Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 459/2022-T
Data da decisão: 2023-08-16  IRS  
Valor do pedido: € 5.985,37
Tema: IRS — Artigo 19.º, nº 2 do LGT e 43.º, nº 1 do CPPT — residência fiscal — falta de comunicação de alteração do domicílio fiscal.
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Sumário:

  1. Residência fiscal e domicílio fiscal são conceitos distintos que apontam para realidades também distintas.
  2. A obrigação declarativa prevista no artigo 19.º, nº 3 da LGT não é uma formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem, em princípio, impacto em termos de tributação.
  3. Não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, tendo em conta que quem não preencher um dos critérios para ser residente, previstos no artigo 16.º do Código do IRS, é não residente fiscal em Portugal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Paulo Lourenço, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide nos seguintes termos:

 

 

 

I – RELATÓRIO

A..., de ora em diante designada por Requerente, contribuinte fiscal nº..., residente em ..., no Reino Unido, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, de ora em diante abreviadamente designado por RJAT, para que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, anulada a liquidação n.º 2021..., referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2021, no montante de € 5.985,37, acrescido dos juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.

No dia 28 de julho de 2022 o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerente e à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 1 e artigo 11.º, nº 1, alínea b), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15 de setembro de 2022 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído no dia 04 de outubro de 2022.

No dia 08 de novembro de 2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

Por se entender que havia factos cuja clarificação implicaria a inquirição das testemunhas arroladas, foi realizada a inquirição no dia 31 de março de 2023.

O Tribunal, no dia 2 de junho de 2023, apesar das diligências e meios de prova, entendeu, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 21º do RJAT, prorrogar o prazo por 2 meses, por não ter ainda uma ideia inequívoca em relação ao sentido da decisão.

No dia 4 de agosto de 2023, o árbitro do Tribunal arbitral singular teve necessidade de realizar, ao longo de todo o dia, um procedimento médico no hospital de Abrantes, com expressa indicação para ficar em repouso durante, pelo menos, uma semana e, por essa razão, não foi possível a decisão até ao final do prazo legalmente estabelecido.

A Requerente alega, resumidamente, que comunicou a alteração de morada para o Reino Unido, concretamente para Liverpool, no dia 28 de junho de 2019, com efeitos reportados à data de 01 de setembro de 2014, na sequência do deferimento de um pedido de produção de efeitos retroativos, levada a efeito pelo Serviço de Finanças de Almada  ... .

Para além do mais, não aufere em território nacional quaisquer rendimentos, não possui quaisquer prédios nem é titular de qualquer contrato de arrendamento, já que a sua residência é no Reino Unido, local onde vive permanentemente com a sua família e onde trabalha desde 2014 até à presente data.

Acresce que não juntou o certificado de residência fiscal porque as autoridades inglesas apenas emitem o referido documento para os cidadãos que, residindo no Reino Unido, auferem rendimentos fora desse território.

Não obstante, juntou uma letter of confirmation of residence, emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido, que comprova que aí é residente fiscal desde o dia 1 de setembro de 2014, para além de um certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Manchester, que atesta que a Requerente reside, com caráter permanente e contínuo, desde o dia 1 de setembro de 2014, no Reino Unido.

Finalmente, de forma a comprovar inequivocamente a residência fiscal, a Requerente juntou uma declaração emitida pela C... no dia 6 de dezembro de 2021, que confirma que aí trabalha desde o dia 1 de setembro de 2014, bem como o contrato de arrendamento celebrado no dia 4 de fevereiro de 2017, uma notificação para pagamento do Imposto Municipal, devido por residentes no Reino Unido e uma fatura, emitida no dia 31 de janeiro de 2017, comprovativa do aluguer anual de um veículo apto a circular no Reino Unido.

A Requerente, com relação ao referido ano, não preenche nenhum dos requisitos legais previstos no artigo 16.º, CIRS para ser considerada residente em Portugal e o certificado de residência fiscal, tal como se sustentou no processo 307/2018-T, é exigido para efeitos de prova de impostos pagos no exterior, tendo em vista o afastamento da dupla tributação internacional, podendo a prova da residência ser realizada, dada a omissão da lei fiscal nesta matéria, através de todos os meios admissíveis em Direito, em conformidade com o disposto no artigo 72º da LGT e no artigo 115º do CPPT.

Finalmente, sustenta a Requerente à luz dos critérios previstos no Código do IRS, não pode ser considerada fiscalmente residente em território português, pelo que não é necessário indagar da sua qualificação como residente à luz da Convenção de dupla tributação entre Portugal e o Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do norte.

A Autoridade Tributária, por seu lado, sustenta que a Requerente viu o seu pedido indeferido porquanto a documentação apresentada, submetida à apreciação da Direção de Serviços das Relações Internacionais, não foi considerada prova suficiente para afastar a presunção de residência no Continente, resultante do cadastro de contribuintes e da comunicação feita pelo estado da fonte dos rendimentos.

Por outro lado, sustenta ainda a AT, que a questão central do presente caso é saber se a ora Requerente deve ser considerada residente fiscal em Portugal no ano de 2017, facto que deve ser dado como correto, uma vez que, como anteriormente se referiu, os documentos apresentados não fizeram a prova em sentido contrário, o que significa que, não tendo sido apresentado o certificado de residência fiscal, emitido nos termos do artigo 4º da Convenção de dupla tributação celebrada entre Portugal e o reino unido, não poderia ser outra a decisão da Autoridade Tributária.

 

II. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, nº 1, alínea a), 5.º, 6.º, nº 1, e 10.º, nº 1, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, nº 2 do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

 

III FUNDAMENTAÇÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos provados

  1. A Requerente foi notificada da liquidação nº 2021..., de 16 de novembro de 2021, com vista ao pagamento, até ao dia 29 de dezembro de 2021, do IRS referente ao ano de 2017, no montante de € 5 985,37.
  2. A Requerente, desde fevereiro de 2022, tem vindo a efetuar o pagamento do imposto em prestações, tendo sido pagas até à data da entrada do presente pedido, 6 prestações.
  3. A Requerente apresentou, no dia 27 de janeiro de 2022, uma reclamação graciosa, na qual solicitava a anulação da liquidação do IRS, por entender não ser residente para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2017.
  4. A Autoridade Tributária notificou a Requerente do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa e, no dia 23 de maio de 2022, foi exercido o Direito de audição, sustentando não ser possível a junção do certificado de residência a que se refere a Convenção de dupla tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido.
  5. No dia 2 de junho de 2022, a Reclamante foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, por se entender que a Requerente é deve ser considerada residente para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2017 e, no dia 27 de junho de 2022, foi efetuada pela Autoridade Tributária uma nova notificação do indeferimento, uma vez que a anterior não continha a indicação dos meios de reação ao dispor.
  6. A Requerente exerce a sua atividade profissional em Liverpool desde o dia 1 de setembro de 2014, conforme declaração emitida pela C... no dia 6 de dezembro de 2021, bem como certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Manchester e depoimento da testemunha B... .
  7. A Requerente residia, no ano de 2017, em ..., Liverpool, ..., no Reino Unido, conforme o referido certificado emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Manchester.
  8. A Requerente não apresentou, dentro do prazo legalmente estipulado, a declaração modelo 3 do IRS referente ao ano de 2017.
  9. A Requerente comunicou, no dia 28 de junho de 2019, a alteração da morada, solicitando que a mesma produzisse efeitos à data de 1 de setembro de 2014, tendo obtido despacho de deferimento por parte do Serviço de Finanças de Almada  ... .
  10. No ano de 2017, a Requerente não auferiu quaisquer rendimentos em Portugal, não possuía quaisquer prédios nem era titular de qualquer contrato de arrendamento.

 

  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não foram identificados factos que devam considerar-se como não provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, conforme resulta do disposto no artigo 123.º, nº 2 do CPPT e artigo 607.º, nº 3 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, nº 1, alínea a) e e), ambos do RJAT.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se deram como provadas as afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

  1. O DIREITO

B.1 - Enquadramento em sede de CIRS do conceito de residência fiscal

A questão que constitui o thema decidendum centra-se em saber, para efeitos de IRS, qual a residência da Requerente em relação ao período relativo ao ano de 2017 (Portugal ou Reino Unido), com vista a determinar qual o Estado onde deve ocorrer a tributação dos rendimentos auferidos.

A questão implica a análise do disposto no artigo 15.º, nº 1 e 2 e ainda o artigo 16.º, nº 1, alíneas a), b) e 2, 3, todos do CIRS, bem como os conceitos de domicílio fiscal e residência fiscal, cujos regimes se encontram nos artigos 19.º da LGT e 43.º do CPPT.

Determina o artigo 15.º do CIRS o seguinte:

  1. - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
  2. - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
  3. - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos números 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.

Por sua vez, o artigo 16.º do CIRS dispõe o seguinte:

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

  1. Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
  2. Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
  3. Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
  4. Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

O artigo 19.º da LGT estipula o seguinte:

  1. O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
    1. Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
    2. Para as pessoas coletivas, o local da sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.
  2. O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.
  3. É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
  4. É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
  5. Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.
  6. Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
  7. Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.
  8. O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para Estados membros da União Europeia ou do Espaço económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.
  9. O representante pode renunciar à representação nos termos gerais, mediante comunicação escrita ao representado, enviada para a última morada deste.
  10. A renúncia torna-se eficaz relativamente à Autoridade Tributária e Aduaneira quando lhe for comunicada, devendo esta, no prazo de 90 dias a contar dessa comunicação, proceder às necessárias alterações, desde que tenha decorrido pelo menos um ano desde a nomeação ou tenha sido nomeado novo representante fiscal.
  11. A administração Tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

O artigo 43º do CPPT, por seu lado, estipula:

1 - Os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias, qualquer alteração do seu domicílio, sede ou caixa postal eletrónica. 2 – A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no nº 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas.

3 - A comunicação referida no nº 1 só produz efeitos, sem prejuízo da possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua retificação, se o interessado fizer prova de já ter solicitado ou obtido a atualização fiscal do domicílio, sede ou caixa postal eletrónica. 

Sobre este tema existem já várias decisões arbitrais, dando-se relevância, nomeadamente às mais recentes, que correram seus termos sob os números 803/2021-T, 36/2022-T e 63/2022-T.

Seguimos de perto o teor da decisão proferida no processo n.º 803/2021-T, com a qual concordamos.

Assim sendo, resulta dos normativos legais citados que são sujeitos passivos de IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro lado, as pessoas singulares não residentes.

Relativamente aos residentes, a tributação pauta-se pelo princípio da universalidade ou da tributação à escala mundial e quanto aos não residentes a tributação rege-se pelo princípio da territorialidade, ou seja, são tributados apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal.

Com efeito, a residência apresenta-se como o elemento de conexão mais importante, sendo com referência a ela que se define a própria extensão de imposto.

A lei criou no artigo 16.º do CIRS, critérios específicos para qualificar as pessoas e outras entidades como residentes ou não residentes em território português.

Como visto, no caso de pessoas singulares, tais critérios reportam-se, no essencial, à permanência em território português por determinado período mínimo de tempo (183 dias) ou à permanência nesse território por menos tempo, mas acompanhada pela disponibilidade em certa data (31 de dezembro) de uma habitação própria em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.

Ora, conforme demonstrado, apesar de constar do sistema informático o domicílio fiscal da Requerente em Portugal, a verdade é que tal ficou a dever-se ao facto de a própria Requerente não ter atualizado essa mesma informação.

Com efeito, certo é que, da prova dada como produzida, resulta evidente que a Requerente, no ano de 2017, não residia em Portugal mas sim no Reino Unido, pelo que, atendendo ao previsto no artigo 16º do CIRS, ter-se-á de concluir que a Requerente não é residente para efeitos fiscais em Portugal.

Não obstante, a verdade é que o artigo 19º da LGT contém uma condição de eficácia, pelo que é necessário proceder à respetiva análise.

A doutrina e a jurisprudência têm concluído que os conceitos de domicílio fiscal e de residência fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

De acordo com Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281, a “noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do contribuinte."

Assim, de um lado, podemos discernir o conceito de domicílio fiscal previsto no art.19.º da LGT, cuja relevância mais evidente se situa ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT (aliás, cabe atualmente no conceito de domicílio fiscal o domicílio fiscal eletrónico). Daí a previsão constante do artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, no sentido de que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1 [comunicação da alteração do domicílio], não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas”. Refira-se ainda que este dever de comunicação, previsto quer no artigo 43.º, nº 1 do CPPT, quer no então artigo 19.º, nº 3 da LGT, não é qualificado como uma formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação (vide, nesse sentido, os acórdão do TCAN, processo n.º 00546/10.2BEVIS, de 17/09/2015, acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 2369/09.7, de 11/11/2021, acórdão do TCAS, proferido no processo n.º 986/11, de 04/07/2022).

Já o conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do artigo 16.º, CIRS, que, como se referiu, exige:

  1. Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados;
  2. Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual. 

Considerando o que foi dado como provado, ter-se-á de concluir que a Requerente era efetivamente, em 2017, não residente em território português.

Ora, aqui chegados, cumprirá aferir da competência do Estado português para a tributação dos rendimentos auferidos no Reino Unido pela Requerente, conforme entende a AT, sendo certo que o Estado da residência é o Reino Unido.

Para este efeito, importará convocar a Convenção Celebrada entre Portugal e o Reino Unido, pois conforme previsto no artigo 8.º, 2, CRP, o direito convencional prevalece sobre o direito interno, significando isso que sendo a situação regulada por uma norma interna e por uma norma de direito internacional, é esta última que prevalece e, consequentemente, será a aplicada.

Dispõe o artigo 15.º da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido o seguinte:

  1. Com ressalva do disposto no artigo 17.o, os salários, ordenados e remunerações similares, que não sejam aquelas a que se aplica o artigo 18.o, obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.
  2. Não obstante o disposto no parágrafo 1), as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se:
  1. O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam, no total, 183 dias;
  2. As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado;
  3. As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado.

3) Não obstante as disposições anteriores deste artigo, as remunerações de um emprego exercido a bordo de um navio ou de uma aeronave no tráfego internacional, podem ser tributadas no Estado Contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa.” Ora, resulta do texto legal citado a atribuição com exclusividade da competência de tributação ao Estado da residência do sujeito passivo.

Na verdade, esta é a regra geral, que sofre derrogações caso o trabalho dependente seja executado no outro Estado contratante, passando, assim, a ocorrer competência cumulativa de tributação.

Em determinadas circunstâncias, que não se verificam no caso concreto em apreço, o Estado da fonte passa a ter também competência de tributação ainda que não incondicionalmente.

Relativamente à tributação de rendimentos do trabalho dependente, veja-se Alberto Xavier, que se transcreve como segue:

“Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais — seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE — reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência.

Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação."

Ora, face à posição assumida, subsumindo-se os factos dados como provados à hipótese normativa do citado artigo 15.º da CDT, do qual resulta que o Estado da residência tem competência exclusiva quanto a rendimentos do trabalho dependente.

Só assim não seria se o trabalho fosse desenvolvido no outro Estado contratante, pelo que não se verificando, no caso concreto em apreço, tal circunstância ter-se-á de concluir que a competência para a tributação é exclusivamente do Reino Unido, ficando excluída a competência de tributação do Estado português.

Por conseguinte, ao abrigo da legislação supra citada, o Estado português não dispõe de competência para tributar os rendimentos do trabalho auferidos pela Requerente no Reino Unido.

Posto isto, não resta outra solução senão a de dar razão à Requerente, declarando ilegal o indeferimento da Reclamação Graciosa e, consequentemente, o ato de liquidação em questão.

 

B.2. O pedido de reembolso de quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios

A Requerente formula um pedido de reembolso do IRS indevidamente pago bem como o pagamento dos juros indemnizatórios.

É jurisprudência uniforme, conforme resulta, por exemplo da decisão nº 630/2014-T, que de acordo com disposto no artigo 24.º, nº 1, alínea b) do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.

E, continua a citada decisão, que"…apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (artigos 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida”.

Sendo processualmente viável apreciar o pedido de juros indemnizatórios será necessariamente também possível apreciar o pedido de reembolso da quantia indevidamente paga, cujo montante é fator de determinação do montante dos juros indemnizatórios.

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Resulta provado que a Requerente tem vindo a efetuar o pagamento do imposto em prestações, tendo sido pagas, até à data da entrada do presente pedido de pronúncia, 6 prestações.

Consequentemente, tem a Requerente o direito ao reembolso das importâncias que efetivamente pagou, pelo que se condena a AT a proceder à restituição das importâncias indevidamente pagas.

No que diz respeito aos juros indemnizatórios, a Requerente peticiona o respetivo pagamento sobre as importâncias das prestações que pagou

Determina o artigo 24.º, nº 5 do RJAT, que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante não devido, o que foi o caso, ainda que parcialmente, conforme resulta da matéria dada como provada.

Deste modo, considerando o disposto no artigo 61.º do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente tem direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre os montantes pagos e não devidos, contabilizado de acordo com o disposto no artigo 61.º, nº 3 do CPPT.

* * *

  1. DECISÃO

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e consequentemente, a liquidação de IRS n.º 2021 ..., referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2021, no montante de € 5.985,37, referente ao exercício de 2017;
  2. Julgar procedente o pedido de reembolso das prestações pagas, bem como os respetivos juros indemnizatórios, calculados à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à data da respetiva restituição, nos termos do artigo 61.º do CPPT;
  3. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.

 

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 5.985,37, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  1. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, conforme o disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT.

 

Notifique-se

Lisboa 16 de agosto de 2023

 

O Árbitro singular

 

Paulo Lourenço