SUMÁRIO
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A competência dos tribunais arbitrais restringe-se à actividade conexionada com actos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de actos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios.
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A apreciação do indeferimento de pedido de isenção de ISV não cabe na competência do tribunal arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...-..., Ovar, apresentou, em 19-01-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade declaração de ilegalidade e anulação de liquidação de ISV identificado na nota de liquidação n.º: 2022/..., bem como a anulação dos respetivos de juros de mora.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 20-01-2023.
3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 10-03-2023 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 28-03-2023.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Por despacho de 12-07-2023 foi dispensada a realização da reunião e da apresentação de alegações.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta o Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação, alegando, em suma:
- Que deu entrada na Alfândega de Leixões, em 13-06-2021 de pedido de isenção de Imposto Sobre Veículos (ISV) ao abrigo do disposto no artigo 58.º do Código do Imposto sobre Veículos, na admissão da viatura de marca BMW, modelo X5, com o quadro n.º ... e matrícula original ... .
Através do Ofício n.º 2021... de 30/11/2021, foi notificado do despacho do Director da Alfandega de Leixões de indeferimento do benefício requerido.
Considerou o despacho em causa que o Requerente não apresentou prova de que o veículo foi de sua propriedade, no país de proveniência (EUA), durante pelo menos seis meses antes da referida transferência de residência.
Do despacho de indeferimento o Requerente apresentou recurso hierárquico em 05-01-2022, no qual alegou a existência de circunstâncias extraordinárias para a inexistência do hiato temporal de seis meses entre a data de emissão do certificado de propriedade e a data de transferência de residência.
Circunstâncias essas que não foram atendidas, tendo, em consequência, sido negado provimento ao recurso hierárquico.
Não se conforma o Requerente com tal decisão, que considera ilegal e violador dos princípios inerente ao Direito Tributário.
Aquando da solicitação do certificado consular junto do consulado de Portugal em Washington, deverá ter ocorrido um lapso na redação desse documento, tendo sido colocado o mês de Março como o de regresso definitivo do Requerente, quando na realidade apenas regressou no mês seguinte. Factualidade que se afere facilmente pela análise dos bilhetes de avião que o Requerente e sua mulher adquiriram para o citado regresso definitivo.
No mais, o próprio atestado emitido pela Junta de Freguesia, esse já junto à Requerida, demonstra que apenas em 12 de Abril de 2021 é que o Requerente se encontrava a residir definitivamente em Portugal.
Na sequência de pedido de esclarecimentos o Consulado português, este emitiu declaração certificada onde expressamente faz referência a que a data de regresso efetivo do Requerente ao território nacional data de 11-04-2021.
Com a junção, designadamente, de documento intitulado “Certificate of Title”, o Requerente logrou demonstrar, sem margem para dúvidas que, desde 28-05-2020 era o proprietário e possuidor da viatura em questão, não sendo de considerar, como data relevante para aferir do cumprimento do requisito constante na al. c) do n.º 1 do art. 60.º do CISV, a data de 30-10-2020.
E, desse modo, verificado está, que o veículo alvo do pedido de isenção de ISV foi propriedade do interessado no país de proveniência, mais de seis meses antes da transferência de residência, que ocorreu em 11 de Abril de 2022.
Pelo que, em estrio cumprimento do artigo 60.º do CISV, deveria o pedido de isenção de ISV formulado pelo Requerente, ter sido alvo de despacho de deferimento, não o tendo sido, a decisão da Requerida enferma de ilegalidade.
Acresce que a Requerida estava munida da documentação e explicação sobre a dilação ocorrida entre a data de pedido de registo de propriedade da viatura e a data de emissão da mesma
Por outro lado, o veículo destinou-se a ser introduzido ao consumo por ocasião da transferência de residência normal do Requerente, tendo o veículo em questão apenas sido remetido dos EUA no dia 18-04-2021 e chegado ao Porto de Leixões no dia 06-06-2021.
O citado veículo foi adquirido no país de proveniência em condições gerais de tributação e não beneficiou na expedição de qualquer desagravamento fiscal.
Por outro lado, o pedido de registo da viatura apenas foi possível ser realizado pelo Requerente em 29 de Setembro de 2020, em face das restrições impostas pelo governo americano, bem como as suas próprias restrições físicas, tal como o governo nacional impôs, de forma a mitigar a propagação das infeções de Covid-19. Ou seja, o pedido de registo realizado pelo Requerente, foi apresentado antes do prazo de 6 meses a contar da data da sua transferência efetiva para o território nacional, exigido pela alínea c) do n.º 1 do art. 60.º do CISV.
Entende o Requerente que o requisito constante na alínea c) do n.º 1 do art. 60.º do CISV no que se refere ao “documento que titula a propriedade” comporta um conceito indeterminado e, como tal, violador do Princípio da Legalidade Tributária pela utilização de conceitos indeterminados.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:
- Não obstante o Requerente, através deste seu pedido arbitral, pretender atacar a legalidade da liquidação de ISV e respetivos juros de mora, e não ter indicado como objeto da ação o despacho de indeferimento do RH que manteve na ordem jurídica a decisão proferida pelo diretor da alfândega que indeferiu o pedido de benefício fiscal de isenção de ISV , solicitado pelo requerente, como sendo o ato que pretende ver sindicado, na verdade é que é deste ato de indeferimento que o requerente pretende recorrer, com o fim de demonstrar que reúne os pressupostos de obtenção do benefício fiscal de isenção de ISV requerido para que o mesmo lhe venha, afinal, a ser concedido.
Com efeito, da conjugação do pedido formulado na petição inicial com as causas de pedir aí invocadas, afigura-se que, no fundo, não pretendeu o ora Requerente questionar qualquer ato de liquidação do ISV, que não reputa de ilegal, mas sim, atenta a quase generalidade da sua PI, o seu objetivo parece ter sido a defesa do seu direito ao benefício fiscal de ISV.
Estando em causa a decisão de indeferimento de um pedido de benefício fiscal, confirmada por decisão de indeferimento do recurso hierárquico desse ato de indeferimento interposto, a ação administrativa especial constituirá o meio processual adequado quando o ato a impugnar for relativo a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.
Na verdade, o que o ora Requerente pretende é que lhe seja concedida uma isenção de ISV que lhe foi negada, ou, eventualmente, reconhecido o direito à mesma isenção, bem como o pagamento de um montante correspondente ao ISV e respetivos juros compensatórios que se viu obrigado a pagar.
Ora, tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à presente instância arbitral pois, o processo arbitral apenas abrange os actos susceptíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
De facto, no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, constituídos ao abrigo do RJAT, não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
Atento o acima exposto, verifica-se a existência de excepção (dilatória) que, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
O Requerente, que não impugnou, tempestivamente, o acto administrativo (despacho do Subdiretor da AT, de 15.07.2022) de indeferimento do recurso hierárquico pelo Requerente apresentado daquele acto de indeferimento do pedido de isenção de ISV, pretende agora fazê-lo utilizando, para tal, o pretexto do pedido de restituição do imposto (ISV) pago pelo Requerente, bem como o montante pago a título de juros de mora.
É que, tendo o pedido de benefício fiscal de isenção ISV sido indeferido pelo Diretor da Alfândega de Leixões em 25.11.2021, e tendo desse ato interposto, o ora Requerente então Recorrente, o recurso hierárquico dirigido à Diretora Geral da AT e apresentado em 05.01.2022, que foi indeferido em 14.07.2022, pelo Subdiretor Geral da AT, e notificado ao Requerente em 28.07.2022, em ofício que lhe foi dado conhecimento dos meios de reação que lhe assistiam , quais sejam, a impugnação de atos administrativos no prazo de três meses, nos termos do artigo 50 e 58º nº 1 b) do CPTA, não lançou mão, o ora Requerente, atempadamente, desses meios de reacção, no prazo de três meses.
Em sede de apreciação do pedido de benefício e tendo em atenção os pressupostos legais condicionantes da obtenção da isenção requerida, constatou-se não ter sido cumprido o requisito estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 60.º porquanto não ficou demonstrado que o veículo foi propriedade da requerente no país de proveniência, pelo período de seis meses, antes da transferência da sua residência para Portugal.
Em face da resposta apresentada em sede de audição prévia a entidade instrutória entendeu não conter a mesma elementos susceptíveis de alterar o projeto de decisão de indeferimento.
A questão ora em análise, subsume-se na alínea c) do nº 1 do artigo 60º do CISV, disposição legal que rege as condições relativas ao veículo, designadamente, a exigência de o veículo “ter sido propriedade do interessado no país de proveniência, durante pelo menos seis meses antes da transferência de residência, contados desde a data da emissão do documento que titula a propriedade”.
Para efeitos de acesso ao benefício de isenção de ISV, os documentos comprovativos da propriedade do veículo são os indicados na alínea b) do n.º 1 do art. 61º do CISV e não a fatura de aquisição do veículo.
A propriedade do veículo, só pode ser provada por documento emitido pela conservatória do registo automóvel competente.
Da análise comparativa entre as datas apostas no novo Certificado emitido pela Secção Consular de Portugal em Washington (10.04.2021), e no Certificate of Title (30.10.2020), podemos verificar que se mantém a falta de propriedade do Requerente no país de proveniência (EUA) durante pelo menos 6 meses antes da transferência de residência.
Em suma, tendo em conta os documentos acima identificados, fica demonstrado que o Requerente não cumpriu o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo60º do CISV, pelo que não poderá beneficiar da isenção de ISV.
O legislador estabeleceu como condição para a concessão da isenção, a propriedade, não o uso ou a posse, tal como decorre, da alínea c) do artigo 2º e da alínea d) do nº 1 do artigo 3º da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro.
Como é sabido, este requisito foi mantido nos precisos termos no CISV, tal como se pode observar na alínea c) do nº 1 do artigo 60º e na alínea b) do nº 1 do artigo 61º.
Quanto ao argumento de não ter sido acautelado na decisão o princípio de colaboração mútua entre a Administração Fiscal e o Requerente, tal facto não corresponde à verdade, pois bem sabe o Requerente que ao longo do processo foi notificado e informado de todos os procedimentos necessários à apreciação do pedido de isenção de ISV.
Por outro lado, o artigo 8º da LGT, estabelece que os benefícios fiscais estão sujeitos ao princípio da legalidade, sendo que desse modo, não pode a AT conceder qualquer benefício fora dos condicionalismos legalmente previstos, sob pena da prática de um ato ilegal.
Face à exigência da lei, o interessado no reconhecimento do benefício fiscal teria que ter provado perante a administração aduaneira ter sido proprietário do veículo, por seis meses, antes da transferência da residência, nos precisos termos que a lei exige.
Razão pela qual, não se verificando na situação em análise todos os pressupostos de que a lei faz depender a concessão da isenção ora em questão, deve manter-se o despacho de indeferimento do pedido de isenção.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. Foi suscitada pela Requerida a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.
6.5. Tendo o Requerente sido convidado a pronunciar-se sobre tal excepção, nada disse.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) O Requerente apresentou na Alfândega de Leixões, em 14-06-2021, pedido de isenção de Imposto Sobre Veículos (ISV), ao abrigo do disposto no artigo 58.º do Código do Imposto sobre Veículos, na admissão da viatura de marca BMW, modelo X5, com o quadro n.º ... e matrícula original ....
b) Invocou o Requerente como fundamento de tal pedido de isenção o facto de ter transferido a sua residência efetiva dos EUA para Portugal, onde terá residido até 12.03.2021.
c) Por despacho de 25-11-2021, do Director da Alfândega de Leixões, indeferiu o pedido de isenção.
d) Da mencionada decisão de indeferimento apresentou o Requerente recurso hierárquico em 05-01-2022.
e) Tal recurso foi indeferido por despacho do Subdirector-Geral dos Impostos Especiais sobre o Consumo e Imposto sobre Veículos, de 14-07-2002, tendo sido mantido o despacho de indeferimento de isenção, o qual foi notificado ao Requerente em 15-07-2022, por correio registado com aviso de recepção.
f) A Alfândega de Leixões emitiu, em 20-10-2022, a nota de liquidação de ISV n.º 2022/..., no montante de 54.859,10€, acrescido de 1.701,38 €, a título de juros compensatórios.
g) O Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.
- Matéria de Direito
Tendo sido suscitada matéria de excepção, há que apreciá-la em primeiro lugar.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária está delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material da competência, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de:
a) ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimonial.
Atendendo ao carácter voluntário da sujeição à jurisdição arbitral, numa segunda linha “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º, n.º 1 do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”.
Ora, dispõe a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, no seu artigo 2.º, que “os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:...”, indicadas nas alíneas subsequentes do mesmo artigo, onde se inclui na al. c), para o que ao caso interessa, “Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação”.
Quer dizer, objectivamente, a vinculação aos tribunais arbitrais, em matéria tributária, a funcionar no CAAD, está delimitada nos termos do 2.º do RJAT, conjugado com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
No presente pedido arbitral, do ponto de vista estritamente formal é certo que o pedido do Requerente consiste na “declaração de ilegalidade e anulação de liquidação de ISV identificado na nota de liquidação n.º 2022/-..., bem como a anulação dos respectivos juros de mora vertidos na referida nota de liquidação”.
Todavia, analisado o pedido arbitral no seu todo, facilmente se constata que o Requerente, contrariamente ao pedido que em termos retóricos formula, não pretende reagir contra a liquidação de imposto propriamente dito, mas sim contra o indeferimento do pedido de isenção de imposto que formulou.
Destaca-se, a título meramente exemplificativo, alguns trechos do respectivo articulado:
- “… mantendo o despacho recorrido proferido pelo Senhor Director da Alfândega de Leixões” (art. 9º);
- “Não se conforma o Requerente com tal decisão, que considera ilegal…” (art. 12º);
- “E tal é de manifesta importância para aferir da ilegalidade da decisão de indeferimento da isenção proferida pela Requerida” (art. 47º);
- “Pelo que, em estrito cumprimento do artigo 60º do CISV, deveria o pedido de isenção de ISV formulado pelo Requerente, ter sido alvo de despacho de deferimento, não o tendo sido, a decisão da Requerida enferma de ilegalidade” (art. 60º);
- “… dúvidas não restam que o meso cumpriu todos os requisitos constantes do art. 60º do CISV, pelo que deveria o benefício fiscal de isenção de ISV ter-lhe sido atribuído e o pedido alvo de deferimento” (art. 117º).
Ou seja, não podem restar quaisquer dúvidas que o que Requerente efectivamente pretende, na medida em que não assaca qualquer vício à liquidação propriamente dita, é a apreciação da (i)legalidade do despacho de indeferimento do pedido de isenção de ISV.
Como é bom de ver, o acto em questão não se reconduz a qualquer dos tipos elencados no artigo 2.º do RJAT, sendo que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro não contemplou uma competência alternativa à da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, que seria necessária ao acolhimento de pretensões de reconhecimento de benefícios fiscais, tal como é pretendido pelo Requerente.
Como diz Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. pág. 105, quanto ao âmbito da competência dos tribunais arbitrais tributários “a competência destes tribunais arbitrais restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, bem como dos atos de agravamento à coleta, de apreensão e de adoção de providências cautelares pela Administração Tributária, a que se reportam o mesmo artigo 97.º, n.º 1, na sua alínea e) e os artigos 143.º e 144.º do mesmo Código”.
Face ao exposto, nada mais restará que declarar a incompetência do tribunal arbitral para apreciação da causa, em razão da matéria, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Procede, assim, a excepção de incompetência material suscitada pela Requerida, que, sendo um caso de incompetência absoluta (artigo 96º, a) do CPC), implica a absolvição da instância (artigo 99º, n.º 1 do CPC).
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar o tribunal arbitral materialmente incompetente para julgar o presente litígio e, em consequência, se absolve a Requerida da instância.
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Condenar o Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 56.560,48 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 22-09-2023
O Árbitro
(António Alberto Franco)