DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º 281/2013-T
Tema: IS – verba 28
I - RELATÓRIO
1. Em 3 de Dezembro de 2013, a sociedade A, S.A., titular do NIPC …, com sede social …, (doravante designada por “Requerente”) requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 4 de Dezembro de 2013, e foi notificado, em 5 de Dezembro de 2013, à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).
3. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a declarar a ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto do Selo, relativos aos andares e divisões com utilização independente do prédio urbano sito na …, 264/278/320, …, distrito do Porto, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, anterior ….
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
5. As partes foram notificadas, em 22 de Janeiro de 2014, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 6 de Fevereiro de 2014.
7. Em 17 de Março de 2014, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta e, na mesma data, remeteu o Processo Administrativo Tributário.
8. No dia 31 de Março de 2014, pelas 15h, nas instalações do CAAD realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido o Árbitro designado e a representante da Requerida. O representante da Requerente comunicou ao Tribunal, em 28 de Março de 2014, que não poderia comparecer à referida reunião e informou que prescindia da produção de prova e da realização de alegações orais. A representante da Requerida declarou prescindir igualmente da realização das diligências de produção de prova e de alegações finais, conforme consta da respetiva ata da reunião, que se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.
9. O pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente, de harmonia com o disposto na petição, pode ser sintetizado nos seguintes termos:
9.1. O prédio não é exclusivamente habitacional e os seus andares ou divisões com utilização independente destinados a habitação não se encontram abrangidos pelo disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a seguir abreviadamente designada por “TGIS”. Assim, as liquidações referenciadas enfermam de vício de violação daquela verba 28.1 da TGIS por erro sobre os pressupostos de direito e de facto o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.
9.2. Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (abreviadamente designado por “IMI”), os imóveis em propriedade vertical constituídos por partes suscetíveis de utilização independente, obedecem às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respetivo, liquidado individualmente em relação a cada uma das partes e com base nos respetivos valores patrimoniais tributários (VPT), como se de frações autónomas se tratassem. Sendo o respetivo IMI, bem como o Imposto do Selo a que eventualmente estejam sujeitos liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência da Verba 28 da TGIS tem de ser o mesmo.
9.3. Só poderia haver lugar à incidência da verba 28 da TGIS se alguma das divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1 000 000,00. O que não acontece. Aliás, se o prédio em causa se encontrasse em regime de propriedade horizontal nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.
9.4. Não faz qualquer sentido a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio porquanto o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI (artigo 12, n.º 3 aplicável por força do artigo 67.º, nº2 do Código do Imposto do Selo).
9.5. Decorrendo a liquidação de manifesto erro dos serviços da AT na interpretação do quadro legal aplicável, assiste à Recorrente, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios computados sobre o valor do imposto indevidamente pago, desde a data do respetivo pagamento.
10. A Requerida na resposta afirma, em síntese abreviada, o seguinte:
10.1. Nos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade, pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 4 do CIMI.
10.2. A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, para todos os efeitos legais, nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do CIMI e do artigo 1414.º do Código Civil, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.
10.3. Resulta expressamente da lei que o legislador quis tributar com a verba 28.1. da TGIS os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária.
10.4. Existindo partes dos prédios com afetação não habitacional importa expurgar do Valor Patrimonial Tributário sujeito a imposto nessa parte, sob pena de se incorrer em excesso de quantificação da matéria coletável.
10.5. Resulta claro que os atos tributários são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não tendo ocorrido qualquer erro imputável aos serviços, nem qualquer anulação de qualquer ato tributário. Assim, não se encontram reunidos os pressupostos legais que poderiam conferir à requerente o direito aos peticionados juros indemnizatórios.
II – SANEAMENTO
11. O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., n.º 2, e 6.º n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
O processo não enferma de quaisquer vícios que o invalidem.
Nestes termos, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO
12. Factos provados
12.1. Com base no processo administrativo tributário e na prova documental junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Requerente é legítima proprietária do prédio urbano sito …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia, sob o artigo matricial…..
B) O prédio, identificado na alínea anterior, não está constituído em propriedade horizontal. De acordo com a Caderneta Predial Urbana o referido é descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, tendo 8 pisos e 42 andares ou divisões com utilização independente.
C) O prédio, identificado na alínea A), tem o total de 42 andares ou divisões com utilização independente, dos quais 38 se destinam a habitação, 3 estão afetos a serviços e 1 afeto a estacionamento coberto e fechado.
D) O valor patrimonial total do prédio, identificado na alínea A), que consta da Caderneta Predial Urbana é de € 1 614 990,00 (um milhão seiscentos e catorze euros e novecentos e noventa euros).
E) A AT, em 23 de março de 2013, notificou a Requerente, nos termos e para os efeitos da Verba 28.1 da TGIS, das seguintes liquidações, correspondentes ao ano de 2012, relativas aos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio identificado na alínea A):
· AP.01:€ 289,00 (Doc …)
· AP.02: € 272,70(Doc.…)
· AP.03: € 272,70(Doc.…)
· AP.04: € 287,70(Doc. …)
· AP.05: € 469,70(Doc. …)
· AP.06: € 338,70(Doc. …)
· AP.07: € 287,70(Doc. …)
· AP.08: € 469,70(Doc. …)
· AP.09: € 338,70(Doc. …)
· AP.10: € 287,70(Doc. …)
· AP.12: € 469,70(Doc. …)
· AP.14: € 257,50(Doc. …)
· AP.15: € 288,90(Doc. …)
· AP.17: € 281,30(Doc. …)
· AP.18: € 278,60(Doc. …)
· AP.19: € 278,60(Doc. …)
· AP.20: € 279,40(Doc. …)
· AP.21: € 279,40(Doc. …)
· AP.22: € 278,60(Doc. …)
· AP.23: € 278,60(Doc. …)
· AP.24: € 281,30(Doc. …)
· AP.25: € 279,40(Doc. …)
· AP.26: € 273,90(Doc. …)
· AP.27: € 273,90(Doc. …)
· AP.28: € 281,30(Doc. …)
· AP.29: € 279,40(Doc. …)
· AP.30: € 278,60(Doc. …)
· AP.31: € 278,60(Doc. …)
· AP.32: € 281,30(Doc. …)
· AP.33: € 405,20(Doc. …)
· AP.34A:€224,20(Doc. …)
· AP.34B:€398,00(Doc. ...)
· AP.35: € 398,00(Doc. …)
· AP.36: € 398,00(Doc. …)
· AP.37: € 398,00(Doc. …)
· AP.38: € 398,00(Doc. …)
· AP.39: € 398,00(Doc. …)
· AP.40: € 398,00(Doc. …)
Os documentos de cobrança supra identificados constam dos Documentos n.ºs 2 a 39 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos.
F) As liquidações, identificadas na alínea anterior, cujos montantes correspondem a 1% do Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos referidos andares ou divisões com utilidade independente perfazem o montante total de 12 208,00 (doze mil duzentos e oito euros).
G) Nenhuma das frações do prédio destinadas a habitação, identificado na alínea A), tem o valor patrimonial igual ou superior a € 1 000 000,00 (um milhão de euros).
H) Nos documentos de cobrança, identificados na alínea E), consta que o valor total do prédio sujeito a imposto ascende ao montante de € 1 220 800,00 (um milhão, duzentos e vinte mil e oitocentos euros) correspondente a parte do VPT do prédio urbano, identificado na alínea A), mais concretamente ao somatório dos VPT dos andares ou divisões com utilização independente existentes no mesmo prédio destinadas /afetas a habitação.
G) A Requerente apresentou, em 30 de Abril de 2013, a Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações de Imposto do Selo identificadas na alínea E).
H) A 18 de Novembro de 2013, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
I) A requerente procedeu ao pagamento voluntário da totalidade dos montantes liquidados.
12.2. Os factos enunciados no n.º anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
13. Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
14. Em face do exposto, nos números anteriores, a questão decidenda nos presentes autos consiste em saber se os andares ou divisões com utilização independente num prédio urbano em propriedade total estão abrangidos pelo âmbito de incidência da Verba 28.1 da TGIS.
15. A matéria de facto está fixada (vd., supra n.º 12) e vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes de acordo com a questão já enunciada (vd., supra n.º 14).
16. O enquadramento legal desta questão é o seguinte:
16.1. A Verba 28 foi aditada à TGIS pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro e tem a redação seguinte:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”
16.2. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou o artigo 67.º ao Código do Imposto do Selo que estabelece no n.º 2 do seguinte: “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
16.3. O CIMI, no artigo 12º, que tem por epígrafe “Conceito de matrizes prediais”, dispõe no n.º 3 “ Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário.”
16.4. Verifica-se, de acordo com os preceitos legais citados anteriormente, que a regra constante do CIMI implica a liquidação de IMI individualizada em relação a cada uma das partes susceptível de utilização independente. Esta regra é aplicável também à liquidação de Imposto do Selo.
Importa sublinhar que o critério legal que impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios é único, não existindo diferenciação entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical.
17. A AT considera que nos prédios em propriedade vertical com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, o IMI é liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, mas para efeito de Imposto do Selo o que releva é o prédio na sua totalidade. Este critério introduz uma diferenciação de regime que não tem sustentação legal e que contraria a regra do CIMI, que é aplicável legalmente em sede de Imposto do Selo, devido à norma de remissão do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo.
18. De acordo com o critério legalmente estabelecido, só haverá lugar à incidência do Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28 da TGIS se alguma das partes ou divisões com utilização independente apresentarem um VPT igual ou superior a € 1 000 000,00.
21. Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais (vd., supra n.º 12.1., alíneas B), C) e G)), o prédio em causa encontra-se em propriedade vertical e nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00. Assim, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS.
22. A jurisprudência arbitral, através das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T e 132/2013-T já se pronunciou sobre a ilegalidade do critério utilizado pela AT na tributação em Imposto do Selo, Verba 28 da TGIS, da propriedade vertical
V – PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
23. De acordo com o disposto no artigo 43, n.º 1, da LGT, o processo de impugnação judicial admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.
O artigo 24.º, n.º 5, do RJAT estatui que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”
Verifica-se que a ilegalidade dos atos de liquidação agora anulados é imputável exclusivamente à Requerida, pelo que procede o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser contados, à taxa apurada de acordo com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT, entre os dias em que foram efetuados os pagamentos indevidos até à data da emissão das correspondentes notas de crédito.
VI – DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
a) Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente anulando-se por violação de lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de direito, os atos de liquidação do Imposto do Selo, identificados na alínea E) do ponto 12.1. desta decisão, que perfazem o montante total de € 12 208,00 (doze mil duzentos e oito euros);
b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o imposto pago em resultado das liquidações anuladas;
c) Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto apurado nas liquidações agora anuladas até à data do integral reembolso das quantias cobradas.
Fixa-se o valor do processo em € 12 208,00 (doze mil duzentos e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), nos termos do disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC, do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, calculadas nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) em função do valor do pedido, a cargo da Requerida em € 918,00 (novecentos e dezoito euros).
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 24 de abril de 2014
O árbitro
Olívio Mota Amador