Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 96/2023-T
Data da decisão: 2023-09-05   
Valor do pedido: € 28.114,83
Tema: IRC – Artigo 17.º, 18.º e 20.º CIRC - Ativos Intangíveis, Trabalhos para a própria entidade
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Sumário

  1. Conforme resulta do paragrafo 21 da NCRF 6, são dois os critérios a preencher para determinar se estamos perante um ativo intangível, concretamente: Um ativo intangível deve ser reconhecido se, e apenas se: a) For provável que os benefícios económicos futuros esperados que sejam atribuíveis ao ativo fluam para a entidade; e b) O custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado.
  2. Estabelece o n. º2 do artigo 32.º do CIRC, o que se deve entender por despesas com projetos de desenvolvimento, respetivamente: consideram-se despesas com projectos de desenvolvimento as realizadas pelo sujeito passivo através da exploração de resultados de trabalhos da investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção.
  3. Os custos de produção e desenvolvimento interno de projetos, constituem um ativo intangível, considerado a Debito na Conta 454 – Ativos Intangíveis, e consequentemente como ditam as regras contabilísticas e fiscais, deve considerar-se um crédito pelo mesmo valor na conta 742 – Trabalhos para a própria entidade, porquanto constituem trabalhos para a própria entidade, são de qualificar como rendimentos imputáveis ao exercício de 2020, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º, bem como do disposto nos artigos 18.º e 20.º, todos do IRC.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Paulo Ferreira Alves designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 03-05-2023, decide o seguinte:

 

            I.         Relatório

A..., S.A., com o número de identificação fiscal português ..., com sede na ..., ...-... Algés, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), n.º 2022..., referente ao ano de 2020, no montante de 28 114,83€, bem como a anulação do indeferimento do pedido de reclamação graciosa deduzida contra este ato tributário.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 20 de Fevereiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora árbitro para formar o Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 3 de maio de 2023.

Em 7 de Maio de 2023, a Requerida foi notificada para apresentação de Resposta, tendo apresentado resposta no prazo de 30 dias previsto no artigo 17.º do RJAT.

Por despacho de 30 de junho de 2023, foi notificada a AT para juntar ao processo copia do processo administrativo, dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e notificadas as Partes para querendo, apresentarem alegações escritas facultativas no prazo simultâneo de 10 dias, bem como foi fixado o prazo para a prolação da decisão e para a Requerida proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

As partes apresentaram alegações escritas no prazo concedido.

Posição da Requerente

A Requerente formula a sua pretensão arbitral da seguinte forma:

  1. Contesta a correção relativa aos “Trabalhos para a própria entidade”, no montante de € 360 223,00 e, como tal, a liquidação adicional de IRC n.º 2022..., feita no âmbito de um procedimento de inspeção tributária
  2. Sustenta que a questão controvertida, a submeter à decisão arbitral, consiste em saber se as despesas de desenvolvimento que a Requerente suportou devem ser reconhecidas como um ativo intangível, como entende a inspeção tributária, ou não.
  3. A principal atividade desenvolvida pela Requerente A..., S.A. é a prestação de serviços comuns e partilhados a todas as empresas do Grupo B..., da qual a mesma é a holding. Neste contexto, os seus principais clientes são as empresas do referido Grupo, às quais são por ela faturados diversos serviços partilhados (contabilidade, informática, recursos humanos, entre outros) de acordo com os contratos celebrados, nos quais são definidos quer o tipo de serviços prestados, quer as obrigações de faturação, forma de cálculo de partilha dos custos, pagamentos, etc.
  4. A par desta atividade, a Requerente tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo, por forma a diversificar a sua atividade e procurar rentabilizar o conhecimento adquirido, através da melhoria da intervenção no mercado das suas participadas e, como se perspetiva, da própria Requerente.
  5. Neste contexto, as empresas do Grupo B... já implementaram diversos projetos assentes no seu software e competências em IoT, blockchain e IA - Inteligência Artificial, nas seguintes áreas: Cidades Inteligentes, Eficiência Energética, Iluminação Pública, Recolha de Resíduos Industriais e Urbanos, Espaços Verdes, Florestas, Agricultura, Gestão Logística de Carga, Indústria 4.0, Gestão de Ocorrências e Agentes Virtuais Inteligentes, pelo que necessita de constante investigação para o aprofundamento das suas competências.
  6. A Requerente informou a inspeção que não haviam sido debitadas despesas com o pessoal no montante de € 360 223,00, que correspondiam a despesas com projetos que, em 2020, “encontravam-se em fase de desenvolvimento”.
  7. Alega, que a inspeção não questionou a natureza das despesas, entendendo que deviam ter sido reconhecidas como ativos intangíveis, e que o seu não reconhecimento como tal foi opção da Requerente: “Ora, a factualidade descrita permite concluir que a não consideração/reconhecimento na contabilidade de ativos intangíveis resultou de uma mera opção do sujeito passivo, ao arrepio das normas normalização contabilística, nomeadamente da NCRF 6, realidade que a presente correção visa corrigir”.
  8. A Requerente, defende que as ferramentas embora possam gerar benefícios económicos futuros, são indissociáveis da sua atividade, não podendo ser vendidas, transferidas ou licenciadas autonomamente. Não estão patenteadas e são inerentes à atividade por si desenvolvida, através das suas participadas.
  9. Os projetos em causa visam apenas o “aprofundamento das suas competências” e, nessa medida, constituem, nos termos do parágrafo 47 da NCRF, uma “goodwill” gerado internamente que, como tal, não deve ser reconhecido como um ativo. 
  10. Com efeito as despesas com esses projetos podem gerar benefícios económicos futuros, mas isso não resulta na criação de um ativo intangível que satisfaça os critérios de reconhecimento da Norma, na medida em que não é um recurso identificável
  11. Em consequência, a Requerente, nos termos da normalização contabilística, não reconheceu nenhum ativo intangível nas suas demonstrações financeiras.
  12. E, de qualquer modo, essas despesas com o pessoal, no montante de € 360 223,00, nunca poderiam ser, de per si, um ativo intangível, reconhecido no mencionado período.
  13. A Requerente não identificou nenhum projeto específico a que tais despesas pudessem ser imputadas e muito menos referiu que o desenvolvimento de tais ferramentas estava em fase que pudesse dar origem, nesse período, a um específico ativo intangível.
  14. É certo que mencionou que já foram implementados diversos projetos assentes no seu software e competências - o que não significa que se trate de ativos intangíveis - mas nunca mencionou o período da sua implementação, nem a inspeção tributária o identificou, e nunca referiu que as controvertidas despesas de € 360 223,00 tenham estado na origem de tais projetos.
  15. Pelo contrário, referiu expressamente que os projetos a que se reportavam as referidas despesas estavam em fase de desenvolvimento.
  16. Ora, como resulta do parágrafo 70 da NCRF 6, o dispêndio com um item intangível que tenha sido inicialmente reconhecido como um gasto não deve ser reconhecido como parte do custo de um intangível em data posterior.
  17. Por isso, mesmo que as despesas com o pessoal em causa pudessem estar relacionadas com a concretização de projeto específico que viesse a reunir as condições para ser qualificado como intangível, nunca poderiam fazer parte do seu custo e, portanto, nunca poderiam ser qualificadas como “Trabalhos para a própria entidade”.
  18. Defende a Requerente que não existem dúvidas de que as despesas de desenvolvimento podem, por opção do sujeito passivo, ser consideradas como gastos do período.
  19. Sustenta que não é controvertido que a Requerente tenha efetuado despesas de desenvolvimento.
  20. A questão controvertida circunscreve-se à obrigatoriedade de a Requerente reconhecer ou não um suposto ativo intangível.
  21. Ora, no âmbito do procedimento de inspeção que, embora tenha tido natureza externa, circunscreveu-se ao envio pela Requerente dos elementos contabilísticos e a resposta a questões suscitadas, a inspeção não identificou nem caracterizou nenhum específico intangível, suscetível de ser reconhecido como tal.
  22. Em matéria probatória, a inspeção limita-se a extrair meras conclusões enviesadas das respostas da Requerente, não tendo desenvolvido quaisquer diligências investigatórias para apuramento de factos, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, recaía sobre ela o ónus de prova de que existe um suposto ativo intangível que não foi reconhecido como tal.
  23. Ora, para além de não ter identificado o que supostamente devia ter sido considerado um intangível, muito menos, ao longo do Relatório, a inspeção demonstrou que as mencionadas despesas com o pessoal deram origem a um específico ativo que:  a) Possui viabilidade técnica; b) A Requerente tinha a intenção de usar ou vender; c) Tinha a capacidade de usar ou vender; d) Era suscetível de gerar benefícios económicos futuros;  e) Tinha capacidade de concluir o projeto; f)  Tinha instituído um sistema para mensurar os gastos.
  24. Isto é, que reunia os requisitos de reconhecimento da NCRF 6 e que a Requerente devia ter contabilizado como tal. 
  25. A inspeção limitou-se, por exclusão de partes, a considerar que, como as despesas em causa não foram especificamente imputadas às participadas, ou eram desconsideradas ou, então teriam de corresponder ao reconhecimento de um ativo intangível.
  26. E, como não encontrou fundamento para desconsiderar como gasto as despesas com o pessoal, então “desconsiderou-as” para o efeito considerando que não fora reconhecido um ativo intangível.
  27. Ora, a Requerente de acordo com a normalização contabilística não reconheceu nenhum ativo intangível porque, como referiu, embora os seus projetos possam vir a gerar benefícios económicos futuros, são indissociáveis da sua atividade, não podendo ser vendidos, transferidos ou licenciados autonomamente. Não estão patenteadas e são inerentes à atividade por si desenvolvida, através das suas participadas, como tal não tendo a Requerente desenvolvido qualquer sistema de custeio para medir fiavelmente o seu custo de produção.
  28. Para além disso, tais projetos visam apenas o “aprofundamento das suas competências” e, nessa medida, constituem, nos termos do parágrafo 47 da NCRF, uma “goodwill” gerado internamente que não deve ser reconhecido como um ativo.
  29. Portanto, conclui-se que a Requerente, nos termos da normalização contabilística não tinha de reconhecer nenhum ativo intangível.
  30. E, ainda que o devesse ter feito, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, nos termos do artigo 32.º do CIRC, podia sempre ter considerado tais despesas como um gasto do período, enquadramento legal que a inspeção deliberadamente ignorou.
  31. Assim, não assiste razão à AT, estando ferida de ilegalidade a contestada liquidação adicional, por se tratar de gastos que a Recorrente pode (e deve) considerar como gastos do período. 
  32. Por isso, também não poderiam tais gastos ser desconsiderados por alegadamente não terem um proveito direto e imediato associado.
  33. E, assim sendo, também neste contexto o gasto não poderia ser desconsiderado.
  34. Termina a Requerente peticionado, que Declare a ilegalidade da liquidação adicional de IRC, que é objeto do presente pedido de Pronúncia Arbitral e, consequentemente, determine a sua anulação com todos os efeitos legais, e determine o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, em consequência do pagamento em prestações do imposto que tem vindo a efetuar ao abrigo dessa liquidação adicional.

Posição da Requerida

A Requerida apresentou a sua Resposta  em 28.06.2023, sustentando o seguinte:

  1. A interpretação feita pelos SIT, da situação em apreço que redundou nas correções ora sindicadas, não padece de qualquer ilegalidade ou imprecisão
  2. Sustenta que a Requerente, de acordo com a argumentação apresentada no seu douto ppa, desenvolve materialmente a título principal a atividade de prestação de serviços comuns e partilhados a todas as empresas do grupo, às quais fatura serviços de contabilidade, informática, recursos humanos, entre outros.
  3. Paralelamente a esta atividade principal, a Requerente alega que tem vindo a desenvolver ferramentas que lhe proporcionem elevada eficácia operacional, e que ajudem a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo, por forma a diversificar a sua atividade e procurar rentabilizar o conhecimento adquirido, através da melhoria da intervenção no mercado das suas participadas pelo que necessita de constante investigação para o aprofundamento das suas competências.
  4. Observaram, corretamente, os SIT que no exercício de 2019, todos os custos foram considerados comuns e imputados na totalidade às empresas participadas, acrescentando que a análise dos contratos celebrados com as participadas revela que o reembolso à Requerente dos serviços prestados às beneficiárias corresponde aos custos reais incorridos acrescidos de uma margem que se pode situar entre os 1% e os 3%.
  5. Ao invés no exercício de 2020 a Requerente não faturou às empresas do grupo qualquer valor a título de imputação dos custos partilhados e, confrontada com este facto, veio informar que com data de 31/05/2021 emitiu faturas às suas participadas relativas aos serviços partilhados sendo que o valor de € 816.973,97 corresponde à imputação de fornecimentos e serviços de terceiros (€ 674.418,22) e de gastos com o pessoal (€ 142.555,75) suportados no exercício de 2020.
  6. Relativamente ao valor de € 360.223,00, correspondente a despesas com pessoal, a Requerente alega que não as debitou às empresas participadas porque correspondiam a despesas com projetos que, em 2020, “encontravam-se em fase de desenvolvimento”.
  7. Alega que tais projetos visam apenas o “aprofundamento das suas competências” e, nessa medida, constituem, nos termos do parágrafo 47 da NCRF 6, um “goodwill” gerado internamente que, como tal, não deve ser reconhecido como um ativo.
  8. De facto, os SIT lograram demonstrar que os valores em causa, € 360.223,00, deviam ser reconhecidos na contabilidade da Requerente como ativo intangível.
  9. Ademais, realçam, e bem, os SIT, que o ativo em causa preenche as duas condições previstas no parágrafo 21 da NCRF 6 para ser reconhecido como ativo intangível, i.e.: i. a probabilidade de benefícios económicos futuros atribuíveis ao ativo fluírem para a entidade; e ii. o custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado.
  10. Sobre a verificação da primeira (1.ª) das condições reconhece a Requerente em e-mail dirigido aos SIT que  “a A... tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo.”,  adiantando depois que   “As empresas do grupo B... já implementaram diversos projectos assentes no seu software e competências em IoT, blockchain e IA - Inteligência Artificial, nas áreas: das Cidades Inteligentes, Eficiência Energética, Iluminação Pública, Recolha de Resíduos Industriais e Urbanos, Espaços Verdes, Florestas, Agricultura, Gestão Logística de Carga, Indústria 4.0, Gestão de Ocorrências e Agentes Virtuais Inteligentes, pelo que necessita de constante investigação para o aprofundamento das suas competências.”
  11. Quanto à segunda (2.ª) condição, a mensuração do ativo, observam os SIT que o valor apurado corresponde aos salários e demais encargos não imputados em 2020 às empresas participadas, conforme resulta do quadro resumo de alocação de recursos fornecido pelo sujeito passivo.
  12. Argumenta a Requerente que não identificou nenhum projeto específico a que tais despesas com o pessoal, no montante de € 360.223,00, pudessem ser imputadas e muito menos referiu que o desenvolvimento de tais ferramentas estava em fase que pudesse dar origem, nesse período, a um específico ativo intangível, pelo contrário, referiu expressamente que os projectos a que se reportavam as referidas despesas estavam em fase de desenvolvimento. Ora, salvo melhor opinião, este argumento em nada contraria a correção proposta pelos SIT.
  13. Defende a Requerida, que conforme informação prestada pela Requerente aos SIT, as despesas com o pessoal no montante de € 360 223,00, correspondem a despesas com projetos que “encontravam-se em fase de desenvolvimento”.
  14. Ora, no caso sub juditio, tratando-se de despesas incorridas com trabalhos para a própria entidade (provenientes de gastos internos com pessoal do quadro da Requerente alocado a áreas de investigação e desenvolvimento, mormente no desenvolvimento dos “programas de computador), claro se torna, que as referidas despesas se enquadram no n.º 2 do artigo 32.º do CIRC.
  15. Assim, fiscalmente, tais despesas devem ser consideradas como gasto fiscal no período de tributação em que foram suportadas nos termos do n.º 1 do art.º 32.º do CIRC, pois são despesas que foram suportadas no interesse direto da Requerente.
  16. E de facto, e contrariamente ao que parece entender a Requerente, tais despesas foram consideradas pelos SIT para efeitos de apuramento do resultado tributável corrigido.
  17. Sucede que os SIT, consideraram ainda que, em 2020, estas despesas se qualificam como “ativo intangível” pelo que, a Requerente deveria ter efetuado contabilisticamente o reconhecimento de um ativo intangível “por Débito da conta 454 – Ativos intangíveis em curso por contrapartida a crédito da conta 742 – Trabalhos para a própria entidade – Ativos intangíveis, pelo custo de produção e desenvolvimento interno dos projetos.”, reconhecendo um rendimento fiscalmente relevante no mesmo montante.
  18. Ora como vimos anteriormente os SIT demonstraram que as despesas aqui em causa reuniam as duas condições previstas no § 21 da NCRF 6 para serem reconhecidas como ativo intangível:1. for provável que os benefícios económicos futuros esperados que sejam atribuíveis ao ativo fluam para a entidade; e 2. o custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado. E, sendo assim, o reconhecimento desse ativo intangível deveria ter como contrapartida o reconhecimento de trabalhos para a própria entidade.
  19. Só assim não seria, repise-se, se as despesas com projetos de desenvolvimento fossem efetuadas para outrem mediante contrato, nos termos do n.º 3 do artigo 32.º do CIRC, pois nesse caso as referidas despesas seriam consideradas custos de exploração e a empresa obteria os proveitos resultantes desses contratos;
  20. Conclui a Requerida, que ficou demonstrado que a AT cumpriu com a lei e com todos os princípios jurídicos aplicáveis ao caso concreto, fazendo uma correta interpretação e aplicação de todos os preceitos legais, no estrito cumprimento do princípio da legalidade que impera na sua atuação, pelo que não poderá acatar o ora propugnado pela Requerente.
  21. E termina a Requerida peticionando que deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar do indeferimento pedido de reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam por provados:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, tendo sido constituída em 29-04-2019 , tem um capital social de €2.536.390,00, e o seu objeto social é o estudo, planeamento, execução e aprovisionamento de obras de engenharia e projetos de arquitetura, bem como a gestão, coordenação e fiscalização de empreitadas públicas e privadas (CAE 71120). Tem como atividade secundária a gestão de participações sociais não financeiras (CAE 064202). Cf. RIT.
  2. A principal atividade desenvolvida pela Requerente é a prestação de serviços comuns e partilhados a todas as empresas do grupo B... . Neste sentido os principais clientes são as empresas do grupo, às quais são faturados diversos serviços partilhados (contabilidade, informática, recursos humanos, entre outros). Cf. RIT
  3. Em 2020 a detentora única do capital era a sociedade C..., NIF ... . Cf. RIT 
  4. A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, de âmbito parcial (IRC e IVA), ao período de tributação de 2020, procedimento credenciado pela ordem de serviço n.º OI2022....
  5. No âmbito desse processo, o SIF solicitou a Requerente em dois momentos, elementos e/ou prestação de esclarecimentos nos termos dos Artigo 59.º e 63.º da LGT1 e artigos 29.º e 48.º do RCPITA, respetivamente:

 

e

   

  1. A Requerente exerceu o seu direito de audição.cf. RIT.
  2. Em sede dessa inspeção do IRC, a Requerente foi notificada do relatório de inspeção do qual releva a seguinte informação:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente foi notifica do relatório de inspeção com data de assinatura de 13-10-2022. Cf. RIT
  2. A Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação adicional de IRC com o n.º 2022..., respeitante ao período de tributação de 2020, no montante de € 28.114,83.cf. Cf PPA.
  3. A Requerente tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo, por forma a diversificar a sua atividade e procurar rentabilizar o conhecimento adquirido, através da melhoria da intervenção no mercado das suas participadas e, como se perspetiva, da própria Requerente. Cf. PPA.
  4. Os Projetos da Requerente a que se reportavam as referidas despesas com projetos que, em 2020, encontravam-se em fase de desenvolvimento, respetivamente despesas com o pessoal no montante de € 360 223,00, que correspondiam a despesas com projetos que, em 2020, “encontravam-se em fase de desenvolvimento”.. Cf. PPA
  5. As empresas do Grupo B... já implementaram diversos projetos assentes no seu software e competências em IoT, blockchain e IA - Inteligência Artificial, nas seguintes áreas: Cidades Inteligentes, Eficiência Energética, Iluminação Pública, Recolha de Resíduos Industriais e Urbanos, Espaços Verdes, Florestas, Agricultura, Gestão Logística de Carga, Indústria 4.0, Gestão  de Ocorrências e Agentes Virtuais Inteligentes, pelo que necessita de constante investigação para o aprofundamento das suas competências. Cf. PPA
  6. A principal atividade desenvolvida pela Requerente é a prestação de serviços comuns e partilhados a todas as empresas do grupo B... . Neste sentido os principais clientes são as empresas do grupo, às quais são faturados diversos serviços partilhados (contabilidade, informática, recursos humanos, entre outros). Cf. PPA.
  7. Em 2019, os gastos somam €398.134,61 e os rendimentos €410.078, pelo que praticamente todos os custos foram considerados comuns e foram imputados na totalidade às participadas. Cf. RIT
  8. Em 2020, dos €502.052,99 registados como gastos com pessoal, €360.223,00, não foram imputados às participadas, revela que, para além dos serviços prestados às participadas existiu outra atividade, que não a habitual comparando com 2019. Cf. RIT
  9. Da informação prestada pela Requerente em sede do RIT, horas imputadas a cada projeto ou área por colaborador, 9.334 horas das 19.964horas trabalhadas pelos colaboradores, foram alocadas a projetos da Requerente, aproximadamente 46,7%. Cf. RIT
  10. A Requerente, tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo, por forma a diversificar a sua atividade e procurar rentabilizar o conhecimento adquirido, através da melhoria da intervenção no mercado das suas participadas e, como se perspetiva, da própria Requerente. As empresas do Grupo B... já implementaram diversos projetos assentes no seu software e competências em IoT, blockchain e IA - Inteligência Artificial, nas seguintes áreas: Cidades Inteligentes, Eficiência Energética, Iluminação Pública, Recolha de Resíduos Industriais e Urbanos, Espaços Verdes, Florestas, Agricultura, Gestão Logística de Carga, Indústria 4.0, Gestão de Ocorrências e Agentes Virtuais Inteligentes, pelo que necessita de constante investigação para o aprofundamento das suas competências. Cf. RIT e PPA
  11. A Requerente no ano de 2020 não faturou às empresas do grupo qualquer valor a título de imputação dos custos partilhados e, tendo apenas emitido faturas às suas participadas relativas aos serviços em 2020, no decorrer do ano de 2021 no valor de € 816.973,97, tendo sido corrigido pelo SIT e aceite pela Requerente como rendimento do exercício de 2020. Cf. RIT
  12. Relativamente à correção no valor de € 360.223,00, correspondente a despesas com pessoal, não foram debitadas às empresas participadas porque correspondiam a despesas com projetos que, em 2020, encontravam-se em fase de desenvolvimento. Cf. RIT
  13. AT procedeu a correção e ao reconhecimento desse ativo intangível deveria ter sido efetuado por Débito da conta 454 – Ativos intangíveis em curso por contrapartida a crédito da conta 742 – Trabalhos para a própria entidade – Ativos intangíveis, pelo custo de produção e desenvolvimento interno dos projetos. Consequentemente de acordo com o n.º 1 e a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º bem como do artigo 18.º e 20.º, todos do IRC, são de qualificar como rendimentos imputáveis ao exercício de 2020 os trabalhos para a própria entidade, no referido valor de €360.223,00. Cf. RIT

 

2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão a proferir.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Mérito

O PPA tem por objeto a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC, resultado do processo de inspeção, levado a cabo pelo SIT, o qual em suma identificou duas situações que consideraram irregulares e que foram objeto de correção: a) Acréscimo de rendimentos – rendimentos imputáveis ao exercício de 2020, nos termos dos artigos 18.º e 20.º do CIRC - € 816.973,97; b) Trabalhos para a própria entidade – rendimentos imputáveis ao exercício de 2020 nos termos dos artigos 18.º e 20.º do CIRC - € 360.223,00.

A Requerente vem apenas contestar a correção relativa aos “Trabalhos para a própria entidade”, no montante de € 360 223,00 e, como tal, a liquidação adicional de IRC n.º 2022..., feita no âmbito de um procedimento de inspeção tributária.

A Requerente, alega em suma que, desenvolveu projetos e ferramentas, que embora possam gerar benefícios económicos futuros, são indissociáveis da sua atividade, não podendo ser vendidas, transferidas ou licenciadas autonomamente. Não estão patenteadas e são inerentes à atividade por si desenvolvida, através das suas participadas. os projetos em causa visam apenas o “aprofundamento das suas competências” e, nessa medida, constituem, nos termos do parágrafo 47 da NCRF, uma “goodwill” gerado internamente que, como tal, não deve ser reconhecido como um ativo. Sustentou, as despesas com esses projetos podem gerar benefícios económicos futuros, mas isso não resulta na criação de um ativo intangível que satisfaça os critérios de reconhecimento da Norma, na medida em que não é um recurso identificável Em consequência, a Requerente, nos termos da normalização contabilística, não reconheceu nenhum ativo intangível nas suas demonstrações financeiras. Por isso, mesmo que as despesas com o pessoal em causa pudessem estar relacionadas com a concretização de projeto específico que viesse a reunir as condições para ser qualificado como intangível, nunca poderiam fazer parte do seu custo e, portanto, nunca poderiam ser qualificadas como “Trabalhos para a própria entidade”.

A Requerida, contra-alegou, que as despesas aqui em causa reuniam as duas condições previstas no paragrafo 21 da NCRF 6 para serem reconhecidas como ativo intangível: 1. for provável que os benefícios económicos futuros esperados que sejam atribuíveis ao ativo fluam para a entidade; e 2. o custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado. E, sendo assim, o reconhecimento desse ativo intangível deveria ter como contrapartida o reconhecimento de trabalhos para a própria entidade. Mais sustenta, que se tratando de despesas incorridas com trabalhos para a própria entidade (provenientes de gastos internos com pessoal do quadro da Requerente alocado a áreas de investigação e desenvolvimento, mormente no desenvolvimento dos “programas de computador), que as referidas despesas se enquadram no n.º 2 do artigo 32.º do CIRC.

Face à factualidade em análise nos presentes autos, a elencada, a questão que se impõe conhecer é a seguinte, se a correção feita pela AT que considerou os custos de produção e desenvolvimento interno dos projetos no valor de €360.223,00 como Trabalhos para a própria entidade por crédito na conta 742, resultando consequentemente como rendimentos imputáveis no exercício de 2020, é uma aplicação correta da legislação aplicável.

Atendendo à questão controvertida, importa analisar a legislação e regulamentação nacional aplicáveis a esta matéria, designadamente o enquadramento normativo fiscal, poara o que iniciaremos pela análise do disposto nos seguintes artigos do CIRC:

Artigo 17.º

Determinação do lucro tributável

1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

(…)

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve: 

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

(…)

Artigo 20.º

Rendimentos e ganhos

1 - Consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente:

(…)

Artigo 32.º

Projectos de desenvolvimento

1 — As despesas com projetos de desenvolvimento podem ser consideradas como gasto fiscal no período de tributação em que sejam suportadas, ainda que os elementos deles resultantes venham a ser reconhecidos como ativos intangíveis nas demonstrações financeiras dos sujeitos passivos.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se despesas com projectos de desenvolvimento as realizadas pelo sujeito passivo através da exploração de resultados de trabalhos da investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção.

3 — O preceituado no n.º 1 não é aplicável aos projectos de desenvolvimento efectuados para outrem mediante contrato.

Mais estabelece o artigo 17.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 12 de Janeiro,

Projetos de desenvolvimento

1 - As despesas com projectos de desenvolvimento podem ser consideradas como gasto fiscal no período de tributação em que sejam suportadas.

2 - Para efeitos do disposto no presente decreto regulamentar, consideram-se despesas com projectos de desenvolvimento, as realizadas através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos, com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção.

3 - Não é aplicável o disposto no n.º 1, nem o referido na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior, aos projectos de desenvolvimento efectuados para outrem mediante contrato.

De seguida, observemos, quanto ao enquadramento previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 - Ativos Intangíveis, para a qual remetemos, e realçamos as seguintes disposições:

21 — Um ativo intangível deve ser reconhecido se, e apenas se: a) For provável que os benefícios económicos futuros esperados que sejam atribuíveis ao ativo fluam para a entidade; e b) O custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado

(…)

Fase de pesquisa

52 — Nenhum ativo intangível proveniente de pesquisa (ou da fase de pesquisa de um projeto interno) deve ser reconhecido. O dispêndio com pesquisa (ou da fase de pesquisa de um projeto interno) deve ser reconhecido como um gasto quando for incorrido.

53 — Na fase de pesquisa de um projeto interno, uma entidade não pode demonstrar que existe um ativo intangível que irá gerar benefícios económicos futuros prováveis. Por isso, este dispêndio é reconhecido como um gasto quando for incorrido.

54 — Exemplos de atividades de pesquisa são: a) Atividades visando a obtenção de novos conhecimentos; b) A procura de, avaliação e seleção final de, aplicações das descobertas de pesquisa ou de outros conhecimentos; c) A procura de alternativas para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços; e d) A formulação, conceção, avaliação e seleção final de possíveis alternativas de materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados. Fase de desenvolvimento

55 — Um ativo intangível proveniente de desenvolvimento (ou da fase de desenvolvimento de um projeto interno) deve ser reconhecido se, e apenas se, uma entidade puder demonstrar tudo o que se segue: a) A viabilidade técnica de concluir o ativo intangível a fim de que o mesmo esteja disponível para uso ou venda; b) A sua intenção de concluir o ativo intangível e usá -lo ou vendê -lo; c) A sua capacidade de usar ou vender o ativo intangível; d) A forma como o ativo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros. Entre outras coisas, a entidade pode demonstrar a existência de um mercado para a produção do ativo intangível ou para o próprio ativo intangível ou, se for para ser usado internamente, a utilidade do ativo intangível; e) A disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível; e f) A sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao ativo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.

56 — Na fase de desenvolvimento de um projeto interno, uma entidade pode, nalguns casos, identificar um ativo intangível e demonstrar que o ativo gerará prováveis benefícios económicos futuros. Tal acontece porque a fase de desenvolvimento de um projeto é mais avançada do que a fase de pesquisa.

57 — Exemplos das atividades de desenvolvimento são: a) A conceção, construção e teste de protótipos e modelos de pré- -produção ou de pré -uso; b) A conceção de ferramentas, utensílios, moldes e suportes envolvendo nova tecnologia; c) A conceção, construção e operação de uma fábrica piloto que não seja de uma escala económica exequível para produção comercial; e d) A conceção, construção e teste de uma alternativa escolhida para materiais, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou melhorados.

58 — Para demonstrar como um ativo intangível gerará benefícios económicos futuros prováveis, uma entidade avalia os futuros benefícios económicos a serem recebidos do ativo usando os princípios da NCRF 12 — Imparidade de Ativos. Se o ativo gerar benefícios económicos apenas em combinação com outros ativos, a entidade aplica o conceito de unidades geradoras de caixa tal como definido na NCRF 12.

(…)

Reconhecimento de um gasto

66 — O dispêndio com um item intangível deve ser reconhecido como um gasto quando for incorrido a menos que:

a) Faça parte do custo de um ativo intangível que satisfaça os critérios de reconhecimento (ver parágrafos 18 a 65); ou

b) O item seja adquirido numa concentração de atividades empresariais e não possa ser reconhecido como um ativo intangível. Neste caso, o dispêndio deve fazer parte da quantia atribuída ao goodwill à data da aquisição (ver a NCRF 14 — Concentrações de Atividades Empresariais).

Retomado o caso nos ocupa, e relembrando o thema decidendum do presente pedido de pronuncia arbitral, analise das despesas com pessoal incorridas pela Requerente, se devem considerar-se como um ativo intangível e se essas despesas são despesas em fase de pesquisa ou despesas em fase desenvolvimento, recorrendo para o efeito, à aplicação das regras fiscais e da NCRF, supra elencadas.

Mas primeiramente, compete apreciar se estamos perante um ativo intangível, e posteriormente apreciar se estamos perante despesas com projetos que se encontravam em fase de desenvolvimento ou de pesquisa.

Conforme resulta do paragrafo 21 da NCRF 6, exige-se o preenchimento de dois critérios para determinar se estamos perante um ativo intangível, concretamente:  Um ativo intangível deve ser reconhecido se, e apenas se: a) For provável que os benefícios económicos futuros esperados que sejam atribuíveis ao ativo fluam para a entidade; e b) O custo do ativo possa ser fiavelmente mensurado.

Retomando os autos, entendemos encontra-se preenchido o primeiro critério, conforme resulta da factualidade assente: “A Requerente tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo, por forma a diversificar a sua atividade e procurar rentabilizar o conhecimento adquirido, através da melhoria da intervenção no mercado das suas participadas e, como se perspetiva, da própria Requerente.”

A Requerente, desenvolve um ativo para seu uso e benefício, encontrando-se assim preenchido este primeiro critério.

Quando a segundo critério, respetivamente, o custo ser fiavelmente mensurado, encontra-se igualmente preenchido, sendo possível com fiabilidade calcular o custo, que corresponde aos salários e demais encargos não imputados em 2020 às empresas participadas, no montante de € 360.223,00.

Encontrando-se preenchidos estes dois critérios previstos do paragrafo 21 da NCRF 6, passamos à análise da segunda parte da questão, se estamos perante despesas com projetos que se encontravam em fase de pesquisa ou em fase de desenvolvimento.

Conforme refere, a Requerente tem vindo a desenvolver ferramentas que permitam elevada eficácia operacional, bem como a implementar plataformas e sistemas de gestão administrativa, central e local, para aumentar os sistemas de gestão e controlo. Mais refere a Requerente que os projetos a que se reportavam as referidas despesas estavam em fase de desenvolvimento. Pelo que, estamos perante despesas com projetos em fase de desenvolvimento.

Deste modo, recorrendo, às normas previstas no paragrafo 52 a 54 da NCRF 6 e 55 a 62 da NCRF 6, quanto aos ativos intangíveis, respetivamente em fase de pesquisa e em fase de desenvolvimento.

Diz-nos o paragrafo 52, que nenhum ativo intangível proveniente de pesquisa (ou da fase de pesquisa de um projeto interno) deve ser reconhecido.

Em contraste, o paragrafo 55 refere “Um ativo intangível proveniente de desenvolvimento (ou da fase de desenvolvimento de um projeto interno) deve ser reconhecido se, e apenas se, uma entidade puder demonstrar tudo o que se segue:

a) A viabilidade técnica de concluir o ativo intangível a fim de que o mesmo esteja disponível para uso ou venda;

b) A sua intenção de concluir o ativo intangível e usá -lo ou vendê -lo;

c) A sua capacidade de usar ou vender o ativo intangível;

d) A forma como o ativo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros. Entre outras coisas, a entidade pode demonstrar a existência de um mercado para a produção do ativo intangível ou para o próprio ativo intangível ou, se for para ser usado internamente, a utilidade do ativo intangível;

e) A disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível;

e f) A sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao ativo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.”

Face ao disposto nas normas supra descritas, por exclusão, vejamos se estão preenchidos os critérios elencados no paragrafo 55, para ser considerado um activo em fase de desenvolvimento.

Face à factualidade já descrita, verificamos que as alienas a), b) c), e e) estão preenchidas, o Requerente tem a viabilidade, intenção, capacidade e os recursos para usar o ativo que está a desenvolver.

Igualmente, e conforme já se tinha verificado (quanto ao preenchimento dos critérios do paragrafo 21 da NCRF 6), o ativo gerará benefícios económicos futuros, e é possível mensurar fielmente o dispêndio, encontrando-se assim preenchida a alínea d) e f).

Olhemos agora, se a Requerente cumpre com o dispositivo da legislação fiscal (suprarreferida).

Do ponto de vista fiscal, estabelece o n.º 2 do artigo 32.º do CIRC, o que se deve entender por despesas com projetos de desenvolvimento, respetivamente: consideram-se despesas com projectos de desenvolvimento as realizadas pelo sujeito passivo através da exploração de resultados de trabalhos da investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou à melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de produção.

Assim, em conjunção com os requisitos previstos na NCRF 6, e no paragrafo 55 da mesma norma, devem ser reconhecidas como ativo intangível.

Perante todo o exposto, conclui-se que estamos perante um ativo intangível em fase de desenvolvimento. Trata-se de despesas incorridas com trabalhos para a própria entidade provenientes de gastos internos com pessoal do quadro alocado a áreas de desenvolvimento, enquadradas no n.º 2 do artigo 32.º do CIRC.

Do exposto, se conclui que estamos perante um ativo intangível, e por conseguinte a correção promovida pela AT, quanto ao Debito da Conta 454 – Ativos Intangíveis, é correta.

Naturalmente, existindo um debito, terá de ser feito um correspondente crédito, que a AT, considerou como Trabalhos para a própria entidade, na conta 742.

Quanto à qualificação dos gastos, como Trabalhos para a própria entidade, não há qualquer dúvida, a qualificação feita pela AT, porquanto da factualidade assente, resulta estarmos perante despesas pela Requerente efetuadas com pessoal.

Assim, nos termos do artigo 17.º do CIRC, o lucro tributável das pessoas coletivas é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos desse Código, devendo a contabilidade estar organizada de acordo com a normalização contabilística.

Com efeito, resulta um rendimento tributável para a Requerente no ano em questão, pelo que a correção promovida pela AT, quanto ao crédito na Conta 742 – Trabalhos para a própria entidade, e qualificação como rendimentos imputáveis ao exercício de 2020 nos termos o n.º 1 e a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º bem como do artigo 18.º e 20.º, todos do IRC, é correta.

Face ao regime legal gizado, conclui-se, que o reconhecimento das despesas suportadas pela Requerente, quanto aos custos de produção e desenvolvimento interno dos projetos, constituem um ativo intangível, como tal deveriam ter sido considerados a Debito da Conta 454 – Ativos Intangíveis, e consequentemente como ditam as regras contabilísticas e fiscais, ser considerado um crédito pelo mesmo valor na conta 742 – Trabalhos para a própria entidade, respetivamente constituem trabalhos para a própria entidade, são de qualificar como rendimentos imputáveis ao exercício de 2020 nos termos o n.º 1 e a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º bem como do artigo 18.º e 20.º, todos do IRC, no valor de €360.223,00.

Nestes termos, improcede o pedido da Requerente.

 

Pagamento De Juros Indemnizatórios

A Requerente apresenta igualmente um pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Sucede que, improcedendo o pedido principal da Requerente, improcede o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Questões De Conhecimento Prejudicado

O tribunal tem o dever de se pronunciar sobre todas as questões, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

  1. Decisão

De harmonia com o supra exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

  1. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;
  2. Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do processo.

 

VI.      Valor do Processo

            Fixa-se ao processo o valor de 28 114,83 € (vinte e oito mil cento e quatorze euros e oitenta e três cêntimos), indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

VII.     Custas

            Custas no montante de 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros), a suportar integralmente pela Requerente, em razão do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Notifiquem-se as Partes e, bem assim, o Ministério Público para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

Lisboa, 5 de Setembro de 2023

O árbitro,

 

 

 

Paulo Ferreira Alves