Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 686/2022-T
Data da decisão: 2023-08-24  IRC  
Valor do pedido: € 641.429,24
Tema: IRC – Mais-valias não residentes
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SUMÁRIO: 

I - A remissão para as normas do CIRS operada pelo artigo 3º, nº 1, al. d), do CIRC cinge-se à delimitação da matéria coletável: as sociedades não residentes sem estabelecimento estável apenas são sujeitas a imposto, no nosso país, pelos rendimentos que o CIRS considera tributáveis e não pelo seu rendimento global (lucro), como sucede relativamente à generalidade dos sujeitos passivos de IRC. 

II – Tal remissão é apenas para as regras de incidência, stricto sensu, do IRS e não, também, para as regras deste código relativas à quantificação da matéria coletável de cada uma das categorias.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Nuno Maldonado Sousa e António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

     I.         RELATÓRIO

A... (doravante designada “A...” ou “Requerente”), com sede em ..., Estados Unidos da América, com o número de identificação fiscal português ... (pessoa coletiva não residente e sem estabelecimento estável em Portugal), vem solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL o qual terá por objeto o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) por si autoliquidado e vertido na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, respeitante ao período de tributação de 2021, que deu origem ao documento de liquidação n.º ..., devendo o Tribunal funcionar com intervenção do coletivo de três árbitros, atento o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º do RJAT.

 

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 18 de novembro de 2022. 

A Requerente não procedeu à nomeação de arbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 11 de Janeiro de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. 

O TAC encontra-se, desde 30 de janeiro de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 7 de março de 2023.

Por despacho de 30 de abril de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho: 

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

2. Considerando que a Requerente indicou uma testemunha e caso esta entenda ser pertinente a manutenção da sua audição, indique quais os factos pretende provar com o depoimento da testemunha.

3. Notifica-se a Requerida para junção do Processo Administrativo.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A Requerente pronunciou-se favoravelmente à dispensa da audiência e a Requerida juntou processo administrativo também demonstrando não oposição à dispensa da audiência.

 

 II.           DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

O SP é uma pessoa coletiva, tem sede em ..., Estados Unidos da América, com o número de identificação fiscal português ... (pessoa coletiva não residente e sem estabelecimento estável em Portugal).

Está na base desta impugnação a autoliquidação resultante da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, respeitante ao período de tributação de 2021, que deu origem ao documento de liquidação n.º ... e na qual se pede:

·      anulação da decisão da Autoridade Tributária de indeferimento tácito de reclamação graciosa;

·      Anulação da autoliquidação de IRC e do respetivo documento de liquidação;

·      Ordenar o reembolso do imposto indevidamente pago, no valor de 641.429,24 €, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

A Requerente considera que existiu um erro no preenchimento da sua declaração Modelo 22 de IRC de 2021, e por isso requer a anulação da liquidação e, consequentemente, o reembolso do IRC suportado em excesso (42.º PPA).

A linha de raciocínio da Requerente é a seguinte:

a)    Como não tem sede nem direção efetiva em Portugal, só ficam sujeitas a IRC os seus rendimentos obtidos em Portugal e consideram-se como tal os rendimentos relativos a imóveis situados em território português, incluindo os ganhos resultantes da sua transmissão onerosa (4.º-2 e -3 do CIRC);

b)    Nos termos do artigo 56.º do Código do IRC estabelece que “os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes de IRS;

c)    O apuramento das mais-valias fiscais decorrentes da venda de imóveis situados em Portugal por pessoas coletivas não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal segue as regras estabelecidas no Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (“IRS”), por remissão legal do Código do IRC;

d)    Conforme estabelecido no artigo 10.º do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis que assumem o valor correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, sendo que o montante dos rendimentos qualificados como mais valias é apenas considerado em 50 % do seu valor quando respeitante às transmissões efetuadas por residentes (43.º-2 CIRS).

e)    Efetivamente, de acordo com o elemento literal da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, o saldo das mais-valias é apenas considerado em metade do seu valor quando as mesmas sejam obtidas por pessoas singulares residentes em Portugal.

f)     O TJUE tem-se pronunciado reiteradamente pela desconformidade desta diferença de tratamento entre residentes e não residentes em Portugal com o Direito da União Europeia, particularmente no tocante à liberdade fundamental de circulação de capitais, estabelecida nos artigos 63.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

g)    Resulta da jurisprudência do TJUE que uma operação de liquidação de um investimento imobiliário, tal como a que está em causa no presente pedido de pronúncia arbitral, constitui um movimento de capitais (cfr. Acórdão do TJUE de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, disponível para consulta em www.curia.eu), enquadrado no âmbito de aplicação do artigo 63.º do TFUE, o qual estabelece uma regra específica de não discriminação precisamente no domínio da liberdade de circulação de capitais e concluiu que “o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE [atual artigo 63.º TFUE] [não existindo] objectivamente nenhuma diferença de situação que justifique a desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre as duas categorias de sujeitos passivos”.

h)    Com a mesma orientação podem ver-se outros acórdãos do TJUE, entre outros o acórdão de 18 de março de 2010, C-440/08, o acórdão de 18 de março de 2021, C-388/19.

i)     Sustenta-se também na jurisprudência nacional, designadamente no Acórdão de 24-02-2021, no âmbito do Processo n.º 075/20.6BALSB, onde o STA uniformizou jurisprudência no seguinte sentido[1]:

“III - A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redação aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou.

IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros”.

j)     Refere ainda o acórdão do TCA-N de 23-06-2021, no âmbito do processo n.º 00258/17.6BECBR, onde, de forma curiosa, se sumariou[2]:

“[…] há que considerar como não escrito, no nº 2 do artigo 43º do CIRS (redacção em vigor em 2015) a expressão “por residentes”, pelo que assistia à Recorrente o direito a ver considerados, para efeito da determinação da mais-valia correspondente à venda do prédio de Albufeira em 2015, apenas 50%, não a totalidade da diferença entre o valor considerado como de aquisição e o de realização, como considerou o acto da liquidação de IRS de 2015, aqui impugnado.

 

II.2      Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)    A AT sustenta a liquidação e socorre-se de informação que diz constar do PA.

b)    Entende que o princípio da redução constante do artigo 43.º do CIRS não se aplica no âmbito do CIRC, pelo que não estamos perante um caso de violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no tratado normativo europeu (art.º 63.º do TFUE).

 

 III.         SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades. 

 IV.         FUNDAMENTAÇÃO

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a)    A Requerente tem domicílio fiscal em ..., Estados Unidos da América, sendo não residente fiscal em Portugal sem estabelecimento estável neste país, conforme consta do cadastro da Requerente na AT. (PPA: 37.º).

b)    Em 12-07-2021 a Requerente era proprietária de um prédio misto composto terra de areia com pinheiros e mato, e um edifício térreo, destinado a habitação, e logradouro com piscina, sito em ..., na freguesia ..., concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número..., inscrito na matriz, a parte urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributável de € 259.413,70, e a parte rústica sob o artigo..., com o valor patrimonial tributável de € 643,08. (PPA, 38.º: doc. 5).

c)    Em 12-07-2021 a Requerente celebrou escritura de compra e venda do prédio identificado na alínea anterior, no cartório da Notária B..., com cartório em Faro, pelo valor total de € 3.000.000,00, atribuindo os outorgantes o valor de € 500.000,00 ao imóvel correspondente ao artigo 2497 (rústico) e € 2.500.000,00 ao imóvel correspondente ao artigo 2329 (urbano). (PPA: 39.º: doc. 4)

d)    Em resultado da venda do prédio identificado, a Requerente apurou uma mais-valia no valor de € 2.565.716,96, nos seguintes termos: (PPA, 40.º

e)    No dia 18 -08-2021, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 22 de IRC do período de tributação de 2021, identificada com o n.º..., na qual foi apurado um valor de imposto a pagar de € 641.429,24 (PPA: 1.º; doc 1, p.5, campo 367).

f)     Em 19-08-2021 a Requerente efetuou o pagamento do imposto autoliquidado no valor de 641.429,24 € (PPA: 10.º; doc 3).

g)    Em 22/04/2022, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação do IRC pago por si no período de tributação de 2021, onde peticionou “a anulação parcial da autoliquidação de IRC com o n.º ...-...-..., na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total de mais-valias imobiliárias”. (PPA: 2.º e 9.º; doc 2).

h)    Na sua RG identificada a Requerente peticionou ainda o reembolso do imposto pago, acrescido dos devidos juros indemnizatórios. (PPA: 2.º e 9.º; doc 2).

i)     Até 22-08-2022 a AT não se pronunciou sobre a RG apresentada pela Requerente (34.º PPA).

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[3]“o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

Na base da questão está a conformidade do artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do CIRS à tributação das mais valias das pessoas coletivas não residentes, situação sobre a qual não se conhece jurisprudência dos tribunais arbitrais ou do STA, pois todas as decisões que se referiram, foram tiradas em processos propostos por pessoas singulares. Excetua-se o acórdão do TCA-N de 23-06-2021, no âmbito do processo n.º 00258/17.6BECBR, em que o SP era uma pessoa coletiva, julgou-se diretamente aplicável à situação o CIRS, sem se questionar a aplicação deste por via das disposições do CIRC.

Ficou provado que a Requerente esta, nas suas declarações de rendimentos relativas aos exercícios em causa, declarou ser uma entidade residente sem estabelecimento estável em Portugal.

Não se aceita a afirmação de que a aplicação de regras distintas de tributação às entidades residentes e às não residentes constitui violação dos princípios da igualdade e da livre circulação de capitais.

Em Direito Fiscal, o princípio mais basilar da igualdade não significa que todos devam ser tributados por aplicação das mesmas regras, mas sim que, como é uso dizer, “se trate igualmente o que é igual e diferentemente o que é diferente”. 

Ora a situação fiscal dos residentes e não residentes é manifestamente diferente: 

·      os primeiros estão sujeitos, no país onde residem, a uma tributação que, em princípio, incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, independentemente do lugar onde foram obtidos (worldwide income); 

·      os segundos apenas são tributados em Portugal com base num critério estrito de territorialidade, ou seja, o imposto (no caso, o IRC) apenas incide sobre os rendimentos com fonte em Portugal.

Assim se compreende que, até por razões evidentes de praticabilidade, a tributação dos não residentes sem estabelecimento aconteça em regra por retenção na fonte, sendo a exceção mais relevante precisamente a das mais-valias imobiliárias.

A violação do princípio da livre circulação de capitais (que a jurisprudência do TJUE considera aplicável relativamente a países terceiros) não pode ser entendida como consequência necessária da diferenciação fiscal entre residentes e não residentes. A invocação de tal princípio implicaria a alegação de factos de onde se possa concluir pela existência de uma discriminação injustificada, o que não foi feito no presente caso.

Não se pode aceitar, também, o entendimento da Requerente de que as mais-valias imobiliárias que obteve só deveriam ser consideradas em 50%. Em IRC este tipo de rendimentos é considerado na sua totalidade, quer estejam em causa residentes ou não residentes.

A jurisprudência citada pela requerente, nomeadamente o ac. do STA de 09-12-2020, proc. n.º 075/20, refere-se a normas do CIRS que, relativamente a pessoas físicas residentes, mandam considerar, no cálculo da matéria coletável deste imposto, apenas 50% do ganho obtido e, relativamente às pessoas físicas não residentes, a sua totalidade.

Tal nada tem a ver com a situação da Requerente pois que esta, independentemente de dever ser havida como residente ou não residente, enquanto pessoa jurídica, está sujeita a IRC e não a IRS.

A remissão para as normas do CIRS operada pelo artigo 3º, nº 1, al. d), do CIRC cinge-se à delimitação da matéria coletável: as sociedades não residentes sem estabelecimento estável apenas são sujeitas a imposto, no nosso país, pelos rendimentos que o CIRS considera tributáveis e não pelo seu rendimento global (lucro), como sucede relativamente à generalidade dos sujeitos passivos de IRC. Tal remissão é apenas para as regras de incidência, stricto sensu, do IRS e não, também, para as regras deste código relativas à quantificação da matéria coletável de cada uma das categorias.

Pelo que deve improceder o presente pedido arbitral, com as legais consequências.

   V.         DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)    Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral;

b)    Condenar o Requerente nas custas do processo.

 VI.         VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 641.429,24, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII.         CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 9.486,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 24 de agosto de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Nuno Maldonado Sousa, relator)

 

 

 

(António Alberto Franco)

 

 



[1] Estava em causa a oposição de acórdão arbitral no processo nº 846/2019-T, em que foi requerente cidadã brasileira.

[2] Foi requerente “A sociedade G... Limited, NIPC (…), encontra-se inscrita no cadastro como uma empresa sem sede nem direcção efectiva em território português, pelo que é considerada em Portugal, para efeitos fiscais, como uma entidade "não residente sem estabelecimento estável".

[3] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.