SUMÁRIO:
Ocorre inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se a Requerente, após a constituição do Tribunal Arbitral, obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação do acto tributário impugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Catarina Gonçalves e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., residente em ..., ..., Loures, ...-... ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021... e da liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, no valor de € 140.311,08, acrescido de juros compensatórios no valor de € 18.774,77, num total de € 159.085,85.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 27 de Abril de 2023 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 19 de Janeiro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 3 de Julho de 2023, tendo sido nesta mesma data notificada a Requerida para apresentar a sua resposta.
5. Em 20 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou um requerimento nos autos no qual informou que “(…) por despacho da Subdiretora Geral/IR de 2023-09-09, foi revogada a liquidação de IRC n.º 2021..., referente a retenção na fonte do período de 2017, no valor total a pagar de €159.085,85, em conformidade com a teor da Informação I2023 000338, de 30.05.2023 que se anexa”.
6. Em 20 de Setembro de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, informando os autos sobre o seu interesse na manutenção da instância.
7. Em 22 de Setembro de 2023, o Requerente apresentou requerimento no qual veio declarar que “nada tem a opor à extinção da instância”.
8. Em 2 de Outubro de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
II. SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades. O pedido de extinção da instância será apreciado na matéria de Direito.
III. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
10. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária externo e de âmbito parcial, ao IRC do período de tributação de 2017, que foi tramitado sob a ordem de serviço n.º OI2019...;
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Na sequência daquele procedimento, a Requerente foi notificada da liquidação de retenções na fonte n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, no valor de € 140.311,08, acrescido de juros compensatórios no valor de € 18.774,77, num total de € 159.085,85;
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Em 27 de Abril de 2023, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à AT a informar da entrada do pedido de constituição de tribunal arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído;
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Em 28 de Abril de 2023, os serviços tributários da AT foram notificados da apresentação do pedido arbitral, tendo a notificação sido confirmada por Fátima Soares;
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Em 3 de Julho de 2023, foi constituído o Tribunal Arbitral;
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Por despacho Sra. Subdirectora-Geral dos Impostos sobre o Rendimento, de 9 de Setembro de 2023, foi revogado o acto de liquidação de retenções na fonte de IRC n.º 2021..., referente ao período de 2017, no valor total a pagar de € 159.085,85, em conformidade com a teor da Informação I2023 000338, de 30 de Maio de 2023;
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Em 20 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou Requerimento no qual deu conhecimento da revogação do referido acto de liquidação.
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Factos não provados
11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
13. No decurso do presente processo, já após a constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida revogou totalmente os actos de liquidação impugnados pela Requerente, razão pela qual esta veio declarar que não tinha interesse na manutenção da instância.
14. Uma vez que a Requerente obteve já a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o pedido arbitral que apresentou, seria inútil prosseguir com a apreciação da legalidade dos actos de liquidação impugnados. Actos esses que, nesta fase, inexistem na ordem jurídica como tal, porquanto foram revogados pela AT.
15. A este respeito, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
16. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
17. Em face do exposto, julga este Tribunal procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, isto é, à legalidade e consequente anulação dos actos tributários impugnados pelo Requerente, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar extinta a instância;
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Absolver a Requerida da instância; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 159.085,85.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, visto que apenas revogou o acto de liquidação após a constituição do tribunal arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Outubro de 2023
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
A Árbitra Adjunta,
Catarina Gonçalves
O Árbitro Adjunto,
Ricardo Rodrigues Pereira