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SUMÁRIO:
I – O conceito de habitação própria permanente não se confunde com o de domicílio fiscal.
II – As mais-valias imobiliárias não são tributadas por força do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS se o sujeito passivo provou que o imóvel alienado correspondente à sua habitação própria permanente, ainda que aquele não seja o local do seu domicílio fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, João Marques Pinto e António Alberto Franco, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., NIF ..., residente na rua ..., anteriormente sita na rua..., n.º..., Porto Covo, ...-... Sines (“Requerente”), apresentou, em 7 de Dezembro de 2022, pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“PPA”), ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IRS e respectivos juros referentes ao exercício de 2020, emitidos na sequência da liquidação oficiosa n.º 2022... e em consequência a anulação da demonstração de acerto de contas com o n.º 2022... referente a juros compensatórios, no montante total de € 72.221,87, com a consequente extinção dos respectivos processos de execução fiscal já instaurados ou a instaurar.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 17 de Outubro de 2022 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 9 de Dezembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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Entre 30 de Outubro de 2018 e 30 de Março de 2020, a Requerente teve domicílio fiscal declarado no Imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., Carcavelos;
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Em 12 de Setembro de 2018, a Requerente celebrou um contrato-promessa, no qual prometeu vender o imóvel sito na Rua ..., n.º ..., anteriormente sito em ..., na Rua..., União de Freguesias ... e..., concelho de Mafra, cujo contrato definitivo foi celebrado em 30 de Março de 2020;
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Por lapso, a Requerente não alterou a morada fiscal para este último imóvel nas declarações de IRS dos anos de 2019 e 2020;
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Contudo, a Requerente manteve sempre o seu centro de interesses vitais na morada de ...;
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Tomando conhecimento da divergência entre o domicílio fiscal (...) e a habitação própria e permanente (...), a Requerente actuou de imediato no sentido de alterar o seu domicílio fiscal, para fazer prova, nos termos da alínea a), do n.º 13, do artigo 13.º do CIRS de que a sua habitação própria e permanente era localizada noutro imóvel, que não aquele em que se encontrava o domicílio fiscal;
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Por causa da pandemia da Covid-19, a Requerente só conseguiu agendar marcação para alteração da morada em 9 Dezembro de 2021 e só conseguiu concretizar a alteração em 2 de Fevereiro de 2022;
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Como a Requerente tinha o seu centro de interesses vitais na morada de Mafra, requereu a alteração da morada fiscal com efeitos retroactivos a Junho de 2019;
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A Requerente passou o seu domicílio para a morada do seu cônjuge porque tinha expectativa que com a celebração do contrato-promessa o imóvel fosse vendido de forma célere, o que não sucedeu;
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Não obstante, a Requerente continuou a residir de forma habitual e permanente no imóvel de ..., pois era aí que tinha a sua vida pessoal e profissional, tendo aí residido desde 1 de Junho de 2019 a 30 de Março de 2020, o que engloba mais de 183 dias para efeitos de residência naquele imóvel, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 16.º do CIRS;
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A “habitação própria permanente” é um conceito cuja interpretação não deve restringir-se à letra da lei (artigo 13.º do CIRS), existindo determinadas condições (físicas, jurídicas e sociais) que comprovam que a habitação própria permanente cabe à morada de ...;
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A habitação própria permanente pode ser provada por meio de condições físicas, como é a propriedade do imóvel e as coisas móveis presentes no mesmo, como a mobília;
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A habitação própria permanente pode ser provada por meio de condições jurídicas, na medida em que existem contratos (de electricidade, gás e água, bem como um contrato de mútuo bancário e de prestação de serviços de empregada doméstica) respeitantes a esta habitação;
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Era naquela morada que a sociedade B..., LDA tinha a sua sede, cuja gerência cabe à Requerente;
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Era nessa morada que a Requerente recebia os recibos de pagamento relativos a contratos de seguros de vida e automóvel;
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Era nessa morada que a Requerente recebia as facturas mensais da “... empresas” relativas a serviço de internet, remetidas à sociedade;
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A habitação própria permanente pode ser provada por meio de condições sociais, já que a Requerente morava na habitação com as suas filhas, que aí permaneceram, no caso da filha C..., até à celebração pela mesma, enquanto compradora, do contrato definitivo de compra e venda da habitação;
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A habitação própria permanente pode ser provada por meio de mais condições sociais, já que é notório o contínuo contacto com a vizinhança, atestando a presença da Requerente na morada de ..., salientando-se ainda que a Requerente tinha a sua clínica média situada nas proximidades (localidade da Malveira), onde desempenhava a sua actividade profissional, concentrando nesse perímetro a sua clientela;
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A habitação sita em ... permaneceu única e exclusivamente como propriedade do seu marido, cabendo ao mesmo todos os encargos associados;
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A Requerente dispõe ainda de atestado de residência emitido pelo presidente da junta da União das Freguesias ..., ... e ... que declara que esta “residiu na...– Rua do ..., n.º ..., ...-..., ... no período de 01 de junho de 2019 a 30 de março de 2020”;
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Com o valor da alienação do imóvel afecto à habitação própria permanente a Requerente tencionava financiar o reinvestimento na aquisição de outra habitação com o mesmo destino, expectando a exclusão de tributação do reinvestimento, nos termos da alínea a), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS;
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O reinvestimento ocorreu em 2020, cumprindo o prazo estipulado pela alínea b), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS;
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A Requerente cumpriu o requisito da alínea c), do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS, na medida em que declarou o montante associado ao reinvestimento na declaração de rendimentos de 2020, conforme o Modelo 3 – Anexo G do IRS, relativo ao ano de 2020;
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O regime de isenção da tributação de mais-valias previsto no n.º 5, do artigo 10.º do CIRS refere-se à habitação própria permanente e não ao domicílio fiscal, pelo que se encontravam reunidas as condições para a Requerente gozar daquele regime;
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Por conseguinte, a AT actuou em desconformidade com os princípios a que se encontra sujeita, nos termos do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), nomeadamente aos princípios da legalidade, com subordinação à Constituição e à lei, respeitando os direitos e interesses legítimos dos cidadãos e da boa-fé e da colaboração entre a Administração e os contribuintes, assente nos artigos 56.º da LGT e 49.º do CPPT e do próprio artigo 19.º, n.º 1 da LGT;
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Entende a Requerente que a interpretação que a AT faz do supramencionado artigo do CIRS, encontra-se manifestamente em violação da disposição do artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, n.º 1 da LGT;
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Na circunstância do CIRS ser omisso no que respeita à necessidade de o sujeito passivo ter o seu domicílio fiscal na sua habitação própria permanente, tal apenas pode significar que o mesmo não é absolutamente necessário;
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Assim se entende, porquanto que essa correspondência poderá ser efectivamente necessária para outros efeitos, em casos em que o legislador tenha expressamente determinado essa imposição, tal como é o caso da isenção do IMI constante no artigo 46.º do EBF, no qual se exige, como condição necessária à aplicação daquela isenção, que o sujeito passivo tenha o seu domicílio fiscal na sua habitação própria permanente;
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E é por todos os factos apresentados que a Requerente não pode conformar-se com a liquidação efectuada pela AT, em expressa violação das disposições do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, assim como o princípio da legalidade, assente nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, i) da CRP e o artigo 8.º da LGT e ainda do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente previsto no artigo 46.º do CPPT.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 20 de Fevereiro de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
6. Em 24 de Março de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta, tendo-se defendido por impugnação e requerido a sua absolvição do pedido, com base nos seguintes argumentos:
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O regime previsto no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, admite a exclusão de tributação dos ganhos decorrentes da alienação onerosa de imóvel, se o mesmo corresponder ao da habitação própria e permanente e a aquisição onde se concretize o reinvestimento, total ou parcial, do valor de realização visar o mesmo fim;
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O fim visado pelo legislador na elaboração deste regime de exclusão de tributação dos ganhos a enquadrar na categoria G, foi o da protecção da casa de família, enquanto centro de interesses do sujeito passivo e/ou do seu agregado, razão pela qual o cumprimento da totalidade dos requisitos legalmente previstos para a efectivação deste regime se mostra ainda mais relevante;
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O elemento determinante da exclusão de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS é que, quer o imóvel alienado, quer o imóvel adquirido (objecto de reinvestimento), tenham um mesmo destino – o qual é, precisamente, de neles se instalar e ter estado instalado – o local de habitação própria e permanente dos sujeitos passivos;
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Segundo os registos constantes do sistema informático da AT, o domicílio fiscal, quer da ora Requerente, quer do seu cônjuge, à data da alienação do imóvel cuja venda originou mais-valias, ocorrida em 30.03.2020, encontrava-se fixado na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., concelho de Cascais;
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Se a obrigação de comunicação de mudança de domicílio se esgotasse para efeitos de notificação dos sujeitos passivos, bastaria a previsão constante do artigo 43.º, n.º 1 do CPPT, podendo-se então indagar qual a razão da cominação da obrigatoriedade plasmada no artigo 19.º, n.º 3 da LGT, se para tal desiderato já existia norma no ordenamento jurídico-tributário português, pelo que nestas circunstâncias, o dito n.º 3 do artigo 19.º da LGT seria completamento despiciendo;
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O que, consequentemente, colidiria frontalmente com a cominação imperativa, derivada do termo “obrigatória”, da mesma constante, colidindo igualmente com a parte final no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil (CC);
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Se o regime de exclusão ora em ponderação não se destina a beneficiar os contribuintes quando estes aufiram rendimentos decorrentes da alienação de um bem imóvel e sim o de facilitar e assegurar a habitação própria e permanente dos agregados (não as diversas habitações passíveis de serem utilizadas pelos agregados);
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Por outro lado, uma vez que se não pode exigir à AT o conhecimento da situação pessoal dos contribuintes a cada momento da sua vivência, o artigo 19.º da LGT presume que o domicílio fiscal comunicado coincide com o da residência onde é fixado o centro de interesses do sujeito passivo e/ou seu agregado;
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O que decorre igualmente do artigo 13.º, n.ºs 10 e 12 do CIRS, embora aí o legislador admita poder ser apresentada prova de que a habitação própria e permanente se encontra situada em morada distinta da que foi dada a conhecer aos serviços, desde que o ónus da prova seja cumprido em conformidade com o disposto no artigo 74.º da LGT;
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No PPA a Requerente faz referência à propriedade e à existência de bens móveis, o que não prova que o domicílio fiscal à data não correspondia à habitação própria e permanente;
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As cópias das facturas relativas a consumo de água e gás e electricidade, efectuados no local correspondente ao endereço do imóvel alienado, apenas provam que foram feitos consumos no imóvel alienado, o que não demonstra que a Requerente tinha ali a sua residência habitual, podendo residir ali ocasionalmente ou em concurso com outros locais, máxime, aquele que tinha declarado aos serviços tributários como o correspondente ao seu domicílio fiscal;
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As facturas referentes ao consumo de água, não se encontram emitidas nem em nome da Requerente, nem em nome do seu cônjuge, o que mais as torna insusceptíveis de demonstrar a tese da ora Requerente quanto ao local da sua habitação própria e permanente em Março de 2020, altura da alienação do imóvel geradora de mais-valias;
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O contrato de mútuo relativo ao imóvel sito em ... indicia apenas que foi que foi facultada à Requerente uma determinada quantia tendo em vista a aquisição de um imóvel, mas nada demonstram quanto à sua afectação a local de habitação própria e permanente da Requerente;
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Embora os extractos bancários se reportem a movimentos compreendidos entre Junho de 2019 e o início de Março de 2020, mês em que ocorreu a venda do imóvel sito em ..., Mafra, a morada que consta dos mesmos é Rua..., n.º ..., ..., ...-... Carcavelos, coincidente com a existente como tal, à data, nos registos informáticos da AT;
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A Requerente também não demonstrou que celebrou um contrato de prestação de serviços concernentes ao desempenho de tarefas domésticas, nem onde estavam a ser prestados esses serviços, mas apenas que efectuou pagamentos, que não demonstram onde se encontrava instalada a habitação própria e permanente da Requerente;
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Quanto à sociedade B..., Unipessoal, Lda., cumpre referir que esta e a Requerente são pessoas jurídicas diferentes, e que da certidão permanente consta como local da sede da sociedade a Rua ..., n.º ... ...-... Malveira, o que coincide com os registos no sistema informático da AT, mas que evidentemente não colhe como passível de provar o local de habitação própria e permanente da Requerente no imóvel alienado;
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Refere ainda a Requerente que devido à pandemia de Covid- 19, não lhe foi possível proceder à alteração da morada fiscal para o imóvel de cuja alienação resultaram mais-valias, contudo, o que se verifica é que a Requerente procedeu, em 02.12.2020, em plena pandemia, à alteração do seu domicílio fiscal da Rua do ..., nº ..., ..., ...-... Carcavelos, para a Rua ..., n.º ..., ..., ...- ...Porto Covo;
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O atestado de residência emitido pelo presidente da União de freguesias de ..., ... e ... é um documento sem qualquer indagação por parte da entidade emitente quanto à veracidade dos factos e as exactas datas que refere, não provando a habitação própria permanente;
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Acresce ainda o facto de que à data da venda do imóvel gerador de mais-valias, o cônjuge da Requerente, tinha e ainda tal sucedia aquando do PPA, o seu domicílio fiscal, tal como a Requerente à data da alienação do imóvel em questão, na Rua do ..., n.º ..., ..., ...-... Carcavelos, pelo que se não entende como, em termos fiscais, encontrando-se no estado de casados, coabitam em Carcavelos (cfr. Artigo 1672.º Código Civil) e possuem aí a sua morada fiscal, mas afinal a Requerente, de acordo com o que declarou na Junta de Freguesia, naquelas precisas datas constantes do atestado, residia em ...;
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Não se entende também a razão pela qual, para efeitos de outorga da escritura da venda do imóvel sito em..., efectuada em 30.03.2020, foi pela Requerente declarado que a sua residência era na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Carcavelos, coincidente assim com o local de residência do cônjuge e o constante dos registos informáticos da AT;
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Quanto ao pedido de retroactividade de alteração de morada de 01.06.2019 a 30.03.2019, para a Rua ..., n.º ..., ..., concelho de Mafra, onde se situa o imóvel alienado e gerador de mais-valias, consultado que foi o processo administrativo, foi a Requerente notificada pelos ofícios n.ºs ... e ... do Serviço de Finanças de Cascais ...– Carcavelos, do indeferimento deste acto administrativo em matéria tributária, não cabendo, nos termos do artigo 2.º do RJAT, competência ao tribunal arbitral para a sua apreciação.
7. Em 16 de Fevereiro de 2023, foi proferido despacho a designar o dia 8 de Março de 2023, pelas 10:30 horas, para efeitos de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. A referida reunião realizou-se naquela data, tendo sido inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente.
8. Em 27 de Março de 2023, a Requerida apresentou alegações finais, onde reforçou os argumentos anteriormente apresentados, pronunciando-se ainda sobre a prova testemunhal produzida nos autos. Em 11 de Abril de 2023, a Requerente apresentou alegações finais, onde manteve na íntegra o teor do PPA, tendo-se ainda pronunciado sobre a prova testemunhal produzida nos autos.
9. Em 26 de Junho de 2023, foi prorrogado o prazo de arbitragem por dois meses, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.
II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos do artigo 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
11. No que respeita à competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, invocou a Requerida na sua resposta, ainda que sem sustentar expressamente a procedência de qualquer excepção, que o Tribunal não tinha competência para apreciar a legalidade do indeferimento do acto administrativo de alteração retroactiva de morada deduzido pela Requerente.
12. Sucede que não é aquele acto que conforma o objecto do pedido formulado pela Requerente. No PPA a Requerente identificou de forma inteligível que o seu pedido “tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de IRS 2020 e respetivos juros a seguir identificados, emitidos na sequência de uma inspecção oficiosa do exercício de 2020”, mas referido a Requerente que “os atos de liquidação de IRS ora impugnados são os seguintes: Liquidação oficiosa do exercício de 2020 com o número 2022...- no montante de € 72.221,87 (setenta e dois mil, duzentos e vinte um euros e oitenta e sete cêntimos); e em consequência da referida anulação as demonstrações de acerto de contas com o número 2022... referente a Juros Compensatórios. Com o montante total de € 72.221,87 (setenta e dois mil, duzentos e vinte e um euros e oitenta e sete cêntimos), incluindo juros no montante de € 1.293,44 (mil duzentos e noventa e três euros e quarenta e quatro cêntimos), conforme Documento n.º 1, que se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”.
13. Por conseguinte, ao não ser o acto de indeferimento do pedido de alteração retroactiva de morada deduzido pela Requerente o objecto do presente PPA, improcede desde logo a excepção de incompetência invocada pela Requerida.
14. Sendo certo que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar a legalidade de actos de liquidação tributos que se insiram no âmbito de vinculação da AT à jurisprudência arbitral, nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O que significa que é competente para apreciar a legalidade dos actos de liquidação ora contestados.
15. O mesmo já não sucede com o pedido de “extinção dos (…) Processo de Execução Fiscal instaurados ou a instaurar” deduzido pela Requerente. Tal pedido não incorpora a apreciação da legalidade de actos de liquidação nem de actos de segundo ou terceiro grau que lhe sejam subsequentes, não estando assim em causa a apreciação dos actos tributários previstos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT. Por conseguinte, verifica-se que o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer de tal pedido, verificando-se uma excepção dilatória de incompetência material, ainda que parcial, que determina a absolvição da Requerida da instância nesta exacta medida, conforme resulta do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, do CPPT e 278.º, n.º 1, alínea a) e 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT).
16. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
17. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 20 de Maio de 2008, a Requerente e o seu cônjuge D..., celebraram, pelo preço de € 200.000,00, escritura pública de compra e venda e contrato de mútuo com hipoteca para aquisição do prédio urbano para habitação, com logradouro, sito na Rua...–..., freguesia de ..., concelho de Mafra, descrito na conservatória do registo predial de Mafra, sob o número ..., daquela freguesia, inscrito na matriz sob o artigo ... (“Casa de Mafra”) – cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos pela Requerente em 20 de Março de 2023;
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No contrato de compra e venda da Casa de Mafra, a Requerente e o seu cônjuge declararam que “o imóvel se destina a habitação própria permanente” – cfr. doc. n.º 2 junto pela Requerente em 20 de Março de 2023;
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Em 29 de Janeiro de 2014, no âmbito do processo n.º .../13.0T2AMD, que correu termos na Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Amadora – Juízo de Família e Menores – 2.ª Secção, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento que a Requerente celebrou em 8 de Agosto de 1987, com D...– cfr. doc. n.º 16 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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No acordo sobre o destino da casa de morada de família, celebrado em 6 de Janeiro de 2014, posteriormente homologado na sentença proferida naqueles autos, determinou‑se que “A casa de morada de família sita na Rua ..., ..., n.º ..., em..., concelho de Mafra, é destinada à requerente mulher A... até à partilha dos bens comuns do casal” – cfr. doc. n.º 16 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Em Janeiro de 2016, a Requerente casou com E...;
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Após o casamento com a Requerente, E... continuou a residir e manteve o seu domicílio fiscal no prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., Carcavelos, concelho de Cascais (“Casa de Carcavelos”) – cfr. doc. n.º 11 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Em 11 de Janeiro de 2017, a Requerente e o seu ex-cônjuge D..., celebraram escritura pública de partilha do património comum do dissolvido casal, através da qual a Requerente adquiriu, pelo montante de € 221.061,77, o prédio urbano ...-U-..., sito na Rua ..., n.º ..., anterior Rua ..., União de Freguesias ..., ... e..., concelho de Mafra, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Mafra, sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de Mafra sob a descrição n.º ... da União de Freguesias de ..., ... e ...(“Casa de Mafra”) – cfr. docs. n.ºs 5 e 6 juntos pela Requerente em 20 de Março de 2023;
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Em 12 de Setembro de 2018, a Requerente celebrou um contrato-promessa de compra e venda, no qual prometeu vender a Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 7 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Em 30 de Março de 2020, a Requerente celebrou o contrato definitivo no qual alienou a Casa de Mafra pelo preço de € 530.000,00 – cfr. doc. n.º 8 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022 e cfr. doc. n.º 1 junto pela Requerente em 30 de Março de 2023;
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Em 30 de Março de 2020, a Requerente tinha domicílio fiscal declarado na Casa de Carcavelos – cfr. doc. n.º 14 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Entre Dezembro de 2017 e Março de 2020, a Requerente pagou despesas com fornecimentos de electricidade referentes à Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 15 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Entre 20 de Outubro de 2017 e 18 de Setembro de 2019, a Requerente pagou despesas com fornecimentos de água referentes à Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 16 e 17 juntos com o requerimento de 23 de Novembro de 2022
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A Requerente pagou mensalidades por conta do contrato de mútuo bancário referente à Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 18 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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A Requerente pagou serviços de empregada doméstica referentes à Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 18 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Entre 17 de Julho de 1995 e 17 de Abril de 2020, a sociedade B..., UNIPESSOAL, LDA, NIF..., da qual a Requerente é sócia‑gerente, teve a sua sede na Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 19 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022 e em 7 de Março de 2023;
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Era na Casa de Mafra que a sociedade B..., UNIPESSOAL, LDA recebia os recibos de pagamento relativos a contratos de seguro de vida e automóvel e as facturas relativas a serviços de internet – cfr. docs. n.ºs 20 a 22 juntos junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Entre 2008 e 30 de Março de 2020, F... e C..., filhas da Requerente e de D..., viveram na Casa de Mafra com a sua mãe – cfr. depoimento das testemunhas F..., C... e G...;
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A Casa de Mafra era a residência da Requerente, que ali tinha o seu centro de interesses vitais – cfr. depoimento das testemunhas F..., C... e G...;
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Em 8 de Outubro de 2020, a Requerente adquiriu o prédio urbano ...-U-..., sito na rua ... n.º ..., anterior rua ..., ...-... Porto Covo, concelho de Sines, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Porto Côvo sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de Sines sob o número ... (“Casa de Porto Côvo”) – cfr. docs. n.ºs 20 a 22 junto pela Requerente em 23 de Novembro de 2022;
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Em 2 de Dezembro de 2020, a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para Casa de Porto Covo;
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Em 25 de Junho de 2021, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2020, com a identificação n.º ...-...-..., tendo optado pela tributação conjunta de rendimentos – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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A declaração modelo 3 de IRS foi acompanhada pelos anexos A, B, G, G1 e H – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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No campo 4001, do quadro 4, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, foi declarada a alienação da Casa de Mafra propriedade da Requerente, em Março de 2020, pelo montante de € 530.000,00, tendo sido declarado que a mesma foi adquirida em Janeiro de 2017, pelo valor de € 221.061,77, declarando-se ainda que a Requerente suportou despesas e encargos com a sua aquisição/alienação e/ou valorização, no montante de € 33.579,47 – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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Os campos 5001 e 5002, do quadro 5, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, foram preenchidos com as seguintes indicações:
“- Campo 5001: “2020”
- Campo 5002: “4001”” – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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Os campos 5005, 5006 e 5008, do quadro 5 A, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, foram preenchidos com as seguintes indicações:
“- Campo 5005 [“(v)alor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem referido no campo 5002, 5003 ou 5004”]: € 187 430,50;
- Campo 5006 [“(v)alor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e/ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel”]: € 345 000,00;
- Campo 5008 [“(v)alor de realização investido no ano da declaração após a data de alienação (sem recurso ao crédito)]: € 345 000,00” – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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A Requerente identificou no quadro 5 A, do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, como imóvel objecto do reinvestimento a Casa de Porto Côvo – cfr. doc. n.º 3 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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Em resultado da declaração modelo 3 de IRS submetida, foi emitida a liquidação de IRS n.º 202..., no âmbito da qual foi apurado o montante de imposto a pagar de € 5.357,69 – cfr. doc. n.º 1 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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A AT instaurou um procedimento de gestão de divergências no Serviço de Finanças de Cascais ..., em nome da Requerente e respectivo cônjuge, com fundamento no motivo a que corresponde o código D25, significativo de “(re)investimento em imóveis”;
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Em 20 de Dezembro de 2021, a Requerente solicitou a alteração do seu domicílio fiscal para a Casa de Mafra, com efeitos retroactivos a 1 de Outubro de 2019 – cfr. doc. n.º 4 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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Em 27 de Dezembro de 2021, em resultado do procedimento de gestão de divergências, foi oficiosamente elaborada pela AT uma declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a qual foi também acompanhada dos anexos A, B, G, G1 e H;
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Em 4 de Janeiro de 2022, foi emitida em nome da Requerente e respectivo cônjuge, a liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., no âmbito da qual se apurou o montante de imposto a pagar de € 70.928,43, acrescido de € 1.293,44 a título de juros compensatórios, perfazendo no total, o valor a pagar de € 72.221,87 – cfr. doc. n.º 1 junto pela Requerente em 23 de Novembro;
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Em 2 de Fevereiro de 2022, a Requerente alterou o seu domicílio fiscal para a Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 5 junto pela Requerente em 23 de Novembro
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Em 21 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou pedido de alteração da data de produção de efeitos da alteração da morada para a Casa de Mafra – cfr. doc. n.º 24 junto pela Requerente em 23 de Novembro
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Em 21 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto aos actos de liquidação emitidos oficiosamente pela AT; – cfr. PA junto pela Requerida
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Em 14 de Julho de 2022, a reclamação graciosa, correspondente ao processo n.º ...2022..., foi objecto de despacho de indeferimento, proferido por delegação de competências, pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa; – cfr. PA junto pela Requerida
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Em 14 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
18. Com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
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A Requerente pagou o imposto liquidado oficiosamente pela AT por referência aos actos de liquidação contestados nos presentes autos.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
19. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
21. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, bem como das declarações das testemunhas F..., C... e G... produzidas na reunião arbitral. Esta prova foi apreciada pelo Tribunal de acordo com a sua íntima e prudente convicção, formada de acordo com as regras da experiência e segundo o princípio da livre apreciação dos factos, tal qual resulta do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
22. Em especial, a factualidade constante do ponto r) supra foi dada como provada em virtude da conjugação de toda a prova documental, que aponta que a Requerente adquiriu a Casa de Mafra ainda no ano de 2008 para a destinar à habitação própria permanente da sua família. Situação que se manteve mesmo após a dissolução do seu casamento com D..., tendo a Casa de Mafra, que era a casa de morada da família, sido atribuída à Requerente até à partilha do património do dissolvido casal, altura em que foi por esta adquirida na sua totalidade.
23. A circunstância de a Requerente ter constituído novo matrimónio com E... e de este residir na Casa de Carcavelos, local para o qual a Requerente veio a alterar o seu domicílio fiscal, não afasta que esta tenha mantido na Casa de Mafra a sua residência e centro de interesses vitais.
24. Pelo contrário, é precisamente isto que resulta da prova documental junta aos autos, designadamente das despesas pessoais e da sociedade por esta gerida, bem como das declarações das testemunhas feitas na reunião arbitral, cujos depoimentos foram prestados de forma sólida, convicta e espontânea, tendo os factos sido narrados de forma detalhada, confiável, convincente e coerente face aos demais meios de prova carreados aos autos.
25. Por conseguinte, entendeu este Tribunal Arbitral que a inexistência de uma coincidência temporal cronológica absoluta entre o domicílio fiscal e a Casa de Mafra não permite afastar que a Requerente manteve nesta última o perímetro da sua vida pessoal e profissional até à sua alienação no ano de 2020, altura em que foi residir para a Casa de Porto Côvo.
26. Relativamente aos factos dados como não provados, regista-se apenas que do acervo probatório constante do processo inexiste prova que permitam certificar a respectiva efectividade e veracidade.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
§1 – Habitação própria permanente
27. O objecto do litígio no presente processo reside em apreciar se a Casa de Mafra vendida em 2020 pela Requerente era efectivamente a sua habitação própria permanente, para efeitos de determinar se a mais‑valia com a respectiva alienação estava ou não sujeita tributação em sede de IRS ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
28. Para apreciar a questão a decidir, fixa-se desde já aquele que era o quadro legal vigente à data dos factos, na parte que aqui se afigura relevante:
Código do IRS
“Artigo 10.º
Mais-valias
(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”.
“Artigo 13.º
Sujeito Passivo
(…)
12 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.
13 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:
a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou
b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.
14 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.
15 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”.
Lei Geral Tributária
“Artigo 19.º
Domicílio fiscal
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”.
29. Nos termos das mencionadas disposições legais, presume-se que o domicílio fiscal, enquanto local da residência habitual do sujeito passivo, corresponde à sua habitação própria e permanente.
30. Sem prejuízo daquela presunção, aqueles são conceitos jurídicos distintos, conforme sublinhou o Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), no acórdão proferido em 02.02.2023, no proc. n.º 3172/10.2BEPRT, ao referir que “[o]s conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente não são sinónimos, ainda que, desde 2015, o CIRS faça presumir a segunda do primeiro, presunção essa ilidível”.
31. Ao serem aqueles conceitos jurídicos distintos, e ao poder o sujeito passivo apresentar prova em sentido contrário para ilidir a presunção, o que releva em última análise para efeitos da exclusão de tributação das mais-valias prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, é aferir o concreto local da habitação própria e permanente do sujeito passivo, com base na prova produzida nos autos, por ser aquele o conceito jurídico a que se reporta a norma de incidência.
32. Neste mesmo sentido, sublinhou o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido em 14.11.2018, no proc. n.º 01077/11.9BESNT que “(...) no supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (…) não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal”.
33. Com idêntico posicionamento, referiu o TCAS no acórdão proferido em39.09.2020, proc. n.º 373/17.6BESNT, que “(…) da análise do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de «domicílio fiscal», como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente, prevista no n.º 1 do artigo 46.º do EBF. Considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal - cfr. n.º 9 daquele preceito legal”.
34. Isto sendo certo que mesmo nos casos em que a norma jurídica remete para o conceito de domicílio fiscal, “o facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”, conforme evidenciou o STA no acórdão proferido em 23.11.2011, proc. n.º 0590/11.
35. Tendo isto presente, cumpre por fim precisar qual o conceito de “habitação própria permanente”, recorrendo-se para o efeito às considerações do TCAS no acórdão proferido em 02.02.2023, no proc. n.º 126/11.5BELRS, onde este Tribunal referiu que “(…) no concernente ao requisito da permanência na habitação, o qual deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade, mas sem qualquer cadência cronológica absoluta, impondo-se, apenas para efeitos da exclusão tributária que o beneficiário aí organize as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação, sendo atos demonstrativos da fixação do centro da sua vida pessoal a ocorrência de “[c]ondições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.”(8), mas sem que uma intermitência, devidamente justificada, possa demandar e legitimar a tributação, arrendando, per se, a aduzida exclusão.”.
36. Ora, em virtude da matéria de facto dada como provada nos presentes autos e respectiva fundamentação, verifica‑se que até à sua alienação em 2020, a Casa de Mafra foi efectivamente o local onde a Requerente residiu a maior parte do seu tempo, com as suas duas filhas, ali estabelecendo o seu centro de interesses familiar, social e profissional. Por conseguinte, conclui-se que aquela era a habitação própria permanente da Requerente, estando assim preenchido os requisitos de que dependia a isenção de tributação prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, já que o preenchimento dos demais requisitos não é controvertido nos presentes autos.
37. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos tributários impugnados, impondo-se a sua anulação em conformidade.
38. Refere, por fim, que não resultou provado nos autos o pagamento indevido do IRS liquidado oficiosamente pela AT, pelo que se dá por prejudicado a condenação no respectivo reembolso acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, sem prejuízo de tal prova vir a ser feita em sede de execução de julgados.
V. DECISÃO
Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e em consequência:
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Absolver a Requerida da instância quanto ao pedido de extinção do processo de execução fiscal;
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Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
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Anular parcialmente o acto de liquidação de IRS contestado nos presentes autos;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 72.221,87.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.448,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de Agosto de 2023
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
O Árbitro Adjunto,
João Marques Pinto
O Árbitro Adjunto,
António A. Franco
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