitos do exercício do direito à dedução, deverá atender-se ao tipo de operações praticadas pelo sujeito passivo em que os bens ou serviços são utilizados. Se tais bens e serviços são afetos exclusivamente à prática de operações que permitem a dedução do imposto, apresentando uma relação direta e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, o respetivo IVA pode ser deduzido integralmente. Diversamente, caso os bens ou serviços adquiridos sejam afetos exclusivamente à prossecução de operações que não possibilitam a dedução do IVA suportado, tendo uma relação direta e imediata com essas operações e incorporando-se, em princípio, no custo das mesmas, então o respetivo imposto não pode ser objeto de dedução.
Assim, tal como a Administração Fiscal esclarece, a aplicação do método do pro rata restringe-se à determinação do imposto dedutível relativo aos bens e/ou serviços de utilização mista, isto é, aos bens e serviços utilizados conjuntamente em atividades que conferem o direito à dedução e em atividades que não conferem esse direito.
Por outro lado, caso os bens ou serviços se encontrem exclusivamente afetos a operações sujeitas a imposto mas isentas sem direito à dedução ou a operações que, embora abrangidas pelo conceito de atividade económica, estejam fora das regras de incidência do imposto ou de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica, o IVA suportado não pode ser objeto de dedução.
Caso se constate não ser possível estabelecer um nexo objetivo entre a operação a montante e a operação a jusante “(…) por respeitar a bens e serviços que são ou serão usados tanto em operações do primeiro como do segundo tipo, esse qualificar-se-á como “residual” e será então objeto de “repartição”(apportionment)(…)”.
O método de percentagem de dedução (pro rata), poderá ser afastado por aplicação, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo 23.º, do método de afetação real, que consistirá na possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços destinados a atividades que dêem lugar à dedução, mas impedindo, ao mesmo tempo, a dedução do imposto suportado em operações que não conferem esse direito.
Não se pode falar de um método de repartição mais apropriado para a dedução de inputs mistos, até porque tal deverá assentar numa análise casuística. No entanto, qualquer que seja o método de custos seguido, a aplicação prática da afetação real pressupõe a existência de uma relação entre as aquisições de bens e serviços efetuadas pelo sujeito passivo e as operações ativas correspondentes.
No Caso Securenta o TJUE foi chamado pronunciar-se sobre o critério de repartição adequado quando os inputs são simultaneamente afetos a uma atividade económica e a uma atividade não económica, tendo salientado que “a Sexta Diretiva não contêm qualquer disposição relativa aos métodos ou aos critérios que os Estados Membros devem utilizar na separação dos montantes de imposto a montante relativos à atividade económica dos relativos à atividade não económica.” No entanto, alerta que os Estados membros no exercício desse poder devem assegurar os objetivos prosseguidos pela Diretiva, não podendo contrariar o princípio da neutralidade fiscal.
A Autoridade Tributária entendeu sempre a aplicação prioritária do pro rata em detrimento da afetação real, contudo, esta posição foi invertida na sequência da alteração introduzida no artigo 23.º do CIVA. Efetivamente, pro rata e afetação real são agora percecionados pela Administração Fiscal, no âmbito do exercício de uma atividade económica, num plano de igualdade, de utilização facultativa, ambos norteados pelo magnum princípio da neutralidade económica do imposto e da tradução da objetiva afetação de cada input.
b) O método de percentagem de dedução (pro rata) e as operações de locação financeira
Como vimos, no contexto da separação ex post, em conformidade com o método da percentagem de dedução ou pro rata, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 23.º do CIVA, toma-se como referência, no seu numerador, o montante anual das operações que conferem direito a dedução, ponderado em função da totalidade das operações que se insiram no conceito de atividade económica.
A consideração, no denominador da fração, de operações que se insiram no âmbito do conceito de atividade económica, constitui uma evidente clarificação ocorrida por via da alteração legislativa incutida ao artigo 23.º do CIVA por parte da Lei do Orçamento do Estado para 2008, conduzindo, necessariamente, à alteração das orientações administrativas da AT e das posições entretanto assumidos pelos tribunais nacionais.
Na determinação da percentagem de dedução por esta via, deverá salvaguardar-se o facto de que apenas as operações inseridas no âmbito da atividade económica, conforme é delimitada pela Diretiva IVA e pela jurisprudência divulgada pelo TJUE, é que poderão influenciar o direito à dedução, por esta via, dos sujeitos passivos mistos.
A aplicação do método do pro rata suscita algumas questões fundamentais, tais como as que nos por ora nos ocupam.
4. O caso concreto
No presente processo está precisamente em causa aferir se na determinação do pro rata a Requerente procedeu corretamente ao ter considerado, quer no numerador quer no denominador, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e os valores de alienação/abate por destruição de bens locados.
Vejamos.
De acordo com o entendimento da AT não deverá ser incluído no numerador e no denominador da fração a componente de amortização de capital nas rendas dos contratos de locação financeira mobiliária (e, bem assim o valor de alienação/indemnização/abate de bens locados), mas apenas a componente de juros.
Assim, no Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, veio a AT estabelecer, designadamente, o seguinte: “Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD”.
Isto é, de acordo com o entendimento veiculado pela AT, nenhuma das situações supra referidas se consubstancia como um verdadeiro proveito, não podendo, por isso, integrar o volume de negócios e, consequentemente, fazer parte do cálculo do pro rata.
Neste contexto, a AT invoca, para efeitos de determinação do conceito de volume de negócios a que alude o n.º 1 do artigo 174.º da Diretiva IVA, o conceito de volume de negócios definido pelo Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro – relativo ao controlo das concentrações de empresas –,aplicável às instituições financeiras, segundo tem alegado a AT, por força da Comunicação constante do Jornal Oficial das Comunidades n.º C 66 de 02.03.1998.
Nestes termos, a AT conclui que o capital (correspondente à amortização financeira da operação) não constitui a remuneração de um qualquer serviço prestado, i.e., não consubstancia um proveito que possa influenciar o resultado do exercício e, assim sendo, não é passível de integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e., para apuramento do pro rata).
Neste contexto, na Informação n.º 1763, da Direção de Serviços de IVA, de 8 de Setembro de 2008 e no citado Ofício Circulado n.º 30108, conclui-se que apenas os juros e outros encargos é que constituem remuneração pelo serviço prestado, pelo que apenas estes podem ser considerados para efeitos do cálculo do pro rata, pelo que, do numerador, deverão ser excluídos os montantes correspondentes ao capital das rendas dos contratos de locação financeira e ao capital da alienação/indemnização de bens abatidos por destruição.
Ora, como bem salientam os Professores Doutores José Guilherme Xavier de Basto e António Martins , deve ser sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; sendo igualmente claro que o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respetivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
Com efeito, o entendimento da AT de tributar toda a renda, como determina o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, do CIVA, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio direto nos textos legais. Não se encontra prevista na legislação nacional a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata, não tendo o legislador nacional feito uso da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da aludida fração. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, no nosso ordenamento jurídico, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afetação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23.º do CIVA), ou, quando resultam do facto de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). É certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afetação real, a Administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas tais condições não podem consistir em alterações ao pro rata de dedução nos termos ora pretendidos pela AT.
De facto, as regras acolhidas na Diretiva do IVA, não obstante a margem concedida aos Estados membros no âmbito do exercício do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista, não atribuem à AT poderes para alterar o modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objetivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo.
Na realidade, a acolher-se o entendimento da AT, existiria manifestamente uma contradição entre o algoritmo de cálculo da percentagem de dedução e o princípio base que orienta esse cálculo, que é, como temos estado a analisar, o da dedução parcial em proporção do montante das operações que conferem direito à dedução.
Adite-se ainda que a jurisprudência do TJUE no denominado Caso Banco Mais, não poderá colher no sentido invocado pela AT.
Com efeito, neste Caso o TJUE considerou que a Sexta Diretiva do IVA não se opõe a que os Estados membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método. 131.º Ora, analisado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais, conclui-se que parte de uma premissa que não está correta, dado assumir uma interpretação, sem na realidade verificar se a lei portuguesa (o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
De facto, não se nos afigura que o normativo constante do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) represente uma transposição para o direito interno da regra da determinação do direito à dedução acolhida no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que se configura como uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, de tal Diretiva.
No mesmo sentido, já se pronunciou o Tribunal Arbitral nas suas decisões proferidas nos Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T14, a cujas conclusões aderimos.
Termos em que se conclui que o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, não confere a possibilidade à AT de, no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fração do pro rata de dedução, pelo que a imposição de utilização do “coeficiente de imputação específico” indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade ao qual a AT se encontra subordinada em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT), devidamente explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, devendo assim proceder o pedido de pronúncia arbitral.
O Árbitro,
Guilherme W. d'Oliveira Martins
Declaração de Voto – Árbitra Catarina Belim
A presente declaração de voto visa esclarecer que o voto dado enquanto Árbitra neste coletivo, no sentido de improcedência do pedido, tem em conta a revisão da posição quanto à matéria de direito tendo em conta a jurisprudência uniformizadora do STA: a Requerente não conseguiu demonstrar que o consumo de recursos de utilização mista pela sua atividade de leasing foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens locados, ónus que, de acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo acima referida, lhe competia.
A árbitra,
Catarina Belim
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.