SUMÁRIO:
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É manifesta a incompetência do Tribunal Arbitral para declarar a Requerente como beneficiária de isenção de IMI, e bem assim, para declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI.
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Já assim não acontece quanto ao segundo pedido formulado no PPA, em que a Requerente aponta aos atos tributários de liquidação de IMI o vício de violação de Lei.
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No que se refere à tempestividade do pedido, procede a exceção invocada pela Requerida relativamente ao IMI de 2019, mas são também improcedentes os pedidos da Requerente referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, e 2020, por manifestamente intempestivos.
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A liquidação de IMI, do ano de 2021, não enferma de qualquer ilegalidade.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A... LDA (doravante Requerente), com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., Lisboa, sujeito passivo com número de identificação fiscal ..., vem nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), e peticionar:
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Que seja declarada a Requerente como beneficiária de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante IMI) com efeitos retroativos à data da aquisição de imóvel, em 2015, e a ilegalidade da decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI, para efeito do disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante EBF), proferida em 22-09-2022;
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A declaração de ilegalidade das liquidações de IMI, referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, no valor total a pagar de imposto de €2.034,27 (dois mil, trinta e quatro euros e vinte e sete cêntimos), com a consequente anulação e respetiva restituição do montante em causa pago pelo Requerente, acrescido dos juros devidos.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente enviado email à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), a informar da entrada de um pedido de constituição de tribunal arbitral e do número do processo atribuído, em 26-12-2022, tendo por sua vez a AT sido notificada, em 29-12-2022.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Em 10-02-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Síntese da posição das Partes:
1. Da Requerente
A Requerente peticiona que “(…) seja declarada (…) beneficiária de um Benefício Fiscal; devendo a mesma como consequência ficar isenta do pagamento do imposto IMI; sendo declarada a nulidade do imposto com efeitos retroativos, devendo nesta medida os valores pagos pela Requerente desde 2015, ser na totalidade devolvidos; devendo o valor do pedido ser acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento bem como juros moratórios até integral pagamento».
A Requerente é proprietária da fração “MD”, que corresponde ao escritório n.º ..., sito no condomínio ..., que adquiriu em 10-04-2015.
A este respeito alega que:
«É proprietária da fração “MD”, que corresponde ao escritório n.º ..., sito no condomínio ..., que adquiriu em 10.04.2015;
Aquando da liquidação do imposto a Autoridade Tributária revogou a isenção existente referente ao pagamento de IMI afeta ao imóvel classificado;
A impugnante apresentou pedido de isenção nos termos do disposto no art.º 40.º, do EBF – “prédio classificado”, que foi indeferido pela Subdiretora Geral;
Em data anterior a esse pedido, o IGESPAR elaborou documento público do qual consta que a fachada da fração designada pela letra “MD” do condomínio ..., com o artigo matricial ..., está classificada enquanto IIP, nos termos do Decreto n.º 8/83, de 24 de janeiro; Resulta de forma conclusiva que a referida fração está “abrangida pelo decreto-lei e consequentemente por servidão administrativa do património cultural”, conforme publicado no site da Câmara Municipal de Lisboa;
O edifício referido contém não só a fachada protegida, mas também como alegado e comprovado, no seu interior o troço da “muralha fernandina, preexistente na cidade de Lisboa, desde 1375, tendo sido mandada construir pelo Rei D. Fernando;
É incontestável, o grande relevo histórico do edifício, sublinhando o seu interior bem como do seu exterior (troço da muralha fernandina e fachada protegida);
Razão pela qual o IGSPAR/DGPC justificou o seu tratamento privilegiado e especial, bem como a Câmara Municipal de Lisboa ao conter a informação no seu site;
Comprova-se de forma clara, que o edifício em questão onde se insere a fração tem no seu interior um troço da muralha fernandina e tendo ainda o edifício a fachada qualificada, nos termos do vertido no art. 112.º da Lei 107/2001 de 8 de setembro, conjugado com o antigo Decreto de 16.06.1910, o qual já qualificava como monumento nacional o resto das cercas em Lisboa;
Toda a situação fática descrita se subsume à previsão constante na al. n), do n.º 1, do art. 44º do EBF;
O regime dos imóveis classificados de interesse público decorria do disposto no art. 21.º a 26.º da Lei 13/85, de 6 de julho, que estabelecia o regime de proteção do património cultural. Nos arts. 51.º a 59.º, as garantias e sanções afeto ao incumprimento;
Pelo que de forma conclusiva, se pode e deve retirar que a fração identificada cuja fachada foi objeto de classificação pelo Decreto-Lei 8/83, de 24 de janeiro, é um imóvel de interesse público, usufruindo por direito a requerente da isenção do IMI;
Está em causa um benefício fiscal propter rem, ou seja, “o sujeito activo do direito ao beneficio é determinado mediatamente pela titularidade do direito real sobre a coisa beneficiada”;
Pelo que padece, tanto a liquidação do imposto, bem como o consequente indeferimento, de uma clara violação da Lei, devendo a tributação imposta à requerente ser declarada nula e como consequência o valor ilegalmente liquidado, ser devolvido à requerente, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal desde o pagamento indevido por ilegal até à integral devolução».
2. Da Requerida
Os argumentos apresentados na Resposta da AT, sublinham o seguinte:
«A Requerente pede a nulidade da liquidação do imposto IMI com efeitos retroactivos, devendo os valores pela Requerente pagos, desde 2015, ser na totalidade devolvidos acrescidos de juros vencidos e vincendos. No entanto, não identifica as liquidações que pretende impugnar, com excepção da liquidação de IMI de 2019, que vem identificada no Doc 2 do pedido de pronúncia arbitral.
Ora, além de estar em falta esse requisito essencial por não identificar as liquidações cuja anulação pretende, também quanto à liquidação de IMI de 2019, a mesma está identificada, mas já não é tempestiva a impugnação da mesma.
Donde, a parte do pedido que se refere às liquidações de IMI, não pode ser apreciado nos presentes autos, por ser intempestivo de acordo com os pressupostos consignados no artigo 102.º n.º1 a) do CPPT».
Quanto à ilegalidade do despacho de indeferimento de isenção de IMI, vem dizer o seguinte:
«A questão em apreço consiste em saber se o imóvel supra identificado e que se situa no “Conjunto denominado Lisboa Pombalina”, preenche ou não os requisitos de que a lei exige para a que possa ser reconhecida a isenção de IMI prevista na alínea n), do n.º 1, do art.º 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Nos termos da referida disposição legal estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.
Conforme disposto no n.º 5 do mesmo artigo 44.º do EBF, na redação anterior à da Lei n.º 24- D/2022, de 30 de dezembro, as isenções a que se referem a alínea n), do n.º 1, são de caráter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efetuar pela Direção-Geral do Património Cultural ou pelas câmaras municipais, conforme o caso, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados ou reconhecidos e integrados, mesmo que estes venham a ser transmitidos.
Como é possível verificar da consulta ao decreto 8/83, de 24 de janeiro de 1983, que classifica vários imóveis como de interesse público e como valores concelhios, foi classificado como imóvel de interesse público a fachada do ..., Rua ..., ... a ..., em Lisboa.
A atual redação do artigo 44.º do EBF consagra expressamente no texto da lei a exigência de um pressuposto para efeitos de isenção de IMI - a classificação individualizada como imóvel de interesse público ou interesse municipal.
“O acto de classificação é o ato administrativo que constitui a certeza jurídica do valor cultural de uma coisa para efeito da submissão desta ao regime jurídico do património cultural.” (Sérvulo Correia in Procedimento de Classificação de Bens Culturais, texto correspondente a conferência proferida no âmbito do curso de Direito do Património Cultural).
A classificação individual dos imóveis é, pois, um procedimento autónomo previsto na lei que se verifica de per si sem estar integrado no processo de classificação de um conjunto.
E tanto assim é que o artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23.10 refere o seguinte: “Na área abrangida pela delimitação de um conjunto ou de um sítio podem coexistir imóveis individualmente classificados.”
Resulta assim como evidente que a classificação individual de imóveis a que se refere a alínea n), do n.º 1, do art.º 44.º do EBF é um procedimento previsto e regulado na legislação sobre o património cultural, da competência de organismos da área da Cultura.
Ora, no caso em apreço o que está classificado como imóvel de interesse público é a fachada do ..., Rua ..., ... a ..., em Lisboa. e não o imóvel/fração autónoma propriedade da Requerente.
Nem a Requerente junta qualquer documento que comprove ou ateste que o imóvel de que é proprietária está individualmente classificado, nem tal resulta por inerência da lei.
Vejamos a certidão de benefícios fiscais junta posteriormente pela Requerente.
Do referido documento e dos elementos que o integram resulta apenas que está certificado que o imóvel identificado (ou seja, a fração propriedade da Requerente) faz parte integrante do conjunto denominado “Lisboa Pombalina” e está classificado como CIP - Conjunto de interesse público.
Resulta assim claro da análise da certidão apresentada, que o referido imóvel não está individualmente classificado e que não existe nenhum ato individual de classificação especificamente dirigida ao imóvel para o qual é solicitada a isenção.
A classificação individualizada dos imóveis não resulta por inerência da pertença a um determinado conjunto, mas sim da presença de outro conjunto de factores de diferente natureza.
E tanto assim é, que a lei prevê que imóveis integrados num conjunto sejam objeto de uma classificação individual.
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre seria necessário que os competentes serviços do Ministério da Cultura certificassem que o imóvel se encontra individualmente classificado, pois só com a verificação deste requisito pode beneficiar da isenção de IMI, o que não se verificou no caso em concreto.
Conclui-se assim que da análise dos documentos juntos aos autos não consta qualquer documento emitido pelos competentes serviços do Ministério da Cultura que certifique que o imóvel está individualmente classificado.
Na falta de prova documental afigura-se abusiva a interpretação extensiva da lei no sentido de alargamento do âmbito pessoal do benefício fiscal ao arrepio do entendimento já veiculado pela doutrina citada.
Ou seja, de modo algum se pode concluir – como pretende a Requerente – que toda e qualquer fração do edifício que tem no seu interior um troço da muralha fernandina e tendo ainda o edifício a fachada qualificada, goze da mesma classificação que foi atribuída a este último.
(…) Em suma, a classificação do conjunto não implica a classificação individualizada dos imóveis que o integram, sendo este o entendimento dos serviços do Ministério da Cultura como também constitui a posição consolidada da doutrina e da jurisprudência, e corresponde à correcta interpretação do texto da lei, pelo que se concluiu que não se verificam os requisitos legalmente previstos para a isenção de IMI.
Face ao exposto, resulta que o despacho impugnado não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correcta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão da Requerente, porque no caso em apreço não estão reunidos os pressupostos legais para que possa beneficiar da isenção de IMI.»
Por fim, destaca que também a jurisprudência seguiu a posição que vem sendo aqui defendida, em concreto, o Acórdão de 05/07/2020, proferido no processo 940/09.1BELRS, do TCA Sul, em situação em tudo idêntica à dos autos.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído, em 28-02-2023.
Em 03-03-2023, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, o que efetuou, em 17-04-2023, sem juntar contudo Processo Administrativo (doravante PA).
A coberto de despacho arbitral proferido, em 27-05-2023, foi notificada a Requerente, em 29-05-2023, para se pronunciar relativamente à exceção suscitada pela AT na sua Resposta, nos termos do artigo 16.º do RJAT, alínea a), o que veio a efetuar, em 09-06-2023.
Através de despacho arbitral proferido, em 28-05-2023, foi notificado o Serviço periférico local da AT, a 29-05-2023, para remeter ao tribunal arbitral cópia do PA solicitado anteriormente, nos termos do n.º 5 do artigo 110.º do CPPT, conjugado com a parte final do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, o qual foi junto em 15-06-2023.
Em 27-06-2023, foram notificadas as partes do despacho, de 26-06-2023, proferido pelo Tribunal Arbitral, no qual se dispensava a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos artigos 16.º, 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT, estimando-se a prolação de decisão arbitral dentro do prazo previsto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT). É de sublinhar que a competência deste Tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artigos 16.º do Código de Processo e Procedimento Tributário – CPPT, e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT) devendo, por conseguinte, ser aferida independentemente de vir a ser suscitada, como se fará de seguida.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Apreciemos, pois, a competência do Tribunal Arbitral relativamente ao primeiro pedido formulado pela Requerente.
Recordando: peticiona que seja declarada a Requerente como beneficiária da isenção de IMI com efeitos retroativos à data da aquisição do imóvel, em 2015, e a ilegalidade da decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI, para efeito do disposto na alínea n), do n.º 1, do artigo 44.º do EBF, proferida em 22-09-2022.
A pergunta que desde já temos de formular é se estes atos são arbitráveis cabendo na competência da jurisdição arbitral.
Nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea n), e n.º 5, do EBF, as isenções que vimos analisando operam mediante comunicação da classificação individualizada como imóveis de interesse público a efetuar pela Direção-Geral do Património Cultural.
É manifesta a incompetência deste Tribunal para apreciar tal pedido de declarar a Requerente como beneficiária da isenção de IMI, e bem assim, declarar a ilegalidade de decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI, desde logo porque estamos perante atos administrativos em matéria tributável, como os previstos na alínea d), do n.º 1, do artigo 10.º do CPPT: «Reconhecer isenções ou outros benefícios fiscais e praticar, nos casos previstos na lei, outros atos administrativos em matéria tributária», e não perante atos tributários por excelência, ou atos tributários em sentido estrito.
Ora, a competência do Tribunal Arbitral, define-se não só, mas também, pela categoria do ato praticado.
Da decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI, a Requerente poderia ter reagido, não através de impugnação, mas através de ação administrativa, nos termos do artigo 50.º e artigo 58.º/1, alínea b) do CPTA, o que não aconteceu.
Considera-se, assim, que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o peticionado, em primeiro lugar, no PPA.
A incompetência absoluta em razão da matéria consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.
Já assim não acontece quanto ao segundo pedido formulado no PPA, em que a Requerente aponta aos atos tributários de liquidação de IMI o vício de violação de Lei.
É pois inequívoco que neste outro pedido o objeto do processo são atos de liquidação de IMI e o pedido deduzido é o da declaração de ilegalidade dessas liquidações, matéria que cabe na competência da jurisdição arbitral.
Cumpre ainda conhecer, desde já, a exceção invocada pela AT na sua resposta ao PPA, segundo a qual parte do pedido que se refere às liquidações de IMI não pode ser apreciado nos presentes autos, por ser intempestivo de acordo com os pressupostos consignados no artigo 102.º n.º 1, alínea a) do CPPT.
De notar que os prazos para formular o PPA podem ser conhecidos oficiosamente por este Tribunal.
Notificada para se pronunciar sobre aquela exceção, a Requerente defendeu a tempestividade de todo o pedido, por razões que no entender deste Tribunal não colhem.
Na verdade, temos de atender ao disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT, conjugado com a alínea a), do n.º 1, do artigo 102.º do CPPT, nos termos do qual o direito dos contribuintes de requererem a constituição de Tribunal Arbitral caduca no prazo de 90 (noventa) dias contados, in casu, do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto, legalmente notificadas ao contribuinte (cfr. o artigo 129.º, n.º 2 do Código do IMI).
Assim sendo, e uma vez que o presente PPA foi deduzido, em 23-12-2022, sendo 30-11-2022, a data limite para pagamento voluntário da liquidação de IMI, referente à segunda prestação (cfr. o artigo 129.º, n.º 2 do Código do IMI), respeitante ao ano de 2021, não restam dúvidas de que a apresentação do PPA é tempestiva apenas no que respeita ao ano de imposto, de 2021.
Ou seja, no que se refere à tempestividade do pedido, procede a exceção invocada pela Requerida relativamente ao IMI, de 2019, mas são também improcedentes os pedidos formulados pela Requerente alusivos aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, e 2020, por manifestamente intempestivos.
A verificação da intempestividade desta parte do pedido de pronúncia arbitral quanto ao IMI referente aos anos entre 2015 e 2020, configura uma exceção dilatória conduzindo à absolvição da instância por força da aplicação dos artigos 278.º n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2, 577.º do CPC, e ainda do artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, aplicáveis por via do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa relativamente à impugnação da liquidação de IMI, do ano de 2021.
III. MATÉRIA DE FACTO
1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
a) Em 10-04-2015, a impugnante adquiriu a fração autónoma, designada pelas letras “MD”, destinada a escritório ou serviços do prédio U-... ... (freguesia de ...).
b) Anteriormente, em 2008, a AT havia procedido à revogação da isenção de IMI de que beneficiava o imóvel descrito.
c) Em 23-12-2020, a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa ..., pedido de isenção de IMI ao abrigo do disposto na alínea n), do n.º 1, do art.º 44 do EBF.
d) O pedido foi indeferido por despacho, de 22-09-2022, com o fundamento de que no âmbito do Decreto 8/83, de 24 de janeiro de 1983, apenas se encontra classificado como imóvel de interesse público, a fachada do ..., não constando a classificação de monumento nacional ou prédio individualmente classificado de interesse público/municipal.
e) Foram liquidados pela AT e pagos integralmente pela Requerente, no total de €2.336,45, os valores que a seguir se discriminam:
- Com respeito ao ano de 2015, €295,53;
- 2016, €302,18;
-2017, €302,18;
-2018, €302,18;
-2019, €302,18;
-2020, €308,22;
-2021, €215,76.
f) Em 23-12-2022, a Requerente apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral.
2. Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, não existem outros factos que não tenham ficado provados.
3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Os factos dados como “provados” e “não provados” foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. DO DIREITO
Resolvidas as exceções atrás suscitadas, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
A legalidade da liquidação de IMI, identificada no PPA, com respeito ao ano de 2021, no valor total de €215,76, bem como a existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, no caso de ser anulada a liquidação e determinado o reembolso da importância peticionada que teria sido indevidamente paga.
Na ação pendente neste Tribunal Arbitral discute-se, assim, a legalidade da liquidação supra identificada, entendendo a Requerente que o imóvel deve beneficiar de isenção de IMI, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, alínea n) do EBF, porque o prédio urbano onde se localiza a fração autónoma, está individualmente classificado como imóvel de interesse público.
Vejamos:
A AT procedeu à revogação da isenção relativamente ao imóvel, em 2008;
À data a Requerente não poderia impugnar o ato de revogação de benefício fiscal de isenção de tributo através de ação administrativa prevista no artigo 50.º do CPTA, visto que apenas adquiriu o imóvel em análise, em 10 de abril de 2015;
O despacho de revogação da isenção produziu efeitos na ordem jurídica que se consolidaram.
Ora, a liquidação foi efetuada de acordo com os elementos de facto e de direito existentes à data, tendo como pressuposto o ato revogado.
Não tendo ficado demonstrado que a liquidação em análise enferme de ilegalidade, improcede, nestes termos, a pretensão da Requerente relativamente à liquidações de IMI do ano de 2021 e, em consequência, também, o pedido relativo aos juros indemnizatórios.
V. DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
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Quanto ao pedido para declarar a Requerente como beneficiária da isenção de IMI, e bem assim, declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento de pedido de isenção de IMI, julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria conhecida oficiosamente por este Tribunal;
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A verificação da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea e) do RJAT.
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No que se refere à tempestividade do pedido, procede a exceção invocada pela Requerida relativamente ao IMI de 2019, mas são também improcedentes os pedidos formulados pela Requerente alusivos aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018, e 2020, conhecidos oficiosamente por este Tribunal, por manifestamente intempestivos;
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A verificação da intempestividade desta parte do pedido de pronúncia arbitral alusivo às liquidações entre 2015 e 2020, inclusive, configura uma exceção dilatória conduzindo à absolvição da instância por força dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.º 2 e 577.º do CPC, e ainda do artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, aplicáveis por via do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
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Declarar a legalidade da liquidação de IMI, referente ao ano de 2021, e consequentemente, julgar neste caso improcedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente.
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De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €2.336,45 (dois mil trezentos e trinta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) atendendo ao valor económico aferido pelo montante das liquidações de imposto impugnadas.
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Condenar a Requerente no pagamento das custas judiciais. Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4 do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, imputáveis à Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de setembro de 2023
A Árbitra
/Alexandra Iglésias/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.