Processo n.º 137/2015-T
I – Relatório
1.1. A, pessoa colectiva n.º …, com sede no … (doravante designada por «requerente»), submete à apreciação do presente Tribunal, em 27/2/2015, um pedido de pronúncia arbitral “com vista à declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2013”, respeitantes às segundas e terceiras prestações, com última data de pagamento a 30/11/2014, no montante total de €39.804,54, e relativos a prédios urbanos descritos na matriz predial urbana: do SF de ..., … (...), Freguesia de ..., sob o art. ....º; do SF de … (...), Freguesia de ..., sob o art. ....º; do SF de … (...), Freguesia de …, sob o art. 462.º; e do SF de Oeiras (...), ..., sob o art. ….º.
1.2. Em 7/5/2015 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta a 9/6/2015, tendo argumentado, em síntese, as seguintes excepções: i) excepção dilatória por “manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral”; e ii) excepção de caso julgado, “na medida em que os actos tributários de liquidação impugnados pela Autora no presente pedido de pronúncia arbitral, embora reportados às segundas e terceiras prestações, foram declarados ilegais e anulados na decisão proferida no processo n.º 467/2014-T, já transitado em julgado, e em fase de execução”.
1.4. A requerente, notificada da resposta da AT, respondeu, por escrito, às excepções invocadas, em requerimento de 19/6/2015, o qual foi notificado à requerida.
1.5. Considerando que a requerente já se tinha pronunciado por escrito sobre eventuais excepções, o presente Tribunal considerou, ao abrigo do art. 16.º, al. c), do RJAT, dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse para decisão, tendo fixado a data de 30/6/2015 para a prolação da mesma.
1.6. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
1.7. No seu pedido de pronúncia, a requerente afirma pretender que “sejam declarados ilegais e inconstitucionais os mencionados atos de liquidação de imposto de selo (e as normas que a seguir se mencionam, com a dimensão interpretativa conferida pela AT), sob o património imobiliário, constante na verba n.º 28 da TGIS, nos termos em que foi aplicada pela AT”. Em síntese, invoca que: a) “ao contrário [do que entende a] AT, [...] não deve ser tido em conta o somatório dos VPT de cada andar e divisão para aferir da incidência ou não do imposto de selo”; b) “a sujeição [ao imposto de selo contido na verba n.º 28.1 da TGIS], tratando-se de prédios com as características já descritas, [...] é determinada não pelo VPT dos prédios, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões suscetíveis de utilização independente”; c) “só haveria lugar a incidência de novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a €1.000.000,00”; d) “em conclusão, os critérios adoptados pela AT violam os princípios da legalidade e igualdade fiscal, bem como o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”; e) “do que ficou dito, resulta que as citadas normas, com a interpretação que a AT lhes deu [...], são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do que dispõe o art. 104.º, n.º 3, da CRP”.
1.8. A ora requerente conclui requerendo: “a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do imposto de selo supra identificados, e a consequente anulação, com todas as consequências legais, por os mesmos violarem o normativo constante da verba n.º 28.1 da TGIS; e serem manifestamente inconstitucionais, por decorrentes de interpretação inconstitucional das normas citadas supra, a reconhecer, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP; mais se requer o reembolso das quantias pagas, referentes aos concretos montantes do Imposto de Selo ora impugnado, acrescidas dos juros moratórios e indemnizatórios.”
1.9. Por seu lado, a AT alega, na sua contestação, e em síntese, que: a) “atendendo à manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, ocorre a excepção dilatória prevista na al. c) do n.º 1 do art. 89.º do CPTA, subsidiariamente aplicável pelo art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância”; b) “na medida em que os actos tributários de liquidação impugnados pela Autora no presente pedido de pronúncia arbitral, embora reportados às segundas e terceiras prestações, foram declarados ilegais e anulados na decisão proferida no processo n.º 467/2014-T, já transitado em julgado, e em fase de execução, ocorre a excepção de caso julgado prevista na al. i) do n.º 1 do citado art. 89.º do CPTA, o que obsta igualmente ao conhecimento do mérito e conduz à absolvição da AT da instância.”
1.10. Conclui a AT que “devem [as excepções invocadas] ser julgadas procedentes, por demonstradas, quer a inimpugnabilidade do objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, quer a excepção de caso julgado, absolvendo-se a entidade requerida da instância, com todas as consequências legais.”
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1.11. Em Julho de 2014, a ora requerente deu entrada a um pedido de pronúncia arbitral no CAAD, ao qual foi atribuído o registo n.º ..., tendo sido validade e aceite, em 8/7/2014, como processo em fase de procedimento arbitral.
1.12. Nesse pedido, que viria a ser autuado sob o proc. n.º 467/2014-T, a requerente pedia, como refere na sua presente p.i., “a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade, e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.1 da TGIS” [...], todos referentes “à primeira prestação do imposto de selo liquidado por referência [a 2013]”.
1.13. Na sua presente p.i., a requerente informa, ainda, que aquele proc. n.º 467/2014-T encontrava-se a aguardar decisão arbitral e que, para “prevenir um eventual entendimento que veja nesse pedido uma aptidão para anular apenas parcialmente a liquidação de IS verba 28.1 da TGIS do ano de 2013, em relação aos mencionados imóveis, restringindo-a ao valor da primeira das prestações devidas a esse título”, apresenta, “por dever de patrocínio e em cumprimento de um dever de zelo e cautela, [...] um novo pedido de pronúncia arbitral [que é o que está agora em análise].”
1.14. Conforme informação da AT, na sua resposta de 9/6/2015, “os actos tributários de liquidação impugnados pela Autora no presente pedido de pronúncia arbitral, embora reportados às segundas e terceiras prestações, foram declarados ilegais e anulados na decisão proferida no processo n.º 467/2014-T, já transitado em julgado, e em fase de execução”.
1.15. A informação da AT foi confirmada pela resposta da requerente às excepções invocadas, ao afirmar que, “entretanto, veio a ser proferida douta decisão naquele processo n.º 467/2014-T, concedendo provimento à pretensão da ora requerente”. Mais afirma a requerente que, “apesar de ter admitido que se pudesse entender de maneira diferente (o que justificou o [presente] pedido de constituição do tribunal arbitral), a verdade é que o entendimento da requerente, vertido na introdução do pedido de constituição do tribunal arbitral é no sentido de afirmar que a decisão proferida no Processo 467/2014-T esgota o tema da decisão a proferir sobre o ato verdadeiramente impugnável – liquidação relativa a cada unidade independente –, com a qual, por referência a todas e a cada uma das unidades afectas à habitação, foi declarada ilegal e anulada a respectiva liquidação de imposto, constituindo todas e cada uma das prestações apenas uma técnica de cobrança do imposto. Em face deste entendimento, e até concordância com o entendimento também vertido pela AT [na sua resposta], não poderão deixar de se admitir as devidas consequências.”
II – Da Excepção por Inimpugnabilidade Autónoma das Prestações
Tendo em consideração que foram invocadas pela AT as excepções supra referidas, justifica-se, previamente, a sua apreciação (v. art. 608.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT). Nestes termos, justifica-se, agora, saber se, como alega a ora requerida, ocorre a “manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral”.
Com efeito, lendo o disposto no CIS, verifica-se que o imposto em causa é liquidado anualmente (art. 23.º, n.º 7) e que deve ser pago nos prazos, termos e condições definidos no art. 120.º do CIMI (art. 44.º, n.º 5). Por sua vez, o referido art. 120.º do CIMI prevê, no seu n.º 4, que “o não pagamento de uma prestação [...] no prazo estabelecido implica o vencimento imediato das restantes”.
Do supra exposto decorre que se está perante um caso em que, à semelhança do que sucede com as prestações de IMI, o pagamento de cada uma das prestações do imposto não constitui pagamento parcial da liquidação, antes uma mera técnica de cobrança do imposto (o que é reconhecido pela requerente na sua resposta às excepções invocadas pela AT).
Também neste sentido, ver, por exemplo, a DA proferida no proc. n.º 726/2014-T, de 10/3/2015: “uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto, porquanto, nos termos do n.º 7, do artigo 23.º, do Código do Imposto do Selo, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º, da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, «7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI» (sublinhado nosso). Ora, a expressão «o imposto é liquidado anualmente» indicia que é efetuada uma única liquidação anual, embora a mesma possa ser dividida, para efeitos de pagamento, em prestações, e não tantas liquidações quantas as prestações em que o débito deva ser satisfeito – a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas. [...]. As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual, de acordo com a lição de Braz Teixeira: «É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por atos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efetuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação.»”
Ver, ainda, a DA proferida no proc. n.º 205/2013-T, de 7/3/2014: “Da circunstância do valor da liquidação [de Imposto de Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações. Trata-se, diferentemente, duma liquidação que pode ser paga em várias prestações”. Igualmente no sentido da incindibilidade, mas agora de actos tributários de IMI (o que aqui é também relevante, dada a remissão prevista no art. 67.º, n.º 2, do CIS), ver, por ex., a DA proferida no proc. 120/2012-T, de 12/6/2013.
Em síntese: não sendo cada uma das prestações relativas a liquidação de Imposto do Selo autonomamente impugnáveis, conclui-se, pelas razões supra indicadas, que este Tribunal é incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto do litígio sub judice, nos termos do disposto no art. 89.º, n.º 1, al. c), do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, por ocorrer excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no art. 576.º, n.os 1 e 2, do CPC, ex vi art. 2.º, al. e), do CPPT, e art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT, a qual obsta ao conhecimento do pedido e conduz à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT.
III – Da Excepção de Caso Julgado
Ao abrigo do disposto no art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Ora, considerando a solução dada à questão da incompetência do presente Tribunal por razão da inimpugnabilidade autónoma das prestações, torna-se inútil a apreciação da questão relativa à excepção de caso julgado (vd. art. 89.º, n.º 1, al. i), do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT; e art. 580.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) – contudo, é forçoso reconhecer que também esta excepção é procedente, uma vez que o proc. arbitral n.º 467/2014-T já tem decisão transitada em julgado, encontrando-se em fase de execução.
Note-se, por último, que a repetição da causa é evidente pois, como assinala a AT, “a causa de pedir nos presentes autos e no processo n.º 467/2014-T procede dos mesmos factos jurídicos concretos – os actos de liquidação do Imposto de Selo, verba 28, emitidos em 17/03/2014, referentes ao ano de 2013, com a mesma taxa e os mesmos VPTs, relativos aos mesmos andares dos mesmos prédios urbanos – e fundamenta legalmente a pretensão do A., consistente na anulação dos actos de liquidação expressos em todas as primeiras, segundas e terceiras prestações.” É também por essa razão que a requerente reconhece, na sua resposta às excepções invocadas, que “o entendimento da requerente, vertido na introdução do pedido de constituição do tribunal arbitral, é no sentido de afirmar que a decisão proferida no Processo 467/2014-T esgota o tema da decisão a proferir sobre o ato verdadeiramente impugnável”.
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IV – Decisão
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente a excepção dilatória por razão da inimpugnabilidade autónoma das prestações, e a excepção de caso julgado, invocadas pela requerida;
- Absolver a requerida da instância (artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e), do RJAT).
Fixa-se o valor do processo em €39.804,54 (trinta e nove mil oitocentos e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerente, no montante de €1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dadas as excepções supra assinaladas, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 30 de Junho de 2015.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.