Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 802/2022-T
Data da decisão: 2023-08-17  IRS  
Valor do pedido: € 8.955,44
Tema: IRS – Mais-valias imobiliárias – Encargos com a valorização dos bens
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Sumário: Deverão ser considerados como abrangidos pela previsão do art. 51º, n. º1, al. a.) do CIRS os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem alienado, excluindo-se as simples despesas de manutenção e conservação, elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel ou eletrodomésticos. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 28 de Dezembro de 2022 os contribuintes A..., NIF ... e B..., NIF ..., casados entre si, residentes na Rua  ..., nº ..., ..., ...-... Cascais, requereram, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 29 de dezembro de 2022.
  3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n. º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceite nos termos legalmente previstos.
  4. O Tribunal Arbitral foi constituído em 28.02.2023 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
  5. Por ofício datado de 14.03.2023 a Requerida anulou parcialmente o ato impugnado.
  6. Por despacho datado de 15.03.2023 os Requerentes foram notificados para se pronunciar, num prazo de dez dias, sobre a revogação parcial do ato impugnado efetuada pela AT, bem como, para declarar se mantinham interesse, ou não, no prosseguimento da lide.
  7. Os Requerentes informaram em 24.03.2023 que pretendiam prosseguir com a lide.
  8. A AT apresentou a sua resposta em 27.03.2023.
  9. A inquirição das testemunhas realizou-se no dia 19.04.2023.
  10. A Requerida apresentou as suas alegações em 03 de maio de 2023.
  11. Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 10 de maio de 2023.
  12. Pretendem os Requerentes que o Tribunal Arbitral declare ilegal e anule o ato de liquidação de liquidação oficiosa de IRS com o nº 2022... de 9/04/2022, no montante de € 28.792,71, ordenando o reembolso da quantia de € 8.955,44 já paga, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, vencidos desde 31 de maio de 2022 até integral reembolso desta importância.

 

I.2. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

  1. Para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas no art. 10º, nº 1, al. a), do CIRS e como estatuído no art. 51º, al. a) do mesmo diploma legal.
  2. Isto significa que, nos termos deste preceito, o legislador distingue duas situações: "encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, " e “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação".
  3. Na primeira estatuição do normativo enfoca-se a valorização do próprio bem, enquanto na segunda, o foco está na aquisição e alienação do bem.
  4. Os gastos que foram incorridos com as obras de remodelação, hão-de necessariamente repercutir-se, positivamente, no valor económico do Imóvel, tendo, portanto, incrementado o respetivo preço de venda.
  5. Sublinha-se que o preço de venda (€ 448.000) do Imóvel foi mais do dobro do preço da aquisição do mesmo (€ 200.000), o que torna por de mais evidente que a valorização de 224% ocorrida não se deveu à mera conjuntura do mercado imobiliário no momento da venda.
  6. Assim, existe um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, sendo, portanto, de elementar razoabilidade entender-se que essas despesas estiveram na origem ou contribuíram para a obtenção do próprio rendimento.
  7. A este propósito, saliente-se que o art. 128º, nº 4, do CIRS admite que, em caso de inexistência de documentos comprovativos por motivo não imputável ao sujeito passivo sejam utilizados outros elementos de prova.
  8. Não admitir a dedução de encargos efetivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente refletido no texto legislativo.
  9. Face ao exposto, para efeitos de cômputo da mais-valia realizada com alienação do identificado imóvel, será, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 51º do CIRS, de acrescer ao custo de aquisição do mesmo, as despesas com a respetiva aquisição, bem como todos os encargos incorridos a sua valorização e as despesas inerentes à alienação do mesmo.

 

I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:

 

  1. Relativamente à questão das despesas e encargos, refira-se que os requerentes, na declaração por estes apresentada, inscreveram o montante de 48.590,00 € de despesas e encargos no campo 4001 do quadro 4 do anexo G.
  2. A declaração oficiosa apenas e só foi elaborada sem o montante de despesas e encargos no campo 4001 porquanto os requerentes não vieram apresentar os documentos comprovativos das despesas e encargos.
  3. Relativamente aos encargos com a valorização dos bens, os requerentes juntam ao processo comprovativos de diversas despesas, podendo aqui referir-se, a título exemplificativo, que se tratam de despesas com janelas, puxadores, alcatifa, eletrodomésticos, pinturas, entre outros.
  4. Ora, a lei prevê, no entanto, um requisito de natureza substantiva, que é o de se tratar de encargos com a valorização do bem alienado.
  5. Estão afastadas assim da norma a realização de despesas que não aumentem o valor intrínseco do imóvel, bem como aquelas que não integram de modo definitivo o imóvel (como, por exemplo, mobiliário ou eletrodomésticos) e, ainda as obras de conservação ordinária (por exemplo, substituições de lâmpadas ou pintura do imóvel) e as de conservação extraordinária, decorrentes de situações pontuais e esporádicas, mas igualmente necessárias, como a substituição de janelas, portas ou telhados danificados, ou a substituição do pavimento.
  6. Entende-se assim que o artigo 51° alínea a) do Código do IRS apenas contempla as benfeitorias uteis, ou seja, aquelas obras de melhoramento que não estão numa relação de autonomia em relação ao imóvel em causa, mas antes se incorporam no mesmo, aumentando o seu valor intrínseco e que têm apenas o intuito de valorizar o bem, caraterizando-se pela sua desnecessidade.
  7. A este requisito de natureza substantiva acresce um requisito de forma, consubstanciado na existência de uma fatura que demonstre o fim específico das despesas realizadas, de molde a permitir concluir ou demonstrar o nexo causal entre os serviços descritos na fatura e o imóvel alienado.
  8. Como tal, não pode o montante de 13.449,15 € ser considerado a título de encargos com a valorização do bem.
  9. Isto porque, não está provada a valorização do imóvel (são obras de conservação), outras são de eletrodomésticos ou móveis (não são intrínsecos ao imóvel) e outras porque não está identificado o requerente (através do respetivo NIF) nem o imóvel e outros porque não têm faturas/recibos que as suportem (são apenas orçamentos).
  10. Acresce que, na data da aquisição do imóvel o aqui requerente solicitou empréstimo para melhoramentos no imóvel, no montante de 34.000,00 €.
  11. Ora, tendo esse empréstimo sido considerado no campo 5005 do quadro 5 do anexo G, só faria sentido que fosse considerado o montante que excedesse os 34.000,00 € como encargos com a valorização do imóvel
  12. A não ser assim considerado, seria atribuído ao requerente uma duplicação do benefício: por um lado inscreveu o empréstimo no campo 5005; por outro, seriam incluídos os encargos no campo 4001.
  13. Como tal, também por essa razão não poderá ser considerado qualquer montante a título de encargos com a valorização do bem.
  14. No que respeita à restituição do imposto pago, a mesma deverá ser efetuada tendo em conta o deferimento parcial, apenas relativamente às despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel.
  15. A restituição de imposto deverá corresponder ao deferimento parcial do pedido.
  16. Uma vez que, a liquidação oficiosa ora impugnada foi efetuada em virtude dos requerentes, em sede do âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências, ainda na fase administrativa, não terem entregado os suportes documentais quando tal lhes foi solicitado, não têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

II. SANEAMENTO

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n. º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

Quanto ao cálculo da mais valia imobiliária, a questão central a decidir, tal como colocada pelos Requerentes, é a seguinte:

  1. As despesas constantes dos documentos n.º 10 a 28 do ppa devem acrescer, ou não, ao valor de aquisição do prédio, nos termos do art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS?

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

  1. Em 11 de Dezembro de 2009, os Requerentes adquiriram a fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 4º andar recuado do prédio urbano em regime de propriedade horizontal na ..., n.º..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço de € 200.000,00.
  2. Para financiar a aquisição da identificada fração autónoma, os Requerentes, na mesma data, celebraram com a C..., S.A., um contrato de mútuo, no valor de € 200.000,00, garantido por hipoteca constituída sobre a mesma fração autónoma.
  3. Igualmente nessa data, os Requerentes celebraram um segundo contrato de mútuo hipotecário com a C..., S.A., no montante de € 34.000,00, para financiamento das obras de remodelação do mencionado imóvel.
  4. Este imóvel foi afeto à habitação própria e permanente dos Requerentes, bem como do seu domicílio fiscal.
  5. No período durante o qual o Requerentes foram proprietários do imóvel estes suportaram os seguintes encargos:
  • colocação de vidros duplos, caixilharia e fechos basculantes (ano 2012) - €1.027,05 + €23,57;
  • compra de um móvel lava roupar para lavandaria (ano 2012), puxadores de armários de cozinha (ano 2010) e um extrator do fogão (ano 2011) - €112,04 + €69,44 + 244,35;
  • colocação de focos de encastrar com transformadores (ano 2011) - €43,21 + €190,40 +251,00;
  • colocação de um chão/pavimento e rodapé (ano 2010 e 2011) - €822,80 + €594,80 +228,00;
  • compra de um saco pellets, aspirador de cinzas, extrator de banho, rotula bidé (ano 2012), reparação da prumada (2011) e modificação das fechaduras (ano 2009) – €82,15 + €350,00 + €217,50.
  1. A 18 de Abril de 2018, os Requerentes alienaram este imóvel pelo valor de €448.000,00.
  2. Em 11 de Junho de 2019, os Requerentes apresentaram a declaração de IRS referente ao ano de 2018, na qual declararam:

(i) aquisição do Imóvel pelo preço de € 200.000,00 (Quadro 4 - campo 4001,

ii) venda do Imóvel pelo preço de € 448.000,00 (Quadro 4 - campo 4001);

(iii) despesas e encargos com inerentes à aquisição, alienação e valorização do Imóvel no valor de € 48.590,00 (Quadro 4 - campo 4001)

(iv) valor em dívida de empréstimo de € 219.834,54 (Quadro 5 - campo 5005);

(v) valor de realização que prendiam reinvestir de € 75.000,00 (Quadro 5 – campo 5006);

(vi) reinvestimento de € 75.000,00 (Quadro 5 - campo 5008)

  1. Esta declaração de rendimento deu lugar à emissão da liquidação de IRS n.º 2015....
  2. Esta liquidação apurou uma coleta líquida no valor de € 36.741,27 e o montante de imposto a pagar de € 19.837,27.
  3. Os Requerentes pagaram a referida importância, proveniente da identificada liquidação de IRS relativa ao ano 2018.
  4. Os Requerentes receberam a comunicação da AT, datada de 20.01.2020, com o seguinte conteúdo:

 

  1. Os Requerentes remeteram a seguinte reposta, datada de 16.02.2021, para a Requerida:

 

  1. Os Requerentes receberam a comunicação da AT, datada de 17.02.2021, com o seguinte conteúdo:

 

 

  1. Os Requerentes remeteram a seguinte reposta, datada de 05.05.2021, para a Requerida:

 

 

 

  1. Os Requerentes receberam a comunicação da AT, datada de 28.06.2021, com o seguinte conteúdo:

 

 

  1. Os Requerentes remeteram a seguinte reposta, datada de 30.07.2021, para a Requerida:

 

  1. Os Requerentes receberam a comunicação da AT, datada de 15.12.2021, com o seguinte conteúdo:

 

  1. Os Requerentes receberam a comunicação da AT, datada de 24.01.2022, com o seguinte conteúdo:

 

 

  1. A AT emitiu a liquidação oficiosa n.º 2022..., a qual reflete o apuramento de uma coleta líquida no valor de € 44.808,25 e fixou o montante de imposto a pagar em € 28.792,71.
  2. Nesta liquidação oficiosa constam os seguintes valores:

i) valor em dívida de empréstimo de € 218.647,61 (Quadro 5 - campo 5005);

ii) valor de realização que prendiam reinvestir de € 75.000,00 (Quadro 5 – campo 5006);

iii) reinvestimento de € 75.000,00 (Quadro 5 - campo 5008).

  1. Em 30 de Maio de 2022, o Requerente remeteu ao Serviço de Finanças Cascais-1 reclamação graciosa peticionando a anulação do ato de liquidação oficiosa de IRS.
  2. Os Requerentes não foram notificados de qualquer resposta à mencionada reclamação graciosa.
  3. Os Requerentes procederam ao pagamento do saldo apurado pela AT e constante da demonstração de acerto de contas em 31 de maio de 2022.
  4. Por despacho proferido em 2023/03/14, pela Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, foi o ato de liquidação nº 2022... parcialmente revogado, relativamente a despesas referentes a:

IMT - € 5.179,00;

Selo - € 1.600,00;

Cartório Notarial - €359,85;

Custos de mútuo com hipoteca - € 450,00;

Comissão intermediação imobiliária - € 27 552,00.

 

IV.2. Factos não provados

 

  1. A sociedade D..., Lda. executou as seguintes obras na fração autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao 4º andar recuado do prédio urbano em regime de propriedade horizontal na ..., n.º ..., união das freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...:

− Remoção do pavimento anterior e colocação de alcatifa em várias divisões;

− Instalação de novos rodapés;

− Colocação de nova caixilharia na totalidade do espaço exterior;

− Trabalhos de reconfiguração da instalação elétrica;

− Colocação de chaminé decorativa na sala de estar;

− Recolocação da prumada de águas pluviais;

− Impermeabilização e substituição do piso do terraço; e

− Pintura integral do apartamento

  1. Os requerentes pagaram €8.400,00 à sociedade D..., Lda..

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados n.º 1 a 4 e 6 a 24 integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos. Estes factos são dados como assentes pela análise dos documentos 1, 2, 6, 7, 37, 44, 45, 48, 49, 50, 51 e 52 juntos pelos Requerentes, pelo processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.

Os factos provados n.º 5 são dados como provados pela análise dos documentos 10 a 23 do ppa. aliado às declarações de parte do Requerente – A...- o qual respondeu de forma objetiva e credível. O Requerente identificou todos os documentos/faturas/recibos (documentos 10 a 23 do ppa.) sabendo dizer a que materiais /ou serviços respeitam e fazendo a respetiva ligação às obras efetuadas no imóvel em apreço. O requerente efetuou a compra dos materiais e acompanhou a sua colocação.

Contudo, o Requerente não conseguiu, nas declarações de parte, indicar que obras concretas foram realizadas pela sociedade – D..., Lda.-, nem a que obras correspondem os pagamentos efetuados por si, razão pela qual considera este Tribunal não provados os factos indicados em 1 e 2 da respetiva secção.

 

V. Do Direito

 

  1. Quanto aos efeitos da revogação parcial do ato tributário impugnado

 

A Senhora Subdiretora Geral da Área dos Impostos sobre o Rendimento, proferiu um despacho em 24.03.2023 a, na sua terminologia, “revogar” parcialmente o ato de liquidação nº 2022... .A “revogação” operou por se considerar que o contribuinte teve despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do imóvel em causa, em virtude dos requerentes terem anexado documentos comprovativos referentes a:

IMT - € 5.179,00;

Selo - € 1600,00;

Cartório Notarial - € 359,85;

Custos de mútuo com hipoteca - € 450,00;

Comissão intermediação imobiliária - € 27 552,00.

 

Cabe preliminarmente referir que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º do CPA, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1 do CPA), enquanto a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3 do CPA).

No caso vertente, a Autoridade Tributária entendeu ser de corrigir, em parte, o ato de liquidação de imposto com base na argumentação aduzida no pedido arbitral, pelo que praticou, segundo a nova terminologia, um ato de anulação administrativa, isto é, um ato que tem como fundamento considerações de legalidade administrativa e não de mera discricionariedade.

Por outro lado, segundo o artigo 168.º, n.º 3, do CPA, quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa pode ter lugar até ao encerramento da discussão, devendo entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.

Dito isto, não pode deixar de reconhecer-se que a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o ato anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.

Face à anulação parcial, é incontestável a relevância das despesas supra indicadas para o cálculo da mais valia (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS).

Contudo, não foi efetuada uma nova liquidação que substitua a anterior. A liquidação anterior, expurgada dos vícios que conduziram à sua da anulação parcial, continua a produzir efeitos. Assim, quanto a estes efeitos, que persistem, e cuja anulação a Requerente pede, deve o processo prosseguir para a sua apreciação (art. 65º, n. º1 do CPTA, ex vi art. 29º, n. º1, al. c) do RJAT).[1]

 

  1. Encargos com a valorização do bem

 

Os Requerentes obtiveram em 2018 um ganho decorrente de uma mais valia obtida pela alienação onerosa de um bem imóvel.

Este rendimento é classificado como rendimento da categoria G – Mais Valia - (art. 10º, n. º1º, al. a) do CIRS), sendo esse ganho constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição (art. 10º, n. º4 do CIRS).

O valor da realização, em regra, corresponde ao valor que tiver sido considerado para efeitos de IMT (art. 44º, n. º2 do CIRS). O valor de aquisição, em regra, corresponde ao valor que que tiver sido considerado para efeitos de IMT (art. 46º, n. º1 do CIRS).

O valor de aquisição deve ser atualizado pela correção monetária (art. 50º, n. º1 do CIRS).  A este valor devem-se somar os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS).

Depois de apurado o valor da mais valia, o art. 43º, n. º2 do CIRS estatui o seguinte:

“2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor.”

No caso sub judice estão em causa os encargos com a valorização dos bens que devem acrescer ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a.) do CIRS).

Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado. Cf. decisão CAAD n. º766/2016-T de 17.08.2017

Tal como em matéria de IRC, em matéria de IRS, os documentos comprovativos dos custos não têm de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo suficiente a apresentação de documento que revele as características fundamentais da operação realizada. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de julho de 2012, proferido no processo n.º 0658/2011, e decisão do CAAD n.º 124/2020 de 05.4.2021

Mais, a simples omissão do número de identificação fiscal do adquirente dos serviços ou do fornecimento dos bens nos documentos comprovativos das despesas, quando dissociada de quaisquer outros elementos que permitam concluir que as despesas documentadas não se relacionam com as obras de valorização do prédio alienado ou não respeitam a esse prédio, não é suficiente para desconsiderar esses encargos para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, nos termos do artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS. Cf. Decisão Arbitral nº388/2020 de 05.02.2021

            Importa começar por salientar que incumbe aos Requerentes o ónus de estabelecer, provando-a, uma relação direta entre os custos apresentados e as obras realizadas no imóvel em apreço, uma vez que eles pretendem prevalecer-se da dedutibilidade dos encargos suportados com a valorização do imóvel (art. 74.º, n. º1 da LGT Cf. Acórdão do STA, de 21.10.2009, proferido no processo n.º 0583/09). Sendo certo que não basta para preencher tal ónus a simples junção de faturas ou vendas a dinheiro, torna-se necessário que seja demonstrado que aqueles materiais e mão-de-obra foram efetivamente utilizados naquele imóvel. Cf. Acórdão do TCAN, de 30.03.2017, proferido no processo n.º 00543/04.7BEPNF

No mesmo sentido, na decisão arbitral proferida no processo n.º 766/2016-T é afirmado que «face à questão sob escrutínio [idêntica à destes autos] competia aos Requerentes provar, relativamente ao prédio alienado, não só que suportaram custos mas que as importâncias foram efectivamente despendidas em obras de valorização efetuadas naquele bem imóvel, não bastando, para o efeito que os custos e as despesas se mostrem devidamente comprovados.»   

Em suma, não basta, pois, que os referenciados custos se mostrem devidamente comprovados, sendo também necessário que os Requerentes provem não só que suportaram, aqueles custos, mas também que os mesmos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado.

Outra questão frequentemente discutida prende-se com o conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes.

Entende a AT que, para este efeito, só devem ser considerados os encargos que aumentem o valor físico e material do bem.

Neste âmbito, José Guilherme Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462) afirma o seguinte:        

«(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.

O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição:

(…)

Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos” [atualmente, doze anos] e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas” com a alienação do imóvel.

Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.

(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. Se o objetivo da norma fosse atender só a valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente(…)

Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»

Sobre esta matéria pronunciou-se, igualmente, Manuel Faustino (em comentário ao Ac. do TCAS, de 25/1/2005, no Rec. nº 00297/03), discordando do que refere ser uma visão exclusivamente jurídica da interpretação do conceito de valorização. Daí que, do seu ponto de vista, pareça “mais correta, no plano tributário, para situações como a descrita, a visão do bem, não como uma coisa em sentido meramente jurídico, mas como uma fonte de rendimento, com um aspeto económico que não pode ser desprezado. E nessa perspetiva, tudo o que possa contribuir para a valorização económica do bem, necessariamente deve ser considerado como “encargo de valorização»” sob pena de se cometer “uma injustiça”, por se tributar “uma capacidade contributiva inexistente”. Cf. Boletim APECA nº 121, 2º trimestre de 2005, Jurisprudência Fiscal, p. 60

Os Tribunais já se pronunciaram sobre esta matéria, por diversas vezes, sendo disso exemplo o seguinte aresto: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012, proferido no processo n.º 0587/11, assim sumariado:

«I – A al. a) do art. 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente. No mesmo sentido cf. Decisões Arbitrais do CAAD n. º167/2021 de 29.11.2021 e n. º747/2019 de 23.06.2020

Deste modo, no esteio da jurisprudência dos tribunais superiores, das decisões arbitrais e da doutrina citada, o art. 51º, n. º1, al, a) do CIRS não pode ser interpretado de forma restrita como pretendido pela Requerida. Nesta medida, deverão ser considerados como abrangidos pela previsão da norma os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem alienado, excluindo-se as simples despesas de manutenção e conservação[2], elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel[3] ou eletrodomésticos. 

 

Subsumindo ao caso em apreciação, e com base na matéria de facto dada como assente:

 

  • Documento 10 e 11 do ppa.

Quanto à colocação de vidros duplos, caixilharia e fechos basculantes está demonstrado que foram encargos efetivamente suportados pelos Requerentes, tendo conseguido comprovar a efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

Tratando-se de encargos que valorizam o bem deve o mesmo acrescer ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS) - €1.027,05 + €23,57

 

  • Documentos 12, 13 e 14 do ppa.

Tratam-se de despesas relativas a um móvel de lavar a roupa para lavandaria, puxadores de armários de cozinha e um extrator do fogão.

A compra de um móvel, artigos de decoração ou manutenção e eletrodomésticos não são elegíveis para os efeitos previsto no art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS, não sendo por isso admitido que acresçam ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS).

 

  • Documentos 15, 16 e 17 do ppa.

A colocação de focos de encastrar com transformadores, sendo elementos fixos, não são autonomizáveis do imóvel e passam a fazer parte integrante do mesmo[4]. Está demonstrado que foi um encargo efetivamente suportado pelos Requerentes, tendo conseguido comprovar a efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado

Tratando-se de um encargo que valoriza o bem deve o mesmo acrescer ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS) - €43,21 + €190,40 +251,00

 

  • Documentos 18, 19, 20 e 21 do ppa.

A colocação de um chão/pavimento e rodapé está demonstrado que foi um encargo efetivamente suportado pelos Requerentes, tendo conseguido comprovar a efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

Tratando-se de um encargo que valoriza o bem deve o mesmo acrescer ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS) - €822,80 + €594,80 +228,00

 

  • Documentos 22 e 22A do ppa.

Tratam-se de despesas relativas a um saco pellets, aspirador de cinzas, extrator de banho, rotula bidé, reparação da prumada e modificação das fechaduras.

As simples despesas de artigos consumíveis, eletrodomésticos ou artigos de manutenção não são elegíveis para os efeitos previsto no art. 51º, n. º1, al. a), do CIRS, não sendo por isso admitido que acresçam ao valor de aquisição.

 

  • Documentos 23 a 27 do ppa.

Tal como foi referido atrás é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado. Nesta parte os Requerentes juntam dois orçamentos e três transferências bancárias, cujos valores não coincidem com os orçamentos e cujo destinatário se desconhece.

Embora não seja fundamental apresentar faturas destas obras, era essencial que fosse demonstrada que obras foram realizadas pela entidade identificada no orçamento. Os Requerentes não lograram demonstrar que obras específicas foram realizadas pela entidade, nem a que obras correspondem estes pagamentos. Pelo que, não é possível fazer a ligação entre este encargo com a valorização do imóvel, não devendo por isso, estes encargos acrescer ao valor de aquisição (art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS).

 

Em conclusão, nos termos do art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS, ao valor de aquisição devem acrescer os seguintes encargos:

 

  • colocação de vidros duplos, caixilharia e fechos basculantes - €1.027,05 + €23,57
  • colocação de focos de encastrar com transformadores - €43,21 + €190,40 +€251,00
  • colocação de um chão/pavimento e rodapé - €822,80 + €594,80 + €228,00

 

No cálculo da mais valia, o total dos encargos que devem acrescer ao valor de aquisição do prédio alienado é de €3.180,83.

Deste modo, a liquidação de IRS efetuada pela AT, referente ao ano de 2018, enferma de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciada na errada interpretação e aplicação do art. 51º, n. º1, al. a) do CIRS, o qual implica a declaração de ilegalidade e subsequente anulação parcial, na parte em que radica aquela ilegalidade (art. 163º, n. º1 do CPA).

 

  1. Duplicação do benefício

 

A Requerida alega que os Requerentes, na data da aquisição do imóvel alienado, solicitaram um empréstimo no montante de €34.000,00. Este valor foi considerado no campo 5005 do quadro 5 do anexo G da declaração de IRS (2018) dos Requerentes.

Por conseguinte, entende a Requerida que os encargos de valorização que os Requerentes pretendem incluir no campo 4001 do quadro 4 do anexo G só podem ser considerados no que exceder €34.000,00, uma vez que constituem, na sua opinião, uma duplicação do benefício. Uma vez que os Requerentes pretendem incluir no campo 4001 do quadro G a quantia de €13.449,15, valor inferior a €34.000,00, nada deve ser considerado a título de encargos com valorização do bem.

Importa começar por referir que a Requerida não estabelece qualquer ligação entre as obras incluídas no empréstimo bancário para financiar obras de remodelação, celebrado em 11.12.2009 pelos Requerentes, e os encargos que os Requerentes pretendem que, agora, sejam acrescidos ao valor de aquisição do prédio. Esta omissão justificaria a improcedência do argumento da Requerida.

Mais, o cálculo da mais valia e o cálculo do reinvestimento para efeitos de exclusão são autónomos[5]. O cálculo do reinvestimento está previsto no art. 10º, n. º5, al. a) do CIRS. O cálculo da mais valia está previsto nos arts. 43º a 51º do CIRS.

O legislador não estabelece qualquer limitação quanto à inclusão dos mesmos encargos para efeitos da dedução prevista no art. 10, n. º5, al. a) do CIRS e para efeitos de acréscimo ao valor de aquisição prevista no 51º, n. º1, al. a) do CIRS.

Por fim, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo arbitral, funciona o princípio da proibição da fundamentação a posteriori. Isto é, o Tribunal tem de limitar-se à formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, seja por iniciativa oficiosa do tribunal, seja por meio de novos argumentos que tenham sido invocados pelas partes na pendência do processo impugnatório (cf. acórdão do STA de 27 de Junho de 2016, Processo n.º 043/16).

Não cabe, por isso, ao Tribunal analisar este novo argumento, para impedir que os encargos demonstrados possam acrescer ao valor de aquisição do prédio alienado, agora invocado pela AT, com base em considerações que não lhe serviram de fundamento. Tal constituiria uma violação do disposto nos arts. 77º, n. º1 da LGT e art. 268º, n. º3 da CRP.

Face ao exposto, improcede este argumento da Requerida no sentido de que não pode ser considerado qualquer montante a título de encargos com a valorização do bem.

 

  1. Valor do empréstimo

 

Os Requerentes alegam que a liquidação oficiosa sindicada desconsidera os valores indicados por si na declaração prévia que apresentaram, em concreto, no quadro 5 – campo 5055 – valor do empréstimo €219.834,54.

Face aos factos dados como provados (n. º13) verificamos que a liquidação oficiosa, no quadro 5 – campo 5055 – valor do empréstimo, considerou o valor de €218.647,61.

A análise desta questão é eventualmente relevante para efeitos do disposto no art. 10º, n. º5, al. a) do CIRS que tem a seguinte redação:

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

O reinvestimento total do valor da realização, deduzido da amortização do empréstimo, permite a exclusão de tributação (art. 10º, n. º5, al. a) do CIRS) da mais valia obtida.  Se o reinvestimento for parcial, a exclusão de tributação será proporcional (art. 10º, n. º9 do CIRS).

Reitera-se, aqui, que o cálculo da mais valia e o cálculo do reinvestimento para efeitos de exclusão são autónomos. Ao contrário do alegado pelos Requerentes, um erróneo cálculo do valor reinvestido não interfere no cálculo mais valia, mas sim no cálculo da percentagem que é excluída de tributação da mais valia.

Ora, tenhamos presente que o valor da realização foi de €448.000,00 e que os Requerentes pretendem reinvestir apenas €75.000,00. Na liquidação oficiosa considerou-se como valor da realização a quantia de €448.000,00 e como valor do empréstimo amortizado a quantia de €218.647,61, o que significa que se poderia considerar reinvestida a quantia de €229.352,39 (€448.000,00 – €218.647,61 = €229.352,39). Na liquidação oficiosa manteve-se a quantia de €75.000,00 como o valor que os Requerentes pretendem reinvestir, tal como eles declararam previamente.

 Porquanto, todo o valor que os requerentes pretendem considerar como reinvestido (€75.000,00) foi considerado, na devida proporção, e tido em conta para efeitos de exclusão de tributação da mais valia.

Por um lado, não existe dissenso entre as partes porque a AT considerou reinvestido todo o valor pretendido pelos contribuintes.

Por outro lado, afigura-se inútil, face à pretensão dos Requerentes, dissecar se o valor do empréstimo amortizado deve ser de €219.834,54 ou €218.647,61. É inútil a apreciação pelo Tribunal, já que a decisão aqui a proferir em nada vai alterar o ato sindicado.

Assim, e não sendo permitido ao Tribunal praticar nos processos atos inúteis (artigo 130.º do CPC), terá necessariamente de improceder o vício referente à consideração da quantia de €218.647,61, em vez de €219.834,54, a título de amortização do empréstimo (art. 10º, n. º5, al. a) do CIRS).

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da LGT, são os seguintes:

a) Que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

b) Que o erro seja imputável aos serviços;

c)Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d)Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

A liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2018 foi feita pela AT. Contudo, previamente, ao abrigo do art. 128, n. º1 do CIRS, a AT notificou três vezes os contribuintes para comprovar os valores declarados, nomeadamente os encargos com valorização do imóvel (20.01.2021, 27.02.2021, 28.06.2021). Os contribuintes não apresentaram qualquer documento comprovativo dos encargos. Assim, não se pode imputar à AT a responsabilidade pelo erro que afeta a liquidação.[6]

Contudo, é inquestionável que após a apresentação da reclamação graciosa (30.05.2022) a AT possuía todos os elementos de facto e de direito para repor a legalidade da tributação. A reclamação graciosa foi tacitamente indeferida (01.10.2022).

À AT cabe repor a legalidade (art. 55º da LGT), não lhe podendo ser indiferente a manutenção de um ato ilegal. Mais, a AT tem o dever de rever os atos tributários caso detete uma situação de cobrança ilegal de tributos (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da LGT), dentro dos limites temporais do art. 78º da LGT.

Indeferida a reclamação graciosa, o erro passa a ser imputável à AT. Neste sentido Cf. Ac. do TCAS de 16.01.2014, proc. n.º 05306/12: 33) Havendo excesso na delimitação da base tributável, a partir do momento em que a AF, estando na posse de todos os elementos necessários, podia ter corrigido o erro, e ainda assim não procedeu, ou seja, desde a data do esgotamento do dever de decidir a reclamação graciosa, o erro determinante da cobrança ilegal do imposto em apreço é imputável aos serviços.

No mesmo sentido o Venerando Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa assevera do seguinte: “(…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.” In CPPT Anotado, Vol. I, Áreas Editora, 2011, Pág. 537

Destarte procede, pois, na parte anulada, o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, desde 01.10.2022, até à restituição do imposto pago em excesso.

 

VI) DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS nº 2022..., relativa ao exercício de 2018 e em consequência, sem prejuízo da parte já anulada pela AT, anular parcialmente aquela liquidação, na parte correspondente ao valor dos encargos que devem acrescer ao valor de aquisição do prédio alienado (€3.180,83);

b) Condenar a Requerida na devolução do imposto indevidamente pago, por força da liquidação parcialmente anulada acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados.

c) Condenar os Requerentes e a Requerida nas custas do processo, na proporção de 21,13% e 78,87%, respetivamente, face ao decaimento

 

Fixa-se o valor do processo em €8.955,44 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n. º1 do artigo 29.º do RJAT e do n. º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelos Requerentes (21,13%) e pela Requerida (78,87%), nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. A fixação da proporção das custas a pagar por cada parte teve em conta os valores anulados pela AT depois de constituído o tribunal arbitral, sendo por isso da sua responsabilidade, e os valores decorrentes do ganho de causa apreciados nesta decisão arbitral.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de agosto de 2023  

O Árbitro

 

_________________________________

(André Festas da Silva)

 

 



[1] Neste sentido Cf. Jorge Lopes de Sousa, Comentários ao RJAT, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2017, pág. 173 e 174

[2] Cf. Decisão arbitral do CAAD n. º8/2021 de 15.01.2022

[3] Cf. Decisão Arbitral do CAAD n.º 129/2015 de 30.09.2015

[4] No mesmo sentido sobre elementos encastrados cf. decisão arbitral do CAAD n.º 154/2019 de 02.12.2019

[5] Neste sentido Cf. Decisão Arbitral n.º 481/2020 de 31.05.2021.

[6] Neste sentido Cf. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade da Administração Tributária por actos Ilegais, Áreas Editora, 2010, págs. 49 e 50