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Sumário:
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Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.
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Prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
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O ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Ana Pinto Moraes designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
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A..., UNIPESSOAL, LDA. (anteriormente designada por A... UNIPESSOAL, LDA.), com o número único de matrícula e de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerente”), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa que apresentou, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) de 2018 e 2019 e de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) de 2019 e 2020, no montante de € 16.591,04.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 13 de outubro de 2022 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
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A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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As partes foram notificadas dessa designação em 5 de dezembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 23 de dezembro de 2022.
I.1 ARGUMENTOS DAS PARTES
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A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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Em 13 de julho de 2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, através do qual havia peticionado a anulação dos atos de liquidação de IMI e AIMI acima identificados;
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A Requerente é proprietária do, então, lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo n.º U-...;
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Em cumprimento das suas obrigações fiscais, a Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI e AIMI a si notificadas por referência ao referido lote de terreno para construção, cujo quantum resultou da aplicação da taxa de IMI e AIMI ao VPT inscrito na caderneta predial respetiva à data a que respeita o imposto, respetivamente;
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A Requerente suportou os seguintes montantes a título de imposto, conforme informação disponível no sistema informático da Autoridade Tributária (“AT”): (i) EUR 9.279,55 a título de IMI, com referência ao ano de 2018, consubstanciado nas notas de cobrança com os n.ºs 2018 ..., 2018 ... e 2018...; (ii) EUR 9.279,55 a título de IMI, com referência ao ano de 2019, consubstanciado nas notas de cobrança com os n.ºs 2019..., 2019... e 2019...; (iii) EUR 14.456,24 a título de AIMI, com referência ao ano de 2019, consubstanciado na nota de cobrança com o n.º 2019...; (iv) EUR 14.456,24 a título de AIMI, com referência ao ano de 2020, consubstanciado na nota de cobrança com o n.º 2020...;
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Por não concordar com os atos de liquidação de IMI e AIMI a si notificados, uma vez que considera que os mesmos assentam num VPT determinado com base em fórmula de cálculo que desrespeita os preceitos legalmente aplicáveis, assim se estando perante um erro imputável aos serviços de que resultou uma coleta de imposto superior à devida, a Requerente apresentou, em 8 de março de 2022, pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, peticionando a anulação dos referidos atos e consequente restituição do imposto indevidamente pago;
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Por ofício datado de 26 de abril de 2022, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento no âmbito do pedido de revisão apresentado, tendo-se pronunciado sobre o mesmo em sede de audição prévia;
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Não obstante a argumentação apresentada pela Requerente, quer ao nível da factualidade relevante, quer no que respeita ao direito aplicável, foi aquela notificada da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado;
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A Requerente não se conformando com a manutenção na ordem jurídica dos referidos atos ilegais de liquidação de IMI e de AIMI, nem, naturalmente, com os fundamentos que presidiram à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que os manteve, por padecerem estes de ilegalidade, ao tomarem por base um VPT 3 determinado em resultado da aplicação de uma fórmula que é substancialmente ilegal.
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A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 3 de fevereiro de 2023, tendo concluído pela improcedência da presente ação e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
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A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
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Começou a Requerida por invocar que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto;
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O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pelo que o ato de liquidação não enferma de qualquer ilegalidade;
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O pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no número 4 do artigo 78.° da LGT;
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Não obstante, por força do artigo 168.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) apenas seria possível proceder à anulação dos atos de avaliação dos quais resultou a fixação do VPT que tivessem sido efetuados há menos de 5 anos;
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Na perspetiva da Requerida, fundamentada com recurso à jurisprudência do STA e à jurisprudência arbitral (CAAD), o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeitos de impugnação arbitral, o que significa que se o mesmo não for impugnado no prazo fixado para o efeito, verifica-se a consequente consolidação na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher;
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Já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI;
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O pedido formulado não está fundamentado na lei, não sendo admissível ao Tribunal Arbitral julgar o processo de acordo com critérios da equidade, mas tão só com base no direito constituído;
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Por fim, alegou a Requerida que estava vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da CRP e concretizado no artigo 55.º da LGT e no artigo 3.º do CPA, razão pela qual não podia deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estavam em vigor no ordenamento jurídico, conforme se teria verificado no caso em apreço, não existindo qualquer erro imputável aos serviços que conferisse à Requerente o direito a juros indemnizatórios;
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Nestes termos, concluiu a Requerida que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros, de tal forma que o pedido arbitral deveria ser julgado improcedente por não provado.
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A 9 de fevereiro de 2023 foi proferido despacho arbitral no qual se concedeu à Requerente a possibilidade de exercer o contraditório quanto às exceções invocadas pela Requerida na sua resposta. Em 24 de fevereiro de 2023, a Requerente exerceu aquele direito.
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Por despacho proferido em 10 de março de 2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, tendo-se ainda concedido às partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que apenas a Requerente exerceu.
II. SANEAMENTO
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não enferma de nulidades.
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Tal como resulta do relatório, a Requerida apresentou parte da sua defesa por exceção, cujo conhecimento será feito logo após a fixação da matéria de facto, que é necessária a parte da sua apreciação.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
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Analisada a prova produzida no âmbito do presente processo, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é proprietária do, então, lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo n.º U-...;
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A 13 de julho de 2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa através do qual havia peticionado a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2018 e 2019 e de AIMI dos anos de 2019 e 2020.
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A Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI e AIMI a si notificadas por referência ao referido lote de terreno para construção, cujo quantum resultou da aplicação da taxa de IMI e AIMI ao VPT inscrito na caderneta predial respetiva à data a que respeita o imposto, respetivamente;
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A Requerente suportou os seguintes montantes a título de imposto:
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EUR 9.279,55 a título de IMI, com referência ao ano de 2018, consubstanciado nas notas de cobrança com os n.ºs 2018..., 2018 ... e 2018...;
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EUR 9.279,55 a título de IMI, com referência ao ano de 2019, consubstanciado nas notas de cobrança com os n.ºs 2019..., 2019 ... e 2019 ...;
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EUR 14.456,24 a título de AIMI, com referência ao ano de 2019, consubstanciado na nota de cobrança com o n.º 2019...;
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EUR 14.456,24 a título de AIMI, com referência ao ano de 2020, consubstanciado na nota de cobrança com o n.º 2020...;
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Em 8 de março de 2022, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT;
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Por ofício datado de 26 de abril de 2022, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento no âmbito do pedido de revisão apresentado, tendo-se pronunciado sobre o mesmo em sede de audição prévia, tendo sido notificada posteriormente da decisão final.
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Em 11 de outubro de 2022 a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem aos presentes autos.
III.1.2. Factos não provados
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Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Questões prévias
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Cumpre apreciar a título prévio a matéria de exceção invocada pela Requerida na sua resposta, designadamente a consolidação do ato tributário que determinou o VPT, a inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT e a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
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Na sua resposta invocou a Requerida a consolidação do ato tributário que determinou o VPT e a inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT. Tendo em conta que estas são exceções que estão intrinsecamente ligadas, a sua apreciação será feita de forma conjunta.
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Quanto a estas exceções, cabe desde logo aferir se o princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, obsta ou não a que sejam discutidas ilegalidades inerentes à determinação do VPT no âmbito da impugnação da legalidade dos atos de liquidação de IMI que lhe são subsequentes.
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Do referido princípio decorre que, em regra, os vícios dos atos interlocutórios do procedimento apenas são invocáveis no âmbito da impugnação do ato de liquidação final. Só assim não será nos casos em que os atos interlocutórios produzam um efeito externo imediatamente lesivo na esfera jurídica dos contribuintes, caso em que poderão ser objeto de impugnação contenciosa direta e autónoma.
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Um exemplo deste tipo de situações em que os atos interlocutórios representam desde logo um potencial efeito lesivo externo na esfera dos contribuintes é precisamente o ato de fixação do VPT, que ao estabelecer a base de incidência para efeitos de tributação em sede de IMI, implica igualmente consequências no âmbito da liquidação de outros tributos, tais como o AIMI, o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o Imposto do Selo ou outros tributos nos quais o VPT pode ser juridicamente relevante, tais como o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
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Sucede que, a resposta a esta questão dividiu a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais.
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Em resultado destas divergências doutrinárias, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a pronunciar-se, tendo proferido o acórdão de uniformização de jurisprudência, em 23 de fevereiro de 2023, no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, onde decidiu o seguinte:
«Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável».
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Conforme decidiu o Supremo Tribunal Administrativo:
«Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.
Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).
No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).
Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.
Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.
O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.
Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.
E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.
Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.
De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).
Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”
Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.
3.3. Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável».
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Da leitura do referido Acórdão de uniformização de jurisprudência resulta claro e evidente que o Supremo Tribunal Administrativo pretendeu afastar a possibilidade dos sujeitos passivos contestarem a legalidade de liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em ilegalidade na fixação do VPT a elas subjacente, através de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
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Independentemente da posição da ora signatária em Decisões Arbitrais anteriores, a mesma aceita o carácter orientador e persuasivo do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB. Nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
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O Acórdão de uniformização de jurisprudência em causa apenas rejeita a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em ilegalidade (nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), não referindo ou excluindo a possibilidade de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória (nos termos do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT), o que, contudo, não foi invocado pela Requerente.
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Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões formuladas pela Requerente.
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Assim, estando consolidado na ordem jurídica o valor patrimonial tributário sobre o qual foram emitidas as liquidações aqui impugnadas, não pode o sujeito passivo vir impugnar aquela liquidação com fundamentos que se relacionam com a avaliação e posterior fixação do VPT. Esse valor, por não ter sido impugnado diretamente, não pode ser novamente analisado em sede de impugnação do ato de liquidação – que era o que a Requerente pretendia neste caso, tendo, para o efeito, recorrido ao pedido de revisão oficiosa e, agora, à impugnação do seu indeferimento, bem como do ato de liquidação nele visado.
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Consequentemente, indefere-se o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa e o ato de liquidação objeto do presente processo;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerente a suportar integralmente as custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 16.591,04.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 1.224, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de junho de 2023.
Ana Pinto Moraes
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