Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2023-T
Data da decisão: 2023-09-08  IMT  
Valor do pedido: € 8.089,05
Tema: IMT – isenção de prédios para revenda. Preterição de audição prévia e falta de fundamentação. Juros indemnizatórios.
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SUMÁRIO:

I - A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, suscetível de levar à anulação da decisão do procedimento.

II - Se a anulação de um ato de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro singular Francisco Melo, designado pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 28/03/2023, acorda no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A… – CONSTRUÇÕES E NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS LDA., NIPC …, com sede na Rua …, …, …,  …- Caparica (“Requerente), apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos da alínea a) do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º,todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com o artigo 99.º e n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IMT e juros compensatórios no valor total de € 8.089,05 (notificada pelo Ofício n.º …, de 31 de Agosto de 2022, emitido Serviço de Finanças de Lisboa …).

É Requerida nestes autos a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT. O árbitro comunicou a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 28/03/2023.

A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 04/05/2023, defendendo-se por impugnação. Na mesma data juntou o processo administrativo.

Por despacho de 17/05/2023, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT).

No mesmo despacho, o Tribunal notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas no prazo simultâneo de 15 dias.

A Requerente apresentou alegações escritas em 06/06/2023, mantendo, no essencial, os argumentos anteriores.

Por seu turno a Requerida apresentou as suas alegações escritas em 07/06/2023, reiterando e dando por integralmente reproduzida a argumentação anteriormente expedida.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

  1. Matéria de facto
    1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

  1. A Requerente desenvolve em Portugal actividades no setor da construção civil e imobiliário, promoção imobiliária, construção de imóveis e seu comércio e vendas, aquisição de terrenos, sua urbanização e sua venda por espécie, compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para este fim, empreitadas gerais de construção civil, arrendamento e exploração de imóveis por aluguer, actividades de arquitetura, engenharia e técnicas afins (provado por acordo das partes).
  2. Em 14 de março de 2013, no âmbito da sua atividade de compra e venda de imóveis, a Requerente adquiriu a fração autónoma, destinada a revenda, designada pela letra “H”, do prédio sito na Rua …, …, …, …, inscrito na matriz sob o artigo …, da União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, com destino a revenda (provado por acordo das partes).
  3. A referida aquisição beneficiou da isenção de IMT por se tratar de aquisição de prédio para revenda, nos termos do disposto no Artigo 7.º do CIMT (provado por acordo das partes).
  4. Em 11 de março de 2016, o referido imóvel foi permutado no âmbito de um negócio realizado com a sociedade B… LDA., em que a Requerente deu à referida sociedade três imóveis, cujo valor atribuído totalizou o montante de € 268.500,00, recebendo em troca outros tantos imóveis, cujo valor atribuído totalizou o montante de € 131.000,00, bem como a quantia de € 137.500,00, correspondente à diferença dos valores atribuídos aos bens permutados (provado pelo doc. 2 junto com a petição inicial).
  5. Por ofício n.º …, o Serviço de Finanças de Lisboa … notificou a Requerente da sua intenção de proceder à liquidação de IMT, em virtude da caducidade da isenção de IMT, uma vez que a permuta não configura o conceito de revenda, e para que esta pudesse exercer o seu direito de audição prévia (provado pelo doc. 3 junto com a petição inicial).
  6. Em 12 de Maio de 2022, a Requerente exerceu o seu direito de audição (provado pelo doc. 4 junto com a petição inicial).
  7. Através do ofício n.º …, de 31.08.2022, emitido pelo SF de Lisboa …, a Requerente foi notificada para, nos termos do n.º 4 do art.º 31.º do CIMT e do art.º 36.º do CPPT, proceder ao pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias, do valor de €8.089,05, em que €6.521,70 se referem a imposto e €1.567,35 a juros compensatórios (provado pelo doc. 1 junto com a petição inicial).
  8. Em 23.11.2022, foi emitida a liquidação de IMT n.º …, no montante de €6.521,70, acrescido de juros compensatórios no montante de €1.567,35, num valor global de €8.089,05 (provado pela nota de liquidação e detalhe da nota de cobrança que constam do processo administrativo).

 

  1. Factos não provados

 

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada (art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cujo conteúdo é aceite pelas partes, até pela sua natureza: documentos emitidos pelas Finanças e escritura pública de permuta.

 

 

  1. Matéria de direito

 

Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público.

Assim sendo, começar-se-á por apreciar-se os vícios atinentes à preterição de formalidade legal essencial e falta de fundamentação do ato de liquidação quanto aos juros compensatórios.

 

  1. Da alegada preterição de formalidade legal essencial

 

Quanto a esta matéria, a argumentação essencial da Requerente é, em síntese, a seguinte: a notificação que deu a conhecer à Requerente a decisão de revogação da isenção de IMT e, bem assim, o consequente ato de liquidação de imposto, padece de vício de preterição de formalidade essencial, tendo em consideração que a mesma não teve em consideração todos os fundamentos invocados pela Requerente em sede de direito de audição prévia.

Afirma a Requerente que, em sede de audição prévia, invocou duas linhas de raciocínio: a) Que o contrato de permuta de bens imóveis tem subjacente o mesmo entendimento jurídico que o contrato de compra e venda de imóveis, em conformidade com o Artigo 939.º do Código Civil; e b) Que ainda que assim não se entendesse, o valor pago em dinheiro pela sociedade adquirente constituiu o principal elemento do negócio e da transação, o que implica que, para efeitos de aplicação do Artigo 7.º, a alienação deverá ser reputada de compra e venda.

Ora, segundo a Requerente, no Ofício de notificação do ato de liquidação aqui impugnado, e no qual se integra a alegada fundamentação do mesmo, a AT limitou-se a fazer referência ao primeiro argumento invocado pela Requerente no direito de audição, sendo totalmente omissa quanto à questão de o preço pago pela sociedade adquirente constituir o elemento principal do negócio e, bem assim, sobre o parecer da Procuradoria-Geral da República invocado, pelo que AT violou o estatuído no n.º 7 do Artigo 60.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), segundo o qual “Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

A Requerida contrapõe dizendo que da observação aos fundamentos apresentados, retira-se que foram analisadas tanto a questão do valor em dinheiro pago à Requerente constituir a componente principal do negócio, quando é referido que os “n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º e no n.º 5 do art.º 11.º, ambos do CIMT, reportam-se ao significado de transmissão por ato de venda e não a toda e qualquer forma de transmissão fiscal ou civil de direitos reais (de propriedade ou suas figuras parcelares)”, como o parecer da Procuradoria-Geral da República invocado pela Requerente, quando são elencados dois dos vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que consagram o entendimento da Jurisprudência quanto à permuta de prédios adquiridos para revenda, pelo que, não é de acolher a alegada preterição de formalidade essencial prevista no n.º 7 do art.º 60.º da LGT.

 

O direito à participação é um direito constitucional que decorre do artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito de os cidadãos participarem na formação das decisões que lhes disserem respeito e encontra expressão no artigo 60.º da LGT, que prescreve o seguinte:

 

Artigo 60.º

Princípio da participação

1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

 

Por outro lado, de harmonia com o preceituado no artigo 60.º, n.º 7 da LGT, se o titular

 do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.

Como se escreveu no processo 812/2019-T, onde se colocou questão idêntica, e que, com a devida vénia, se transcreve:

Esta matéria tem sido objeto de abundante doutrina e na jurisprudência. Na Doutrina, e a título exemplificativo, invoquem-se Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, para quem:

“De harmonia com o preceituado no n.º 7 do art. 60.º da LGT, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão.

A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts 58.º da LGT e 104.º do C.P.A).

A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados.

A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, suscetível de levar à anulação da decisão do procedimento” – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, 2012, Encontro da Escrita, pág. 513 – sublinhado nosso.

No mesmo sentido vão José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, “a decisão a proferir no procedimento deve conter sempre a análise e a ponderação das alegações dos contribuintes no exercício do direito à audição.”

Para estes mesmos autores, a necessidade de análise dos argumentos suscitados pelos contribuintes, em sede de Direito de Audição, é imposta ainda pelo princípio do inquisitório. Assim, concluem, “sempre que esses elementos novos sejam relevantes, devem ser ponderados

e, sendo caso disso, conduzir à alteração do projeto de decisão” – cfr. José Maria Fernandes

Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 620.

Na Jurisprudência, invoque-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 24/10/2012 e proferido no âmbito do processo 0548/12 (Fernanda Maçãs) em que se decidiu:

“I – Nos termos do disposto no art. 60.º, n.º 7, da LGT, se se tratar de elementos novos atinentes à matéria de facto, poderá justificar-se a realização de novas diligências, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts. 58.º da LGT e 104.º do CPA).

II – Sob pena de o direito de audiência se transformar num ritual num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, exige-se a sua análise pela administração, por forma a tomar visível que a decisão

do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito

submetidos à sua apreciação” – cfr. no mesmo sentido, deste mesmo Tribunal Superior, o Acórdão datado de 05/08/2013 e proferido no âmbito do processo 0575/13 (Casimiro Gonçalves) – sublinhado nosso. No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17/10/2013 e proferido no âmbito do processo 05354/12 (Benjamim Barbosa) onde se escreveu: “Na fundamentação do ato tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do cato se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade” (sublinhado nosso).”

Delimitado o quadro normativo aplicável, bem como a correta interpretação do mesmo, e regressando ao caso dos presentes autos, resulta que, em sede de exercício de Direito de Audição, a Requerente invocou dois elementos que, em seu entender, configuram a permuta realizada como revenda, para efeitos do artigo 7.º do CIMT: (i) o entendimento corrente na doutrina e jurisprudência que ao contrato de permuta se aplica o mesmo entendimento jurídico da compra e venda, nos termos do artigo 939 do Código Civil e (ii) o facto de o principal elemento do negócio e da transação ter sido o pagamento em monetário, o que consequentemente leva ao entendimento de tratar-se de uma revenda. Neste último ponto, para justificar a sua posição, a Requerente invoca o Parecer n.º P000042002, de 26.02.202, da Procuradoria-Geral da República.

Perante a argumentação esgrimida pela Requerente, limitou-se a AT a referir, e citamos: “O sujeito passivo foi notificado para o exercício do direito de audição em 2022-04-28 com o registo CTT nº RH … PT, tendo-o exercido em 2022-05-16, invocando que ao contrato de permuta se aplica o mesmo entendimento jurídico da compra e venda, nos termos do artigo 939º do Código Civil”.

A partir daqui, a AT procedeu à interpretação do artigo 11.º do CIMT e ao enquadramento da permuta no conceito fiscal de ato de revenda.

Ora, quanto ao argumento invocado pela Requerente sobre o facto de o negócio em apreço consubstanciar, fundamentalmente, uma compra e venda, dado que o valor pago em numerário é superior ao valor atribuído pelas partes, a AT não fez qualquer alusão expressa ao mesmo.

Alega a AT, em sede de Resposta, que “Ora, da observação aos fundamentos apresentados, retira-se que foram analisadas tanto a questão do valor em dinheiro pago à Requerente constituir a componente principal do negócio, quando é referido que os “n.ºs 3 e 4 do art.º 7.º e no n.º 5 do art.º 11.º, ambos do CIMT, reportam-se ao significado de transmissão por ato de venda e não a toda e qualquer forma de transmissão fiscal ou civil de direitos reais (de propriedade ou suas figuras parcelares)”, como o parecer da Procuradoria-Geral da República invocado pela Requerente, quando são elencados dois dos vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que consagram o entendimento da Jurisprudência quanto à permuta de prédios adquiridos para revenda.

Não deve, a nosso ver, colher a argumentação deduzida pela Requerida, na medida em que o enquadramento legal feito pela AT atendeu apenas à questão da configuração da permuta como revenda. Disso é exemplificativa a seguinte conclusão retirada pela AT na decisão de revogação da isenção do IMT, depois de enunciar o enquadramento legal, quando refere no ponto 2 “(…) ficam, portanto, excluídos do seu âmbito [conceito fiscal de revenda], designadamente, os contratos de permuta”.

Ora, aquilo que a Requerente também explicitamente aventou no âmbito da audição prévia foi o facto de o principal elemento do negócio e da transação ter sido o pagamento em monetário, afastando, assim, a qualificação da operação como permuta, à luz do entendimento sufragado pelo Parecer n.º P000042002 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a que aludiu, no qual se refere e citamos “5.ª Existe ainda permuta quando, para acerto de diferenças de valor, haja necessidade de compensação monetária, salvo se a soma em dinheiro constituir a prestação principal ou o elemento proeminente do contrato (sublinhado nosso)”.

Era essa a outra análise e ponderação que também se impunha à AT, antes de formar a sua decisão quanto à caducidade da isenção de IMT e consequente liquidação do imposto à Requerente, e que não feita.

Acresce, por outro lado, que nenhum dos acórdãos do STA citados pela AT, na referida decisão, abordou esta temática da existência de permuta quando a soma em dinheiro constitui a prestação principal ou o elemento proeminente do contrato, nem tão pouco aludiu ao Parecer da Procuradoria-Geral da República, pelo que não procede o entendimento sufragado pela Requerida, em sede de Resposta, de que o parecer foi analisado nesses acórdãos.

A obrigatoriedade de a AT considerar os elementos novos aduzidos em sede de direito de audição, na fundamentação da decisão, que decorre do n.º 7 do artigo 60.º da LGT, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados, o que manifestamente não sucedeu quanto ao argumento de o principal elemento do negócio e da transação ter sido o pagamento em monetário, que não foi nem referenciado, nem tão pouco analisado.

A Requerente invocou um argumento importante – configuração da operação como revenda e não como permuta simples, atenta a predominância do elemento monetário face ao valor atribuído aos imóveis – com vista a ser mantida a isenção de IMT de que beneficiou, por contraponto à sua caducidade e consequente liquidação de imposto. Ora, este elemento teria, ainda que mínima, probabilidade de influenciar a decisão tomada, pelo que impunha-se que fosse considerado na análise a realizar pela AT, o que manifestamente não ocorreu.

Assim, sendo, entende este tribunal que procede a alegada ilegalidade da liquidação em apreço, uma vez que a mesma enferma de vício formal, consubstanciado na deficiência da audiência prévia, o que equivale à falta de audiência prévia, por preterição de formalidade essencial, resultante, do vício de falta de fundamentação, por efeito do nº 7 artigo 60.º da LGT, impondo-se assim a anulação do ato tributário.

 

  1. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento no vício atrás referido, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.

Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.

Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona “Por um dever de cautela, e caso a ora Requerente venha, no decurso do presente processo arbitral, a proceder ao pagamento do valor de IMT e de Juros Compensatórios resultantes do ato de liquidação impugnado, importa requerer também a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

O regime substantivo do direito a tais juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

No caso concreto, está em causa um vício de forma do ato tributário.

Sobre esta questão, como julgou o Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de uniformização de jurisprudência de 28-11-2018, relativo ao processo 087/18.0BALSB, “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.” (sublinhado nosso).

            Isto posto, considerando que, no presente caso, a anulação do ato de liquidação de IMT resulta do vício de violação de formalidade legal, por falta de pronúncia sobre os elementos apresentados pela Requerente, na fundamentação da decisão de revogação da isenção de IMT e consequente liquidação do IMT devido e não de qualquer ilegalidade, à luz das normas substantivas, que expresse o carácter indevido da prestação tributária.

Assim, e à luz da jurisprudência firmada pelo STA no acórdão ora vindo de citar, improcede o pedido da Requerente quanto aos juros indemnizatórios.

 

  1. Decisão

 

Termos em que este Tribunal Arbitral Singular decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com fundamento em vício formal, consubstanciado na deficiência da audiência prévia, o que equivale a falta de audiência prévia, por preterição de formalidade essencial, resultante, do vício de falta de fundamentação, por efeito do nº 7 artigo 60.º da LGT, e, em consequência, anular a liquidação de IMT n.º …, no valor total de € 8.089,05, com consequente reembolso do montante que houver sido pago;
  2. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Requerida deste pedido;
  3. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento Geral de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.089,05.

 

  1. Custas

 

Conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Porto, 8 de setembro de 2023.

 

O Árbitro,

 

(Francisco Melo)