DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
-
No dia 26 de agosto de 2026, a sociedade A..., Lda., com o número de identificação de pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, relativos ao período de 2019, com o número 2022 …, no valor de € 37.710,15 e de juros compensatórios no valor de € 2.319,31, num total de € 40.029,46.
-
Para fundamentar o seu pedido a Requerente, alega, em síntese, que:
-
A Requerente considera que a liquidação objeto de correção determina a reversão de uma perda por imparidade constituída em 2016 e que em 2019 tinha o valor de € 19,645,44, e que tinha sido admitida como custo fiscal em tal ano, seja revertida e considerada como rendimento em 2019;
-
Ora, para além da Ordem de Serviço Interna não permitir que o âmbito da inspeção seja alargado ao ano de 2016, também a caducidade de liquidar o imposto prevista no artigo 45.º da LGT, impede a liquidação ora controvertida;
-
Por impugnação, considera ainda que a AT, ao não reconhecer a possibilidade de existência de imparidades entre o valor histórico de aquisição e o valor realizável líquido estimado, está a impedir o reconhecimento de quaisquer imparidades em existências, o que viola o disposto no artigo 28.º do CIRC que reconhece tal possibilidade. Tal contraria ainda o disposto no artigo 17.º do CIRC ao afastar injustificadamente a presunção de que beneficia a contabilidade do contribuinte e a presunção conferida pela certificação legal de contas emitida por Revisor Oficial de Contas.
-
Por fim, o entendimento da Requerida que considera uma “impossibilidade” contabilística e fiscal a existência de bens cujo valor de aquisição seja objeto de imparidade ou ajustamento integral (100%), por obrigatoriamente tais bens deverem ser consideradas quebras em inventários e sujeitos a destruição física, constitui uma violação do conceito de Valor Realizável Liquido - preço de venda deduzido das despesas de comercialização, reembalagem, recondicionamento, distribuição ou outras necessárias para a obtenção do rendimento. Se tais despesas são estimadas como superiores ao preço de venda passível de ser obtido atualmente, o bem tem um valor atualmente igual a zero, e a imparidade pode ser suficiente. Não se vislumbra, por outro lado, a obrigação legal de o destruir, sendo uma decisão de gestão a manutenção do bem com a intenção de, no futuro, venha a ser possível a venda por um valor superior ao das despesas de venda.
-
No dia 26-08-2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
-
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
-
Em 14-10-2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
-
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 02-11-2022.
-
Notificada para a Resposta, a Requerida alega que:
-
O artigo 28.º do CIRC “Perdas por imparidade em inventários”, prevê o reconhecimento de perdas por imparidade nas situações em que o valor realizável líquido é inferior ao custo de aquisição ou de produção, admitindo a dedução para efeitos de apuramento do lucro tributável, das perdas por imparidade em inventário, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição e o respetivo valor realizável líquido.
-
O valor realizável líquido é determinado nos termos do art.º 26.º, n.º 4 do CIRC, que estabelece os preços de venda a considerar, a saber: (i) os constantes de elementos oficiais; (ii) os últimos preços que em situações normais tenham sido praticados pela entidade e, (iii) os preços que, no final do período, forem correntes no mercado desde que sejam considerados idóneos e de controlo inequívoco.
-
Uma vez que o valor realizável líquido aceite para efeitos do normativo fiscal, corresponde ao preço de venda estimado, determinado nos termos acima indicados, concluímos que, no caso concreto, o valor de venda estimado não foi apurado nos termos do art.º 26.º, n.º 4 do CIRC, não estando devidamente comprovada a imparidade por via da diferença entre o preço de aquisição e o valor realizável líquido, tal como é fiscalmente aceite.
-
Mais, verificou-se que constando vários produtos em stock com uma imparidade registada a 100%, associada à alegada “desvalorização técnica”, tal configura uma quebra nos inventários considerada anormal, isto é, não decorrente das condições normais de exploração, tendo em conta que o valor que se espera receber desses artigos armazenados é nulo. Nesta circunstância, o sujeito passivo deve comunicar e comprovar a destruição ou inutilização dos bens obsoletos, para ilidir a presunção do art.º 86.º do CIVA e para suportar a sua aceitação como gasto fiscal, nos termos do art.º 23.º do CIRC.
-
Concluiu, assim, a Requerida que a imparidade de existências criada em 2019 não reúne as condições de aceitação para efeitos do normativo fiscal que as regulamenta, devendo ser acrescidas no Quadro 07, na Modelo 22, no Campo 718, em conformidade.
-
No dia 18 de abril de 2023 foi realizada a reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT e ouvidas as testemunhas apresentadas pelas Requerente e Requerida.
-
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir decisão.
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
-
A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto a prestação de serviços de conceção e implantação de sistemas de comunicação e multimédia, e à comercialização de equipamentos eletrónicos e elétricos relacionados com tal atividade.
-
Em 2019, conforme Documentos n.ºs 4 e 5 apresentados junto à P.I., a Requerente concluiu que os “artigos que foram adquiridos em 2004 até 2014, logo mais de 5 e até 15 anos de antiguidade na empresa, dificilmente serão vendidos a menos que se invista para tal mais, em tempo de vendedores, na adaptação do produto e em abatimentos ao prego, mais do que o valor por que se encontram atualmente registados.
Razão pelo que consideramos o seu valor como nulo atualmente.
Não significando que num futuro e em outras condições os mesmos não possam ser vendidos.
Em relação a produtos adquiridos após 2015, atendo ao processo de utilização dos mesmos em projetos que reúnem as últimas soluções da técnica, os mesmos têm um valor que se vai reduzindo consoante a idade. Pelo que produtos adquiridos em 2015, já objeto de profunda desatualização o seu previsível valor de venda já não ultrapassará o valor líquido de 40% do valor de aquisição.
Para os adquiridos em 2016, admitimos como muito provável uma desvalorização de 40% em relação ao prego de custo, e em relação aos de 2017 uma desvalorização já estimada de 20%, sendo que em relação a 2018, entendemos que o valor de aquisição já não será atingido na sua totalidade, mas que retiradas as despesas de venda, no se perdera mais do 10% do custo de aquisição.
-
Foi, pelas razões expostas, reconhecida na contabilidade e aceite fiscalmente no período de 2019 uma perda por imparidade no montante de € 137.647,22;
-
Em 20-12-2021 foi emitida a Ordem de Serviço n.º OI 2021… tendo em vista a realização de uma ação de inspeção tributaria interna parcial à Requerente relativa ao IRC do período de 2019, especificamente para controlo do tratamento contabilístico e fiscal das provisões e imparidades.
-
Por Ofício de 28-03-2022, recebido a 30-03-2022, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção tributária e das correções resultantes, nomeadamente a desconsideração fiscal das perdas por imparidade acumuladas no valor global de 157.292,66 (perdas por imparidade de € 137.647,22 reconhecidas em 2019 e € 19.654,44 reconhecidas em 2016).
-
As correções deram lugar à liquidação adicional de IRC n.º 2022 …, de 11-04-2022, no valor total de 37,710,15 (acerto de liquidação de 35,390,84, a que acrescem juros compensatórios de 2.391,31).
-
A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral para impugnação daquela liquidação.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
A questão decidenda nos presentes autos resulta da desconsideração por parte da AT, na sequência da ação inspetiva realizada, das perdas por imparidade em inventários acumuladas, no valor global de 157.292,66.
O artigo 17.º do Código do IRC concretiza o modelo de dependência parcial do IRC relativamente ao resultado contabilístico: o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período (apurado nos termos definidos pelas normas contabilísticas) e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do Código do IRC.
No caso específico, é fundamental conhecer quer as normas contabilísticas quer as normas fiscais para aferir se os requisitos são os mesmos – o que evita eventuais correções fiscais no apuramento do lucro tributável – ou, se pelo contrário, os requisitos fiscais para o reconhecimento das perdas por imparidade são distintos dos critérios contabilísticos, o que obriga a que no apuramento do lucro tributável o sujeito passivo verifique se as perdas por imparidade reconhecidas na contabilidade cumprem os requisitos fiscais.
Vejamos.
Em termos contabilísticos, o tratamento das imparidades em inventários é estabelecido pela NCRF 18 que determina no seu parágrafo 28 que o custo dos inventários pode não ser recuperável se: a) se os inventários estiverem danificados;
b) Se estiverem obsoletos;
c) Se os seus preços de venda tiverem diminuído; e
d) Se os custos estimados para o seu acabamento ou para realizar a sua venda tiverem aumentado.
Assim, quando o valor realizável líquido é inferior ao custo deverá ser feito um ajustamento através de subconta apropriada “Perdas por imparidade acumuladas”, o qual irá deduzir ao valor dos Inventários (que se encontram contabilizados ao custo).
O reconhecimento da perda por imparidade (NCRF 18, § 34) implica o reconhecimento de um gasto no período em que a perda foi reconhecida. A imparidade não implica, todavia, o desconhecimento do ativo, devendo a sua diminuição ser relevada numa conta específica de inventários porquanto, se num período posterior ocorrer um evento que determine a diminuição do valor da perda por imparidade, a mesma deve ser revertida.
De acordo com a NCRF 18, § 30, as estimativas do valor realizável líquido são baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis no momento em que sejam feitas as estimativas, quanto à quantia que se espera que os inventários venham a realizar. Estas estimativas tomam em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim do período, na medida em que tais ocorrências confirmem condições existentes no fim do período.
Ao ser efetuada a estimativa do valor realizável líquido, importa atender em determinados casos à finalidade de detenção do inventário (NCRF 18, § 31).
Para efeitos fiscais, o artigo 23.º, n.º 2, ao tipificar alguns dos gastos que cumprem com o critério geral de dedutibilidade previsto no n.º 1, estabelece que são dedutíveis as perdas por imparidade (al. h)).
No artigo 26.º, ao regulamentar as regras fiscais de mensuração dos inventários, determina-se que:
1 - Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação dos critérios de mensuração previstos na normalização contabilística em vigor que utilizem:
a) Custos de aquisição ou de produção;
b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;
c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;
d) Preços de venda dos produtos colhidos de ativos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;
e) (Revogada).
(...)
4 - Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco. (nosso sublinhado)
Quanto à dedutibilidade das perdas por imparidade em inventários, o artigo 28.º estabelece que:
1 - São dedutíveis no apuramento do lucro tributável as perdas por imparidade em inventários, reconhecidas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores, até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respetivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da atividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda. (nosso sublinhado)
3 - A reversão, parcial ou total, das perdas por imparidade previstas no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável.
(...)
Atendendo à remissão do n.º 2 do artigo 28.º para o n.º 4 do artigo 26.º, para a determinação do valor realizável líquido devemos atender aos seguintes critérios:
-
Os constantes de elementos oficiais;
-
Os últimos preços que em situações normais tenham sido praticados pela entidade e,
-
Os preços que, no final do período, forem correntes no mercado desde que sejam considerados idóneos e de controlo inequívoco.
Se o preço não é determinado de forma objetiva e direta pelos elementos oficiais ou pelos últimos preços praticados é necessário demonstrar a sua idoneidade ou que o seu controlo seja inequívoco.
Do exposto, resulta claro que os critérios fiscais para o reconhecimento das perdas por imparidade são distintos dos critérios contabilísticos: do ponto de vista contabilístico, exige-se que seja feita uma estimativa fiável quanto à quantia que se espera que os inventários venham a realizar; do ponto de vista fiscal, a prova de preços correntes de mercado, desde que sejam considerados idóneos e de controlo inequívoca.
No caso, a definição do valor de perdas por imparidade a reconhecer foi determinado por análise da antiguidade ou rotação dos mapas de inventários, coma definição de um critério objetivo com os seguintes limites:
- Mais de 5 anos – 100%;
- Com mais de 4 anos e menos de 5 anos – 60%;
- Com mais de 3 anos e menos de 4 anos – 40%;
- Com mais de 2 anos e menos de 3 anos – 20%;
- Com mais de 1 ano e menos de 2 anos – 10%.
Ora, em momento algum, decorre dos documentos apresentados ou dos testemunhos apresentados, a fundamentação dos limites estabelecidos: porque 60% e não 80% ou 50% passados 4 anos? As perdas são uniformes em todo o tipo de inventários? Quais as evidências/provas de vendas com estas percentagens de redução de valor?
Não está em causa a afirmação – alegadamente evidente e notória - de que determinados inventários sofrem de obsolescência técnica, nomeadamente aparelhos eletrónicos de comunicação, mas a prova objetiva e idónea de que o seu valor de mercado ao final de “x” anos é de menos 20%, 40% ou 60%.
Não foram apresentados nem documentos internos (vendas efetuadas pela própria empresa) nem externos (preços cobrados por eventuais concorrentes de mercado que vendam os mesmos produtos) idóneos que demonstrem, para cada tipo de inventário, que o valor de venda, em mercado, é inferior ao valor de aquisição. Mesmo quanto aos produtos que foram objeto de reconhecimento por imparidade, não foi provado qual o valor de venda desses produtos, de forma a que se comprovasse a eventual perda de valor de mercado.
Diga-se também que a aplicação voluntária pelo sujeito passivo de um critério de antiguidade similar àquele que o legislador estabeleceu para as perdas por imparidade em créditos estabelecida no n.º 2 do artigo 28.º-B olvida a existência de critérios legais específicos no n.º 4 do artigo 26.º, por remissão do n.º 2 do artigo 28.º para as perdas por imparidade em inventários. Ainda assim, em comum com aquelas perdas temos a necessidade de a perda de valor ter que ser expressamente justificada, o que não aconteceu.
Por todo o exposto, o Tribunal Arbitral entende que as provas apresentadas pela Requerente não demonstram, de forma objetiva e idónea, as imparidades registadas. Assim, a desconsideração para efeitos fiscais dos gastos incorridos pela Requerente com o ajustamento em inventários reconhecidos em 2019, no montante de € 137.647,22, realizada pela AT, foi legal e encontra-se justificada.
A Requerente alega ainda na impugnação que a liquidação objeto de correção determinou a reversão da perda por imparidade constituída em 2016, com o valor em 2019 de € 19,645,44, e que tinha sido admitida como custo fiscal em tal ano. Tal determinará – conclui a Requerente - a desconsideração de um gasto reconhecido em 2016, liquidação cuja correção já não é possível por ter caducado a hipótese de correção daquele período, nos termos do artigo 45.º, n.º 1 da LGT.
De acordo com o disposto no relatório da inspeção tributária, “A conta 329 – Perdas por imparidade acumuladas apresentava no início de 2019 o saldo credor de € 19,645,44, aquando da regularização das imparidades dos inventários de 2019 foi debitada pelo mesmo valor, e creditada pelo valor das imparidades calculadas no final de 2019. Sendo que o valor final apurado para Perdas por imparidade acumuladas em 2019 foi de 157.292, 66 €, sendo que o valor da conta “652 Perdas em Inventários”, no final de 2019, foi o reforço da imparidade no valor de 137.647,22 €.”
Conforme referido e ficou provado, a correção efetuada no valor de 157.292, 66 € incorpora o valor das perdas por imparidade reconhecidas na contabilidade em 2019, bem como o valor de € 19,645,44 que já constava na contabilidade e que corresponde a uma perda por imparidade reconhecida em 2016. Deste modo, no apuramento do lucro tributável, a AT desconsiderou o gasto contabilístico do período de 2019, no valor de 137.647,22 €, e reverteu, para efeitos fiscais, a perda por imparidade em inventários reconhecida em 2016, no valor de € 19,645,44.
Ora, a correção global efetuada pela AT tem como fundamento a não aceitação fiscal do critério utilizado pela Requerente para a determinação do valor realizável líquido, em violação do n.º 4 do artigo 26.º do Código do IRC. Deste modo, as perdas por imparidade reconhecidas em 2016 e 2019 não poderiam ter sido consideradas fiscalmente no apuramento do lucro tributável de 2016 e 2019, pelo que verificada a ilegalidade das mesmas, cabe, ao abrigo do princípio da periodização, corrigir o lucro tributável e consequente imposto liquidado dos períodos de 2016 e 2019.
Com efeito, aceitar a correção feita em 2019 de uma perda por imparidade reconhecida em 2016 só poderia sustentar-se na respetiva reversão parcial ou total prevista no n.º 3 do artigo 28.º do CIRC, por se ter comprovado, de acordo com as evidências à data do encerramento do período de 2019, que não se mantém a perda por imparidade daqueles inventários. Não é esta a circunstância que aqui está em causa: a ilegalidade alegada e aceite por este tribunal é que o critério utilizado para a determinação das perdas por imparidade não é aceite, pelo que não deveria sequer ter sido aceite fiscalmente a perda por imparidade.
Em conformidade, a não dedutibilidade fiscal da perda por imparidade em inventários reconhecida em 2016 determina a eventual a ilegalidade parcial da liquidação do IRC de 2016. A sua consideração em 2019 viola o princípio da periodização previsto no artigo 18.º do Código do IRC que determina que os gastos e rendimentos devem ser imputados ao período de tributação em são obtidos ou suportados.
Assim, por vício de violação de lei, procede a impugnação da Requerente quanto tributação como rendimento em 2019 do valor da reversão da perda por imparidade reconhecida em 2016, no valor de € 19,645,44.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedente o pedido arbitral formulado na parte relativa à desconsideração fiscal das perdas por imparidade reconhecidas contabilisticamente em 2019, no valor de 137.647,22 €.
-
Julgar procedente o pedido arbitral formulado na parte relativa à tributação em 2019 da reversão da perda por imparidade reconhecida em 2016, no valor de € 19,645,44;
-
Consequentemente, julgar parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação n.º 2022 … relativa ao IRC e juros compensatórios, na proporção determinada nos termos previstos nas alíneas a) e b).
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 37,710,15, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e Requerida na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 229,31 a cargo da Requerida e € 1.606, 69 a cargo da Requerente, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de julho de 2023
O Árbitro
(Amândio Silva)