Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 782/2022-T
Data da decisão: 2023-08-22  IRC  
Valor do pedido: € 60.966,21
Tema: IRC - Reembolso do imposto. Direito aos juros indemnizatórios em caso de apresentação de declaração de substituição.
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SUMÁRIO: A apresentação de uma declaração de substituição, legalmente admitida pelo artigo 122.º, do Código de IRC, não implica a ocorrência de erro no preenchimento na declaração inicial, para efeitos do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do mesmo Código, não obstando ao pagamento de juros indemnizatórios por atraso no reembolso de imposto ao sujeito passivo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A – RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT): A..., S.A., com o NIF..., com sede social no ..., Rua ..., ...-... Lisboa.

 

A.2 - Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

A.3 - Objeto do pedido de pronúncia arbitral: Liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2022..., de 7 de Fevereiro de 2022, e respetiva demonstração de acerto de contas com o  n.º 2022..., na parte em que, corrigindo a liquidação inicial de IRC, não considerou os juros indemnizatórios no valor de € 60.966,21 (sessenta mil novecentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos) devidos à Requerente pelo atraso na restituição do imposto apurado pelo grupo submetido ao RETGS no exercício de 2020, nos termos do artigo 104.º, n.ºs 3 e 6, do CIRC.

 

A.4 - PedidoDeve o presente pedido de constituição de tribunal arbitral tributário e de pronúncia arbitral ser recebido, julgado totalmente procedente e, em consequência: a) Ser declarado ilegal e anulado o despacho proferido em 2 de novembro de 2022 pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2022...; b) Ser declarado ilegal e anulado o ato de liquidação de IRC relativo a 2020 com o n.º 2022..., de 7 de fevereiro de 2022, e respetiva demonstração de acerto de contas com o n.º 2022..., na parte em que não considera os juros indemnizatórios no valor de € 60.966,21 (sessenta mil novecentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos) devidos à Requerente pelo atraso na restituição do imposto apurado pelo grupo submetido ao RETGS no exercício de 2020, nos termos do artigo 104.º, n.ºs 3 e 6, do CIRC; c) Ser determinado o pagamento à Requerente da importância de € 60.966,21 (sessenta mil novecentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos), a título de juros indemnizatórios; d) Ser a Requerida AT condenada no pagamento de juros indemnizatórios sobre a importância identificada em c), à taxa legal, desde a data em que essa quantia deveria ter sido paga (18 de outubro de 2021) até à data de processamento da nota de crédito, em que serão incluídos, nos termos legais.

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

Em 15 de junho de 2021, a Requerente apresentou a declaração anual de rendimentos modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2020, na qual apurou um montante de imposto a recuperar de € 30.906.480,75.

Na sequência, foi emitida pela AT liquidação de IRC, com um valor total a reembolsar de € 30.967.446,96, o qual corresponde aos supra referidos € 30.906.480,75 de imposto, acrescidos de € 60.966,21 a título de juros indemnizatórios, uma vez que o reembolso foi emitido em 18 de Outubro de 2021.

Em 28 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou uma declaração modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2020, na qual apurou um valor de imposto a recuperar de € 31.063.168,85, ou seja, mais € 156.688,10 do que na declaração de rendimentos primeiramente apresentada.

Na sequência da mencionada declaração de substituição, a Requerente não foi reembolsada da quantia de € 158.688,10, mas apenas do valor de € 95.721,89, uma vez que a AT ‘descontou’ àquele montante o valor de juros indemnizatórios de € 60.966,21 que tinham sido apurados na primeira liquidação em virtude do atraso no reembolso. 

A entrega da declaração modelo 22 de IRC, de substituição, em 28 de janeiro de 2022 não interfere com esse atraso e com o direito da Requerente a receber os referidos juros indemnizatórios. 

Termos em que entende dever concluir-se pela ilegalidade e consequente anulação da liquidação impugnada, na parte em que expurgou do valor a reembolsar à Requerente o montante de € 60.966,21 a título de juros indemnizatórios, por erro quanto aos pressupostos de direito (cfr. artigo 99.º, alínea a), do CPPT e artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

Notificada para apresentar Resposta, a Requerida veio dizer o seguinte:

 

A Requerente entregou a primeira declaração periódica de rendimentos dentro do prazo legal (estando, assim, preenchida a primeira condição prevista no n.º 3 do artigo 104.º do CIRC), contudo, a mesma foi entregue com erros de preenchimento; 

E esses erros de preenchimento são perfeitamente identificados pela Requerente nos parágrafos 9.º a 14.º do pedido arbitral, comparando os campos da primeira declaração de rendimentos e os da declaração de substituição.

São, pois, vários os campos da declaração modelo 22 de IRC que foram corrigidos o que leva a concluir que não se verifica a segunda condição estabelecida no n.º 3 do artigo 104.º do CIRC, ou seja, a ausência de erros de preenchimento.

Na verdade, apenas com a correção efetuada através da entrega da declaração de substituição, correção que teve implicações no cálculo do imposto, é que a situação fiscal da Requerente ficou efetivamente consolidada relativamente ao exercício em apreço, assim, não se verificando uma das condições cumulativas previstas no n.º 3 do artigo 104.º do CIRC, pelo que  não existia a obrigação de proceder ao reembolso de IRC no prazo aí determinado e, não existindo essa obrigação, não tem a Requerente direito a receber juros indemnizatórios. 

Com efeito, quando o n.º 3 do artigo 104.º do CIRC se refere à exigência da declaração de rendimentos não incluir erros de preenchimento não exceciona dessa exigência as situações em que os contribuintes apresentam declaração de substituição, onde apuram um valor de reembolso superior ao apurado anteriormente.

Nem sequer aquela norma limita esses erros aos que decorrem da incoerência dos valores declarados com as bases de dados centrais da AT, que obstem à validação central das declarações e à consequente emissão das liquidações de imposto, uma vez que a norma em apreço não distingue as situações resultantes daqueles erros que, por um lado, conferem e, por outro lado, não conferem o direito ao reembolso.

No presente caso os factos apurados permitem concluir que não estão preenchidos tais requisitos, em virtude de a Requerente ter apresentado uma primeira declaração contendo erros de preenchimento e ter apresentado, posteriormente e fora do prazo legal, a declaração de substituição onde esses erros foram corrigidos.

Conclui que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

B - SANEAMENTO:

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto dos artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 27-02-2023.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objeto do processo e face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

O Tribunal Arbitral decidiu dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, sem oposição das partes e notificou estas para a produção de alegações, sem que nenhuma as tenha apresentado.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre assim apreciar e decidir, o que se fará de seguida.

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

C.1 - Matéria de facto - Factos provados:

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes, são os seguintes:

Em 15 de junho de 2021 a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2020, identificada pelo código ...-... -..., na qual apurou um montante de imposto a recuperar de € 30.906.480,75 - Doc. n.º 3, junto ao PPA .

Em resultado da apresentação da mencionada declaração, os serviços da Requerida emitiram a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2021 ... e data de 2 de agosto de 2021 - Doc. n.º 4, junto ao PPA .

Na referida liquidação, foi apurado um valor total a reembolsar à agora Requerente, de € 30.967.446,96, o qual corresponde aos supra referidos € 30.906.480,75 de imposto, e a que acresceu a importância de € 60.966,21, a título de juros indemnizatórios devidos por atraso no reembolso do imposto - Doc. n.º 4, junto ao PPA .

No dia 28 de janeiro de 2022, a Requerente apresentou uma declaração Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2020, identificada pelo código ...-...-..., na qual apurou um valor de imposto a recuperar de € 31.063.168,85, ou seja, mais € 156.688,10 do que na declaração de rendimentos original - Doc. n.º 5, junto ao PPA.

Em resultado da apresentação da mencionada declaração de substituição, os serviços da Requerida emitiram uma segunda liquidação de IRC relativa ao exercício de 2020,  com o n.º 2022..., de 7 de fevereiro de 2022 - Doc. n.º 1, junto ao PPA.

Na referida segunda liquidação, foi apurado um valor total a reembolsar à agora Requerente, de € 31.063.168,85, ou seja, um valor a reembolsar adicionalmente de € 158.688,10.

A Requerida, embora aceitando o valor do reembolso apurado na declaração de substituição, de € 158.688,10, veio a apurar como valor final de reembolso € 95.721,89, uma vez que considerou que a Requerente, com a apresentação da declaração de substituição, deixara de ter direito ao pagamento dos juros indemnizatórios apurados na primeira liquidação em virtude do atraso no reembolso por parte da AT no valor de € 60.966,21.

Em 09-08-2022, a agora Requerente apresentou reclamação graciosa quanto à referida segunda liquidação, na parte em que esta desconsiderou o valor de € 60.966,21, relativo a juros indemnizatórios por atraso no reembolso de IRC e que fora apurado na liquidação original - Processo Administrativo.

A reclamação graciosa n.º ...2022...foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC, notificado por ofício datado de 02-11-2022 - Doc. n.º 6, junto ao PPA.

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 20-12-2022 - Informação constante do Sistema Informático de Gestão Processual (SGP) do CAAD.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 27-02-2023 - Informação constante do Sistema Informático de Gestão Processual (SGP) do CAAD.

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Com efeito, o Tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do Código do Processo Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário, ex vi o artigo 29º, do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação à prova produzida, na sua convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas - artigo 607.º, n.º 5 do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - artigo 371.º, do CPC), é que não prevalece, na apreciação da prova produzida, o princípio da livre apreciação.

Por outro lado, nos termos do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, vigora no processo arbitral tributário o princípio da livre apreciação dos factos, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pela Requerente, que não foram impugnados e os quais, analisados de forma crítica, constituíram a base da convicção do Tribunal, quanto à realidade dos factos descrita supra.

A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes; o acervo probatório carreado para os autos foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

 

C.4 - Matéria de direito:

C.4.1 - Questões a decidir.

 

São as seguintes, as questões a decidir:

Primeira questão a decidir: No caso dos presentes autos, em que foram apurados juros indemnizatórios por atraso no pagamento de reembolso de IRC, decorrentes do apuramento efetuado com base na declaração modelo 22 de IRC, apresentada em prazo legal, a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição, tem como consequência que deixou de verificar-se fundamento para a subsistência dos referidos juros?

Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?

Vejamos:

 

C.4.1.1 - Primeira questão a decidir: No caso dos presentes autos, em que foram apurados juros indemnizatórios por atraso no pagamento de reembolso de IRC, decorrentes do apuramento efetuado com base na declaração modelo 22 de IRC, apresentada em prazo legal, a apresentação de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição, tem como consequência que deixou de verificar-se fundamento para a subsistência dos referidos juros?

Previamente, regista-se não existir dissídio entre as partes nem quanto ao valor do reembolso do IRC decorrente da declaração modelo 22 de IRC originalmente apresentada, nem quanto aos respetivos juros indemnizatórios então apurados, por atraso no reembolso.

No caso dos autos, o dissídio limita-se quanto aos efeitos jurídicos que a apresentação, pela aqui Requerente, de uma declaração modelo 22 de IRC de substituição, será suscetível de projetar nos juros indemnizatórios apurados por atraso no reembolso de imposto aquando da liquidação original.

Passando a apreciar:

 

Como decorre do probatório, no dia 28 de janeiro de 2022, a aqui Requerente apresentou uma declaração Modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2020, na qual, corrigindo alguns valores, apurou um valor de imposto a recuperar de € 31.063.168,85, ou seja, mais € 156.688,10 do que na declaração modelo 22 de IRC originariamente apresentada.

O apuramento do valor de imposto a recuperar de € 31.063.168,85 foi aceite e validado pela AT, mediante a emissão de uma nova liquidação, tendo nesta sido expurgados os juros indemnizatórios liquidados aquando da primeira liquidação.

Para tal expurgo, a AT entendeu que a apresentação de uma declaração de substituição implica a ocorrência de erros no preenchimento da declaração inicial e, em consequência, determinaria a inaplicabilidade do disposto no artigo 104.º, números 3 e 6, do Código do IRC.

A este propósito, este Tribunal acompanha o que doutamente se escreveu no acórdão do TCA - Norte, proferido em 19-05-2022, no processo n.º 00074/16.2BEPRT:

“(…) por erros de preenchimento haverá de entender-se as meras incorreções formais que possam resultar da inobservância, pelo contribuinte, das regras de preenchimento dos diversos campos do formulário pelo qual se apresenta a declaração periódica de rendimentos, e que possam determinar a sua não validação. Com efeito, só nessa circunstância, em que o contribuinte carece de apresentar uma nova declaração corrigida, fazendo retardar o procedimento de liquidação, é que é possível considerar que o atraso na emissão da liquidação e no reembolso do imposto, quando a ele haja lugar, é imputável ao próprio contribuinte, desobrigando a Administração do pagamento de juros indemnizatórios.

Olvida por certo, a Recorrente (Fazenda Pública), que a apresentação de declaração de substituição constitui uma faculdade legalmente prevista, que decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 122.º, e visa efetuar o pagamento do imposto em falta, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, ou corrigir a autoliquidação quando dela tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo.

No caso vertente, a Recorrida apresentou declaração de substituição para corrigir os valores inscritos na declaração inicial que determinaram o apuramento da matéria coletável superior ao devido, daí resultando um valor a reembolsar superior ao inicialmente declarado.

Assim, a declaração de substituição foi apresentada para a finalidade prevista no n.º 2 do artigo 122.º, tendo em vista corrigir imposto, no caso reembolso superior ao apurado. Não se trata, como é claro, da rectificação de erros de preenchimento, mas da correção de valores inscritos na primeira declaração que tenha sido revelada pelos registos contabilísticos, sendo que a alteração da declaração para o aludido efeito se presume verdadeira e de boa fé (artigo 74.º da LGT).

Impõe-se, portanto, concluir, na senda da decisão de 1ª instância, que admitindo a lei a possibilidade de apresentação de uma declaração de substituição, mormente no caso em que a autoliquidação revela imposto superior ao devido, não pode extrair-se do exercício dessa faculdade, por parte do contribuinte, um qualquer efeito negativo quanto ao direito a juros indemnizatórios resultante de o reembolso do imposto ter sido efectuado para além do prazo cominado no artigo 104.º, n.º 3, do Código do IRC”.

Também no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do CAAD.

No Processo n.º 943/2019-T, sumariou-se que:

“A apresentação de uma declaração de substituição, legalmente admitida pelo artigo 122.º do Código de IRC, não implica a ocorrência de erro no preenchimento na declaração inicial, para efeito do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do mesmo diploma, não obstando ao pagamento de juros indemnizatórios por atraso no reembolso de imposto ao sujeito passivo”.

E no Processo n.º 788/2020-T, sumariou-se que:

“A apresentação de uma declaração de substituição, legalmente admitida pelo artigo 122.º do Código de IRC, não implica a ocorrência de erro no preenchimento na declaração inicial, para efeito do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do mesmo diploma, não obstando ao pagamento de juros indemnizatórios por atraso no reembolso de imposto ao sujeito passivo”.

O Tribunal entende, em consequência, que a apresentação da declaração modelo 22 de IRC, de substituição, em nada é suscetível de tanger com o direito aos juros indemnizatórios da agora Requerente, provindos do atraso no reembolso apurado na liquidação inicial.

 

Pelas razões expostas, o pedido arbitral mostra-se assim procedente, o que se decretará a final.

 

Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios peticionados?

 

Vimos já anteriormente que, embora o reembolso adicional apurado, com base na declaração modelo 22 de IRC de substituição, fosse de € 156.688,10, a liquidação impugnada considerou indevido o valor de juros indemnizatórios de € 60.966,21 que haviam sido apurados na primeira liquidação, em virtude do atraso no reembolso, pelo que o valor final do reembolso adicional foi calculado em € 95.721,89.

Esse valor foi contabilizada pela AT devido ao atraso no processamento do imposto a reembolsar à Requerente em resultado da entrega da declaração Modelo 22 de IRC do grupo para o exercício de 2020, que deveria ter sido realizado até 30 de setembro de 2021 - isto é, o termo do terceiro mês seguinte ao do seu envio – cfr. o artigo 104.º, n.º 3, do CIRC.

Ou seja, na liquidação impugnada - segunda liquidação - a AT errou no apuramento do valor final a reembolsar, uma vez que desconsiderou, na liquidação efetuada, o valor de juros indemnizatórios de € 60.966,21 que haviam sido apurados na primeira liquidação, como resulta do Doc. n.º 4, junto ao pedido de pronúncia arbitral .

Verifica-se assim que a Requerente foi privada, por ato da Requerida, do valor de € 60.966,21. 

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

A ocorrência de “erro imputável aos serviços” constitui pressuposto da condenação da Requerida em juros indemnizatórios .

Ora, no caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação, ainda que parcial, da liquidação impugnada, funda-se em erro nos pressupostos de facto e de direito, imputável aos serviços da AT.

Neste sentido se pronunciou o Acórdão do STA de 29-06-2022, proferido no Processo n.º 093/21.7BALSB:

“II- É jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g .reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte”.

(...) A questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligada à existência de procedimentos graciosos de reclamação, ou de revisão oficiosa, tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A anulação do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos "ex tunc", tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética (cfr. Diogo Freitas do Amaral, A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª. edição, Almedina, 1997, pág.70; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.Edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.868 e seg.).

Os juros indemnizatórios correspondem à materialização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respectivas regras.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos llegais, Áreas Editora, 2010, pág.37 e seg.).

O artº.43, da L.G.T., estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, mas não esgota as causas da sua constituição. Na verdade, outras normas da ordem jurídica tributária prevêem o pagamento de juros indemnizatórios pelo credor tributário. São os casos, por exemplo, do atraso no pagamento de reembolsos do I.V.A. (cfr.artº.22, nº.8, do C.I.V.A.), do atraso no pagamento dos reembolsos do I.R.S. (cfr.artº.102-B, nº.2, do C.I.R.S.) e do I.R.C. (cfr.artº.104, nº.6, do C.I.R.C.).

Revertendo ao caso dos autos, deve recordar-se, antes de mais, que é jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g. reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte (cfr. v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/12/2017, rec.926/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec.360/11.8BELRS).

Avançando, comecemos pelo exame do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa”.

 

Tem assim a Requerente direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, do CPPT, relativamente ao montante já pago mas não reembolsado, apenas na medida do valor que vier a ser anulado com o término inicial em 02-11-2022.

Por concordar, este Tribunal Arbitral acompanha o decidido no Acórdão do STA de 29-06-2022, proferido no Processo n.º093/21.7BALSB, no que respeita aos juros indemnizatórios devidos na sequência da impugnação do indeferimento da reclamação graciosa:

De  acordo com o probatório da decisão arbitral recorrida, no que diz respeito aos actos tributários que foram objecto de reclamação graciosa (cfr. actos de liquidação de imposto de selo emitidos nos períodos de Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018 - al.J) da matéria de facto supra exarada), foi tal reclamação deduzida em 20 de Março de 2019, mais sendo objecto de indeferimento expresso em 6 de Setembro de 2019 (cfr.al.K) da matéria de facto supra exarada).

Neste segmento da instância recursiva, deve chamar-se à colação a doutrina defendida pelo acórdão fundamento, oriundo do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual já foi sufragada por diversos acórdãos deste Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.890/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec. 360/11.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.3009/12.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1098/16.5BELRS), e que nos diz: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g.reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”.

 

D - DECISÃO:

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

 

 Declarar a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa; 

Anular a liquidação relativa ao exercício de 2020, com o n.º 2022..., de 7 de fevereiro de 2022, que constitui o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na parte em que naquela foi deduzido, ao valor final apurado, o valor de € 60.966,21, correspondente aos juros indemnizatórios. 

Condenar a Requerida ao pagamento à Requerente da importância de € 60.966,21 (sessenta mil novecentos e sessenta e seis euros e vinte e um cêntimos); 

Condenar da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre o valor de € 60.966,21, fixando-se o termo inicial no dia 02-11-2022 e o respectivo termo final a data do processamento da respetiva nota de crédito.

Condenar a Requerida AT, nas custas do processo.

 

E - VALOR DA CAUSA:

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 60.966,21, correspondente à parte da liquidação que foi objeto de impugnação.

O valor indicado pela Requerente não foi impugnado pela Requerida e considera o Tribunal não existir fundamento bastante para o alterar, pelo que se fixa à presente causa o valor de € 60.966,21.

 

F - CUSTAS:

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de agosto de 2023.

 

Os Árbitros

 

 

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 (Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro - Árbitro Presidente),

 

 

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(Dr. Martins Alfaro - Árbitro Adjunto)

 

 

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Dr. Fernando Marques Simões – Árbitro Adjunto)