Processo n.º 96/2013-T
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-07-2013, acordam no seguinte:
1. Relatório
A, S.A., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à:
(i) Declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2012, a que se referem as declarações periódicas n.º ...64, entregue em 28-6-2012, n.º ...08, entregue em 18-7-2012, e n.º ...18, entregue em 9-8-2012, que foram objecto das reclamações graciosas n.ºs ...98, ...81 e ...42, indeferidas, respectivamente, através dos ofícios n.º …, de 25-1-2013, n.º …, de 20-3-2013, e n.º …, de 20-3-2013;
(ii) Anulação dos actos de autoliquidação melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral, na parte em que o IVA foi liquidado sobre as Taxas de Ocupação do Subsolo, respectivamente, os montantes de € 71.354,88, € 79.885,53 e € 57.417,95.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-04-2013.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus e o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 19-6-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 4-7-2013.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deverá ser julgado improcedente.
Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada a produção de prova testemunhal e a acordou-se em haver lugar a alegações escritas.
A produção de prova testemunhal ficou sem efeito, na sequência da Autoridade Tributária e Aduaneira ter vindo informar que a matéria de facto não era controvertida.
A Requerente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1. As TOS pagas pela Requerente aos municípios pela utilização do subsolo para instalação da rede de distribuição de gás natural, que depois são repercutidas nos utilizadores das suas infraestruturas, como é o caso das entidades comercializadoras de gás natural, não estão sujeitas a IVA aquando desse redébito, refaturação ou repercussão
2. O redébito, refaturação ou repercussão das TOS pela Requerente não constitui uma atividade económica na aceção do artigo 9.º, n.º 1 da Diretiva do IVA em virtude da inexistência de qualquer contrapartida direta ou indireta, pelo que, não se tratando de uma operação onerosa, não gera valor acrescentado e não está sujeita a IVA (vide Acórdão do TJUE no caso Gôtz).
3. Não há lugar à aplicação do disposto no artigo 78.º, al. a) da Diretiva do IVA, transposto para ordem jurídica interna pelo artigo 16.º, n.º 5, al. a) do CIVA, porque as TOS não têm um nexo direto com operações tributáveis praticadas pela Requerente, nem se conexionam, direta ou indiretamente, com o livre e legal exercício da atividade concessionada, não constituindo um requisito de validade destas.
4. Na realidade, o produto da cobrança das TOS não representa o contravalor efetivo de uma operação tributável praticada pela Requerente à comercializadora, pelo que não cabe no conceito de contraprestação e, em consequência, o montante correspondente às taxas não pode ser incluído no valor tributável de IVA.
5. Com efeito, o contravalor entregue pela comercializadora à Requerente pelo uso da rede de distribuição de gás natural é uma tarifa de acesso à rede definida e regulada pela ERSE, em cuja composição não entram as TOS.
6. Por outro lado, encontrando-se as TOS fora do âmbito de incidência do IVA quando são cobradas pelo sujeito ativo (autarquia local) ao sujeito passivo (Requerente) por força do artigo 2.º, n.º 2 do CIVA, não é pela simples repercussão ou refaturação do seu valor exato, sem qualquer contrapartida do repercutido -- i.e. sem margem – que se deve proceder à sua inclusão no valor tributável.
7. O funcionamento do IVA não se coaduna com o tratamento diferenciado de agentes ao longo de uma determinada cadeia comercial, tal como sucederia caso se concluísse pela sujeição a IVA por ocasião do redébito da TOS, após a não sujeição em momento prévio, o que redundaria na violação dos princípios da neutralidade e da uniformidade do IVA.
8. Como bem decidiu o TJUE no recente caso BGZ Leasing, o princípio da neutralidade do IVA impõe que o tratamento em IVA de uma determinada despesa (não sujeição ou isenção) deve ser mantido quando o montante exato dessa despesa – como acontece no caso das TOS – é refaturado a um terceiro.
9. O reconhecimento da ilegalidade das liquidações de IVA sobre as TOS e a consequente restituição do imposto indevidamente pago não consubstanciam um enriquecimento sem causa porque: (i) a repercussão do IVA é uma exigência legal e não implica, nem faz presumir juris et de jure este enriquecimento; (ii) a legislação nacional não exige, como condição para a restituição do IVA indevidamente liquidado, a prova da sua efetiva repercussão a terceiros; (iii) vigora entre nós o princípio segundo o qual o Estado-Membro tem o dever de reembolsar ao contribuinte os tributos cobrados em violação do direito comunitário, o que resulta do princípio da neutralidade do IVA (vide os Acórdãos do TJUE nos casos Michailidis, Comateb, Weber's Wine World e Geníus Holding).
10. Quanto ao alegado pela AT no artigo 34.º do articulado de resposta, não existe nenhuma prestação de serviços composta ou complexa dirigida ao consumidor final, desde logo porque a Requerente não está legalmente autorizada a vender gás natural aos consumidores finais.
11. Acresce que: (i) a separação jurídica e contabilística das atividades de distribuição e de comercialização leva a que a Requerente não efetue qualquer prestação ao consumidor final; (ii) a repercussão ou redébito das TOS não tem conteúdo económico e não é uma prestação de serviço para efeitos de IVA; (iii) o redébito das TOS, ainda que hipoteticamente perspetivado em conjunto com a distribuição e com a venda de gás natural pela comercializadora ao consumidor final, não se encontra numa relação de acessoriedade para com estas últimas atividades, nem configura uma única prestação económica indissociável cuja decomposição seria artificial (vide os Acórdãos do TJUE nos casos CPP e Levob Verzekeringen BV e OV Bank NV).
12. Acresce que sujeitar a IVA toda e qualquer prestação pela sua mera conexão, ainda que indireta, a uma prestação sujeita é atentar contra a lógica de neutralidade que subjaz ao sistema comum do imposto (vide Acórdão do TJUE no caso BGZ Leasing).
Termos em que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser declarada a ilegalidade dos atos de autoliquidação do IVA respeitantes aos meses de Maio de 2012, Junho de 2012 e Julho de 2012, a que se referem, respetivamente, as declarações periódicas n.ºs ...64, ...08, e ...18, anulando-se os mesmos na parte em que o IVA foi liquidado sobre as Taxas de Ocupação do Subsolo repercutidas pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, dizendo o seguinte: em suma:
– os actos de autoliquidação, referentes aos períodos de Maio, Junho e Julho do ano de 2012, que sustentam o pedido da Requerente, foram objecto de três reclamações graciosas sobre as quais recaíram os despachos de indeferimento ora impugnados;
– a Requerente pretende com a formulação do pedido a restituição dos montantes de imposto autoliquidado naqueles períodos (indevidamente autoliquidados segundo a sua alegação);
– nas reclamações graciosas, a Requerente formulava taxativamente, em cada uma delas:
"- a anulação da autoliquidação [...]
- a restituição do imposto indevidamente liquidado, com os mesmos fundamentos; e,
- o pagamento dos juros indemnizatórios devidos."
– os pedidos formulados pela Requerente não têm o menor fundamento, se tivermos em conta a repercutibilidade do imposto por ela autoliquidado;
– restituir à ora Requerente o montante de imposto que liquidou e recebeu da sua cliente (B – que por sua vez o repercutiu ao consumidor final), traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa que a lei nacional e o direito comunitário não consente;
– tal decorre dos princípios básicos do funcionamento do imposto e das suas características, nomeadamente, da repercutibilidade e neutralidade – o imposto não constitui um gasto dos sujeitos passivos – no caso dos autos nem a Taxa de Ocupação dos Solos nem o IVA que sobre ela incidiu foi gasto da Requerente;
– por outro lado, o mesmo se extrai da análise do que se dispõe na alínea c) do número 1 do artigo 2º do Código do IVA, ao considerar como sujeito passivo do imposto as pessoas singulares ou colectivas que mencionem indevidamente IVA em factura;
– a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o Acórdão, de 16 de Maio de 2013, proferido no processo C-191/12, onde pode ler-se: "Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando 0 encargo ec0nómico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efectivamente. Todavia por via de excepção essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A protecção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre outras pessoas."
– acresce que, esta jurisprudência foi proferida na sequência de uma anteriormente fixada no Acórdão do TJUE, de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo C-398/09, onde se delimita o conceito de enriquecimento sem causa, para este efeito, nos seguintes termos: "As regras do direito da União relativas a repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado-Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador ";
– e se assim é quando está em causa a violação expressa do direito comunitário, por maioria de razão também assim terá de ser quando não há qualquer violação das suas normas, como acontece nos presentes autos;
– não tem fundamento o pedido de juros indemnizatórios, pois a Requerente para além de ter repercutido o montante da Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS", também repercutiu e recebeu o montante do IVA que sobre ela incidiu, não constituindo nem uma, nem outro qualquer encargo ou gasto inerente ao exercício da sua actividade;
– para fundamentar o infundado pedido a Requerente vem sustentar a ilegalidade da sujeição a imposto sobre o valor acrescentado da denominada Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS", nos seguintes termos:
– "Não uma qualquer actividade económica ou acto de consumo subjacente à liquidação da TOS, porquanto se trata de um tributo que tem como contrapartida – ou facto tributário, ou pressuposto legal ou factual – o uso individualizado de um bem público por parte de uni particular";
– também aqui não assiste à ora Requerente a menor razão, efectivamente, o uso ou utilização de um bem do domínio público (utilização do subsolo), como tantos outros actos de utilização e fruição de bens imóveis, traduz um acto de consumo que para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado se subsume a uma prestação de serviços nos termos e para os efeitos do que se dispõe nos artigos 1º, n.º 1, a) e 4.º do Código do IVA;
– dizer-se que o pagamento da Taxa de Ocupação do Subsolo (TOS) não tem um nexo directo com as operações tributáveis da Requerente – distribuição de gás – também não colhe, porque tal nexo é por demais evidente quando a distribuição se faz através do solo de uma determinada circunscrição ou município;
– questão diversa é a de saber se esta prestação de serviços é efectuada por quem tem a qualidade de sujeito passivo, ou não, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2º do Código do IVA;
– neste particular a Requerente a par da Requerida consideram que a Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS" liquidada e cobrada pelos municípios não está sujeita a IVA porquanto estes ao concessionarem bens do domínio público estão a exercer uma das suas atribuições, como forma de satisfação de necessidades colectivas das populações residentes na sua circunscrição;
– por assim ser, os serviços prestados nesse âmbito – concessão da utilização do subsolo – são efectuados no uso dos seus poderes de autoridade e nessa circunstância não estão sujeitos a imposto;
– só que estas regras de não sujeição, derivadas da não qualificação como sujeito passivo por parte daquele que pratica as operações, constantes dos n.ºs 2 e 3 do Código do IVA são, ao contrário do que pretende a ora Requerente de interpretação restrita, dado que constituem exclusão ao princípio geral da sujeição;
– na verdade, quando através do contrato de concessão está reconhecido o direito à concessionária "de repercutir para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão", dúvidas não há que estes serviços não são tributados por força do disposto no nº 2 do artigo 2.º do Código do IVA;
– diga-se, aliás, que mesmo que se entendesse que os municípios ao cobrarem as referidas taxas não estavam a fazê-lo no uso dos seus poderes de autoridade, tais prestações de serviços sempre estariam isentas de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do Código do IVA, porquanto o único serviço prestado pelo município se traduzia na cedência do uso do subsolo da sua circunscrição territorial.
– questão diversa assume a repercussão da taxa efectuada pela Requerente à sua cliente – B – e desta para os consumidores finais;
– na verdade, a cobrança da referida taxa vai integrar uma prestação de serviços composta que a final se traduz no fornecimento de gás aos consumidores finais;
– no entanto, tendo a Requerente e a Requerida assumido no caso dos presentes autos que a cobrança da TOS é efectuada pelos municípios no uso dos seus poderes de autoridade, sempre se dirá que tais poderes não são susceptíveis de ser delegados, daí que não faça qualquer sentido a tese da Requerente de que também ela repercute a taxa no uso de tais poderes;
– o Tribunal de Justiça da UE tem vindo a interpretar o conceito de poderes de autoridade num sentido literal e restrito, ou seja, que tal só é aplicável quando as actividades exercidas são levadas a cabo, efectivamente, por pessoas colectivas de direito público, "negando tal tratamento ainda que se esteja perante poderes de autoridade delegados por entidades públicas a pessoas colectivas de direito privado";
– por assim ser, no caso da ora Requerente tal não lhe é aplicável já que “Resulta de jurisprudência consolidada do Tribunal, sendo acto claro, que as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas na acepção do artigo 13º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva IVA, são as desenvolvidas pelos organismos direito público no âmbito do regime que lhes é próprio, com exclusão das que exerçam nas mesmas condições jurídicas que os operadores jurídicos privados";
– assim segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE a "actuação da pessoa colectiva de direito público deverá ser directa, excluindo-se casos de gestão indirecta como a concessão de serviços públicos ou a concessão de exploração, ainda que envolvam a delegação de poderes de autoridade, assim como operações efectuadas através de sociedades comerciais que tenham capitais exclusivamente públicos ou mistos.";
– não padecem, pois, as autoliquidações ora impugnadas de qualquer ilegalidade;
– desta forma, será assim de concluir que a pretensão constante dos presentes autos carece de total fundamento porque a Requerente não é de todo, nem pode ser, a qualquer título, caracterizada como sujeito passivo normal do imposto para efeitos do direito à dedução do imposto suportado a montante, mantendo-se a correcção proposta no valor de €163.796,05
Por acórdão de 19-11-2013, foi decidido suspender a instância para efectuar reenvio prejudicial para o TJUE sobre as seguintes questões:
1) O Direito da União Europeia opõe-se a que, na repercussão, sem qualquer acréscimo, por uma empresa privada fornecedora de infraestruturas de distribuição de gás natural a uma empresa adquirente dos seus serviços, dos montantes de Taxas de Ocupação do Subsolo, pagas aos municípios em que existem tubagens que integram essas infraestruturas, seja liquidado IVA?
2) Sendo as Taxas de Ocupação do Subsolo liquidadas por autarquias locais, no exercício dos seus poderes de autoridade, sem liquidação de IVA, o Direito da União Europeia opõe-se a que, na repercussão dos montantes dessas taxas pagos por uma empresa privada fornecedora de infraestruturas de distribuição de gás natural a uma empresa adquirente dos seus serviços, seja liquidado IVA?
Por acórdão de 11-06-2015, proferido no processo n.º C-256/14, o TJUE decidiu que «os artigos 9.º, n.º 1, 73.º, 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o montante das taxas, como as que estão em causa no processo principal, que é pago aos municípios pela sociedade concessionária da rede de distribuição de gás em virtude da utilização do domínio público dos referidos municípios e que é repercutido em seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsável pela comercialização do gás, e depois por esta nos consumidores finais, deve ser incluído no valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado aplicável à prestação efetuada pela primeira dessas sociedades à segunda, nos termos do artigo 73.º dessa diretiva».
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, é competente para apreciar as questões suscitadas e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos que se consideram provados
a) A Requerente A S.A. é uma sociedade anónima concessionária, em regime de exclusivo, do serviço público da rede de distribuição regional de gás natural da Área Regional ..., por efeito de um contrato de concessão celebrado com o Estado Português (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
b) Enquanto operadora da rede distribuição, a Requerente é a entidade responsável, numa área específica, pelo desenvolvimento, exploração e manutenção da rede de distribuição e, quando aplicável, das suas interligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia de capacidade da rede a longo prazo para atender a pedidos razoáveis de distribuição de gás natural (artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
c) A rede de distribuição de gás natural é constituída, entre outros elementos, pelas tubagens que transportam este produto e que estão instaladas no domínio público, algumas autarquias locais situadas na área de concessão (artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
d) As autarquias locais referidas na alínea anterior liquidam à Requerente taxas de ocupação do subsolo (doravante, simplesmente "TOS") (artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
e) A Requerente paga às autarquias locais as taxas de ocupação do subsolo que liquidam (artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
f) Num momento posterior, o montante pago pela Requerente às autarquias locais a título de TOS é repercutido, primeiro, nas entidades utilizadoras das infraestruturas da rede de distribuição e, subsequentemente, nos consumidores finais de gás natural (artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
g) A Requerente está autorizada pelo Estado Português a proceder do modo descrito na alínea anterior (artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
h) A repercussão das TOS permite à Requerente recuperar o valor previamente entregue nos cofres municipais mediante a inclusão na factura emitida pela comercializadora ao cliente final de uma rúbrica adicional, autónoma, contendo o valor do tributo público – que corresponde apenas àquilo que foi efectivamente pago, como impõe o contrato de concessão – e a indicação do município a que a taxa respeita (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
i) A repercussão do quantum das TOS não é efectuada directamente pela Requerente aos clientes finais porque deixou de poder exercer a actividade de comercialização deste produto (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
j) Foi constituída a sociedade B, S.A., pessoa colectiva n.º ..., para a qual foram transmitidos todos os contratos de fornecimento existentes e que em 2006 estavam na titularidade da Requerente (artigos 21.º e 22.º do pedido de pronúncia arbitral que não são questionados);
k) À B, S.A., constituída especificamente para prosseguir a actividade de comercialização de gás natural na área de concessão da A, foi atribuída uma licença de comercialização de gás natural de último recurso, em regime de serviço público (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
l) A repercussão do montante das TOS é realizada da seguinte forma:
– Num primeiro momento, a Requerente paga às autarquias locais as TOS que lhe são liquidadas;
– Num segundo momento, a Requerente emite uma factura à comercializadora a título de utilização das infraestruturas da rede de gás para abastecimento aos clientes, da qual consta, entre outras, uma rubrica específica dedicada às TOS com a quantia global que a concessionária visa repassar aos consumidores, e a Requerente liquida IVA sobre esse montante de TOS;
– Subsequentemente, a comercializadora emite uma factura ao cliente final pelo fornecimento de gás natural que contém, entre outros montantes, uma quantia referente às TOS;
– Nessa factura emitida ao cliente final de gás natural existe uma rúbrica adicional, autónoma, na qual é indicado o valor do tributo público e o município a que respeita;
– A quantia repercutida a cada cliente corresponde àquilo que foi efectivamente pago pela Requerente, sem quaisquer custos ou quantias adicionais;
– Sobre o montante das TOS incluído na factura lançada ao cliente final pela comercializadora, e também sobre as TOS indicadas na factura emitida pela Requerente à comercializadora, é liquidado IVA (artigos 24.º e 30.º do pedido de pronúncia arbitral que não são questionados);
m) A liquidação de IVA sobre as TOS foi efectuada pela Requerente apenas porque foi essa a orientação que recebeu da AT na informação vinculativa sancionada por despacho do Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos em 05.08.2011, na sequência de um pedido efectuado em Maio de 2011, em que se formularam as seguintes conclusões:
a) Os contratos da concessão entre o Estado Português e os concessionários consubstanciam operações não tributadas em IVA por força do n.º 2 do artº 2.º do CIVA, uma vez que estamos perante operações incluídas no escopo dos poderes de autoridade do Estado;
b) Nos débitos dos montantes relativos à TOS pelos concessionários, às entidades comercializadoras ou aos consumidores finais, o referido normativo previsto no n.º 2 do artº 2º do CIVA não tem aplicação, por estarmos perante entidades de direito privado, devendo haver liquidação de imposto à taxa reduzida de IVA de 6 %, prevista na alínea a do n.º 1 do artº 18.º do CIVA;
c) Quando do débito da TOS aos consumidores finais não se verifica a exclusão do valor tributável prevista na alínea c) do nº 6 do artº 16º do CIVA, pois, no caso concreto, as facturas ou documentos equivalentes não são originariamente emitidas em nome destes.
(Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) A Requerente não concorda com o entendimento veiculado nesta informação (artigo 34.º do pedido de pronúncia arbitral);
o) Não obstante discordar essa orientação, a Requerente cumpriu as instruções da AT e liquidou IVA à taxa legal em vigor sobre as quantias relativas a TOS que depois foram repercutidas aos consumidores finais nos meses de Maio, Junho e Julho de 2012 (artigo 35.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
p) Em Maio de 2012, sobre as TOS (€ 310.252,44) a Requerente, na declaração periódica n.º ...64, entregue em 28-6-2012, liquidou IVA, à taxa normal de 23%, e obteve um imposto de € 71.354,88 (setenta e um mil trezentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) (artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
q) Em Junho de 2012, a Requerente, na declaração periódica n.º ...08, entregue em 18-7-2012, liquidou IVA à taxa normal sobre a quantia global das TOS que pretendia repercutir (€ 347.330,68), obtendo um imposto de € 79.885,53 (setenta e nove mil oitocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) (artigo 37.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
r) No mês de Julho de 2012, sobre um montante global de TOS de € 249.782,10 a Requerente, na declaração periódica n.º ...18, entregue em 9-8-2012, liquidou IVA à taxa normal em vigor e apurou um imposto de € 57.417,95 (cinquenta e sete mil quatrocentos e dezassete euros e noventa e cinco cêntimos) (artigo 38.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
s) Esses montantes de imposto foram reflectidos pela Requerente nas declarações periódicas referentes a cada um dos meses e atempadamente pagos (artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
t) Em 24-10-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...64, do mês de Maio de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 71.354,88 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 24-1-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 29-1-2013 (reclamação graciosa n.º ...98, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
u) Em 15-11-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...08, do mês de Junho de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 79.885,53 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 18-3-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 21-3-2013 (reclamação graciosa n.º ...8, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
v) Em 6-12-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...18, relativa ao mês de Julho de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 57.417,95 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 18-3-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 21-3-2013 (reclamação graciosa n.º ...42, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
w) Em 29-4-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).
2.2. Factos que se consideram não provados
Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos e nas afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de direito
A Requerente é concessionária do serviço público da rede de distribuição regional de gás natural da Área Regional ... e paga Taxa de Ocupação dos Solos (“TOS”) às autarquias locais por onde passam as tubagens da rede de distribuição.
Os montantes pagos pela Requerente às autarquias locais são repercutidos, em primeiro lugar, nas entidades utilizadoras das infra-estruturas da rede de distribuição e, depois, nos consumidores finais de gás natural.
A repercussão dos montantes pagos a título de TOS é autorizada pelo contrato de concessão entre o Estado e a A, em cuja cláusula 7.ª, n.ºs 2 e 3, se estabelece que "assiste à Concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais" (n.º 2) e que "Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores papos pela Concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município, sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE" (n.º 3) (contrato que consta do documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
A repercussão das TOS é feita em relação à B, S.A., constituída especificamente para prosseguir a actividade de comercialização de gás natural na área de concessão da A, sendo esta que, por sua vez, as repercute nos consumidores finais de gás natural [alíneas k) e l) da matéria de facto fixada].
A Requerente liquida IVA sobre os montantes da TOS nas facturas que emite à B, S.A., e esta empresa repercute a cada cliente o montante da TOS, sem qualquer adicional, também liquidando IVA.
3.1. Questão da incidência de IVA e decisão do TJUE
A questão essencial que é objecto do presente processo é a de saber se deve incidir IVA sobre o montante da TOS no momento em que é repercutida pela Requerente à B, S.A., pois as Partes estão de acordo quanto a não dever ser liquidado IVA pelas autarquias locais, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, que estabelece que «o Estado e demais pessoas colectivas de direito público não são, no entanto, sujeitos passivos do imposto quando realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade, mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência».
A Requerente defende que a repercussão das TOS não constitui uma actividade económica, com o sentido que lhe é dado pelo artigo 9.º, n.º 1, da Directiva do IVA (Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006), que estabelece que «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o uso ou utilização de um bem do domínio público (utilização do subsolo), como tantos outros actos de utilização e fruição de bens imóveis, traduz um acto de consumo que para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado se subsume a uma prestação de serviços nos termos e para os efeitos do que se dispõe nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 4.º do Código do IVA.
O artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do CIVA estabelece que estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal. Nas alíneas a) e b) do mesmo n.º 1 estabelece-se a sujeição IVA das importações de bens e das operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
O artigo 4.º, n.º 1, do CIVA esclarece que «são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens».
Destas normas resulta que o IVA é um imposto geral sobre o consumo, pois todas as actividades económicas que não sejam consideradas, aquisições intracomunitárias ou importações de bens, se inserem no conceito lato e residual de prestações de serviços.
«Tendencialmente, a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Este acto leva, nomeadamente, a que o simples débito de despesas possa configurar uma operação tributável em sede deste imposto, sendo, em último caso, o respectivo valor tributável o valor normal, calculado nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º s 3 e 4»». ( [1] )
Foi submetida ao TJUE a apreciação da questão de saber o montante das TOS, pagas aos municípios pela sociedade concessionária da rede de distribuição de gás pela utilização do domínio público dos referidos municípios e que é repercutido em seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsável pela comercialização do gás, e depois por esta última nos consumidores finais, devem ser incluídos no valor tributável do IVA aplicável à prestação realizada pela primeira dessas sociedades à segunda.
O TJUE decidiu o seguinte:
Segundo o artigo 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da diretiva IVA, o valor tributável inclui as taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA. O Tribunal de Justiça já precisou que, para que uma taxa se possa incluir no valor tributável do IVA, ainda que não represente qualquer valor acrescentado e não constitua a contrapartida económica da transmissão de bens ou da prestação de serviços, deve ter um nexo direto com essa transmissão ou prestação e que a questão de saber se o facto gerador da referida taxa coincide com o do IVA é um elemento determinante para demonstrar a existência de tal nexo (v., neste sentido, acórdãos De Danske Bilimportører, C-98/05, EU:C:2006:363, n.º 17; Comissão/Polónia, C-228/09, EU:C:2010:295, n.º 30; Comissão/Áustria, C-433/09, EU:C:2010:817, n.º 34; e TVI, C-618/11, C-637/11 e C-659/11, EU:C:2013:789, n.ºs 37 e 39).
30 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que as TOS são pagas pela A aos municípios previamente à operação sujeita a IVA entre a A e a sociedade responsável pela comercialização do gás aos consumidores, e independentemente dessa operação, como contrapartida pela utilização do domínio público municipal decorrente da implantação neste de infraestruturas da rede de gás que a A explora. Esta repercute, em seguida, o montante das TOS na sociedade responsável pela comercialização do gás quando lhe fatura a utilização das referidas infraestruturas para o fornecimento do gás aos consumidores.
31 Daqui decorre que as TOS não representam valor acrescentado e não constituem a contrapartida económica da operação sujeita a IVA que ocorre entre a sociedade concessionária da rede de distribuição de gás e a sociedade responsável pela comercialização do gás e que o facto gerador dessas TOS não coincide com o do IVA, pelo que as TOS não têm nexo direto com essa operação.
32 Por conseguinte, as TOS não são taxas que devam ser incluídas no valor tributável do IVA, nos termos do artigo 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da diretiva IVA.
33 Acresce que, ao repercutir o montante das TOS na sociedade responsável pela comercialização do gás na faturação que lhe faz pela utilização das referidas infraestruturas para o fornecimento de gás aos consumidores, a A não repercute as TOS, enquanto tais, mas o preço da utilização do domínio público municipal. Esse preço faz parte do conjunto dos custos suportados pela A e que entra no preço da sua prestação, a pagar pela sociedade responsável pela comercialização do gás. O facto de, em conformidade com o contrato de concessão, o montante das TOS ser objeto de uma rubrica separada na fatura emitida pela A e em seguida nas faturas remetidas pela sociedade responsável pela comercialização do gás aos consumidores é, a este respeito, irrelevante.
34 Consequentemente, o montante das TOS constitui um elemento da contrapartida obtida pela A da sociedade responsável pela comercialização do gás pela sua prestação, que indiscutivelmente constitui uma «atividade económica», na aceção do artigo 9.º, n.º 1, da diretiva IVA. Em conformidade com o artigo 73.º desta diretiva, esse montante deve, por conseguinte, ser incluído no valor tributável do IVA dessa prestação.
35 Por outro lado, o montante das TOS não pode ser excluído do valor tributável desta última prestação com fundamento no artigo 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da diretiva IVA, uma vez que esse montante não é cobrado como reembolso de despesas efetuadas em nome e por conta da sociedade responsável pela comercialização do gás ou dos consumidores, mas como contrapartida pelo custo da utilização do domínio municipal suportado pela A em virtude da sua atividade.
36 Ao invés do que esta última alega, a inclusão do montante das TOS no valor tributável do IVA aplicável à prestação que a mesma efetua à sociedade responsável pela comercialização do gás não é contrária ao princípio da neutralidade fiscal, que se opõe a que as entregas de bens ou prestações de serviços semelhantes, que estão em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (v., neste sentido, acórdão BGŻ Leasing, C-224/11, EU:C:2013:15, n.º 65 e jurisprudência referida).
37 Com efeito, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da diretiva IVA, os municípios não são considerados sujeitos passivos de IVA quando cobram taxas como as TOS, ao passo que, por aplicação do artigo 9.º da referida diretiva, as sociedades como a A são consideradas sujeitos passivos de IVA quando exercem «atividades económicas», na aceção dessa disposição. Por outro lado, como decorre das conclusões constantes dos n.ºs 31, 33 e 34 do presente acórdão, a cobrança das TOS pelos municípios e a cessão, pela A à sociedade responsável pela comercialização do gás, do direito de utilizar a rede de gás que aquela explora mediante o pagamento de uma contrapartida que integra o montante das TOS não constituem «operações semelhantes».
38 Em face de todas as considerações precedentes, importa responder às duas questões submetidas que os artigos 9.º, n.º 1, 73.º, 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o montante das taxas, como as que estão em causa no processo principal, que é pago aos municípios pela sociedade concessionária da rede de distribuição de gás em virtude da utilização do domínio público dos referidos municípios e que é repercutido em seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsável pela comercialização do gás, e depois por esta nos consumidores finais, deve ser incluído no valor tributável do IVA aplicável à prestação efetuada pela primeira dessas sociedades à segunda, nos termos do artigo 73.º dessa diretiva.
Em face do carácter vinculativo que se tem entendido que se deve atribuir às decisões do TJUE, que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, deverá adoptar-se o entendimento adoptado no acórdão transcrito.
3.2. Apreciação da questão
Por força do disposto no artigo 78.º, 1.º parágrafo, alínea a), da Directiva IVA, «o valor tributável inclui (…) taxas e demais encargos, com excepção do próprio IVA;».
No mesmo sentido, refere o artigo 16.º, n.º 5, alínea a), do Código do IVA que «o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui (…) taxas e outras imposições, com excepção do próprio imposto sobre o valor acrescentado».
Assim, tendo como pressuposto aquela jurisprudência do TJUE, é de entender que para que uma taxa (como a TOS) se possa incluir no valor tributável do IVA, ainda que não represente qualquer valor acrescentado e não constitua a contrapartida económica da transmissão de bens ou da prestação de serviços, deve ter um nexo directo com essa transmissão ou prestação e que a questão de saber se o facto gerador da referida taxa coincide com o do IVA é um elemento determinante para demonstrar a existência de um tal nexo.
No caso em apreço, as TOS são debitadas pelos municípios à A, sociedade concessionária da rede de distribuição de gás, a título de contrapartida pela instalação de tubagens e outras infra-estruturas da rede de gás no subsolo do domínio público dos municípios situados na área de concessão. Este débito é efectuado antes de ocorrer a operação sujeita a IVA.
A operação sujeita a IVA ocorre de seguida, no momento em que a A fornece a utilização daquelas infra-estruturas de rede à empresa responsável pela comercialização do gás. Na factura emitida pela A o montante das TOS é repercutido numa rubrica em separado. Por último, a sociedade distribuidora repercute as TOS nos consumidores nas facturas do fornecimento do gás.
Nestes termos, na linha daquela jurisprudência, é de entender que as TOS não têm nexo directo com a operação sujeita ao IVA, já que:
- Não representam valor acrescentado;
- Não constituem a contraprestação económica da operação sujeita a IVA – a que ocorre entre a sociedade concessionária da rede de gás e a empresa responsável pela comercialização do gás aos consumidores;
- O seu facto gerador não coincide com o da operação sujeita ao IVA.
Por isso, à face daquela jurisprudência, as TOS não são taxas que devam ser incluídas no valor tributável do IVA nos termos do artigo 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva IVA e do correspondente artigo 16.º, n.º 5, alínea a), do Código do IVA, já que a actividade desenvolvida pela Requerente, e que está subjacente à emissão das facturas, consiste em proporcionar à distribuidora a utilização de um património, estando-se perante a «exploração de um bem corpóreo (…) com o fim de auferir receitas com carácter de permanência» que, no citado artigo 9.º, 1, da Directiva do IVA, expressamente se indica como actividade de natureza económica.
Como refere o TJUE no transcrito acórdão «ao repercutir o montante das TOS na sociedade responsável pela comercialização do gás na faturação que lhe faz pela utilização das referidas infraestruturas para o fornecimento de gás aos consumidores, a A não repercute as TOS, enquanto tais, mas o preço da utilização do domínio público municipal. Esse preço faz parte do conjunto dos custos suportados pela A e que entra no preço da sua prestação, a pagar pela sociedade responsável pela comercialização do gás. O facto de, em conformidade com o contrato de concessão, o montante das TOS ser objeto de uma rubrica separada na fatura emitida pela A e em seguida nas faturas remetidas pela sociedade responsável pela comercialização do gás aos consumidores é, a este respeito, irrelevante».
Mas, em termos de actividade económica, a situação da utilização do domínio público mediante o pagamento de uma taxa é essencialmente semelhante à da utilização de qualquer terreno privado mediante o pagamento de um preço ao respectivo proprietário, pelo que não se justifica que, pelo facto de a titularidade do bem utilizado ser pública, se possa concluir que a TOS não seja um custo do fornecimento do serviço prestado pela Requerente.
Para além disso, o afastamento das entidades de direito público do âmbito de incidência subjectiva do IVA, quando não desenvolvem actividades que possam conduzir a distorções da concorrência significativas, previsto no artigo 2.º, n.º 2, do CIVA e no artigo 13.º, n.º 1, da Directiva do IVA, tem natureza pessoal, não havendo qualquer suporte legal para estender tal afastamento a entidades privadas ou substituir o critério de definição de incidência aí utilizado, que é a natureza da entidade, por um outro assente na delimitação do afastamento da incidência em função do tipo de actividade exercida.
Assim, tem de se concluir que a repercussão da taxa pela Requerente à B constitui uma prestação de serviços para efeitos de IVA e não se está perante qualquer situação de afastamento da incidência subjectiva ou objectiva do IVA.
De facto, para efeitos de IVA, o valor das TOS representa um dos diversos elementos que constituem a contraprestação obtida pela Requerente da B pela prestação efectuada que, como se referiu, constitui uma actividade económica.
Em consequência, em conformidade com o artigo 73.º da Directiva IVA e do correspondente artigo 16.º, n.º 1, do Código do IVA, o valor das TOS deve ser incluído no valor tributável do IVA devido por essa prestação, como entendeu o TJUE no acórdão transcrito, ao dizer que «os artigos 9.º, n.º 1, 73.º, 78.º, primeiro parágrafo, alínea a), e 79.º, primeiro parágrafo, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que o montante das taxas, como as que estão em causa no processo principal, que é pago aos municípios pela sociedade concessionária da rede de distribuição de gás em virtude da utilização do domínio público dos referidos municípios e que é repercutido em seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsável pela comercialização do gás, e depois por esta nos consumidores finais, deve ser incluído no valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado aplicável à prestação efetuada pela primeira dessas sociedades à segunda, nos termos do artigo 73.º dessa diretiva».
Assim, tem de se concluir quer a Requerente não tem razão e improcede o pedido de pronúncia arbitral.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em
– julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 208.658,36.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4 284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente A, S.A.
Lisboa, 08 de Julho de 2015
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Joaquim Silvério Dias Mateus)
(Emanuel Augusto Vidal Lima)
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 96/2013 -T
Tema: IVA – Decisão de reenvio prejudicial para o TJUE
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Processo n.º 96/2013-T
Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus e Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 4-7-2013, acordam no seguinte:
1. Relatório
A, S.A., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à:
(i) Declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2012, a que se referem as declarações periódicas n.º ...64, entregue em 28-6-2012, n.º ...08, entregue em 18-7-2012, e n.º ...18, entregue em 9-8-2012, que foram objecto das reclamações graciosas n.ºs ...98, ...81 e ...42, indeferidas, respectivamente, através dos ofícios n.º 007166, de 25-1-2013, n.º 020729, de 20-3-2013, e n.º 020702, de 20-3-2013;
(ii) Anulação dos actos de autoliquidação melhor identificadas no pedido de pronúncia arbitral, na parte em que o IVA foi liquidado sobre as Taxas de Ocupação do Subsolo, respectivamente, os montantes de € 71.354,88, € 79.885,53 e € 57.417,95.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 30-04-2013.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, o Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus e o Dr. Emanuel Augusto Vidal Lima, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 19-6-2013 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 4-7-2013.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deverá ser julgado improcedente.
Na reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada a produção de prova testemunhal e a acordou-se em haver lugar a alegações escritas.
A produção de prova testemunhal ficou sem efeito, na sequência da Autoridade Tributária e Aduaneira ter vindo informar que a matéria de facto não era controvertida.
A Requerente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1. As TOS pagas pela Requerente aos municípios pela utilização do subsolo para instalação da rede de distribuição de gás natural, que depois são repercutidas nos utilizadores das suas infra-estruturas, como é o caso das entidades comercializadoras de gás natural, não estão sujeitas a IVA aquando desse redébito, refacturação ou repercussão
2. O redébito, refacturação ou repercussão das TOS pela Requerente não constitui uma actividade económica na acepção do artigo 9.º, n.º 1 da Directiva do IVA em virtude da inexistência de qualquer contrapartida directa ou indirecta, pelo que, não se tratando de uma operação onerosa, não gera valor acrescentado e não está sujeita a IVA (vide Acórdão do TJUE no caso Gôtz).
3. Não há lugar à aplicação do disposto no artigo 78.º, al. a) da Directiva do IVA, transposto para ordem jurídica interna pelo artigo 16.º, n.º 5, al. a) do CIVA, porque as TOS não têm um nexo directo com operações tributáveis praticadas pela Requerente, nem se conexionam, directa ou indirectamente, com o livre e legal exercício da actividade concessionada, não constituindo um requisito de validade destas.
4. Na realidade, o produto da cobrança das TOS não representa o contravalor efectivo de uma operação tributável praticada pela Requerente à comercializadora, pelo que não cabe no conceito de contraprestação e, em consequência, o montante correspondente às taxas não pode ser incluído no valor tributável de IVA.
5. Com efeito, o contravalor entregue pela comercializadora à Requerente pelo uso da rede de distribuição de gás natural é uma tarifa de acesso à rede definida e regulada pela ERSE, em cuja composição não entram as TOS.
6. Por outro lado, encontrando-se as TOS fora do âmbito de incidência do IVA quando são cobradas pelo sujeito activo (autarquia local) ao sujeito passivo (Requerente) por força do artigo 2.º, n.º 2 do CIVA, não é pela simples repercussão ou refacturação do seu valor exacto, sem qualquer contrapartida do repercutido – i.e. sem margem – que se deve proceder à sua inclusão no valor tributável.
7. O funcionamento do IVA não se coaduna com o tratamento diferenciado de agentes ao longo de uma determinada cadeia comercial, tal como sucederia caso se concluísse pela sujeição a IVA por ocasião do redébito da TOS, após a não sujeição em momento prévio, o que redundaria na violação dos princípios da neutralidade e da uniformidade do IVA.
8. Como bem decidiu o TJUE no recente caso BGZ Leasing, o princípio da neutralidade do IVA impõe que o tratamento em IVA de uma determinada despesa (não sujeição ou isenção) deve ser mantido quando o montante exacto dessa despesa – como acontece no caso das TOS – é refacturado a um terceiro.
9. O reconhecimento da ilegalidade das liquidações de IVA sobre as TOS e a consequente restituição do imposto indevidamente pago não consubstanciam um enriquecimento sem causa porque: (i) a repercussão do IVA é uma exigência legal e não implica, nem faz presumir juris et de jure este enriquecimento; (ii) a legislação nacional não exige, como condição para a restituição do IVA indevidamente liquidado, a prova da sua efectiva repercussão a terceiros; (iii) vigora entre nós o princípio segundo o qual o Estado-Membro tem o dever de reembolsar ao contribuinte os tributos cobrados em violação do direito comunitário, o que resulta do princípio da neutralidade do IVA (vide os Acórdãos do TJUE nos casos Michailidis, Comateb, Weber's Wine World e Geníus Holding).
10. Quanto ao alegado pela AT no artigo 34.º do articulado de resposta, não existe nenhuma prestação de serviços composta ou complexa dirigida ao consumidor final, desde logo porque a Requerente não está legalmente autorizada a vender gás natural aos consumidores finais.
11. Acresce que: (i) a separação jurídica e contabilística das actividades de distribuição e de comercialização leva a que a Requerente não efectue qualquer prestação ao consumidor final; (ii) a repercussão ou redébito das TOS não tem conteúdo económico e não é uma prestação de serviço para efeitos de IVA; (iii) o redébito das TOS, ainda que hipoteticamente perspectivado em conjunto com a distribuição e com a venda de gás natural pela comercializadora ao consumidor final, não se encontra numa relação de acessoriedade para com estas últimas actividades, nem configura uma única prestação económica indissociável cuja decomposição seria artificial (vide os Acórdãos do TJUE nos casos CPP e Levob Verzekeringen BV e OV Bank NV).
12. Acresce que sujeitar a IVA toda e qualquer prestação pela sua mera conexão, ainda que indirecta, a uma prestação sujeita é atentar contra a lógica de neutralidade que subjaz ao sistema comum do imposto (vide Acórdão do TJUE no caso BGZ Leasing).
Termos em que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser declarada a ilegalidade dos actos de autoliquidação do IVA respeitantes aos meses de Maio de 2012, Junho de 2012 e Julho de 2012, a que se referem, respectivamente, as declarações periódicas n.ºs ...64, ...08, e ...18, anulando-se os mesmos na parte em que o IVA foi liquidado sobre as Taxas de Ocupação do Subsolo repercutidas pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, dizendo o seguinte: em suma:
– os actos de autoliquidação, referentes aos períodos de Maio, Junho e Julho do ano de 2012, que sustentam o pedido da Requerente, foram objecto de três reclamações graciosas sobre as quais recaíram os despachos de indeferimento ora impugnados;
– a Requerente pretende com a formulação do pedido a restituição dos montantes de imposto autoliquidado naqueles períodos (indevidamente autoliquidados segundo a sua alegação);
– nas reclamações graciosas, a Requerente formulava taxativamente, em cada uma delas:
"- a anulação da autoliquidação [...]
- a restituição do imposto indevidamente liquidado, com os mesmos fundamentos; e,
- o pagamento dos juros indemnizatórios devidos."
– os pedidos formulados pela Requerente não têm o menor fundamento, se tivermos em conta a repercutibilidade do imposto por ela autoliquidado;
– restituir à ora Requerente o montante de imposto que liquidou e recebeu da sua cliente (B – que por sua vez o repercutiu ao consumidor final), traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa que a lei nacional e o direito comunitário não consente;
– tal decorre dos princípios básicos do funcionamento do imposto e das suas características, nomeadamente, da repercutibilidade e neutralidade – o imposto não constitui um gasto dos sujeitos passivos – no caso dos autos nem a Taxa de Ocupação dos Solos nem o IVA que sobre ela incidiu foi gasto da Requerente;
– por outro lado, o mesmo se extrai da análise do que se dispõe na alínea c) do número 1 do artigo 2º do Código do IVA, ao considerar como sujeito passivo do imposto as pessoas singulares ou colectivas que mencionem indevidamente IVA em factura;
– a jurisprudência do TJUE, nomeadamente o Acórdão, de 16 de Maio de 2013, proferido no processo C-191/12, onde pode ler-se: "Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina-se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando 0 encargo ec0nómico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efectivamente. Todavia por via de excepção essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A protecção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordens jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efectivamente sobre outras pessoas."
– acresce que, esta jurisprudência foi proferida na sequência de uma anteriormente fixada no Acórdão do TJUE, de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo C-398/09, onde se delimita o conceito de enriquecimento sem causa, para este efeito, nos seguintes termos: "As regras do direito da União relativas a repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado-Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos directamente no comprador ";
– e se assim é quando está em causa a violação expressa do direito comunitário, por maioria de razão também assim terá de ser quando não há qualquer violação das suas normas, como acontece nos presentes autos;
– não tem fundamento o pedido de juros indemnizatórios, pois a Requerente para além de ter repercutido o montante da Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS", também repercutiu e recebeu o montante do IVA que sobre ela incidiu, não constituindo nem uma, nem outro, qualquer encargo ou gasto inerente ao exercício da sua actividade;
– para fundamentar o infundado pedido a Requerente vem sustentar a ilegalidade da sujeição a imposto sobre o valor acrescentado da denominada Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS", nos seguintes termos:
– "Não uma qualquer actividade económica ou acto de consumo subjacente à liquidação da TOS, porquanto se trata de uni tributo que tem como contrapartida – ou facto tributário, ou pressuposto legal ou factual – o uso individualizado de um bem público por parte de uni particular";
– também aqui não assiste à ora Requerente a menor razão, efectivamente, o uso ou utilização de um bem do domínio público (utilização do subsolo), como tantos outros actos de utilização e fruição de bens imóveis, traduz um acto de consumo que para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado se subsume a uma prestação de serviços nos termos e para os efeitos do que se dispõe nos artigos 1º, nº 1, a) e 4.º do Código do IVA.
– dizer-se que o pagamento da Taxa de Ocupação do Subsolo (TOS) não tem um nexo directo com as operações tributáveis da Requerente – distribuição de gás – também não colhe, porque tal nexo é por demais evidente quando a distribuição se faz através do solo de uma determinada circunscrição ou município;
– questão diversa é a de saber se esta prestação de serviços é efectuada por quem tem a qualidade de sujeito passivo, ou não, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2º do Código do IVA;
– neste particular a Requerente, a par da Requerida, consideram que a Taxa de Ocupação dos Solos, "TOS" liquidada e cobrada pelos municípios não está sujeita a IVA porquanto estes ao concessionarem bens do domínio público estão a exercer uma das suas atribuições, como forma de satisfação de necessidades colectivas das populações residentes na sua circunscrição;
– por assim ser, os serviços prestados nesse âmbito – concessão da utilização do subsolo – são efectuados no uso dos seus poderes de autoridade e nessa circunstância não estão sujeitos a imposto;
– só que estas regras de não sujeição, derivadas da não qualificação como sujeito passivo por parte daquele que pratica as operações, constantes dos n"s 2 e 3 do Código do IVA são, ao contrário do que pretende a ora Requerente de interpretação restrita, dado que constituem exclusão ao princípio geral da sujeição;
– na verdade, quando através do contrato de concessão está reconhecido o direito à concessionária "de repercutir para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão", dúvidas não há que estes serviços não são tributados por força do disposto no nº 2 do artigo 2.º do Código do IVA;
– diga-se, aliás, que mesmo que se entendesse que os municípios ao cobrarem as referidas taxas não estavam a fazê-lo no uso dos seus poderes de autoridade, tais prestações de serviços sempre estariam isentas de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do Código do IVA, porquanto o único serviço prestado pelo município se traduzia na cedência do uso do subsolo da sua circunscrição territorial.
– questão diversa assume a repercussão da taxa efectuada pela Requerente à sua cliente – B – e desta para os consumidores finais;
– na verdade, a cobrança da referida taxa vai integrar uma prestação de serviços composta que a final se traduz no fornecimento de gás aos consumidores finais;
– no entanto, tendo a Requerente e a Requerida assumido no caso dos presentes autos que a cobrança da TOS é efectuada pelos municípios no uso dos seus poderes de autoridade, sempre se dirá que tais poderes não são susceptíveis de ser delegados, daí que não faça qualquer sentido a tese da Requerente de que também ela repercute a taxa no uso de tais poderes;
– o Tribunal de Justiça da UE tem vindo a interpretar o conceito de poderes de autoridade num sentido literal e restrito, ou seja, que tal só é aplicável quando as actividades exercidas são levadas a cabo, efectivamente, por pessoas colectivas de direito público, "negando tal tratamento ainda que se esteja perante poderes de autoridade delegados por entidades públicas a pessoas colectivas de direito privado";
– por assim ser, no caso da ora Requerente tal não lhe é aplicável já que “Resulta de jurisprudência consolidada do Tribunal, sendo acto claro, que as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas na acepção do artigo 13º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva IVA, são as desenvolvidas pelos organismos direito público no âmbito do regime que lhes é próprio, com exclusão das que exerçam nas mesmas condições jurídicas que os operadores jurídicos privados";
– assim segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU a "actuação da pessoa colectiva de direito público deverá ser directa, excluindo-se casos de gestão indirecta como a concessão de serviços públicos ou a concessão de exploração, ainda que envolvam a delegação de poderes de autoridade, assim como operações efectuadas através de sociedades comerciais que tenham capitais exclusivamente públicos ou mistos.";
– não padecem, pois, as autoliquidações ora impugnadas de qualquer ilegalidade;
– desta forma, será assim de concluir que a pretensão constante dos presentes autos carece de total fundamento porque a A. não é de todo, nem pode ser, a qualquer título, caracterizada como sujeito passivo normal do imposto para efeitos do direito à dedução do imposto suportado a montante, mantendo-se a correcção proposta no valor de €163.796,05
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, é competente para apreciar as questões suscitadas e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos que se consideram provados
x) A Requerente A S.A. é uma sociedade anónima concessionária, em regime de exclusivo, do serviço público da rede de distribuição regional de gás natural da Área Regional ..., por efeito de um contrato de concessão celebrado com o Estado Português (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
y) Enquanto operadora da rede distribuição, a Requerente é a entidade responsável, numa área específica, pelo desenvolvimento, exploração e manutenção da rede de distribuição e, quando aplicável, das suas interligações com outras redes, bem como por assegurar a garantia de capacidade da rede a longo prazo para atender a pedidos razoáveis de distribuição de gás natural (artigo 8.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
z) A rede de distribuição de gás natural é constituída, entre outros elementos, pelas tubagens que transportam este produto e que estão instaladas no domínio público de algumas autarquias locais situadas na área de concessão (artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
aa) As autarquias locais referidas na alínea anterior liquidam à Requerente taxas de ocupação do subsolo (doravante, simplesmente "TOS") (artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
bb) A Requerente paga às autarquias locais as taxas de ocupação do subsolo que liquidam (artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
cc) Num momento posterior, o montante pago pela Requerente às autarquias locais a título de TOS é repercutido, primeiro, nas entidades utilizadoras das infra-estruturas da rede de distribuição e, subsequentemente, nos consumidores finais de gás natural (artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
dd) A Requerente está autorizada pelo Estado Português a proceder do modo descrito na alínea anterior (artigo 14.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
ee) A repercussão das TOS permite à Requerente recuperar o valor previamente entregue nos cofres municipais mediante a inclusão na factura emitida pela comercializadora ao cliente final de uma rubrica adicional, autónoma, contendo o valor do tributo público – que corresponde apenas àquilo que foi efectivamente pago, como impõe o contrato de concessão – e a indicação do município a que a taxa respeita (artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
ff) A repercussão do quantum das TOS não é efectuada directamente pela Requerente aos clientes finais porque deixou de poder exercer a actividade de comercialização deste produto (artigo 18.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
gg) Foi constituída a sociedade B, S.A., pessoa colectiva n.º ..., para a qual foram transmitidos todos os contratos de fornecimento existentes e que em 2006 estavam na titularidade da Requerente (artigos 21.º e 22.º do pedido de pronúncia arbitral que não são questionados);
hh) À B, S.A., constituída especificamente para prosseguir a actividade de comercialização de gás natural na área de concessão da A, foi atribuída uma licença de comercialização de gás natural de último recurso, em regime de serviço público (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral que não é questionado);
ii) A repercussão do montante das TOS é realizada da seguinte forma:
– Num primeiro momento, a Requerente paga às autarquias locais as TOS que lhe são liquidadas;
– Num segundo momento, a Requerente emite uma factura à comercializadora a título de utilização das infra-estruturas da rede de gás para abastecimento aos clientes, da qual consta, entre outras, uma rubrica especifica dedicada às TOS com a quantia global que a concessionária visa repassar aos consumidores, e a Requerente liquida IVA sobre esse montante de TOS;
– Subsequentemente, a comercializadora emite uma factura ao cliente final pelo fornecimento de gás natural que contém, entre outros montantes, uma quantia referente às TOS;
– Nessa factura emitida ao cliente final de gás natural existe uma rubrica adicional, autónoma, na qual é indicado o valor do tributo público e o município a que respeita;
– A quantia repercutida a cada cliente corresponde àquilo que foi efectivamente pago pela Requerente, sem quaisquer custos ou quantias adicionais;
– Sobre o montante das TOS incluído na factura lançada ao cliente final pela comercializadora, e também sobre as TOS indicadas na factura emitida pela Requerente à comercializadora, é liquidado IVA (artigos 24.º e 30.º do pedido de pronúncia arbitral que não são questionados);
jj) A liquidação de IVA sobre as TOS foi efectuada pela Requerente apenas porque foi essa a orientação que recebeu da Administração Tributária na informação vinculativa sancionada por despacho do Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos em 05.08.2011, na sequência de um pedido efectuado em Maio de 2011, em que se formularam as seguintes conclusões:
a) Os contratos da concessão entre o Estado Português e os concessionários consubstanciam operações não tributadas em IVA por força do n.º 2 do artº 2.º do CIVA, uma vez que estamos perante operações incluídas no escopo dos poderes de autoridade do Estado;
b) Nos débitos dos montantes relativos à TOS pelos concessionários, às entidades comercializadoras ou aos consumidores finais, o referido normativo previsto no n.º 2 do artº 2º do CIVA não tem aplicação, por estarmos perante entidades de direito privado, devendo haver liquidação de imposto à taxa reduzida de IVA de 6 %, prevista na alínea a do n.º 1 do artº 18.º do CIVA;
c) Quando do débito da TOS aos consumidores finais não se verifica a exclusão do valor tributável prevista na alínea c) do nº6 do artº 16º do CIVA, pois, no caso concreto, as facturas ou documentos equivalentes não são originariamente emitidas em nome destes.
(Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
kk) A Requerente não concorda com o entendimento veiculado nesta informação (artigo 34.º do pedido de pronúncia arbitral);
ll) Não obstante discordar essa orientação, a Requerente cumpriu as instruções da Administração Tributária e liquidou IVA à taxa legal em vigor sobre as quantias relativas a TOS que depois foram repercutidas aos consumidores finais nos meses de Maio, Junho e Julho de 2012 (artigo 35.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
mm) Em Maio de 2012, sobre as TOS (€ 310.252,44) a Requerente, na declaração periódica n.º ...64, entregue em 28-6-2012, liquidou IVA, à taxa normal de 23%, e obteve um imposto de € 71.354,88 (setenta e um mil trezentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) (artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
nn) Em Junho de 2012, a Requerente, na declaração periódica n.º ...08, entregue em 18-7-2012, liquidou IVA à taxa normal sobre a quantia global das TOS que pretendia repercutir (€ 347.330,68), obtendo um imposto de € 79.885,53 (setenta e nove mil oitocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos) (artigo 37.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
oo) No mês de Julho de 2012, sobre um montante global de TOS de € 249.782,10 a Requerente, na declaração periódica n.º ...18, entregue em 9-8-2012, liquidou IVA à taxa normal em vigor e apurou um imposto de € 57.417,95 (cinquenta e sete mil quatrocentos e dezassete euros e noventa e cinco cêntimos) (artigo 38.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
pp) Esses montantes de imposto foram reflectidos pela Requerente nas declarações periódicas referentes a cada um dos meses e atempadamente pagos (artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral, que não é questionado);
qq) Em 24-10-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...64, do mês de Maio de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 71.354,88 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 24-1-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 29-1-2013 (reclamação graciosa n.º ...98, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
rr) Em 15-11-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...08, do mês de Junho de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 79.885,53 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 18-3-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 21-3-2013 (reclamação graciosa n.º ...8, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
ss) Em 6-12-2012, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa relativa ao IVA liquidado na declaração n.º ...18, relativa ao mês de Julho de 2012, em que, além do mais, pediu a restituição do valor de 57.417,95 €, bem como pagamento dos Juros indemnizatórios devidos, alegando que o referido valor foi indevidamente liquidado com base em orientação administrativa errónea, reclamação esta que foi indeferida por despacho de 18-3-2013, do Senhor Chefe e Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de ..., notificado à Requerente em 21-3-2013 (reclamação graciosa n.º ...42, junta com a resposta, cujo teor se dá como reproduzido);
tt) Em 29-4-2013, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).
2.2. Factos que se consideram não provados
Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos e nas afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Matéria de direito
A Requerente termina o seu pedido de pronúncia arbitral pedindo que seja efectuado reenvio prejudicial para o TJUE.
Embora o texto do RJAT não contenha norma expressa aludindo à possibilidade de efectuar reenvio prejudicial nos processos arbitrais tributários, no seu Preâmbulo refere-se que «Nos casos em que o tribunal arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do § 3 do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia».
Independentemente de esta possibilidade de reenvio prejudicial não ter sido transposta para o texto do RJAT, ela resulta do referido § 3.º do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que deve ser aplicada, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Embora todas as decisões dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD sejam passíveis de recurso, já que não se estabelece qualquer alçada, apenas são admissíveis recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento e inconstitucionalidade, e para o Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em oposição de julgados (artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).
No caso em apreço, não são discutidas questões de inconstitucionalidade, o que afasta a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, também não é conhecida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ou dos Tribunais Centrais Administrativos sobre as questões que são objecto deste processo, pelo que não se pode concluir pela possibilidade de recurso.
Neste contexto, é de entender que é obrigatório o reenvio prejudicial, à face do preceituado no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, que estabelece que «sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».
Pelo exposto, formulam-se as seguintes questões, em
Reenvio prejudicial
1) O Direito da União Europeia opõe-se a que, na repercussão, sem qualquer acréscimo, por uma empresa privada fornecedora de infra-estruturas de distribuição de gás natural a uma empresa adquirente dos seus serviços, dos montantes de Taxas de Ocupação do Subsolo, pagas aos municípios em que existem tubagens que integram essas infra-estruturas, seja liquidado IVA?
2) Sendo as Taxas de Ocupação do Subsolo liquidadas por autarquias locais, no exercício dos seus poderes de autoridade, sem liquidação de IVA, o Direito da União Europeia opõe-se a que, na repercussão dos montantes dessas taxas pagos por uma empresa privada fornecedora de infra-estruturas de distribuição de gás natural a uma empresa adquirente dos seus serviços, seja liquidado IVA?
Termos em que acordam em suspender a instância até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre as questões referidas, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria do CAAD à daquele, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias do presente acórdão, do pedido de pronúncia arbitral, da resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira e das alegações das Partes, em como dos documentos juntos com essas peças processuais.
Lisboa, 19-11-2013
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Joaquim Silvério Dias Mateus)
(Emanuel Augusto Vidal Lima)
( [1] ) Neste sentido, pode ver-se CLOTILDE CELORICO PALMA, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, 5.ª edição, páginas 72-73.