SUMÁRIO:
1- Nos termos da alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 29º, nº1 alínea e) do RJAT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide;
2- A Requerida satisfez de modo voluntário a pretensão da Requerente, através do ato de revogação de IRS objeto de controvérsia, assim como determinou o pagamento de juros indemnizatórios;
3- O evento que determinou a apreciação do mérito da causa verificou-se depois da constituição do Tribunal arbitral;
4- Não há, pois, efeito útil na prolação da decisão, termos em que se verifica a inutilidade superveniente da lide.
DECISÃO ARBITRAL
1- A…, natural e nacional dos Estados Unidos da América (EUA), titular do passaporte norte-americano nº …, válido até 22-01-2024, com NIF português …, e B…, igualmente natural e nacional dos EUA, titular do passaporte norte-americano …, válido até 25-10-2025, com NIF português …, casados sob o regime americano, equiparado ao português, de comunhão de adquiridos, residentes em Lisboa, apresentaram pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral (PPA), em 05-04-2023, ao abrigo do disposto no número 1 do artigo 2º e da alínea a) do nº 1 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), em ordem a obter, a anulação da nota de liquidação número 2022…., no montante de 54.745,09€.
2- O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
3- A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o ora signatário foi nomeado pelo CAAD em 2023-05-09, e as partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de o recusar, pelo que o tribunal ficou constituído em 2023-06-19.
4- A requerida, após notificação para responder, em 2023-07-07 notificou o CAAD de que foi revogado o ato objeto de litígio, a saber a liquidação já anteriormente indicada, conforme processo DSIRS nº 2023/…, que mereceu despacho de concordância da Senhora Sudiretora Geral da Área da Gestão Tributária, proferido em 2023-06-25.
5- No mesmo despacho e respetiva fundamentação a AT reconhece à Requerente o direito a juros indemnizatórios.
6- Notificada em 2023-07-11 a Requerente sobre o conteúdo da comunicação da Requerida, esta nada disse.
7- Muito sinteticamente, dir-se-á que os Requerentes realizaram mais-valias de valores mobiliários nos EUA que evidenciaram na declaração entregue às autoridades fiscais americanas, tendo sido objeto de tributação neste país.
8- Porém, sobre as mesmas mais-valias, as autoridades fiscais portuguesas entenderam que as mesmas deveriam, igualmente, ser objeto de tributação em Portugal, atendendo a que os Requerentes eram residentes não habituais (RNH) e o Acordo de Dupla Tributação (ADT) não invalida essa possibilidade.
9- Não levaram em linha de conta o Protocolo anexo ao referido ADT, que é parte integrante do mesmo, que concede esse poder de tributar às autoridades fiscais americanas, conforme é unanimemente aceite pela doutrina.
10- Ora, assim sendo os Requerentes podiam lançar mão do disposto no artigo 81º, nº5 do CIRS que estabelece que a rendimentos auferidos no estrangeiro no âmbito da categoria G poderá ser aplicada a regra de isenção dos mesmos em Portugal, desde que tivessem sido tributados no outro país (no caso nos EUA), o que aconteceu e foi evidenciado na respetiva declaração fiscal apresentada perante as autoridades fiscais portuguesas.
11- Após uma reclamação graciosa que não obteve resposta e após formação de ato tácito de indeferimento, os Requerentes impugnaram o ato de liquidação de IRS de 2022, tendo entretanto pago o imposto contestado.
12- Sem mais delongas conclui-se que a Requerida, pelo despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT reconheceu toda a razão aos Requerentes, pelo que determinou a restituição do tributo indevidamente liquidado e pago pelos Requerentes, acrescido de juros indemnizatórios.
13- Neste sentido, o tribunal, face à inutilidade superveniente da lide determinando a extinção do processo, naturalmente não levou a cabo a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT e profere, por esta via, a prolação da decisão que, evidentemente, se centra nos aspetos formais do processo, que não na questão de fundo entretanto resolvida..
II- SANEADOR
14- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10 do RJAT e artigo 1º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de março)
15- O tribunal encontra-se regularmente constituído, é competente e processo não enforma de nulidades.
III- DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
16- O artigo 277º do CPC, alínea e), aplicável no caso, como já disse, por força do artigo 29º do RJAT dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
17- Ora, a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de um facto ocorrido na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação ao demandante ou porque o fim visado com a ação foi atingido de outra forma.
18- No caso concreto, como referimos, a Requerida revogou o ato tributário de liquidação e reconheceu aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, dando assim satisfação por inteiro à pretensão dos Requerentes.
19- Assim sendo, não se justifica a pronúncia pelo tribunal quanto à questão de fundo, pelo que se reconhece a inutilidade superveniente da lide, como, aliás, é reconhecido por inúmeras decisões arbitrais (vd . processos 909/2019-T, 356/2020-T e 2021-T, entre muitos outros).
IV- DECISÃO
Termos em que se decide julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
V- VALOR DA CAUSA
A Requerente indicou como valor da causa o montante de 54.745,09€, que não foi contestado pela Requerente e corresponde ao valor da liquidação de IRS por parte da AT, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
VI- CUSTAS
Nos termos dos artigos 12º, nº2 e 24º, nº 4 do RJAT e 4º, nº 5 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 2.142,00 €, que fica a cargo da Requerida (artigo 536º, nº 3 do CPC).
Lisboa, 9 de agosto de 2023
O árbitro singular
(Vasco Valdez)