Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 596/2022-T
Data da decisão: 2023-08-20  ISV  
Valor do pedido: € 57.250,47
Tema: ISV; Despacho n.º 348/2018 – XXI, de 1 de agosto; princípio da legalidade.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

I – O sistema de medição de emissões de CO2 NEDC foi substituído pelo novo sistema de medição designado de “Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure” (WLTP), regulado pelo Regulamento (EU) 2017/1151 da Comissão de 1 de junho de 2017.

II - Até à entrada em vigor dos artigos 284.º e 285.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por delegação do Ministro das Finanças, proferiu o Despacho n.º 348/2018 – XXI, de 1 de agosto, tendo em vista clarificar o valor das emissões de CO2 relevante para o cálculo do ISV e IUC.

III – O ponto 3 do Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, criou, para efeitos do cálculo do ISV relativo ao período de 1 de setembro de 2018 a 31 de dezembro de 2018, regras específicas de determinação do nível de emisões de CO2, o que viola o princípio da legalidade.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

  1. No dia 10 de outubro de 2022, a sociedade A..., Lda., com o número de identificação de pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... LISBOA, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre Veículos (“ISV”) e respetivas liquidações de juros compensatórios emitidos na sequência do procedimento inspetivo no âmbito da DI2021..., notificados através do Ofício n.º NIF..., de 30.06.2022, no montante de € 57.250,47, que aqui se identificam:

 

 

 

 

  1. Para fundamentar o seu pedido a Requerente, alega, em síntese, a ilegalidade das liquidações adicionais de ISV, e respetivos juros compensatórios, por alegada incorreta aplicação dos Despachos nºs 348/2018-XXI, e 375/2018-XXI, respetivamente de 1 e 31 de 2018, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para o período de transição do método de medição da componente ambiental (CO2) do ISV-NEDC para o método- WALTP, (último quadrimestre de 2018), na introdução no consumo de veículos ligeiros de passageiros.

 

  1. No dia 10-10-2022, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 30-11-2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20-11-2022.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que tem como objeto social “Importação, comercialização, distribuição de automóveis, partes, peças, acessórios ou outros serviços complementares ou relacionados, incluindo serviços de assistência técnicos; a sociedade pode ainda exercer, a título acessório, a atividade de intermediação de crédito”.
  2. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interno que teve como objeto a incorreta declaração das emissões de CO2 de cento e cinquenta e sete veículos marca Kia matriculados no terceiro quadrimestre de 2018 (identificadas no ponto III.4 do relatório de inspeção);

 

  1. Em setembro de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de relatório emitido no âmbito da ação de inspeção n.º DI2021... .

 

  1. De acordo com o referido projeto de relatório, o objetivo do procedimento de inspeção foi o “Controlo das declarações aduaneiras de veículo (DAV) com indicação de HT 2018.../ 2018... / 2018... / 2018... / 2018... / 2018... / 2018.../ 2018... / 2018... / 2018... / 2018... / 2017... / 2017... / 2017... / 2015... / 2015... / 2015... / 2015... / 2015... / 2015... / 2015... / 2015... / 2014.../ 2016... / 2016... / 2016..., liquidadas no último quadrimestre de 2018”.

 

  1. Por ofício de 22/09/2021, foi a ora Requerente notificada da proposta de conclusões que, relativamente às liquidações ora impugnadas refere o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição prévia a 06/10/2022, conforme consta do Processo Administrativo.

 

  1. Em 27.12.2021, por Oficio n.º ..., da Alfândega do Jardim do Tabaco, em cumprimento do disposto nos artigos 77.º da LGT e 62.º n.º 2 do RCPITA, foi a Requerente notificada do conteúdo do Relatório Final da Acão Fiscalizadora bem como da decisão final.

 

  1. Do relatório de inspeção resulta a correção do imposto, em resposta à audição prévia da ora Requerente, a AT considerou que:

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Conforme ponto VI.2. do Relatório Final, por despacho de 27.12.2021, do Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco, foi liquidado o imposto de ISV e juros compensatórios, no montante total de 57.250,47 Euros.

 

  1. Por Ofício no NIF ..., de 30.06.2022, da Alfândega do Jardim do Tabaco, foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento do ISV e juros compensatórios, no prazo de 10 dias úteis.

 

  1. A Requerente procedeu ao respetivo pagamento.

 

  1. Em 7.10.2022, a Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação das liquidações adicionais de ISV e das liquidações de juros compensatórios, e a restituição do montante que se mostrar devido, acrescido de juros indemnizatórios.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

 

A Requerente sustenta o presente pedido de constituição do tribunal arbitral com os seguintes fundamentos:

  1. falta de fundamentação:
  2. violação do prazo de caducidade do ISV;
  3. inconstitucionalidade formal do Despacho n.º 348/2018-XXI que consagra o regime transitório de tributação em sede de ISV e de IUC, por violação dos princípios do Estado de Direito e da legalidade;
  4. ilegalidade das liquidações de ISV por aplicação ilegal do método de avaliação indireta, uma vez que a administração aduaneira apurou a correção de ISV em relação a 85 veículos, tendo utilizado somente 26 veículos como “amostra para o universo de cada HT”;
  5. erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que foi efetuada uma correta aplicação do Despacho n.º 348/2018-XXI, em concreto:
  • para os veículos a que respeitam as FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015... e FAM/HT 2015... as alegadas alterações de tara e de peso bruto são irrelevantes para a aplicação do Despacho n.º 348/2018-XXI; e
  • para os veículos a que respeita a FAM/HT 2016... a utilização prévia desta FAM/HT é igualmente irrelevante para a aplicação do Despacho n.º 348/2018-XXI;
  1. inconstitucionalidade da interpretação normativa perfilhada pela administração aduaneira que recai sobre o Despacho n.º 348/2018-XXI por violação dos princípios da igualdade, da coerência sistemática e da proporcionalidade;
  2. ilegalidade dos atos tributários por desconformidade com o direito da União Europeia.

 

Analisemos os argumentos das partes tendo em vista a pronúncia deste tribunal arbitral sobre cada um dos fundamentos invocados.

 

  1. Da falta de fundamentação

 

A Requerente alega, em primeiro lugar, que os serviços da administração aduaneira não demonstraram de forma clara, congruente, suficiente e expressa de que modo é que a Requerente terá incumprido com o regime transitório que altera o artigo 4.º do Código do ISV, previsto no Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, ambos proferidos pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

 

Considera que não foram demonstrados pela Requerida quais os motivos que levaram a administração aduaneira a concluir que o regime transitório constante do Despacho n.º 348/2018-XXI não é aplicável na situação vertente e, por conseguinte, que legitimam a emissão das liquidações adicionais de ISV ora contestadas.

Em consequência, verifica-se um vício de forma que afeta a legalidade dos atos tributários em crise, o qual, apenas por este singelo motivo, deve ser declarado ilegal, por violação do disposto nos artigos 77.º da LGT e 125.º, n.º 2, do CPA, com as demais consequências legais.

Na resposta, a Requerida afirma que, à luz do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, só́ ocorre falta de fundamentação da decisão, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razoes de facto e de direito da respetiva decisão, o que não se verifica nos presentes autos.

Analisados os argumentos apresentados, na petição inicial, pela Requerente, constata-se que os fundamentos que lhe foram dados a conhecer se revelaram suficientemente percetíveis, tal sendo comprovado pela argumentação deduzida no âmbito do pedido de constituição de tribunal arbitral, em que a Requerente manifesta conscientemente a sua vontade em não se conformar com “(...) atos de liquidação de ISV e respetivas liquidações de juros compensatórios emitidos na sequência do procedimento inspetivo no âmbito da DI2021..., notificados através do Ofício n.º NIF-..., de 30/06/2022, melhor identificados na tabela infra, no montante de € 57.250,47 (...)”, requerendo a sua ilegalidade.

Ora, atendendo a que a Requerente foi notificada do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção para efeitos do exercício do seu direito de audição prévia, o que fez; foi notificada, em 29.12.2021, pelo Ofício..., de 27.12.2021, da Alfandega do Jardim do Tabaco, do conteúdo do Relatório Final e da decisão e nota de liquidação, com a demonstração do cálculo do ISV e dos respetivos juros compensatórios, disponível no Portal das Finanças, objeto do presente processo de impugnação.

Da leitura da petição inicial resulta claramente que a Requerente compreendeu o sentido e fundamentos da decisão, o que lhe permite concluir que não se verifica o vício de fundamentação alegado.

Conforme alegado pelas partes, o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa determina que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o artigo 77.º, da LGT determina que:

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

 

O artigo 62.º, n.º 3, alínea i) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) determina que o relatório de inspeção deve conter “a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados, ou a declarar, sujeitos a tributação, com a devida menção e junção dos meios de prova, bem como a fundamentação legal de suporte das correções efetuadas”.

 

Tal fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 11/12/2002, no Rec. n.º 01434/02).

 

Sendo certo que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (Ac. STA de 30.01.2013 – Proc. n.º 0105/12).

 

Devem, pois, os Requerentes ter acesso a todos os elementos de facto e de direitos que determinaram a decisão de indeferimento. Tal não significa que a AT esteja obrigada a pronunciar-se sobre todas os argumentos apresentados pelos Requerentes, desde que se pronunciem expressamente sobre as questões arguidas.

 

Da análise do processo administrativo e da presente impugnação é claro que a Requerente compreendeu os pressupostos de facto de direito que sustentaram a liquidação efetuada, pelo que improcede o vício de falta de fundamentação alegado.

 

 

  1. Da caducidade da liquidação do ISV

 

Alega ainda a Requerente que as liquidações de ISV sub judice reportam-se às DAVs entregues no último quadrimestre de 2018 (1 de setembro a 31 de dezembro de 2018), legalmente notificadas à Requerente em 5 de julho de 2022. Sendo omissa a definição do prazo de caducidade no Código do ISV e se trata de um imposto intrinsecamente conexo aos direitos aduaneiros, deverá, por isso, aplicar-se o regime de caducidade previsto no artigo 103.º do Código Aduaneiro da União (“CAU”).

 

Em conformidade, de acordo com o artigo 103.º, n.º 1, do CAU, “As dívidas aduaneiras não podem ser notificadas ao devedor após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira” (sublinhado nosso).

 

Estão em causa nos presentes autos alegadas dívidas aduaneiras que se terão constituído entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2018, o que significa que os 3 anos previstos no n.º 1 do artigo 103.º do CAU terminariam entre 1 de setembro e 31 de dezembro de 2021, respetivamente para cada uma das DAVs em apreço.

 

Verificar-se-ia, segundo o raciocínio da Requerente, a caducidade do imposto objeto da presente impugnação.

 

Em sentido distinto, considera a Requerida considera não se verificar a caducidade da liquidação de ISV por não lhe ser aplicável o Código Aduaneiro da União.

 

Com efeito, o direito aduaneiro é um conjunto de normas legais criadas com o objetivo de regular e controlar as trocas internacionais das mercadorias, e a sua circulação em caso de importação ou de exportação. A sua base legal é o Regulamento (UE) n.º 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO L 269 de 10.10.2013, p. 1-101), com sucessivas alterações, bem como o Ato de Execução (AE-CAU), e o Ato Delegado (AD- CAU), termos em que, os direitos aduaneiros e seus elementos essenciais são regulados por legislação (regulamentos), emanados das Instituições da União Europeia (UE) com competência legislativa (Parlamento Europeu, Conselho da UE e Comissão Europeia), com aplicabilidade direta e imediata nos Estados- Membros.

 

Por seu turno, o ISV encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei no 22-A/2077, de 29 de junho, e consiste num imposto interno, de natureza especifica, monofásico, incidente sobre veículos, que estejam obrigados à matricula em Portugal, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, consistindo num imposto não harmonizado na UE e, nesse sentido, regido por normas nacionais de acordo com critérios fixados pelo Estado português.

 

Os impostos, nos quais se inclui o ISV, e os seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes), têm obrigatoriamente de ser criados por lei emanada pela Assembleia da República, como estatui o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Acrescenta ainda que à relação jurídica tributária, aplicam-se, nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei Geral Tributária, as suas próprias disposições e, sucessivamente o Código de Processo Tributário e os demais códigos e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infrações tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais; o Código do Procedimento Administrativo e demais legislação administrativa; o Código Civil e o Código de Processo Civil. Sendo o CISV, omisso quanto à questão da caducidade, mas tratando-se de um imposto interno, apenas poderá́ ter aplicabilidade o regime consagrado no artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), que prevê̂ um prazo de 4 anos para liquidação do imposto.

 

Conclui a Requerente que, como o ISV um imposto de obrigação única, o prazo de caducidade conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos termos do preceituado no n.º 4 do artigo 45.º da LGT. Tendo-se comprovado que a Requerente foi notificada em julho de 2022,

foi cumprido o prazo de 4 anos previsto na referida disposição legal.

 

O presente tribunal arbitral subscreve integralmente a fundamentação apresentada pela Requerida: a aplicação do prazo de caducidade dos impostos aduaneiros só seria aplicável por expressa remissão do legislador, em cumprimento do princípio da legalidade; os impostos aduaneiros e o ISV têm natureza, fonte e relação jurídica distinta; inexistindo uma norma específica no CISV relativa à caducidade do imposto, aplica-se, por determinação expressa do artigo 2.º da LGT, o disposto no artigo 45.º da LGT, à semelhança de outros impostos nacionais (IRC, por exemplo).

Pelo exposto, improcede a alegada caducidade do imposto.  Não se vislumbra também qualquer violação da liberdade de circulação de mercadorias, mas tão só a aplicação do prazo de caducidade do imposto, matéria regulada pelo direito nacional, relativamente a um imposto que respeita as liberdades estabelecidas pelo Direito da União Europeia.

 

 

  1. Inconstitucionalidade formal do Despacho n.º 348/2018-XXI por violação dos princípios do Estado de Direito e da legalidade

 

Alega, de seguida, a Requerida a inconstitucionalidade do Despacho n.º 348/2018-XXI por violação dos princípios do Estado de Direito e da legalidade, previsto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

 

O princípio da legalidade fiscal desdobra-se em duas vertentes: i) princípio da reserva de lei (formal) e ii) princípio da reserva material (de lei). A vertente de reserva de lei (formal) impõe que seja a Assembleia da República, mediante Lei, a criar os impostos; a vertente de reserva material (de lei) exige que a Lei – ato legislativo formal – regule os elementos essências do imposto: incidência (objetiva e subjetiva), taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.

 

Considera a Requerida que na situação sub judice o Despacho n.º 348/2018-XXI é manifestamente inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito e do princípio da legalidade, ínsitos nos artigos 2.º, 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP na medida em que:

i)         introduz normas que alteram a incidência do imposto e, por isso, enquadram-se no âmbito das matérias da reserva relativa da Assembleia da República;

ii)        não configura um ato normativo passível de promover uma alteração a um imposto; e

iii)       inexiste qualquer Lei de autorização legislativa que autorizasse o Governo a legislar sobre a matéria em questão.

 

O Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais determina que “(…) deverá ter-se em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de CO2, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle – NEDC) (…) em conformidade com a referida homologação” (cf. ponto 3, segundo parágrafo do Despacho).

 

Ora, isto significa que o Despacho do Secretário de Estado pretende consagrar um regime legal para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2018, que deverá prevalecer sobre o Código do ISV – Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho.

 

Responde a Requerida que o despacho em análise não procedeu, em sede de ISV, à criação de qualquer imposto, nem alterou a sua incidência, taxas ou benefícios fiscais.

 

Em concreto, relativamente a veículos que tivessem obtido a primeira homologação técnica posteriormente a 01.09.2017 (Modelos Novos) e já testados de acordo com o novo sistema WLTP, não existindo valores medidos de acordo com o anterior sistema NEDC, o despacho limitou-se a clarificar que, para o período (transitório) compreendido entre 01.09.2018 e 31.12.2018, é aplicável o NEDC (correlacionado) que figurará no COC, a par do valor de emissões WLTP, pelo que, nestas situações, em vez do valor de CO2 resultante do sistema de medição WLTP é considerado o valor do NEDC constante do COC, mais vantajoso para os interessados em termos de apuramento do imposto.

 

Deste modo, o despacho teve em vista, num período transitório, por um lado, manter a neutralidade fiscal, e por outro, dar cumprimento ao n.º1 do art.º 4.º do CISV, aplicando o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado em vigor (NEDC), em detrimento dos valores de emissões de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissão WLTP, que passou a figurar nos certificados de conformidade e respetivas homologações técnicas, a partir de 01.09.2018.

 

Vejamos.

 

O artigo 4.º do CISV, em vigor à data, estabelecia que:

1 - O imposto sobre veículos possui natureza especifica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:

  1. Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável.

(...)”

 

No certificado de conformidade considerava-se o nível de emissões de CO2 relativo ao ciclo de ensaios resultantes dos testes realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (NEDC), regulado pelo Regulamento (CE) n.º 692/2008 da Comissão, de 18 de julho de 2008, que executa e altera o Regulamento (CE) n.º 715/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção dos veículos.

 

O sistema de medição de emissões de CO2 NEDC foi substituído pelo novo sistema de medição designado de “Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure” (WLTP), regulado pelo Regulamento (EU) 2017/1151 da Comissão de 1 de junho de 2017.

 

Este novo sistema de medições passou a ser obrigatório para as homologações de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017 e para todos os veículos novos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema NEDC.

 

O Regulamento de Execução (UE) 2017/1153, da Comissão, estabelece, para efeitos de transição, que “(3) Está prevista uma introdução progressiva do WLTP, começando com os novos modelos de veículo a partir de 1 de setembro de 2017 e passando a todos os veículos a partir de 1 de setembro de 2018. A partir de 1 de setembro de 2019, quando também os veículos de fim de série tiverem sido progressivamente retirados do mercado, todos os veículos novos colocados no mercado da União serão ensaiados pelo método WLTP. Durante este período, justifica-se continuar a verificar o cumprimento dos objetivos de emissões específicas utilizando valores das emissões de CO2 baseados no NEDC.

(4) Todavia, é desejável limitar o ónus de ensaios tanto para os fabricantes como para as autoridades homologadoras, pelo que deve ser prevista a possibilidade de recorrer a simulações para determinar os valores de referência de emissões de CO2 pelo método NEDC. Foi desenvolvida para o efeito uma ferramenta específica de simulação de veículos (a ferramenta de correlação). Os dados de entrada para a ferramenta de correlação não devem exigir ensaios suplementares, mas sim provir dos ensaios de homologação pelo método WLTP.

 

Face a este regime transitório em que, além da homologação pelo novo sistema de WLTP, poderá utilizar-se o designado “NEDC Correlacionado”, permite-se a utilização do valor do “NEDC Correlacionado” que figurará no Certificado de Conformidade, a par do valor de emissões WLTP”.

 

A Comissão Europeia aconselhava ainda que a todos os países implementassem medidas para que o valor dos impostos não aumentasse significativamente, por força da alteração do método de medição.

 

O método de medição foi alterado em 2017, tendo-se tornado obrigatório o sistema WLTP para as homolgações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017 e, ainda, para os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema “NEDC”.

 

A partir de 1 de setembro de 2018, passaram a figurar obrigatoriamente nos certificados de confrmidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o sistema de emissões WLTP, bem como o valor apurado de acordo com o procedimento de correlação.

 

Para mitigar o significativo aumento de imposto que resultava dos valores de CO2 apurados pelo novo sistema “WLTP”, a Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (OE 2019), alterou o CISV, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019.

 

De acordo com o artigo 284.ª da Lei do Orçamento de Estado de 2019, o artigo 4.º, n.º 1, al. a) do CISV foi alterado e passou a ter a seguinte redação: “O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respectivo certificado de conformidade: a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veiculo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica

 

Simultaneamente, o artigo 285.º do mesmo diploma consagrou um regime transitório que atenua o efeito da aplicação do sistema “WLTP”: “Durante o ano de 2019, para efeitos do apuramento do imposto da componente ambiental da Tabela A constante do artigo 7.º do Código do ISV, bem como para a aferição dos limites de CO2 fixados nos regimes de benefício, as emissões de dióxido de carbono relativas ao «Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros» (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Código do ISV, constantes do certificado de conformidade e mencionadas na declaração aduaneira de veículo, são reduzidas de forma automática pelo sistema de fiscalidade automóvel, nas percentagens constantes da tabela seguinte:

 

 

Ou seja, passa a prever-se expressamente a aplicação de qualquer um dos sistemas de medição WLTP ou NEDC e, caso se aplique o sistema “WLTP”, aplica-se uma redução percentual, para atenuar o aumento de emissões que resulta da aplicação deste modelo.

 

Provisoriamente, relativamente ao último quadrimestre de 2018, até à entrada em vigor da Lei de Orçamento de Estado para 2019 (01/01/2019), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por delegação do Ministro das Finanças, proferiu o Despacho n.º 348/2018 – XXI, de 1 de agosto:

 

Tributação e Isenções Fiscais associadas ao nível de emissões de CO2 dos veículos automóveis - Nova Metodologia de Medição de emissões WLTP (WORLDWIDE HARMONISED LIGHT

VERICLE TEST PROCEDURE)

 

Considerando que a tributação automóvel, quer em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV), quer me sede de IMPOSTO UNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC), tem uma componente ambiental associada às emissões de C02 dos veículos automóveis, e que várias isenções fiscais previstas no âmbito destes impostos são igualmente condicionadas a limites de emissões de CO2 de veículos;

 

Considerando que a fixação das taxas de ISV e de IUC, bem como dos limites para efeitos das isenções fiscais previstas nos respetivos Códigos, foram determinados pelo legislador em conformidade com os níveis de emissões de CO2 resultantes do sistema de medição de emissões então vigente: "Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado" (New European Driving Cycle - NEDC);

 

Tendo em conta que em 2017foi alterada, através da regulamentação europeia, a metodologia utilizada na medição das emissões de CO2 dos veículos automóveis, tendo sido substituido o regime de ensaios NEDC pelo novo sistema Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (WLTP), sendo o novo sistema de medições obrigatório p a r a as homologações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017, e para todos os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema NEDC ("modelos antigos");

 

Tendo, ainda, em conta que, desde 1de setembro de 2017 e até à presente data, a tributação de veículos homologados na vigência do regime de medição de emissões NEDC continuou a ser efetuada com base nos valores de C02 que resultavam dessas homologações e eram indicados nos respetivos Certificados de Conformidade, a coberto do Despacho n.° 305/2017- XXI, de 12 dejulho, do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;

 

Considerando, igualmente, que, a partir de 1 de setembro de 2018 passarão a figurar obrigatoriamente nos Certificados de Conformidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP ("Valores de CO2 WLTP), que serãosignificativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime

de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que

os veículos são testados de acordo com várias caraterísticas específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extras) e em condições reais de circulação.

 

Considerando, igualmente, que a par do valor de emissões WLTP, figurará no Certificado de Conformidade o valor apurado de acordo com o procedimento de "correlação", definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 de junho de 2017 ("Valores de CO2 NEDC", também designado como "NEDC correlacionado"), ressalvando estes regulamentos q u epossam existir situações relativamente às quais a ferramenta de correlação não seja capaz de fornecer valores de emissões de CO2 suficientemente exatos e apresente desvios face aos valores declarados pelos fabricantes, permitindo-se, nesses casos, que estes solicitem a realização de ensaio físico do veículo, se tais desvios forem superiores a 4%;

 

No entanto, verifica-se que tanto para o WLTP, como para o NEDC correlacionado, ainda não existe informação sobre um universo alargado de veículos que permita determinar a exata medida em que o aumento do valor das emissões ocorrerá, por tipo de veículos (passageiros ou mercadorias, tipo de combustível, cilindrada);

 

Tendo, ainda, presente que a transição do sistema de medição de emissões NEDC para o sistema WLTP deve ser acompanhada de ajustamento das atuais tabelas do CIS e do CIUC, as quais foram aprovadas com o pressuposto do sistema de medição de emissões então existente (NEDC);

 

Mostrando-se necessária a clarificação da forma de aplicação das normas tributárias existentes no ordenamento jurídico interno em função do contexto acima descrito, bem como proceder à revisão do enquadramento legal em função da regulamentação europeia,

 

Determino o seguinte:

 

1. A AT deve apresentar nos âmbitos dos trabalhos de preparação do Orçamento de Estado para 2019, uma proposta de revisão das atuais tabelas de ISV e IUC e das normas que consagram isenções fiscais condicionadas aos limites de emissões de CO2, ajustando-se aos níveis de emissões decorrentes do novo sistema WLTP;

 

2. No período compreendido entre l de setembro de2018 e 31 de dezembro de 2018, e no que respeita aos veículos que tenham obtido a primeira homologação técnica posteriormente a l de setembro de 2017 (modelos novos), e apenas tenham sido testados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP, não existindo valores medidos de acordo com o anterior sistema NEDC para esses mesmos veículos, deverá ter-se em consideração, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de C02, o valor apurado de acordo com o procedimento de "correlação" definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 d e junho de 2017 ("Valores de CO2 NEDC", também designado como "NEDC CORRELACIONADO"), que figurará no Certificado de Conformidade, a par do valor de emissões WLIP;

 

3. No período compreendido entre l de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, sempre que estejam em causa veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017, deverá ter-se em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de CO2, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do "Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado " (New European Driving Cycle- NEDC"), relativo ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa, em conformidade com a referida homologação;

No caso dos veículos que preencham estas condições mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de "versão", resultante exclusivamente da medição de emissões CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas.

  1. A AT, em articulação com o IMI, deve promover todas as diligências que se mostrem necessárias ao controlo do correto cumprimento deste despacho designadamente no que se refere ao ponto anterior, podendo esse controlo ser concomitante ou sucessivo.

 

  1. Dê-se conhecimento a Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente.”

 

O segundo parágrafo do ponto três foi retificado, através do Despacho, também do SEAF, n.° 375/2018-XXI, de 31.08.2018, passando a sua redação a ser a seguinte:

 

" (..) No caso dos veículos que preencham estas condições, mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de "variante/versão", resultante exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLIP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas."

 

Não nos parece controvertido entre as partes a afirmação de que o artigo 4.º, n.º 1, al. a) é uma norma de incidência que está sujeita ao princípio da legalidade, na vertente de reserva formal e material.

 

Caberá, por isso, em concreto, determinar se o Despacho n.º 348/2018- XXI, do SEAF, alterou o âmbito de incidência da norma ou se constituiu um mero instrumento de clarificação das regras aplicáveis durante o período transitório.

 

No caso, as correções foram feitas com base no do disposto no n.º 3 do Despacho n.º 348/2018- XXI, do SEAF, a saber:

 

3. No período compreendido entre l de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, sempre que estejam em causa veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017, deverá ter-se em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nivel de emissões de CO2, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do "Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado " (New European Driving Cycle- NEDC"), relativo ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa, em conformidade com a referida homologação;

No caso dos veículos que preencham estas condições, mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de "variante/versão", resultante exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas."

 

Conforme refere a Requerida, “o objetivo do referido despacho consistiu em evitar o aumento abruto da tributação de veículos, resultante da mudança do sistema de testes CO2 de NEDC para WLTP, tendo a solução passado por tributar as últimas emissões de CO2 NEDC conhecidas para o mesmo veículo”.

 

Relativamente às correções relativamente aos veículos a que respeitam as FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015... e FAM/HT 2015..., alegou a AT que o veículo cujas emissões sustentaram a liquidação do ISV pela Requerente não tem as mesmas “características técnicas”, o que determinou a respetiva correção. Não há, por isso, qualquer dúvida que o fundamento da correção efetuada pela AT foi a aplicação do ponto 3 do Despacho n.º 348/2018- XXI.

 

Conforme alegado pela Requerente, o princípio da legalidade fiscal, conforme explica JOSÉ CASALTA NABAIS, desdobra-se “em dois aspectos ou segmentos: no princípio da reserva de lei (formal) e no princípio da reserva material (de lei). O princípio da reserva de lei (formal) implica que haja uma intervenção de lei parlamentar, seja esta uma intervenção material a fixar a disciplina dos impostos, ou uma intervenção de caráter meramente formal, autorizando o governo-legislador a estabelecer essa disciplinar (artigo 165.º, n.º 1, al. i), 1.ª parte, da CRP). (…)

Por seu lado, o princípio de reserva material (substancial ou conteudísitica) de lei (formal) geralmente referido com base na dogmática alemã por princípuo da tipicidade (Tatbestandsmassigkeit) exige que a lei (lei da Assembleia da Repúblicam decreto-lei autorizado, decreto-legislativo regional ou regulamento autarquico) contenha a disciplinar tão completa quanto possível da matéria reservada.” (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 11.ª Ed., p. 143).

 

Ora, a alteração do sistema de medições não criava, à data, qualquer dificuldade ou impedimento na aplicação da norma de incidência já que o CISV não define qual o modelo de medições ou as suas características técnicas mas remete para o nível de emissão de dióxido de carbono (CO(índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios constante do certificado de conformidade.

 

Assim, com a entrada em vigor do novo sistema de medições “WLTP”, o ISV deveria ser calculado atendendo ao nível de emissões de dióxido de carbono apurado nos termos do sistema “WLTP” ou “durante o período provisório definido no Regulamento de Execução (UE) 2017/1153, poderia, em alternativa, ser utilizado o “NEDC Correlacionado”, que constaria também do respetivo certificado de conformidade.

 

Ou seja, per si, o Despacho n.º 348/2018- XXI não era necessário para garantir a liquidação do imposto porque a norma, ao remeter para o valor constante do certificado de conformidade, aplicava-se a este valor, independentemente do sistema de medição.

 

A publicação do Despacho n.º 348/2018- XXI visou, além de eventuais esclarecimentos, outro objetivo que está ínsito no texto do despacho: “de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP (“Valores de CO2 WLTP), que serão significativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia”, (...)

 

“...esta transição “deve ser acompanhada de ajustamento das atuais tabelas do CISV e do CIUC, as quais foram aprovadas com o pressuposto do sistema de medição de emissões então existentes.”.

 

Ora, no caso, a aplicação, nos termos do Despacho, do NECD de uma viatura similar contraria o disposto o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 4.º do CISV que remete expressamente para o sistema de medições constante do certificado de conformidade da viatura e não de outra viatura “com as mesmas características”.

 

Ou seja, o ponto 3 do Despacho n.º 348/2018- XXI criou, para aquele período temporal, regras específicas de incidência e cálculo do imposto, o que viola o princípio da legalidade. É pacífico na doutrina administrativa que um despacho de um membro do governo não pode contrariar o disposto na lei e apenas produz efeitos internos, aplicando-se apenas aos serviços hierarquicamente subordinados.

 

Em conformidade, a liquidação adicional efetuada pela AT relativamente às viaturas a que respeitam as FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015... e FAM/HT 2015..., no valor de 17.878, 05, a que acrescem juros compensatórios, é insconstitucional por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 5, 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, porque o Despacho n.º 348/2018- XXI que sustenta a correção efetuada estabelece uma regra de incidência distinta da prevista no artigo 4.º, n.º 1, al. a) do CISV.

 

Relativamente aos veículos a que respeita a FAM/HT 2016..., porque fora do âmbito de aplicação do despacho, o vício inconstitucionalidade não lhe é aplicável.

 

 

4. Da legalidade das liquidações de ISV relativas à FAM/HT 2016100074550088

 

Relativamente à liquidação relativa às 62 viaturas a que respeita a FAM/HT 2016..., concluiu-se na ação de fiscalização que não lhe era aplicável o Despacho n.º 348/2018- XXI em virtude da HT 2016...8 já ter sido indicada em 22 DAV com o valor de emissão correto, em momento prévio ao da vigência do despacho.

 

A Requerente passou a desconsiderar a homologação técnica nacional 2016... para indicar valores de emissões de CO2 sistema NEDC, resultante da homologação técnica nacional 2016.... Esta homologação tem, no entanto, data de despacho de 08/03/2018, pelo que não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do ponto 3 do despacho.

 

Conforme refere a Requerida, tendo em conta que a data de emissão da homologação é posterior a 01/09/2017, estava afastada a possibilidade da Requerente indicar a HT 2016... para efeitos de aplicação do despacho do SEAF.

 

A liquidação não pode, em consequência, ser feita atendendo ao “último valor conhecido de emissões de CO2” determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do ciclo NEDC nos termos do despacho, mas sim o CO2 correlacionado da HT 2016...e do COC do veículo, em escrupuloso respeito pelo disposto na artigo 4.º, n.º 1, al. a) do CISV, nos termos e limites de interpretação e aplicação explicitados no ponto anterior.

 

Não subsiste, por isso, razão à Requerente quando alega que sem o regime transitório não seria possível fazer o ajuste de COE decorrente da aplicação do sistema WLTP porque o Regulamento de Execução (UE) 2017/1153, da Comissão previa expressamente a inclusão do valor de CO2 apurado de acordo com o procedimento de correlação, o que permitiu o cálculo do respetivo imposto.

 

Não se vislumbra, por isso, qualquer ilegalidade na liquidação efetuada.

 

Pelo exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes que estão submetidas a apreciação deste Tribunal porque relativas à aplicação do Despacho n.º 348/2018- XXI, o que, conforme se comprovou, não é aplicável.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.".

 

A al. c) do n.º 3 estabelece ainda que são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Atendendo à procedência parcial do pedido, e quanto a esta, são devidos juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago relativo às viaturas a que respeitam as FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015... e FAM/HT 2015..., melhor identificadas nos autos.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1.  Julgar procedente o pedido arbitral formulado quanto às liquidações adicionais efetuadas pela AT relativamente às viaturas a que respeitam as FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015..., FAM/HT 2015... e FAM/HT 2015..., no valor global de 17.878, 05, a que acresceram juros compensatórios;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral formulado quanto às liquidações adicionais efetuadas pela AT relativamente às viaturas a que respeita a FAM/HT 2016..., no valor global de € 32.943,08, acrescido de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago referido no ponto a), por procedência do pedido.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 57.250,47, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na proporção de € 1.231,84 e € 910,16, respetivamente.

 

Notifiquem-se as partes.

 

Lisboa, 20 de agosto de 2023

O Árbitro

 

 

 

(Amândio Silva)