Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 627/2022-T
Data da decisão: 2023-08-31  IMT  
Valor do pedido: € 51.891,41
Tema: IMT – Litispendência
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

  1. A litispendência, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui exceção dilatória, que tem por objetivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior.
  2. A litispendência só ocorrerá se, cumulativamente, nas ações em apreciação, intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas ações, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.


***

Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 02-01-2023, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.

 

1. RELATÓRIO

A..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede na ..., n.º ..., ...‐..., Lisboa (doravante, abreviadamente designado de “Requerente”), veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido em 7 de Setembro de 2022, pela Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, referente  ao processo n.º ...2022..., e a consequente anulação dos actos tributários de liquidação de IMT emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que lhe estão subjacentes, com os nºs....; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ..., no montante global de € 51.891,41.

A Requerente, no requerimento de pronúncia arbitral, peticiona o seguinte:

“a) Seja declarada a ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente ao processo n.º ...2022..., e, consequentemente, dos actos tributários de liquidação de IMT sub judice, emitidos pela AT, procedendo‐se à anulação dos mesmos, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do IMT pago relativamente às liquidações de IMT sub judice, no valor de   € 51.891,41, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.”

 É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20-10-2022 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 26-10-2022.

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.

Em 13-12-2022 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 02-01-2023.

A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 05-01-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

Em 08-02-2023, a Requerida, apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se defendeu por exceção, tendo invocado as exceções do caso julgado e da litispendência, e tendo pugnado pela improcedência e consequente absolvição do pedido. Com a sua resposta a Requerida remeteu também ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo e juntou um documento que constitui cópia da decisão proferida em 12-12-2022, no âmbito do processo arbitral nº 271/2022-T.

Por despacho de 10-02-2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, e a notificação da Requerente para, em sede de alegações, exercer o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela AT na sua Resposta.

Em 27-02-2023, a Requerente requereu a prorrogação, pelo período de 8 dias do prazo, para apresentar alegações, o que foi deferido por despacho de 28-02-2023.

Em 24-03-2023, a AT apresentou alegações escritas, nas quais reiterou a posição anteriormente assumida no respetiva resposta.

A Requerente não apresentou alegações escritas.

Por despacho de 28-03-2023, foi determinada a notificação da Requerente para juntar aos autos cópia do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo arbitral n.º 271/2022, bem como para informar se interpôs recurso ou apresentou pedido de impugnação da decisão proferida naquele processo em 12-12-2022.

Em 05-04-2023, a Requerente juntou aos autos cópia do pedido de pronúncia arbitral que esteve na origem do processo n.º 271/2022, bem como cópia do requerimento de interposição de recurso apresentado em 27.01.2023 junto do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 10/23.0BALSB).

Por despacho de 30-06-2023, foi determinada a notificação da Requerente para informar os autos se a decisão proferida em 12-12-2022, no âmbito do processo arbitral n.º 271/2022-T, já transitou em julgado, e para em caso afirmativo, juntar aos autos cópia da decisão proferida no âmbito do recurso que interpôs. Nesse mesmo despacho determinou-se a prorrogação, pelo período de dois meses, do prazo para ser proferida a decisão arbitral, tendo sido designada para o efeito a data de 01-09-2023.

Por requerimento de 05-07-2023, a Requerente informou os autos que o recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 271/2022-T, ainda corre termos no Supremo Tribunal Administrativo.

 

2. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

A Requerida invocou as exceções do caso julgado e da litispendência, que obstam ao conhecimento de mérito e de que cumpre conhecer adiante.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. MATÉRIA DE FACTO

3. 1.1. Factos provados

Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade própria das instituições de crédito, a que corresponde o código CAE 64190, sendo considerada “contribuinte de elevada relevância económica e fiscal”, na aceção prevista no artigo 68º-B da Lei Geral Tributária [cfr. P.A.[1]].
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente adquiriu, no âmbito de processos de insolvência de diversas entidades, agindo na qualidade de credor das mesmas, os bens imóveis, identificados em cada uma das seguintes liquidações aqui impugnadas [cfr. documentos n.sº 2 e 3, juntos à P.I.[2]. e P.A.]:

 

  1. As aquisições dos bens imóveis identificados em B), beneficiaram à data da respetiva aquisição, da isenção de IMT prevista no artigo 8.º, nº 1 do CIMT [cfr. documento nº. 3, junto à P.I. e P.A.].
  2. Os imóveis identificados em B) não foram alienados pela Requerente no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição [cfr. documentos nº. 1 e 2, juntos à P.I. e P.A.].
  3. Decorrido o prazo de 5 anos sem ter ocorrido a alienação dos imóveis identificados em A), a Requerente no decurso do ano de 2022, solicitou à AT o pagamento do IMT alegadamente devido, relativamente aos mencionados imóveis, tendo, para o efeito, apresentado novas declarações Modelo 1 de IMT, que geraram as seguintes liquidações de IMT, cuja anulação é peticionada nestes autos [cfr. documentos nº. 1 e 2, juntos à P.I. e P.A.]:
  1. Liquidação n.º ..., de 07-01-2022, no valor de € 6.207,88 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 10-01-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição da fração autónoma “F” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa;
  2. Liquidação n.º ..., de 07-01-2022, no valor de € 4.114,50 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 10-01-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição das frações autónomas, inscritas na respetiva matriz sob os artigos U-...-M e U-...-Q, ambas da união de freguesias de..., ... e ..., concelho de Montemor-o-Novo;
  3. Liquidação n.º..., de 07-01-2022, no valor de € 5.408,00 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 10-01-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição das frações autónomas, inscritas na respetiva matriz sob os artigos U-...-N e U-...-R, ambas da união de freguesias de ..., ... concelho de Montemor-o-Novo;
  4. Liquidação n.º ..., de 02-02-2022, no valor de € 9.041,50 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 03-02-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição da fração autónoma “A” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da freguesia de ..., concelho de Amadora;
  5. Liquidação n.º..., de 02-03-2022, no valor de € 19.904,64 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 03-03-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição das frações autónomas, inscritas na respetiva matriz sob os artigos U-...-B, U-...-A e U...-B, todas da freguesia de..., concelho de Coimbra;
  6. Liquidação n.º..., de 28-02-2022, no valor de € 6.405,94 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 01-03-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo U-..., e do prédio rústico, inscrito na respetiva matriz sob o artigo R-..., ambos da união de freguesias de ... e ..., concelho de Proença-a-Nova;
  7.  Liquidação n.º ..., de 17-01-2022, no valor de € 214,50 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 18-01-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição de ½ da fração autónoma “D” do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da união de freguesias de ... e..., concelho de Vila Nova de Gaia;
  8. Liquidação n.º ..., de 02-03-2022, no valor de € 350,70 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 03-03-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ..., concelho de Torre de Moncorvo;
  9. Liquidação n.º ..., de 14-01-2022, no valor de € 243,75 (DUC...), com data limite de pagamento voluntário em 17-01-2022, com origem na Declaração/Mod. 1 n.º 2022/..., relativa à aquisição de 360/1000 do prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., da união de freguesias de ... (...) e..., concelho de Tomar.
  1. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMT aqui impugnadas, melhor identificadas em E) [admitido por acordo das partes: Cf. 35º da PI, confirmado pela Requerida em 26º da resposta].
  2. Em 04-05-2022, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMT aqui impugnados, melhor identificadas em E), a que foi atribuído o n.º de processo ...2022... [cfr. documento nº. 1, junto à P.I. e P.A.].
  3. Por despacho datado de 07-09-2022, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Justiça Tributária, junto da UGC-UNID.GRANDES CONTRIBUINTES, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, nos termos e pelos fundamentos que constam detalhados no documento nº 1 junto com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido, para todos os efeitos legais [cfr. documento nº. 1, junto à P.I. e P.A.].
  4. A Requerente foi notificada do referido despacho de indeferimento, por notificação “Via CTT”, concretizada em 26/09/2022 [admitido por acordo das partes].
  5. Em 19-10-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
  6. No âmbito do presente processo, a Requerida, através de despacho proferido em 05-01-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
  7. Em 20-04-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo n.º271/2022-T [cfr. documento nº. 1, junto pela Requerente em 05-04-2023 e documento junto pela Requerida com a sua Resposta].
  8. O processo arbitral n.º271/2022-T, tem por objeto a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) com os nºs...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ... emitidos pela AT, no montante total de 51.891,41 [cfr. documento nº. 1, junto pela Requerente em 05-04-2023 e documento junto pela Requerida com a sua Resposta].
  9. A Requerente no processo arbitral n.º271/2022-T, peticiona que [cfr. documento nº. 1, junto pela Requerente em 05-04-2023 e documento junto pela Requerida com a sua Resposta]:

“a) Seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMT sub judice, emitidos pela AT, procedendo‐se, consequentemente, à anulação dos mesmos, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do IMT pago relativamente às liquidações sub judice, no valor de € 51.891,41, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.”

  1. A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 29.06.2022, no âmbito do processo n.º271/2022-T, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT [cfr. documento junto pela Requerida com a sua Resposta].
  2. Em 12-12-2022 foi proferida decisão no âmbito do processo arbitral n.º271/2022-T, que julgou “totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IMT impugnadas e supra identificadas, no montante total de € 51.891,41 e, em consequência, não conhecer do pedido relativo aos juros indemnizatórios” [cfr. documento junto pela Requerida com a sua Resposta].
  3. Em 27-01-2023, a Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida processo arbitral n.º271/2022-T, nos termos do processo n.º 10/23.0BALSB, que aguarda ainda decisão [cfr. documento nº. 2, junto pela Requerente em 05-04-2023 e requerimento da Requerente de 05-07-2023].

 

3.1.2. Factos considerados não provados

Não foram considerados como não provados nenhum dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.

 

3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.

Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelo Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

3.2. MATÉRIA DE DIREITO

3.2.1. Exceção da litispendência

A Requerida, na sua Resposta invocou as exceções dilatórias do caso julgado e da litispendência, tendo alegado para fundamentar as exceções que invoca, o seguinte:

“Vem o Requerente, ao abrigo do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo por objeto a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2022..., apresentado contra os atos tributários de liquidação de IMT, no valor total de € 51.891,41 (melhor identificados no ponto 1.º da presente Resposta), tendo sido instaurado com o n.º 627/2022-T CAAD.

Em 18-04-2022, o ora Requerente veio também, ao abrigo do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo por objeto imediato os mesmos atos de liquidação de IMT, no valor total de € 51.891,41, tendo sido instaurado com o n.º 271/2022-T CAAD.

Daqui decorre que, correram no Centro de Arbitragem Administrativa dois pedidos de pronúncia arbitral (Processo 271/2022-T e os presentes autos, 627/2022-T), propostos pelo ora Requerente contra a aqui Requerida.

No Proc. 271/2022-T a causa de pedir é a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT, melhor identificados no ponto 1.º da presente peça, referentes a 2022 e o pedido formulado reconduz-se à declaração dessa ilegalidade com a respetiva anulação.

No presente processo 627/2022-T a causa de pedir invocada é a ilegalidade da decisão de indeferimento da Revisão Oficiosa n.º ...2022..., sendo o pedido o de anulação do ato que decidiu a Revisão Oficiosa, bem como a respetiva anulação dos atos de liquidação de IMT, melhor identificados no ponto 1.º da presente Resposta, que constituem o seu objeto.

Como se pode verificar a partir do confronto das duas petições iniciais, são ações idênticas quanto aos sujeitos quanto ao pedido e quanto à causa de pedir, pois é manifesto que a pretensão material subjacente num e noutro processo é a mesma: a anulação das liquidações de IMT, referentes ao ano de 2022, e muito embora no pedido do processo 627/2022-T, o Requerente refira na PI impugnar a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de 07-09-2022, a verdade é que não alega em qualquer momento causas de invalidades própria do despacho que a indeferiu.

Ao contrário, apenas vem invocar causas de invalidade dos atos de liquidação também já objeto de impugnação no processo 271/2022-T, sendo ambos os pedidos em tudo idênticos.

O pedido de anulação dos atos tributários de liquidação, foi julgado improcedente, mantendo-se, em consequência as liquidações impugnadas na ordem jurídica, no âmbito do processo arbitral n.º 271/2022, que se presume transitado em julgado, devendo para efeitos da sua apreciação o Tribunal Arbitral notificar o requerente para vir aos autos apresentar cópia do pedido de pronúncia arbitral, bem como informar se apresentou impugnação ou recurso da decisão proferida naquele processo, o que aqui se requer.

Termos em que, ocorre a exceção de caso julgado prevista na al. l), do nº4, do art. 89º do CPTA, ex vi art. 29.º RJAT, o que obsta ao conhecimento do mérito e conduz à absolvição da AT da instância. Ainda que assim não se entenda, DA LITISPENDÊNCIA,

De harmonia com o disposto nos art.ºs 580.º e 581.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, há litispendência quando se repete uma causa e repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Há identidade de sujeitos, porquanto “as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (art.º 581.º, n.º 2 do CPC), na medida em que nas duas ações o Requerente é o A..., SA e a Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), assumindo, pois, as mesmas qualidades jurídicas.

Há também identidade de pedido nos termos do disposto no art.º 581.º, n.º 3 do CPC, pois nas duas causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico, uma vez que a pretensão formulada em ambas as ações é a anulação das liquidações do IMT, melhor identificadas supra. .

Há identidade de causa de pedir no processo 271/2022-T com a dos presentes autos, uma vez que a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (sendo nas ações constitutivas e de anulação o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido).

 Ora de acordo com o disposto nos art.ºs 580.º e 581.º do CPC, verifica-se uma situação de litispendência, determinante da extinção da instância nos presentes autos, ação instaurada em segundo lugar, quando se propõe uma ação idêntica a outra ainda pendente quanto aos sujeitos, aos pedidos e à causa de pedir.

Desta forma, a exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa estando a anterior ainda em curso tendo por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, pelo que a mesma determina que a Requerida seja absolvida da instância no segundo processo.

A jurisprudência tem vindo a ter o entendimento de que não obsta à verificação da exceção de litispendência o facto de uma impugnação seja formalmente dirigida ao ato de indeferimento da revisão oficiosa e a outra diretamente dirigida ao ato de liquidação, se os pedidos e as causas de pedir são substancialmente idênticos e nenhum vício próprio é imputado ao ato de indeferimento. A título exemplificativo invoca-se o acórdão do STA de 22-02-2017, proferido no processo n.º 0874/15.(…)

Face ao exposto, deve julgar-se verificada a exceção de litispendência e, em consequência, a absolvição da AT da instância.

A Requerente, devidamente notificada através do despacho proferido em 10-02-2023, para exercer o contraditório quanto à matéria de exceção invocada pela Requerida, nada disse.

Cumpre apreciar.

Determina o artigo 581.º do Código de Processo Civil (“CPC”), sob a epígrafe “Requisitos da litispendência e do caso julgado”, o seguinte:

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

A litispendência, constitui exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da presente instância, nos termos do disposto nos artigos 576º, nº. 2, 577º, alínea i), e 578º, todos do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi, alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

A exceção dilatória da litispendência, trata-se de um pressuposto processual que visa impedir a repetição de uma causa anterior que está em curso e evitar, dessa forma, que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Para que se constate este pressuposto são exigidas três condições, que implicam uma tripla identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. 577.º, alínea i), 580.º e 581.º do CPC, aplicáveis por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas ações.

Há identidade de pedido, quando em ambas as causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico. A identidade dos pedidos é perspetivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.

Há identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as ações emergem do mesmo facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas, entendendo-se que nas ações de anulação é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido.

Como se consignou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/10/2010, recurso n.º 00292/08.7BEPNF, “ocorre a exceção de litispendência quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto e fundado na mesma causa de pedir”.

Descendo ao caso concreto dos autos, é incontroverso que entre o processo arbitral nº 271/2022-T e os presentes autos ocorre a identidade de sujeitos, pois em ambos os processos o Requerente é o A..., S.A. e a Requerida é a AT.

Vejamos agora se também se verifica identidade de pedido e de causa de pedir.

Confrontando o teor das petições iniciais apresentadas pela Requerente neste e no processo arbitral nº 271/2022-T, constata-se que o objeto mediato é sempre a anulação das liquidações de IMT com os nºs....; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ..., no montante global de € 51.891,41.

Confrontando o teor das petições iniciais apresentadas pela Requerente neste e no processo arbitral nº 271/2022-T, constata-se também que a causa de pedir - erro nos pressupostos de facto e de direito, por, na tese da Requerente as operações de aquisição dos imóveis subjacentes às liquidações se encontrarem abrangidas pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE - é a mesma, já que as petições são fundamentalmente idênticas, no que respeita aos factos que servem de fundamento ao pedido de mérito (Cfr. confronto entre os artigos 30º a 45º da PI apresentada neste processo, e os artigos 10º a 20º da PI apresentada no âmbito do processo arbitral nº 271/2022-T).

Analisemos então se existe identidade de pedido.

A Requerente no processo arbitral nº 271/2022-T, peticiona que:

a) Seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMT sub judice, emitidos pela AT, procedendo‐se, consequentemente, à anulação dos mesmos, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do IMT pago relativamente às liquidações sub judice, no valor de € 51.891,41, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.”

Neste processo a Requerente peticiona que:

a) Seja declarada a ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente ao processo n.º ...2022..., e, consequentemente, dos actos tributários de liquidação de IMT sub judice, emitidos pela AT, procedendo‐se à anulação dos mesmos, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;

b) Seja a AT condenada a reembolsar o Requerente do valor do IMT pago relativamente às liquidações de IMT sub judice, no valor de   € 51.891,41, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.”

Pese embora, formalmente, os pedidos sejam distintos, ambos têm o mesmo fundamento e em ambos os processos a Requerente pretende obter o mesmo efeito prático jurídico, i.e. a anulabilidade dos actos de liquidação de IMT com os nº. ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ...; ..., no montante global de € 51.891,41.

Como referem ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado”, volume I, pág. 661 “A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões”.

Como também refere ANSELMO DE CASTRO, in “Direito Processual Declaratório”, volume I, pág. 203 “A identidade de pedidos é aferida pelo efeito prático que se pretende obter e não pelo efeito jurídico tal como é formulado, designadamente a qualificação jurídica que dá à sua pretensão”

Sendo que a nível jurisprudencial, a jurisprudência tem vindo a acolher o entendimento de que não obsta à verificação da exceção de litispendência o facto de uma impugnação ser formalmente dirigida ao ato de indeferimento da revisão oficiosa e a outra diretamente dirigida ao ato de liquidação, se os pedidos e as causas de pedir são substancialmente idênticos e nenhum vício próprio é imputado ao ato de indeferimento (Cfr. a título exemplificativo, Acórdão do STA de 22-02-2017, proferido no processo n.º 0874/15) .

Em face do exposto, impõe-se concluir que se verifica no caso em apreço, a exceção da litispendência, uma vez que ocorre identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, verificando-se preenchidos os requisitos previstos na norma do artigo 581.º do CPC.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 582.º do Código de Processo Civil “A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar”, referindo o nº 2 do mesmo normativo que a ação proposta em segundo lugar é aquela em que o réu foi citado posteriormente.

A propósito do processo em que deve ser deduzida a litispendência, citamos JORGE LOPES de SOUSA (2017), in “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, In Guia da Arbitragem Tributária – Coord. de Nuno Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira Almedina, págs. 146 e 147, que refere que:

 “ Este regime carece de adaptação, na sua aplicação subsidiária ao RJAT, pois há dois momentos iniciais em que é chamado ao processo o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária: uma, nos termos do artigo 13º, nº1 do RJAT, dando-lhe conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, para apreciar se deve revogar, ratificar, reformar ou converter o ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada; outra, nos termos do artigo 17º, nº1, do RJAT, para apresentação de resposta ao pedido de pronúncia arbitral.

O momento que se deve considerar como equivalente à citação no processo civil, para efeitos do referido artigo 582º do CPC, será o deste artigo 17º, pois na situação prevista no artigo 13º, nº.1, do RJAT não se prevê que seja dado ao dirigente máximo do serviço conhecimento do conteúdo do pedido de pronúncia arbitral, mas apenas do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, com identificação do ato cuja declaração de ilegalidade é pedida.”

No caso em apreço, resultou provado que o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária foi notificado para apresentar resposta ao pedido de pronúncia arbitral deduzido no processo nº 271/2022-T, em 29-06-2022 (cfr. ponto N) dos factos provados) e no presente processo, foi notificado para o mesmo efeito, em 05-01-2023 (cfr. ponto K) dos factos provados).

Da factualidade provada, resulta assim que Requerida foi notificada para responder no presente processo, posteriormente a ter sido notificada no âmbito do processo nº 271/2022-T, de onde resulta que a exceção da litispendência deve ser deduzida, como o foi, na presente ação, por se tratar da ação proposta em segundo lugar.

Termos em que se julga procedente a invocada exceção da litispendência e se determina a absolvição da Requerida desta instância arbitral, nos termos do disposto no artigo 278º, nº 1, alínea e) do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

3.2.2. Questões de conhecimento prejudicado

Procedendo a exceção da litispendência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, impõe-se a sua absolvição da instância, pelo que fica prejudicado o conhecimento do mérito e das demais questões suscitadas neste processo (artigo 608º, n.º 2 do CPC).

 

4. DECISÃO

Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente a invocada exceção da litispendência, e consequentemente absolver a Requerida desta instância arbitral.
  2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.

 

5. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 51.891,41 (cinquenta e um mil oitocentos e noventa e um euros e quarenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

6. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa, 31 de agosto de 2023

O Árbitro

 

(Carla Almeida Cruz)



[1] Processo administrativo junto aos autos.

[2] Petição inicial da Requerente.