Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 80/2023-T
Data da decisão: 2023-09-26  IRS  
Valor do pedido: € 16.062,72
Tema: IRS – retenção na fonte; IRC – custos dedutíveis.
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            SUMÁRIO:

 

I – As facturas emitidas em nome do sujeito passivo, das quais constem todos os demais requisitos prevenidos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, não têm obrigatoriamente que exibir também os NIF’s do fornecedor e do adquirente, quando algum destes seja entidade sem residência ou estabelecimento estável no território nacional, como consta expressamente da al. b) daquele n.º 4, a contrario.

 

II - Perante a prova de que as facturas não se destinaram a outra contabilidade que não a do próprio sujeito passivo (reflectindo gastos dedutíveis à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC), e de que a inserção em tais facturas de um NIF doutrem radicou num mero erro material do fornecedor terceiro, alheio à relação jurídico tributária controvertida, e não imputável ao contribuinte  visado, não haverá lugar a correcção alguma da matéria tributária.

 

III – Demonstrado que o gerente adiantou à sociedade determinadas quantias para fazer face a variadas despesas, entre as quais almoços, combustíveis, viagens e estadias integradas no âmbito da actividade da Empresa, em situações de dificuldades de tesouraria, contabilizadas a crédito desse gerente, não há lugar a presumir-se que tais despesas constituem adiantamentos por conta de lucros ou rendimentos de capitais, nos termos da alínea h), do n.º 2 do artigo 5.º e do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS.

 

IV - As declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita presumem-se verdadeiras e de boa-fé (artigo 75.º da LGT), pelo que a mera circunstância de o contribuinte não apresentar elementos tidos pela AT como complementares de factura referente a viagens (bilhetes de avião, contactos efectuados,...) não justifica, sem mais, a desconsideração de tal factura como gasto fiscalmente dedutível.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

            I.         Relatório

 

A... LDA., doravante mencionada como Requerente, com o número único de matricula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., veio apresentar pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, tendo em vista a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos de liquidação de imposto que lhe foram notificados, a saber: (i) Apuramento proveniente de liquidação de retenções na fonte de IRS, liquidação mais juros compensatórios no valor de 9.547,63 € (8.650,00 € + 896,63 €); (ii)Apuramento proveniente de liquidação de IRC mais juros compensatórios, no valor de 6.515,09 € (4.510,72 € + 2.004,37 €), actos decorrentes do procedimento de inspeção, credenciado pela ordem de serviço n.º OI2021... .

Peticiona a devolução destes impostos, que considera indevidamente cobrados e dos juros, no valor total de 16.062,72 €, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

Em 10 de Fevereiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro deste Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

O Tribunal Arbitral ficou constituído em 18 de Abril de 2023.

 

            Em 23 de Maio de 2022, a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) revogou parcialmente os actos impugnados, em concreto no tocante  à correcção “Conta 64241 – VIATURAS DE TRABALHO – veículo com a matrícula...– FORD TRANSIT: artigos 4.º a 19º do ppa”, tendo mantido tudo o mais, em defesa por impugnação, e concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências.

            Por despacho de 24-05-2023, ordenou-se a notificação da Requerida para juntar aos autos toda a documentação relacionada com a revogação parcial dos actos impugnados, à qual se refere nos artigos 11.º a 20.º da sua Resposta, o que viria a suceder, em 01-06-2023, com a AT a informar que: “A 15.05.2023 foi remetida, ao mandatário constituído pela Requerente, nos termos do n.º 1 do art.º 40.º do CPPT, carta por correio registado (RF...PT) contendo cópia do oficio n.º ... de 15-05-2023 da Direção de Serviços de IRC, do sentido da decisão de revogação parcial da liquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao período de tributação de 2019 – Cfr. Doc. 1. O mandatário da Requerente foi notificado do ofício em questão no dia 16.05.2023 – Cfr. Doc. 2”.

 

            Em 05 de Junho de 2023, no exercício do direito ao contraditório, veio a Requerente dizer que o acto tributário praticado pela ATA é unico e incindível, devendo a revogação parcial implicar a revogação do acto na sua totalidade.

No dia  28 de Junho de 2023, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na sede do CAAD, em Lisboa, nela tendo sido ouvido B...- o gerente da Requerente -, em declarações de parte, e as testemunhas C..., contabilista certificado, e D..., director comercial, este aditado por requerimento de 05-06-2023, com a observância das formalidades legais, designadamente o consentimento das partes para a utilização dos meios de comunicação à distância e a gravação da audiência. A final, consensualizou-se que seriam apresentadas alegações escritas até ao dia 14 de Julho de 2023.

 

Nas alegações as partes nada acrescentaram ao já aduzido nas peças anteriores, mantendo as posições aí expressas, que, aliás, a Requerente se limitou a dar por reproduzidas.

  

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações aqui postas em crise, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

            III. Questão prévia – revogação parcial do acto impugnado

 

            Como se anotou, no exercício do direito ao contraditório, veio a Requerente dizer que o acto tributário praticado pela ATA é unico e incindível, devendo a revogação parcial implicar a revogação do acto na sua totalidade.

            Não se afigura que lhe deva ser reconhecida razão.

            Com efeito, estabelece o artigo 13.º do RJAT:

            1 - Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º.

            2 - Quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.

            (...)

 

            Por seu turno preceitua o artigo 112.º do CPPT:

 

Revogação do acto impugnado

            1 - Compete ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária revogar, total ou parcialmente, dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o ato impugnado caso o valor do processo não exceda o valor da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.

            2 - Compete ao dirigente máximo do serviço revogar, total ou parcialmente, dentro do prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o ato impugnado caso o valor do processo exceda o valor da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância.

            3 - No caso de o acto impugnado ser revogado parcialmente, o órgão que procede à revogação deve, nos 3 dias subsequentes, proceder à notificação do impugnante para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o processo se o impugnante nada disser ou declarar que mantém a impugnação.

            (...)

 

            Assim, como se torna evidente, emerge das disposições legais a possibilidade da a AT revogar parcialmente o acto impugnado, sem que tal acarrete a sua necessária revogação total.

            Ademais, este tem sido o entendimento da Jurisprudência, como o revela, entre outros, o decidido em Acórdão do Pleno do STA, de 30-01-2019, no P. 0436/18.0BALSB:

            “I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.

            II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

            III – Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.[1]

 

            No caso destes autos é notório que a ilegalidade reconhecida pela AT não conduz à revogação total do acto, sendo tão só dirigida ao aspecto particular em que foi efectivamente revogado - “Conta 64241 – VIATURAS DE TRABALHO – veículo com a matrícula ...– FORD TRANSIT”. Improcede, portanto, a pretensão da Requerente de, com esse fundamento, alcançar a revogação total do acto impugnado.

           

                        IV - Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente, A..., LDA, NIF..., registada no Serviço de Finanças de Cascais ..., pelo exercício da atividade principal de “COMÉRCIO POR GROSSO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS”, a que corresponde o CAE 46460-R3, enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal, foi objeto de procedimento de inspeção realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2021..., de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 14º do RCPITA, tendo como objetivo a análise da situação tributável em sede de IRC, IVA, bem como em sede de retenção na Fonte de IRS, referente ao ano de 2019. (Certidão Permanente, PPA - Doc. 10 e PA-RIT).
  2. Em resultado da acção de inspeção realizada, foram havidas como irregularidades suscetíveis de correção fiscal, as que se traduziram nas liquidações adicionais de IRC e RFIRS, relativamente ao ano de 2019, das quais (após revogação parcial) persistem as seguintes correcções: Conta 2211200303 – E... SA – Faturas da entidade E...; Conta 2211100310 –F...– documentos faturados em nome da empresa e pagos por B... (por acordo).
  3. A correcção referente à “Conta 64241 – VIATURAS DE TRABALHO – veículo com a matrícula ...” – FORD TRANSIT, referente ao montante de amortização de 2.607,82 €, foi revogada, donde resultou a revogação parcial da liquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao período de tributação de 2019, mediante informação averbada com o Despacho da Subdiretora – Geral do IR, datado de 12.05.2023, proferido por delegação de competências (Resposta da AT e acordo).
  4. As faturas com os números 563385 de 2019/08/223, 577323 de 2019/11/20 e 577415 de 2019/11/20, foram emitidas em nome da Requerente por uma empresa de direito francês, designada E... SA, mas nelas foi aposto o NIF..., que pertence à entidade G..., LDA, empresa esta que integra o mesmo grupo empresarial em que se integra a Requerente(por acordo).
  5. A Requerente não deu instrução alguma para que fosse colocado tal número de identificação fiscal naquelas facturas, nem existe uma explicação racional para que tal tenha sucedido, uma vez que a A... tem o exclusivo da distribuição para Portugal dos produtos que adquire à E... SA e que vende para as farmácias do “grupo” e para outras farmácias que também os comercializam (testemunhas C... e D...).
  6. A G... LDA. não se dedica ao mesmo negócio da Requerente, constituindo uma empresa centralizadora de alguns produtos e serviços para as cerca de 20 empresas do “grupo”, sendo que entre as centenas de facturas dirigidas a essas empresas, o erro na identificação fiscal da Requerente, inserto unicamente nas referidas três facturas, só foi detectado já no âmbito da acção inspectiva (testemunhas C... e D...).
  7. A E... SA nunca fez qualquer fornecimento à G... LDA., nem esta jamais comercializou algum produto daquela (testemunha D...).
  8. Entre a Requerente e a E... SA foi celebrado um contrato de distribuição mediante o qual esta, enquanto fornecedor, confere aquela, enquanto distribuidor, o direito exclusivo de distribuir os Produtos (da sua marca de artigos de manicure e pedicure) no Território de Portugal, por um período de cinco anos, abrangendo os anos de 2015 a 2019 (PPA – Doc. 24).
  9. Durante esse tempo houve transacções comerciais entre a Requerente e a E... SA, existindo inúmeras facturas contabilizadas inerentes a tais relações comerciais, sendo que apenas nas referidas três facturas, identificadas supra, se constata o erro, daquela entidade francesa, na inserção do NIF (testemunhas C... e D...).
  10. Do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) consta a tal respeito, além do mais, o seguinte:  

V.2 Em Sede de IRC

V.2.1. Área de gastos

V.2.1.1. Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais.

Em matéria de dedutibilidade de gastos, refira-se que a contabilidade do sujeito passivo evidência lançamentos com encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, nomeadamente despesas que não se encontram de acordo com os n°s 3 e 4 do artigo 23° do CIRC.

Com efeito, o lucro tributável para efeitos de tributação em I.R.C. tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, nos termos do art°.17, n°.1, do CIRC, a qual deverá estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do Lucro Tributável (art.° 123° n. 1 do CIRC)

Por sua vez, determina o n° 3 do artigo 23° do referido código, na sua redação à data dos factos:

     "3 -  Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”

São assim requeridos três requisitos essenciais para que os gastos, sejam valorados e aceites como gasto fiscal; a comprovação (justificaçâo), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto''.

O Primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos custos a qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental.

O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do custo de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos "ganhos sujeitos ou à manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23.°do CIRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou á obtenção dos ganhos sujeitos a IRC.

Esta cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a IRC", decorre do princípio geral do artigo 23° do CIRC que as despesas realizadas pelo sujeito passivo, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora.

(...)                     

V.2.1.1.2. Conta 22.1.1.2.00303 E... SA

O sujeito passivo contabilizou na conta "22.1.1.2.00303 E... SA", relativas ao fornecedor SA E..., com o NIF FR..., as seguintes faturas (Anexo V).

- Fatura n° 563385 de 2019/08/23, no montante de 12.651,95;

- Fatura n° 577323 de 2019/11/20, montante de 2.346,62;

- Fatura n° 577415 de 209/11/20, montante de 31,02.

As quais foram emitidas com o NIF..., tendo sido efetuado um pedido de esclarecimentos junto de sujeito passivo através de ofício n° ... (Anexo III), tendo o mesmo respondido o seguinte; "As faturas do Fornecedor E..., com o NIFFR... as quais enviamos também em anexo, por lapso foram emitidas com o NIF errado, tendo a mercadoria sido efetivamente recebida e paga pela A... . Apesar do erro. nunca foi pedida a correção do documento o Fornecedor." (Anexo VI)

Ora, faturas que não estejam em nome do sujeito passivo são gastos que não poderão ser aceites como fiscalmente dedutível nos termos da alínea f) do n°1 do artigo 23 - A", conjugado com o artigo 23°, ambos do CIRC, pelo que se procederá a respetiva correção valor de 15.029,59.

 

  1. B... é sócio e gerente da Requerente, desde a sua fundação (PPA – Docs. 10 e 25).
  2. A Requerente desloca-se e frequenta todas as feiras europeias de farmácia, designadamente em França, Itália e Alemanha, quer para contactar com parceiros com quem já tem contratos, quer na procura de novos produtos e conhecimento de outros parceiros com potencial para desenvolver o negócio em Portugal, na mira de se robustecer a sua actividade comercial como Empresa importadora e distribuidora de produtos de para-farmácia, tais como suplementos alimentares, dermocosmética, tratamentos capilares e respectivos métodos (declarações de parte de B... e depoimento da testemunha C...).
  3. B... é credor da Requerente por quantias que lhe adiantou e continua a adiantar,  para fazer face a variadas despesas no âmbito da actividade da Empresa, sempre que esta atravessa dificuldades de tesouraria, o que acontece nomeadamente quando os clientes atrasam pagamentos (declarações de parte de B... e depoimento da testemunha C...).
  4. O crédito de B... sobre a Requerente é de 30.895,72 €, estando representado em as facturas que foram emitidas e contabilizadas na empresa, contabilização esta que não foi questionada pela Requerida (declarações de parte de B..., depoimento da testemunha C... e por acordo parcial, quanto à contabilização e não questionamento).
  5. As despesas contabilizadas a crédito de B... são maioritariamente despesas de representação que englobam, entre outras, almoços, combustíveis, viagens e estadias integradas no desenvolvimento da actividade comercial da Requerente, tendo sido objecto de tributações autónomas (declarações de parte de B... e depoimento da testemunha C...).
  6. Acerca desta álea das correcções impugnadas, colhe-se do Relatório da IT, ademais, o seguinte:

V.1. Correções efetuadas em retenções na fonte /Adiantamento por conta de lucros

 

Da análise à conta 27.8.5.00514 – ENGº B... (Anexo II), verificou-se que foram contabilizadas nesta conta, compras da esfera pessoal do socio gerente, nomeadamente roupas, malas, relógios, etc.

Foi o sujeito passivo através de ofício nº ... (Anexo III), notificado para prestar esclarecimentos acerca dos lançamentos efetuados e justificar as despesas efetuadas nesta conta, o sujeito passivo respondeu através de email no dia 2022/05/12, o seguinte;

"Enviamos em anexo os documentos de valor superior a 100€ registados na conta 2785.00514 ENG B... . Nesta conta estão registados, os valores pagos pelo Sócio-gerente, por conta da empresa, respeitantes a pagamentos a fornecedores, deslocações e viagens, despesas de representação e artigos para oferta."

(...)

As compras efetuadas por parte do sócio gerente perfazem o montante global de 30.895,72.

As retiradas de fundos de uma sociedade pelas entidades que participam no seu capital social, encontram-se tipificadas na lei, devendo assumir as formas de lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros.

 

De facto, preceitua o artigo 5.º, n. 1 e 2, alínea h) do CIRS, na redação aplicável:

 

"1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens econômicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária,           bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 – Os frutos e vantagens econômicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

"(...) h) os lucros e reservas colocados a disposição dos associados ou titulares adiantamento por conta de lucros (...)

 

Nâo se encontrando estes valores registados numa conta de vencimentos, conta 63, e terem sido efetivamente pagos, estão preenchidos os requisitos legais que permitem acionar a presunção legal expressa e prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS, Efetivamente, as retiradas de fundos de uma sociedade pelas entidades que participam no seu capital social, encontram-se tipificadas na lei, devendo assumir as formas de lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros. De acordo com o n.º 4 do artigo 6.º do CIRS temos que, tendo em consideração que os sócios são pessoas singulares. "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a titulo de lucros ou adiantamento dos lucros".

 

Ora, os adiantamentos por conta de lucros, constituem rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do Código do IRS, estando sujeito â taxa liberatória de 28% à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º conjugado coma alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º, ambos do CIRS, com opção de englobamento por força do disposto no n.º 8 do artigo 71.º conjugado com a alínea b) do n.° 3 do artigo 22.º, ambos do CIRS.

De acordo com o n º4 do artigo 103.º do CIRS a responsabilidade originária, tendo em conta que a retenção tem carácter liberatório, deve ser assacada ao substituto tributário - sujeito passivo coletivo. Ora, os factos tributários descritos conduzem, necessariamente, à aplicação da taxa liberatória de 28% - Retenção a Titulo Definitivo - prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, corrigida em sede do sujeito passivo coletivo, atendendo ao carácter liberatório da retenção na fonte.

O imposto não retido e, consequentemente, não entregue nos cofres do Estado nos termos do n.º 3 do artigo 98.º do Código do IRS, totaliza 8.650,80 conforme mapa abaixo. Atendendo à impossibilidade de imputar os valores corretos a cada mês considera-se que o imposto deveria ter sido retido em dezembro do ano 2019.

 

 

Perante a factualidade descrita anteriormente, a sociedade deveria ter qualificado os montantes de 30.895,72, refletindo como imposto o montante de 8.650,80, como adiantamentos por conta de lucros e proceder, por conseguinte, à sua contabilização, entregando nos cofres do Estado o imposto relativo à retenção na fonte devida, até ao dia 20 de janeiro do ano seguinte do respetivo pagamento ou colocação à disposição.

 

(...)

 

V.2 Em Sede de IRC

V.2.1. Área de gastos

(...)

 

V.2.1.1.3. Conta 22.1.1.1.00310 F..., LDA

 

O sujeito passivo contabilizou na conta "CONTA 22.1.1.1.00310 F..., LDA", a fatura n° 6202890 de dia 2019/09/25, do fornecedor F..., com o NIF..., no montante global de 17.385,00, com a seguinte descrição "despesas de deslocação". (Anexo VII)

Foi efetuado um pedido de esclarecimentos junto de sujeito passivo através de ofício n° ... (Anexo III), no qual se solicitava caso se trata-se de uma viagem enviar bilhetes de avião, justificação da mesma, tendo o mesmo respondido o seguinte: "A fatura n.° 6202890 do fornecedor F..., S.A., com o NIF..., no montante global de € 17.385,00, a qual segue em anexo, corresponde a deslocações ao estrangeiro, com vista à prospeção de novos produtos, relacionados com a saúde, no âmbito da actividade da empresa e reuniões com as empresas representadas.", não tendo o mesmo remetido mais nenhum documento de justificação da viagem. (Anexo VI).

Face ao exposto, o sujeito passivo nâo logrou comprovar ou demonstrar que a despesa foi realizada no estrito interesse da sociedade para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, visto não foram apresentados quaisquer elementos complementares que suportassem as alegações produzidas pelo sujeito passivo, nomeadamente os contactos efetuados; correspondência/ e-mails trocados, marcações das reuniões etc.

Assim, fatura não poderá ser aceite como fiscalmente dedutivel nos termos do artigo 23°, do CIRC, peloque se procederá a respetiva correção valor de 17.385,00.

 

  1. A Requerente no exercício de 2019 não apresentou lucros, nem distribuiu dividendos (por acordo).
  2. Do apuramento proveniente de liquidação de retenções na fonte de IRS, acrescida  de juros compensatórios (n.º 2022...), a Requerente pagou o valor de 9.547,63 € (8.650,00 € + 896,63 €), em 22-12-2022 (PPA – Doc. 4).
  3. Do apuramento proveniente de liquidação de IRC (n.º 2022...), acrescida de juros compensatórios, a Requerente pagou o valor de 6.515,09 € (4.510,72 € + 2.004,37 €), em 17-12-2022 (PPA – Doc. 7).
  4. O presente PPA foi apresentado em 09-12-2023, conforme consta do sistema de gestão processual do CAAD.

 

 

            2.         Factos não Provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
 

 

            3.         Motivação da Decisão de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, bem assim na testemunhal e nas declarações de parte do gerente da Requerente B..., o qual, não sendo indiferente ao desfecho da causa (obviamente), se mostrou disponível para esclarecer com aparente seriedade, rigor e boa fé todas as questões que lhe foram colocadas, fornecendo até pormenores interessantes quanto à necessidade de algumas das despesas questionadas pela AT, tendo, por exemplo, recordado o imperativo de comprar uma mala apropriada para transportar consigo o computador e os documentos de que iria precisar nos contactos a estabelecer no estrangeiro. De igual modo, as testemunhas C... (Contabilista Certificado) e D... (Director Comercial)  mantiveram uma postura de claro descomprometimento, evidenciando razão de ciência, uma vez que ambas conhecem profissionalmente os factos sobre que foram chamadas a depôr, e expressaram-se aparentemente com isenção e imparcialidade, pelo que os seus depoimentos são dignos de crédito e utilidade para a convicção formada, conforme está refectido em relação a cada facto julgado assente. 

 

 

            V.        Fundamentação Jurídica

 

            1. Questões a Decidir

 

Ultrapassada a questão da correcção referente à “Conta 64241 – VIATURAS DE TRABALHO – veículo com a matrícula ...” – FORD TRANSIT, no montante de 2.607,82 €, a qual foi revogada mediante informação averbada com o Despacho da Subdiretora – Geral do IR, datado de 12.05.2023, proferido por delegação de competências, sobejam as duas restantes, ou seja:

            - Conta 2211200303 –E... SA – Faturas da entidade E...; e

            - Conta 2211100310 –F...– documentos faturados em nome da

empresa e pagos por B.../ adiantamento por conta de lucros

 

 

            2 - APRECIAÇÃO

 

            2.1 -  Conta 2211200303 –E... SA – Faturas da entidade E...

 

            Para operar esta correcção a Requerida apela ao preceituado no artigo 23.º do CIRC, nos termos de cujo n.º 3 “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”. Evidencia, assim, os três requisitos essenciais para que os gastos, sejam valorados e aceites como gasto fiscal: a comprovação, reportada à efetividade da realização dos custos, apoiada escritural e documentalmente nos lançamentos contabilísticos; a indispensabilidade, justificada com a atividade produtiva da empresa e desde que os encargos se conectem com a obtenção de lucro; e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto, ou seja, a conexão aos "ganhos sujeitos ou à manutenção da fonte produtora".

            Apontando ao caso concreto, e verificando que as facturas em crise - Fatura n° 563385 de 2019/08/23, no montante de 12.651,95€, Fatura n° 577323 de 2019/11/20, montante de 2.346,62€ e Fatura n° 577415 de 209/11/20, montante de 31,02€, emitidas pela entidade “E... SA” contêm o NIF ... (que não é o da Requerente), solicitou esclarecimentos, tendo o SP respondido o seguinte:  "As faturas do Fornecedor E..., com o NIFFR..., as quais enviamos também em anexo, por lapso foram emitidas com o NIF errado, tendo a mercadoria sido efetivamente recebida e paga pela A... . Apesar do erro, nunca foi pedida a correção do documento ao Fornecedor." (Anexo VI do RIT).

            Havendo esta resposta como insatisfatória, a AT expressou que “faturas que não estejam em nome do sujeito passivo são gastos que não poderão ser aceites como fiscalmente dedutível nos termos da alínea f) do n°1 do artigo 23 - A", conjugado com o artigo 23°, ambos do CIRC, pelo que se procederá a respetiva correção valor de 15.029,59”.

           

            Porém, há que notar, desde logo, que ao invés do exarado no RIT, as facturas em causa estão emitidas em nome da Requerente e que inserem todos os requisitos prevenidos no n.º 4 do artigo 23.º do CIRC. Evidenciando-se que os NIF’s do fornecedor e do adquirente apenas são exigíveis quando “...se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;”, como consta expressamente da al. b) daquele n.º 4. Ora, a falada “E...” é uma entidade de direito francês (Facto D.), logo não se aplica às facturas por si emitidas a exigência de menção do número de identificação fiscal.

            Acrescendo a esta constatação, que só por si já justificaria a anulação da liquidação correspondente, também se prova que:

            - A Requerente não deu instrução alguma para que fosse colocado tal número de identificação fiscal (...) naquelas facturas, nem existe uma explicação racional para que tal tenha sucedido, uma vez que a A... tem o exclusivo da distribuição para Portugal dos produtos que adquire à E... SA e que vende para as farmácias do “grupo” e para outras farmácias que também os comercializam (Facto E);

            - A G... LDA. (titular do NIF...) não se dedica ao mesmo negócio da Requerente, constituindo uma empresa centralizadora de alguns produtos e serviços para as cerca de 20 empresas do “grupo”, sendo que entre as centenas de facturas dirigidas a essas empresas, o erro na identificação fiscal da Requerente, inserto unicamente nas referidas três facturas, só foi detectado já no âmbito da acção inspectiva (Facto F);

            - A E... SA nunca fez qualquer fornecimento à G... LDA., nem esta jamais comercializou algum produto daquela (Facto G);

            - Entre a Requerente e a E... SA foi celebrado um contrato de distribuição mediante o qual esta, enquanto fornecedor, confere aquela, enquanto distribuidor, o direito exclusivo de distribuir os Produtos (da sua marca de artigos de manicure e pedicure) no Território de Portugal, por um período de cinco anos, abrangendo os anos de 2015 a 2019 (Facto H);

            - Durante esse tempo houve transacções comerciais entre a Requerente e a E... SA, existindo inúmeras facturas contabilizadas inerentes a tais relações comerciais, sendo que apenas nas referidas três facturas, identificadas supra, se constata o erro, daquela entidade francesa, na inserção do NIF (Facto I).

            Perante a prova assim recolhida é também insofismável que as três facturas em apreço não se destinaram a outra contabilidade que não a da própria Requerente, reflectindo gastos dedutíveis à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, porquanto se destinaram a obter rendimentos sujeitos a IRC. A inserção em tais facturas de um NIF que não corresponde ao da Requerente radicou, manifestamente, num mero erro material do fornecedor terceiro, alheio à relação jurídico tributária controvertida, não sendo imputável ao sujeito passivo aqui visado. Assim, por nenhum prisma se justifica a inerente e mencionada correcção à matéria tributável do SP, no  valor de 15.029,59€.

 

 

            2.2 - Conta 2211100310 –F...– documentos faturados em nome da empresa e pagos por B.../ adiantamento por conta de lucros

                   

            Atentando na conta em epígrafe, a AT suscitou do SP esclarecimentos sobre a contabilização de compras da “esfera pessoal” do socio gerente, ao que obteve a seguinte resposta: "Enviamos em anexo os documentos de valor superior a 100€ registados na conta 2785.00514 ENG B... .Nesta conta estão registados, os valores pagos pelo Sócio-gerente, por conta da empresa, respeitantes a pagamentos a fornecedores, deslocações e viagens, despesas de representação e artigos para oferta."

            Não convencida com esta explicação, a IT apela ao preceituado no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do CIRS, na redação aplicável:

            "1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

            2 – Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

            (...) h) os lucros e reservas colocados a disposição dos associados ou titulares adiantamento por conta de lucros (...)”.

            Accionanado a presunção legal prevista no n.° 4 do artigo 6.° do CIRS, afirma-se no RIT que as retiradas de fundos de uma sociedade pelas entidades que participam no seu capital social, encontram-se tipificadas na lei, devendo assumir as formas de lucros e/ou adiantamentos por conta de lucros: "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a titulo de lucros ou adiantamento dos lucros".

            Na mesma linha de raciocínio entende a Requerida, em conjugação do estabelecido nos arts. 5.º, n.º 2, h), 71.º, n.º 1, a), 101.º, n.º 2, a) e 103.º, n.º 4, do CIRS, a responsabilidade originária (tendo em conta que a retenção tem carácter liberatório) dever ser assacada ao substituto tributário (sujeito passivo coletivo) e os factos tributários descritos conduzirem, necessariamente, à aplicação da taxa liberatória de 28%, que o imposto não retido e, consequentemente, não entregue nos cofres do Estado (n.º 3 do artigo 98.º do CIRS), totaliza 8.650,80€, decorrente de um acumulado de despesas de 30.895,72€.

            Em sede de IRC, a AT suscitou do SP esclarecimentos acerca do montante global 17.385,00€, com a descrição "despesas de deslocação" (Anexo VII do RIT), contabilizado na "CONTA 22.1.1.1.00310 F..., LDA", sob a fatura n° 6202890, de 2019/09/25, do fornecedor F..., com o NIF... . A Requerida respondeu o seguinte: "A fatura n.° 6202890 do fornecedor F..., S.A., com o NIF..., no montante global de € 17.385,00, a qual segue em anexo, corresponde a deslocações ao estrangeiro, com vista à prospeção de novos produtos, relacionados com a saúde, no âmbito da actividade da empresa e reuniões com as empresas representadas."

            A Requerida houve como insatisfatória esta resposta, concluindo que o SP não logrou comprovar ou demonstrar que a despesa foi realizada no estrito interesse da sociedade para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, visto não foram apresentados quaisquer elementos complementares que suportassem as alegações produzidas, nomeadamente os contactos efetuados, correspondência/ e-mails trocados, marcações das reuniões etc. Daí, não aceitou tal factura como fiscalmente dedutivel nos termos do artigo 23° do CIRC, pelo que procedeu a respetiva correção F..., S.A

           

            A este propósito, importa ter presente que nos termos do artigo 75.º da LGT:

 

Declaração e outros elementos dos contribuintes

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.

(...).”

            Devendo também notar-se, desde já, que a Requerida não imputa à Requerente qualquer uma das situações de excepção previstas no n.º 2, que podem afastar a presunção de veracidade e boa-fé expressa no nº. 1 deste inciso legal. Em boa verdade, a AT não imputa qualquer vício, deficiência ou insuficiência à factura do fornecedor F..., S.A, no valor de 17.385,00€. Por qualquer motivo (não revelado) essa factura suscitou dúvidas, mas o contribuinte explicou a sua origem e razão de ser. A não apresentação de  eventuais bilhetes de avião ou outros elementos como contactos efectuados, correspondência trocada ou marcações de reuniões (elementos sem obrigatoriedade legal) não será suficiente para que a Requerida se sinta autorizada a, sem mais, ignorar a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita (artigo 75.º da LGT), assim fundando a desconsideração de tal factura como fiscalmente dedutível e corrigindo a matéria tributável em igual valor.

            Pelo contrário, a prova recolhida nestes autos evidencia que a Requerida passou ao lado da realidade no que tange às despesas contabilizadas a crédito do seu gerente Engº B... . Foquemos o probatório:

            - B... é sócio e gerente da Requerente, desde a sua fundação (Facto K);

            - A Requerente desloca-se e frequenta todas as feiras europeias de farmácia, designadamente em França, Itália e Alemanha, quer para contactar com parceiros com quem já tem contratos, quer na procura de novos produtos e conhecimento de outros parceiros com potencial para desenvolver o negócio em Portugal, na mira de se robustecer a sua actividade comercial como Empresa importadora e distribuidora de produtos de para-farmácia, tais como suplementos alimentares, dermocosmética, tratamentos capilares e respectivos métodos (Facto L);

            - B... é credor da Requerente por quantias que lhe adiantou e continua a adiantar,  para fazer face a variadas despesas no âmbito da actividade da Empresa, sempre que esta atravessa dificuldades de tesouraria, o que acontece nomeadamente quando os clientes atrasam pagamentos (Facto M);

            - O crédito de B... sobre a Requerente é de 30.895,72 €, estando representado em as facturas que foram emitidas e contabilizadas na empresa, contabilização esta que não foi questionada pela Requerida (Facto N);

            - As despesas contabilizadas a crédito de B... são maioritariamente despesas de representação que englobam, entre outras, almoços, combustíveis, viagens e estadias integradas no desenvolvimento da actividade comercial da Requerente, tendo sido objecto de tributações autónomas (Facto O);

            - A Requerente no exercício de 2019 não apresentou lucros, nem distribuiu dividendos (Facto Q).

            Enquanto tal, inversamente ao alegado e concluído pela Requerida, não restam dúvidas de que o valor de 30.895,72€, escriturado na conta 278500514 – ENGº B..., corresponde a créditos deste sobre a Requerente, resultantes de adiantamentos realizados em situações de debilidades de tesouraria, e não quaisquer rendimentos da Categoria E, nos termos da alínea h), n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, não tendo cabimento, in casu, a presunção contida n.º 4 do artigo 6.º do mesmo diploma legal. Adensa esta convicção a circunstância de o próprio gerente ter afirmado ao Tribunal que ainda não recuperou esses valores porque, mediante um tal procedimento, iria agravar a situação económica e financeira da Empresa, que se vai sustentando como pode num mercado concorrencial, sendo que o seu objectivo é o oposto, i.e., a dinamização e o robustecimento da actividade empresarial da Requerente. Consequentemente, deverão anular-se as inerentes correcções quer em matéria de IRS (retenções na fonte), quer em matéria de IRC.

 

            3 – IMPOSTOS INDEVIDAMENTE COBRADOS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

            No que toca ao pedido de restituição dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

            A Requerente procedeu ao pagamento das quantias resultantes do apuramento proveniente de liquidação de retenções na fonte de IRS, acrescida  de juros compensatórios,  no valor de 9.547,63 €, bem assim das quantias resultantes do apuramento proveniente de liquidação de IRC, acrescida de juros compensatórios, no valor de 6.515,09 € (Factos R e S), ou seja pagou ao todo, indevidamente a quantia de 16.062,72 €.

            O conceito de “erro imputável aos serviços” tem sido abundantemente interpretado pelos tribunais, entendendo-se que a actuação ilegal da Administração constitui sempre erro imputável aos serviços (acórdão STA, de 21-01-2015, proc. n.º 632/14). Assim, tendo a Administração Tributária errado nos pressupostos de facto e de Direito, como ficou demonstrado no caso presente, tal erro é imputável aos serviços, para efeitos da citada norma.

            Tem, portanto, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia de 16.062,72€ que pagou indevidamente (artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos actos anulados e, ainda, a ser indemnizada, através de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto e acrescidos até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

           

 

V.        Decisão

 

            Em face do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral  e, em consequência: 

 

            -   I)     Anular os actos de liquidação aqui impugnados -  retenções na fonte de IRS e liquidação de IRC - supra identificados e referentes ao período de tributação de 2019, por erro nos pressupostos de facto e de Direito (não descurando a revogação parcial entretanto operada pela Requerida);

 

            - II)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso dos impostos e demais quantias indevidamente pagos (16.062,72 €), ora anulados, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

 

            - III)    Condenar a Requerida nas custas do processo.

             

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 16.062,72€ , nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de 1.224,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.[2]

           

Notifique-se.

 

Lisboa, 26 de Setembro de 2023.

 

O Árbitro,

 

(A. Sérgio de Matos)



[1] No mesmo sentido, os Acs. do STA, de 21-04-2022, no P.0346/08.0BEALM, de 08-06-2022, no P. 01104/12.2BELRS e de 13-07-2022, no P. 0849/08.6BECBR.

[2] Nota-se que o Processo de Arbitragem Tributária não comporta o pagamento de custas de parte - vide RJAT (artigo 29.º), e RCPPAT (artigo 2.º).