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SUMÁRIO
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As diferenças de câmbio desfavoráveis são reconhecidas como perdas para efeitos da determinação do lucro tributável, por força da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, ou como variações patrimoniais negativas não refletidas nos resultados, nos termos do artigo 24.º do Código do IRC.
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Não especificando um acordo de fixação cambial a que créditos representados por faturas o mesmo se aplica, a fixação do câmbio deve abranger todos os créditos perante o cliente com o qual o acordo foi fixado. Alegando o sujeito passivo que o acordo não abrange determinadas faturas, o que motivou o registo de perdas cambiais em relação apenas a certos créditos, tal alegação carece de prova documental, porquanto se trata do suporte a um gasto contabilístico e fiscal.
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Relativamente a gastos suscetíveis de dedução em sede de IRC, a prova testemunhal poderá constituir um elemento auxiliar ou de comprovação complementar à prova documental, caso esta permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional, mas a prova documental permanece a prova preponderante na documentação do gasto e na sua consequente dedutibilidade em sede de IRC. A prova testemunhal não tem a virtualidade de se opor ou contrapor aos documentos que constam dos autos.
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Uma liquidação de imposto não sofre do vício de falta de fundamentação quando a Autoridade Tributária apresenta, no relatório de inspeção tributária que procedeu a emissão da liquidação de imposto, de forma percetível para um destinatário normal, o método, os passos e os elementos que utilizou para calcular as variações cambiais relevantes, de modo a que seja possível ao sujeito passivo conhecer o iter cognoscitivo que levou a AT a efetuar correções ao lucro tributável do sujeito passivo (incluindo as razões de facto e/ou direito que as fundamentaram), e a que ao sujeito passivo seja permitido exercer plenamente o seu direito de contestar a legalidade da liquidação de imposto. Tendo a AT cumprido o seu dever de fundamentação no RIT que precede uma liquidação de imposto (nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT), cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar os erros de facto e/ou de direito cometidos pela AT no cálculo das variações cambiais relevantes.
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O conceito de “despesas de representação”, para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação vigente em 2017), inclui despesas que se destinem a aproveitar terceiros externos à empresa, e que são incorridas fora da respetiva atividade empresarial normal. Incluídas neste conceito estão, assim, despesas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos a terceiros externos à empresa com vista a promover a imagem empresarial junto de tais terceiros externos à empresa (e.g., fornecedores ou clientes), mas não despesas incorridas com terceiros que prestem serviços à empresa, em virtude da prestação de serviços.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Rita Correia da Cunha (Presidente), Jorge Belchior de Campos Laires e Vasco António Branco Guimarães, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A..., LDA., pessoa coletiva com sede no ..., ..., ..., ..., ..., ...-... Lisboa, com número de identificação fiscal ... (doravante “Requerente”), veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2017 com o n.º 2021..., de 25 de outubro de 2021, e correspondentes juros compensatórios (objeto mediato do PPA), e a decisão expressa de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022... (objeto imediato do PPA), peticionando a declaração de ilegalidade e anulação das mesmas.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 28 de setembro de 2022, tendo sido subsequentemente aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo o árbitro presidente designado inicialmente sido substituído pela árbitra presidente signatária, por Despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD datado de 17 de março de 2023.
As Partes, notificadas dessa designação, incluindo a referida substituição, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 13 de dezembro de 2022.
Em 30 de janeiro de 2023, a Requerida apresentou a Resposta com defesa por impugnação, concluindo que o PPA deve ser julgado totalmente improcedente, tendo juntado o processo administrativo.
Nessa mesma data, o Tribunal Arbitral designou o dia 28 de fevereiro de 2023 para a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com vista à audição das testemunhas arroladas pela Requerente.
No dia 28 de fevereiro de 2023 realizou-se a reunião mencionada no ponto anterior, tendo, nessa mesma data, o Tribunal notificado as partes para apresentarem, querendo, alegações sucessivas, no prazo 15 dias.
A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, respetivamente, nos dias 15 de março de 2023 e 13 de abril de 2023.
Por despacho de 3 de maio de 2023, foram as Partes notificadas para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o valor da causa, mais concretamente sobre se o mesmo correspondia a € 65.695,22 ou € 286.830,88. A 15 de maio de 2023 a Requerente apresentou requerimento defendendo o valor primeiramente mencionado.
Através de Despacho Arbitral emitido a 19 de maio de 2023, o Tribunal fixou o valor de € 286.830,88 como sendo o valor da causa, seguindo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, conforme melhor se explicita nesta Decisão Arbitral, na secção sobre o valor da causa.
Por Despacho de 8 de junho de 2023, foi prorrogado o prazo para prolação de Decisão Arbitral por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na substituição de um dos árbitros no decorrer do processo.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
Tendo o PPA sido apresentado no dia 28 de setembro de 2022 (na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, notificado à Requerente em 30 de junho de 2022), o mesmo é tempestivo porquanto apresentado no prazo referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade de direito comercial português que prossegue a atividade de comércio geral, importação e exportação, comissões e representações de firmas nacionais e estrangeiras, e que opera essencialmente no mercado angolano (cfr. Testemunhas A e B, e Relatório de Inspeção Tributária notificado por Despacho de 8 de outubro de 2021 - “RIT” - junto com o Processo Administrativo).
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A Requerente declarou prejuízos fiscais no exercício de 2017, no montante de € 970.376,14 (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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A Requerente foi alvo de inspeção de IRC ao exercício de 2017, de âmbito parcial, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2019..., de 27 de dezembro de 2019 (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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Na sequência desta inspeção, a AT notificou a Requerente do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (Ofício n.º ..., de 1 de setembro de 2021), tendo a Requerente exercido o direito de audição prévia atempadamente (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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Em 18 de outubro de 2021, a Requerente foi notificada do RIT, do qual resultou (1) um ajustamento para mais ao lucro tributável, que conduziu a uma diminuição em € 285.336,34 do prejuízo fiscal declarado pela Requerente em 2017, e (2) a liquidação de IRC com o n.º 2021..., no valor de € 3.739,62, a título de tributação autónoma sobre despesas de representação, que inclui juros compensatórios no montante de € 431,10 (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo e documento 1 junto com o PPA).
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O ajustamento ao lucro tributável de € 285.336,34 supra referido derivou das correções técnicas operadas pela AT às variações cambiais desfavoráveis registadas pela Requerente no exercício de 2017, sendo o valor de (i) € 111.487,25 relativo a saldos que a AT considerou estarem abrangidos por acordos de fixação cambial; (ii) € 41.444,59 relativo a saldos com clientes sem registo de operações comerciais no período de 2017 - de faturação e/ou recebimento; e (iii) € 132.404,50 relativo a saldos com clientes com registo de operações comerciais no período de 2017 – de faturação e/ou recebimento (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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As correções propostas no RIT foram fundamentadas nos seguintes termos:
(cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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Relativamente aos argumentos apresentados pela Requerente em sede de audição prévia, pode ler-se no RIT:
(cfr. RIT junto com o Processo Administrativo).
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O valor liquidado oficiosamente pela AT (€ 3.739,62) foi pago pela Requerente na totalidade em 2 de novembro de 2021 (cfr. documento 2 junto com o PPA).
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Relativamente à liquidação de IRC com o n.º 2021 ... e aos ajustamentos ao lucro tributável referidos, a Requerente apresentou reclamação graciosa, datada de 14 de março de 2022 e autuada com o n.º ...2022..., alegando o seguinte:
(cfr. documento 3 junto com o PPA, constando igualmente do Processo Administrativo).
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A AT indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Requerente através de Despacho de 24 de junho de 2022, notificado à Requerente em 30 de junho de 2022, com os seguintes fundamentos:
(cfr. documento 4 junto com o PPA, constando igualmente do Processo Administrativo).
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Em 28 de setembro de 2022, a Requerente apresentou o PPA que culminou nos presentes autos.
Factos dados como provados quanto ao ajustamento de € 111.487,25 relativo a acordos de fixação cambial celebrados com a cliente B...
A Requerente tem vários clientes com os quais transaciona em moeda estrangeira, alguns dos quais apresentam valores em dívida para com a Requerente (créditos em mora), quer do exercício em causa, quer ainda de exercícios anteriores (cfr. alegado no artigo 21.º do PPA e confirmado pelas Testemunhas A e B, e cfr. referido no RIT junto com o Processo Administrativo).
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A 2 de janeiro de 2017, a Requerente celebrou um Acordo de Fixação Cambial com uma das suas clientes, a sociedade “B..., Lda.”, com sede em Angola, relativamente à paridade entre Euros e Dólares dos Estados Unidos da América (“USD”) (cfr. acordo celebrado entre a Requerente e a sociedade B..., Lda. junto com o PPA como documento 6, constando igualmente do Processo Administrativo).
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Nas Cláusulas 1ª e 2ª deste Acordo de Fixação Cambial pode ler-se o seguinte:
(cfr. acordo celebrado entre a Requerente e a sociedade B..., Lda., junto com o Processo Administrativo).
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A 2 de janeiro de 2017, a Requerente celebrou um Acordo de Fixação Cambial idêntico com outra das suas clientes, a sociedade “B..., Lda. Filial de Cabinda”, com sede em Angola, relativamente à paridade entre Euros e USD (cfr. acordo celebrado entre a Requerente e a sociedade B..., Lda. Filial de Cabinda, junto com o Processo Administrativo).
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No que respeita ao valor em balanço de contas a receber relativamente a faturas já emitidas, a Requerente não contabilizou como ganhos, no balanço do período de 2017 (encerramento do exercício), diferenças de câmbio favoráveis com referência às subcontas da B... com n.ºs 21113001463 e 21113004995, tendo contabilizado como gastos, no mesmo balanço, diferenças de câmbio desfavoráveis com referência às restantes subcontas da B... (cfr. alegado no RIT e não contestado pela Requerente).
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Na conta n.º 2763004147 da contabilidade da Requerente não foram contabilizados serviços já faturados ao cliente B..., mas sim “outras contas a receber e a pagar”, nomeadamente “adiantamentos por conta de vendas” (cfr. alegado pela AT e confirmado pela prova testemunhal produzida).
Factos dados como provados quanto ao ajustamento de € 41.444,59 relativo a saldos em USD com clientes sem registo de operações comerciais no período de 2017
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O valor do ajustamento ao lucro tributável operado pela AT de € 41.444,59, respeitante a saldos em USD com clientes sem registo de operações comerciais no período (de faturação e/ou recebimento), resulta da diferença entre as variações de câmbio desfavoráveis apurados pela AT, no valor de € 224.900,33 e aquelas que foram apuradas pela Requerente, no valor de € 266.344,92 (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo e confirmado pela Requerente).
Factos dados como provados quanto ao ajustamento de € 132.404,50 relativo a saldos em USD com clientes com registo de operações comerciais no período de 2017
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O valor do ajustamento ao lucro tributável operado pela AT de € 132.404,50, respeitante a saldos em USD com clientes com registo de operações comerciais no período (de faturação e/ou recebimento), resulta da diferença entre as variações de câmbio desfavoráveis apurados pela AT de € 346.573,59 e as apuradas pela Requerente no valor de € 478.978,09 (cfr. RIT junto com o Processo Administrativo e confirmado pela Requerente).
Factos dados como provados relativamente à tributação autónoma operada oficiosamente pela AT ao abrigo do artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC
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Em 2017, os serviços administrativos e de gestão da Requerente eram assegurados pela C... Lda., com o NIF ..., sociedade esta que integrava o mesmo grupo de sociedades da Requerente, e que faturava os referidos serviços como prestações de serviços à Requerente (cfr. Testemunhas A, B e C, e fatura emitida com referência aos serviços prestados em 2017, junta com o PPA como documento 9).
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Em 2017, a Requerente assumia diretamente as despesas de deslocação e estada dos colaboradores da C... Lda., quando incorridas na prossecução da atividade da Requerente (cfr. Testemunhas A, B e C).
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Em 2017, D..., E... e F... eram colaboradores da sociedade C... Lda., e prestavam serviços comerciais à Requerente (cfr. Testemunhas A, B e C, e documento 8 junto com o PPA, que não foi impugnado pela AT).
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Em 2017, a Requerente incorreu em despesas com os colaboradores da sociedade C... Lda. supra identificados, no montante total de € 7.830,68, sendo a discriminação a seguinte:
(i) € 912,32, valor correspondente a cinco despesas com D...;
(ii) € 6.029,50, valor correspondente a sete despesas com E...;
(iii) € 888,86, valor correspondente a duas despesas com F... (uma de € 168,90, e outra de € 719,96);
(cfr. alegado pela Requerente nos artigos 107.º e 108.º do PPA e referido no RIT junto com o Processo Administrativo).
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Sobre montante de despesas de € 7.830,68 incidiu tributação autónoma, à taxa de 20%, no valor de € 1.566,14 (cfr. documento 1 junto com o PPA e RIT).
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Factos não provados
Com relevância para a apreciação da causa, não se consideraram provados os factos que a seguir se indicam:
Factos dados como não provados quanto ao ajustamento de € 111.487,25 relativo a acordos de fixação cambial celebrados com a cliente B...
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Os dois Acordos de Fixação Cambial celebrados entre a Requerente e a cliente B... em 2 de janeiro de 2017 apenas abrangiam duas subcontas da B... (facto alegado pela Requerente).
Factos dados como não provados relativamente à tributação autónoma operada oficiosamente pela AT ao abrigo do artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC
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As despesas que foram sujeitas pela AT a tributação autónoma, relativamente à parte contestada pela Requerente, tiveram como fito atividades realizadas pela Requerente para promover a sua imagem empresarial, nomeadamente para reforçar os laços comerciais com fornecedores, clientes ou terceiros (facto alegado pela Requerida).
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, e da prova testemunhal produzida na reunião do artigo 18.º do RJAT que teve lugar em 28 de fevereiro de 2023.
A prova testemunhal produzida nesta reunião consistiu na inquirição de quatro testemunhas arroladas pela Requerente, a saber:
- Testemunha A: G..., Diretor Financeiro do Grupo a que pertence a Requerente, desde 2006;
- Testemunha B: H..., Diretor de Gestão de empresas do Grupo a que pertence a Requerente;
- Testemunha C: F..., Gestora de Produto (área comercial), colaboradora da C..., Lda.;
- Testemunha D: I..., responsável pela logística da C... Lda.
As Testemunhas A e B testemunharam relativamente aos serviços prestados pela C... Lda. à Requerente (que não tem recursos humanos alocados devido à organização do Grupo a que pertence). A administração e gestão da Requerente é assegurada pela C... Lda., que é uma sociedade criada em 2011 ou 2012 com o fim de centralizar a gestão das sociedades do Grupo bem como os serviços transversais a todo o Grupo (como sejam serviços de recrutamento, serviços jurídicos, serviços contabilísticos, serviços de recursos humanos, serviços comerciais e logísticos, etc.). Para além de pagar estes serviços à C... Lda., a Requerente assume diretamente as despesas de deslocação e estada dos funcionários da C... Lda. (como sejam a D..., o E... e a F...), quando incorridas na prossecução da atividade da Requerente. A Testemunha A reconheceu não haver um contrato entre a Requerente e a C... Lda. relativamente aos serviços prestados. A Testemunha B referiu que os serviços são faturados pela C... Lda. à Requerente e a outras sociedades do Grupo pelo custo acrescido por uma margem (entre 3% e 5%).
Com relevo para o caso sub judice, disse ainda a Testemunha A que os dois Acordos de Fixação Cambial celebrados entre a Requerente e a B... em 2 de janeiro de 2017 destinavam-se a abranger apenas algumas subcontas da B..., embora os acordos em apreço sejam omissos a este respeito (por lapso). A Requerente identifica as subcontas a que se aplicam os ditos Acordos pela ficha de cliente criada pela própria Requerente.
A Testemunha C, colaboradora da C... Lda., confirmou prestar serviços à Requerente no âmbito das suas funções. Em 2017, a Testemunha C disse ter-se deslocado a uma feira internacional de produtos farmacêuticos na Alemanha (por indicação da C... Lda.) para conhecer potenciais fornecedores e desenvolver negócios para a Requerente. Disse também que, em 2017, a D... e o E... eram também colaboradores da C... Lda. e que prestavam serviços à Requerente.
As quatro testemunhas referidas supra demonstraram ter conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridas, e o Tribunal considera que as mesmas prestaram os seus depoimentos com isenção.
Relativamente ao primeiro facto não provado (“Os dois Acordos de Fixação Cambial celebrados entre a Requerente e a B... em 2 de janeiro de 2017 apenas abrangiam duas subcontas da B...”), a Testemunha A reconheceu que, nos termos expressos nos dois Acordos de Fixação Cambial em causa, os mesmos abrangiam todas as subcontas da B..., pese embora, no espírito dos acordos, alguns saldos da B... encontravam-se excluídos dos mesmos. Não tendo sido apresentada qualquer sustentação documental nesse sentido, nunca o Tribunal Arbitral poderia dar este facto como provado. Senão vejamos.
Conforme alega a AT, nos termos do disposto no artigo 123.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, “todos os lançamentos (contabilísticos) devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”. Daqui se retira que o suporte documental aos registos contabilísticos é essencial para a contabilização de um gasto em sede de IRC. Neste sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 236/2014-T, em 4 de maio de 2015, cujo teor se acompanha:
“Todavia, em matéria de gastos que resultem – ou se contabilizem em decorrência – de relações com terceiros, eles deverão, por regra, ser apoiados ou baseados em documentos de terceiras entidades (v.g., facturas, recibos, extractos, notas de débito, conta-corrente, contratos), exigindo-se, pois, que tais gastos sejam comprovados, em primeira linha, por tais documentos.
A este respeito, veja-se o que o Supremo Tribunal Administrativo sustentou no seu acórdão de 5.7.2012, proc. N.º 0658/11, no qual se decidiu (cfr. o respectivo sumário) o seguinte:
“I – Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.
II – Se a recorrente, além de não ter apresentado documentos externos identificadores das principais características das transacções, se limita a apresentar notas internas contabilizadas (…) sem identificação das principais características das operações efectuadas, tais como, o objecto, o adquirente, o fornecedor e o preço, não podem relevar como documentos comprovativos dos respectivos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, alínea a), e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, preceito segundo o qual para o efeito da determinação do lucro tributável só relevam os encargos devidamente documentados.
III – As exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração Fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que (...) à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro, e não se tratando de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, com e sem contabilidade organizada, aceitar tais notas como documento idóneo a comprovar os respectivos custos, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos.
IV – No caso concreto, considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal”.
Como se sublinha neste Acórdão, é pacífico que, em sede de IRC (tendo em atenção as regulações aplicáveis ratione temporis), o formalismo dos documentos probatórios dos gastos não tem de atingir as exigências do CIVA. Mas as operações com terceiros têm de evidenciar, ao menos, base documental que se julgue como elemento mínimo de suporte, eventualmente reforçado por outro tipo de prova, que esclareça ou complemente o indício de que uma certa entidade incorreu num custo. Se forem documentos internos, têm de conter informação bastante para que a informação neles expressa sobre as transacções seja testada, no confronto com as entidades que deles constam como contrapartes.
Outros meios de prova, como a testemunhal, servirão fulcralmente, via de princípio, como elementos auxiliares ou de comprovação suplementar, caso a prova documental permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional ou supletiva.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.1.2014, proc. N.º 01632/13, considerou-se que “apesar de a lei tributária fazer depender a dedutibilidade do gasto/custo da respectiva comprovação (art. 23° nº 1 e art. 45º nº 1 al. g) do CIRC), não a restringe à resultante da respectiva inscrição contabilística e documento externo de suporte, aceitando-se que, na insuficiência destes, seja, para este efeito (em sede de IRC), feita a prova da ocorrência do custo e da respectiva afectação empresarial, por outros meios de prova”, mas logo se assinalou que “aquela prova documental se deve ter como preponderante na documentação do custo e na sua consequente dedutibilidade”.
Em suma, os documentos – externos e internos – que sustentam custos decorrentes de operações que envolvem terceiras entidades deverão ser sujeitos a um escrutínio particular, até em função do princípio da real capacidade contributiva.”
No mesmo sentido, o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00446/09.9BEPRT em 27 de outubro de 2021, e a recente Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 793/2021-T em 12 de setembro de 2022. Nesta Decisão Arbitral pode ler-se, relativamente à prova de gastos em sede de IRC:
“Como ficou consignado nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 510/2020-Te 534/2021-T, “(…) para efeitos de dedutibilidade de um custo entendia a doutrina e a jurisprudência que aquele requisito se demonstra através de documentos que comprovem os custos realizados, sendo que esses documentos podem consistir em meros documentos, faturas, recibos ou até uma nota interna da empresa, conquanto se revelem credíveis e consistentes. Só não sendo considerados como custos fiscalmente relevantes os que não são suportados em documentos válidos. Assim sendo, quanto à prova documental, esta é por norma o meio de prova exigido em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo, no entanto, de excluir outros meios de prova para comprovar os custos efetivamente realizados, e como complemento da mesma, como, por exemplo, a prova testemunhal ou a prova pericial.”
Retira-se desta jurisprudência que, para relevarem para o apuramento do lucro tributável em sede de IRC, os gastos devem ser comprovados, em primeira linha, por documentos escritos (externos ou internos), sendo esta exigência e formalidade probatória fundada no interesse público no combate à evasão fiscal. Relativamente a estes gastos, a prova testemunhal poderá consistir um elemento auxiliar ou de comprovação complementar à prova documental, caso esta permita suscitar ou indagar esse tipo de comprovação adicional. Todavia, a prova documental deverá ser a prova preponderante na documentação do gasto e na sua consequente dedutibilidade em sede de IRC.
Note-se que, no caso sub judice, a Requerente não pretende provar um gasto através de um documento interno (prova preponderante) e de prova testemunhal (prova complementar), como nos processos supra referidos, mas através de prova testemunhal que contraria a prova documental junta aos autos (i.e., os Acordos de Fixação Cambial). Ora, tal como o Tribunal Central Administrativo Sul concluiu num outro processo, “não está, sequer, em causa, qualquer ponto omisso nos contratos ou a interpretação de qualquer declaração negocial por via da prova testemunhal” e a “prova testemunhal que não pode ter a virtualidade de se opor ou contrapor aos documentos que constam dos autos” (cfr. Acórdão de 28 de novembro de 2009, processo n.º 00743/05).
Conclui-se, assim, que não especificando um acordo de fixação cambial a que créditos representados por faturas o mesmo se aplica, a fixação do câmbio deve abranger todos os créditos perante o cliente com o qual o acordo foi fixado. Alegando o sujeito passivo que o acordo não abrange determinadas faturas, o que motivou o registo de perdas cambiais em relação apenas a certos créditos, tal alegação carece de prova documental, porquanto se trata do suporte a um gasto contabilístico e fiscal. A prova testemunhal não tem a virtualidade de se opor ou contrapor ao termos expressos de um acordo de fixação cambial que definem o respetivo âmbito de aplicação, como parece pretender a Requerente.
Considerando a jurisprudência referida, resta ao Tribunal Arbitral dar como não provado o facto de os dois Acordos de Fixação Cambial se aplicarem apenas a duas subcontas da B... . Importa também sublinhar que, à luz dos termos expressos nos Acordos de Fixação Cambial, não é de acolher o argumento da Requerente de que a contabilidade da Requerente goza de uma presunção de veracidade, ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, porquanto a mesma diverge dos termos dos Acordos de Fixação Cambial e, nessa medida, revela erros e inexatidões (cfr. artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT). Tendo a AT, no RIT, demostrado plenamente a verificação dos pressupostos legais que legitimam as correções aos elementos declarados pela Requerente, passou a incumbir à Requerente a prova que ponha em causa os montantes corrigidos (designadamente, prova que os dois Acordos de Fixação Cambial se aplicavam apenas a duas contas da B...), de acordo com a regra de repartição do ónus da prova constante do artigo 74.º, n.º 1, da LGT. Todavia, pelas razões expostas supra, a Requerente não logrou provar que os dois Acordos de Fixação Cambial se aplicavam apenas a duas subcontas da B... .
Relativamente ao facto alegado pela Requerida que o Tribunal Arbitral considerou como não provado (“As despesas que foram sujeitas pela AT a tributação autónoma, relativamente à parte contestada pela Requerente, tiveram como fito atividades realizadas pela Requerente para promover a sua imagem empresarial, nomeadamente para reforçar os laços comerciais com fornecedores, clientes ou terceiros”), não há qualquer documento junto ao processo que suporte o mesmo. Acresce que as Testemunhas A e B confirmaram que, em 2017, funcionários da C... Lda. (designadamente, a D..., o E... e a F...) incorreram em despesas de deslocação e estada aquando da prestação de serviços comerciais à Requerente, facto que o Tribunal Arbitral deu por provado.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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MATÉRIA DE DIREITO
As diferenças de câmbio desfavoráveis são reconhecidas como perdas para efeitos da determinação do lucro tributável, por força da alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, ou como variações patrimoniais negativas não refletidas nos resultados, nos termos do artigo 24.º do Código do IRC (cfr. Decisões Arbitrais de 29 de outubro de 2012, processo n.º 76/2012-T, e de 30 de março de 2022, processo n.º 46/2021-T). Este entendimento é consistente com o princípio da tributação fundamentalmente pelo rendimento real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.
As questões a decidir respeitam aos ajustamentos promovidos pela AT relativos às variações cambiais desfavoráveis registadas pela Requerente no período de 2017, sendo o valor de (i) € 111.487,25 relativo a saldos com os clientes com os quais existem Acordos de Fixação Cambial; (ii) € 41.444,59 relativo a saldos com clientes sem registo de operações comerciais no período; (iii) € 132.404,50 relativo a saldos com clientes com registo de operações comerciais no período.
Adicionalmente, deve o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre a legalidade da liquidação de IRC n.º 2021..., de 25 de outubro de 2021, na parte contestada pela Requerente, a título de tributação autónoma sobre despesas de representação (taxa de 20%). Nos termos do n.º 7 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação em vigor em 2017), “São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos efetuados ou suportados relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”. Esta taxa de 10% é elevada para 20% quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais no exercício relevante, nos termos do n.º 14 do mesmo artigo (na redação em vigor em 2017), como foi o caso da Requerente no exercício de 2017.
Por último, a Requerente peticiona a anulação da liquidação de IRC e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contestadas com fundamento na falta de fundamentação das mesmas, resultante da omissão de fundamentação das correções operadas pela AT, por ausência de revelação do racional subjacente aos cálculos divergentes efetuados e pela falta de análise dos elementos e explicações aportados pela Requerente, quer em sede inspetiva, quer em sede de reclamação graciosa, do que resulta também uma violação do dever da AT de descoberta da verdade material com vista à tributação do lucro real.
Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de outubro 2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).
O princípio da proibição da fundamentação a posteriori havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:
“Não releva para aferir da legalidade do acto de liquidação uma fundamentação jurídica nascida em sede de reclamação graciosa” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de março de 2019, processo n.º 0328/08.1BELRS).
“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de março de 2018, processo n.º 0208/17).
“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de julho de 2016, processo n.º 01436/15).
“é importante reter que os atos tributários carecem de fundamentação, a qual consiste numa declaração formal, externa ou explícita, ou seja, numa manifestação exterior consubstanciada num discurso expresso num texto, não bastando que resulte implicitamente da atuação administrativa e tal discurso tem de ser contextual, expresso e externado pelo autor do ato por forma a dar a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável colocado perante as circunstâncias concretas, a motivação funcional do ato, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação.
Diga-se ainda que não é de admitir a fundamentação à posteriori, apenas sendo de atender à fundamentação contextual, ou seja, aquela que se integra no próprio ato, pois que, praticado um ato com determinada fundamentação, a apreciação contenciosa da sua legalidade tem de se fazer em face dessa mesma fundamentação” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, processo n.º 01429/12).
O mesmo princípio encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 2 de fevereiro de 2015, processo n.º 628/2014-T; de 11 de janeiro de 2021, processo n.º 411/2020-T; de 21 de janeiro de 2021, processo n.º 865/2019-T; de 25 de janeiro de 2021, processo n.º 851/2019-T; de 7 de setembro de 2021, processo n.º 646/2020-T; de 21 de fevereiro de 2022, processo n.º 440/2021-T; de 26 de julho de 2022, processo n.º 587/2021-T; de 9 de fevereiro de 2023, processo n.º 610/2022-T; de 29 de maio de 2023, processo n.º 762/2022-T.
In casu, o princípio da proibição da fundamentação a posteriori impede o Tribunal de apreciar a legalidade da liquidação de IRC n.º 2021..., de 25 de outubro de 2021, com referência à fundamentação que consta da decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada, ou da Resposta da AT ao PPA apresentado pela Requerente, que não conste também da fundamentação do RIT junto com o Processo Administrativo. Assim sendo, a legalidade da liquidação em apreço será aferida em função da fundamentação contida no RIT.
A atuação da AT no decorrer do procedimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022... é relevante para aferir da legalidade da decisão de indeferimento que concluiu o mesmo. Os vícios procedimentais verificados apenas nesta fase (como sejam a violação do dever de audição prévia, de fundamentação, ou de descoberta da verdade material) não resultam na anulação da liquidação de imposto, mas apenas na anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contestada e na emissão de nova decisão por parte da AT que supra os ditos vícios procedimentais (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de outubro de 2019, processo n.º 02453/05.1BEPRT 0402/18; de 12 de outubro de 2016, processo n.º 0427/16; de 16 de novembro de 2011, processo n.º 0723/11). No sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de junho de 2020, processo n.º 74/07.3BESNT, pode ler-se o seguinte:
“I. No âmbito do procedimento tributário, a Administração Tributária está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr. artigo 58.º da LGT), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação.
II. Não tendo a Administração Tributária investigado e analisado os elementos trazidos ao procedimento pelo contribuinte, sem que fundadamente os considere dispensáveis, a sua actuação colide com o princípio do inquisitório, consubstanciando um vício procedimental, que é fundamento de ilegalidade da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa e susceptível de determinar a sua anulação.
III. A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação.
IV. Os vícios do procedimento de reclamação graciosa apenas implicam a anulação da decisão de indeferimento; nunca a anulação do acto tributário de liquidação anteriormente praticado e que não configura o objeto imediato da impugnação judicial
V. Anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto tributário, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário.”
Segue-se a análise e apreciação dos vícios invocados pela Requerente relativamente à liquidação de IRC n.º 2021 ... (objeto mediato do PPA) e à decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022... (objeto imediato do PPA).
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Ajustamento de € 111.487,25 relativo aos Acordos de Fixação Cambial de 2 de setembro de 2017
Síntese da posição da AT no RIT
Para efeitos do IRC, as diferenças cambiais relevam para o apuramento do resultado de exercício. Nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiros (“NCRF”) n.º 23, parágrafo 21, uma moeda estrangeira deve ser reconhecida inicialmente em euros (moeda funcional) pela aplicação, à quantia de moeda estrangeira, da taxa de câmbio entre o euro (moeda funcional) e a moeda estrangeira à data da transação. Subsequente:
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Na data da liquidação das dívidas (pagas ou recebidas) resultantes de transações de compras ou vendas de itens do inventário em moeda estrangeira: devem ser reconhecidas as diferenças cambiais pelo uso da taxa de câmbio à data da liquidação das dívidas (cfr. NCRF n.º 23, parágrafos 27 e 28);
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Na data de cada balanço (encerramento do exercício): devem ser reconhecidas as diferenças cambiais relativas ao saldo das dívidas a receber ou a pagar em moeda estrangeira, pelo uso da taxa de câmbio à data do balanço (cfr. NCRF n.º 23, parágrafo 23).
Havendo um acordo de fixação cambial, a variação no câmbio é reconhecida na data da liquidação das dívidas, pela diferença entre a taxa de câmbio fixada no acordo e a taxa de referência.
Os dois Acordos de Fixação Cambial celebrados pela Requerente com a B... (cliente) aplicam-se a todos os saldos relativos a faturas emitidas pela B..., em virtude de os dois Acordos de Fixação Cambial não acolherem qualquer distinção quanto a subcontas da B... (atribuídas em função do destinatário final dos bens). Estes Acordos, com a validade de um ano (de 2 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017), fixam a taxa de câmbio (1 EUR = 1,490 USD) e têm aplicação (cfr. respetivas cláusulas 1.ª e 2ª):
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Nas faturas que se encontrem por liquidar, referentes a transações ocorridas em datas anteriores a 2 de janeiro de 2017;
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Na faturação havida entre os outorgantes até 31 de dezembro de 2017, e até à extinção das obrigações decorrentes desta faturação, por fornecimentos/prestações de serviços.
Os termos destes dois Acordos de Fixação Cambial negam a alegação da Requerente de que (i) os mesmos abarcam apenas uma subconta da cliente B... (“Empreendimento habitacional ...”, subconta com o n.º 21113004995), e (ii) às restantes subcontas do cliente B... (nomeadamente, as contas com os n.ºs 21113001037, 21113001408, e 21113004972) é aplicado o câmbio em vigor para a divisa USD em 31 de dezembro de 2017 (1 EUR = 1,1993 USD). Da aplicação deste câmbio pela Requerente resultou o registo contabilístico de gastos com diferenças cambiais de € 111.487,25.
De facto, relativamente à cliente B..., as diferenças de câmbio entre a taxa de câmbio fixada e a taxa de referência foram sempre favoráveis à Requerente (a taxa de referência foi sempre inferior à taxa fixada). Assim, os gastos com diferenças cambiais desfavoráveis registados em certas subcontas da B...com referência ao período de 2017 (no montante de € 111.487,25) constituem um gasto não aceite no apuramento do resultado do mesmo período para efeitos fiscais, nos termos da alínea c) do n.º 2.º do artigo 23.º do Código do IRC.
Síntese da posição da Requerente
Os Acordos de Fixação Cambial em causa não abrangiam todos as subcontas do cliente B... (como a AT pretende, erradamente), uma vez que respeitavam unicamente a duas subcontas (com os n.ºs 21113001463 e 21113004995), as quais se encontravam contabilisticamente desagregadas em função do cliente final da B... .
Relativamente às duas subcontas da B... abrangidas pelos ditos Acordos de Fixação Cambial, à data do balanço (encerramento do exercício), não havia variações cambiais a refletir no resultado contabilístico do ano, nem no lucro tributável do exercício. Quanto às restantes subcontas da B... (não abrangidas pelos Acordos de Fixação Cambial em causa), cujos saldos se encontravam sujeitos a flutuação cambial, a Requerente apurou (corretamente) diferenças cambiais (desfavoráveis) decorrentes da variação da taxa de câmbio USD / Euro, que refletiu nos seus resultados e lucro tributável como gastos (nos termos da NCRF 23, aplicável em IRC por via do princípio da dependência parcial deste imposto perante o direito contabilístico).
Acresce que, se se entendesse ser de aplicar os Acordos de Fixação Cambial celebrados entre a Requerente e a B... a todas as subcontas da B..., à luz dos princípios da consistência, do inquisitório e da verdade material, deveria a AT ter considerado a aplicação dos mesmos Acordos às subcontas da B... que apresentaram variações cambiais favoráveis no período de 2017 (e.g., a subconta com o n.º 2763004147), o que resultaria numa redução do lucro tributável desse período. Com efeito, a AT optou por apenas corrigir as diferenças cambiais desfavoráveis, desconsiderando o respetivo custo para efeitos de formação do lucro tributável, mas nada fez quanto aos réditos decorrentes das variações cambiais favoráveis, que, caso fossem consideradas, compensariam total ou parcialmente as variações negativas acrescidas ao lucro tributável pela AT. Em consequência, os atos tributários contestados são anuláveis por erro de quantificação.
Por último, não só a contabilidade e os esclarecimentos da Requerente gozam de uma presunção de veracidade, ao abrigo do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, como, estando a AT adstrita ao princípio do inquisitório, consagrado pelo artigo 58.º da LGT, deveria, em face do circunstancialismo do caso, ter indagado sobre a capacidade da Requerente em demonstrar a conexão dos Acordos de Fixação Cambial apenas com determinados saldos da B... . A AT ignorou a matéria de facto aludida pela Requerente em sede de reclamação graciosa, não a analisando, nem sobre ela se pronunciando. A AT também não se pronunciou sobre a matéria de direito, nem apresentou qualquer fundamentação para a desconsideração dos gastos cambiais em causa.
Análise e apreciação do Tribunal Arbitral
Requerente e Requerida não apresentam qualquer discordância quanto ao regime contabilístico e fiscal a aplicar aos casos em que, em virtude dos dois Acordos de Fixação Cambial firmados entre a Requerente e o seu cliente B..., se procedeu à fixação cambial dos montantes representados nas faturas de prestações de serviços de que esta última entidade era devedora. Ou seja, as Partes concordam que, havendo fixação do câmbio à data do balanço (encerramento do exercício), não haveria que apurar na contabilidade qualquer variação cambial, na medida em que a paridade entre o Euro e USD se encontrava contratualmente fixada. Não havendo registo contabilístico, não haveria, consequentemente, lugar a tributação ou dedução em sede de IRC de quaisquer rendimentos ou gastos gerados pelas variações cambiais no final do ano, dado que, nesta matéria, não há norma no Código do IRC que determine o afastamento entre as regras contabilísticas e fiscais.
A divergência, conforme se deu conta na síntese da posição das partes, consiste unicamente quanto ao âmbito dos dois Acordos de Fixação Cambial celebrados entre a Requerente e a B... . A AT entende que os Acordos de Fixação Cambial seriam de aplicar a todos os saldos da cliente B..., em virtude de os mesmos Acordos não acolherem qualquer distinção entre subcontas da B... . Em consequência, a Requerente não deveria ter refletido quaisquer variações cambiais relativamente aos saldos das subcontas da B... no resultado contabilístico do período de 2017, nem no lucro tributável do mesmo exercício. Assim, os gastos fiscais deduzidos pela Requerente neste período com referência a variações cambiais desfavoráveis relativas a subcontas da B... devem ser desconsiderados.
Já a Requerente entende que os Acordos de Fixação Cambial foram corretamente aplicados apenas a duas subcontas da B..., e que deduziu corretamente os gastos fiscais correspondentes às variações cambiais desfavoráveis ocorridas relativamente aos saldos das restantes subcontas da B... .
Tal como referido supra, da prova produzida nos autos, o Tribunal Arbitral concluiu que não existe evidência documental, ainda que espelhada noutros documentos além dos dois Acordos de Fixação Cambial em apreço, de que determinados saldos/créditos se encontravam fora do âmbito dos mesmos. Com este fundamento, e à luz da jurisprudência supra citada, o Tribunal Arbitral concluiu que os Acordos de Fixação Cambial firmados entre a Requerente e a cliente B... em 2 de janeiro de 2017 abrangiam todas as subcontas da B... . Assim sendo, a Requerente não deveria ter refletido variações cambiais desfavoráveis com referência a subcontas da B..., à data do balanço (encerramento do exercício), no lucro tributável do exercício de 2017, e a AT andou bem ao desconsiderar o gasto correspondente a tais variações cambiais desfavoráveis, no montante de € 111.487,25.
Quanto à alegada falta de uniformidade na aplicação do critério, entendemos assistir igualmente razão à Requerida, na medida em que a conta n.º 2763004147 (denominada “outras contas a receber e a pagar”), segundo o plano de contabilidade SNC, acolhe eventos como sejam “adiantamentos por conta de vendas”, ao invés de registar créditos respeitantes a bens e serviços já realizados e faturados a clientes, sendo que os Acordos de Fixação Cambial em análise respeitam unicamente a valores faturados a clientes, conforme se retira das respetivas cláusulas 1.ª e 2.ª, razão pela qual não abrange os valores registados na mencionada conta n.º 2763004147. Na sua defesa, a Requerente nunca pôs em causa esta alegação, nem procurou demonstrar que essa conta refletia valores a receber de faturas já emitidas. Assim, não nos merece censura o ajustamento de € 111.487,25 relativo aos Acordos de Fixação Cambial de 2 de setembro de 2017.
Quanto à alegada violação do princípio do inquisitório e do dever de descoberta da verdade material, e tal como reconhecido pela Requerente, a AT procurou esclarecer o âmbito dos Acordos de Fixação Cambial junto da Requerente no decorrer do procedimento inspetivo, tendo concluído, à luz dos termos expressos nos mesmos, que estavam por eles abrangidas todas as subcontas da B... (conclusão esta que o Tribunal Arbitral acompanha). No decurso do procedimento de reclamação graciosa, a Requerente não juntou prova documental suscetível de abalar esta conclusão. E por a prova ser necessariamente documental não pode existir défice instrutório decorrente de falta de inquirição de testemunhas (cfr. Acórdão de 28 de novembro de 2009, processo n.º 00743/05). Nesta medida, improcedem também estes vícios invocados pela Requerente quanto a este ajustamento ao lucro tributável.
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Ajustamentos de € 41.444,59 e € 132.404,50 relativo a saldos em USD sem e com, respetivamente, registo de operações comerciais (faturação ou recebimentos) no período de 2017
Síntese da posição da AT no RIT
Relativamente a contas de clientes sem movimentos de operações comerciais, as diferenças cambiais registadas na contabilidade da Requerente originaram gastos de € 266.344,92. Todavia, com base nos elementos fornecidos pela Requerente, a AT apurou gastos de € 224.900,33. Assim, o montante de € 41.444,59 não pode ser aceite como gasto no apuramento do resultado para efeitos fiscais, nos termos da alínea c) do n.º 2.º do artigo 23.º do Código do IRC.
Relativamente a contas de clientes com movimentos de operações comerciais, as diferenças cambiais registadas na contabilidade da Requerente originaram gastos de € 478.978,09. Todavia, com base nos elementos fornecidos pela Requerente, a AT apurou gastos de € 346.573,59. Assim, o montante de € 132.404,50 não pode ser aceite como gasto no apuramento do resultado para efeitos fiscais, nos termos da alínea c) do n.º 2.º do artigo 23.º do Código do IRC.
No decorrer do procedimento inspetivo, a Requerente não esclareceu, em sede de direito de audição, a forma como foram calculados e imputados os gastos provenientes das diferenças cambiais, resultantes das estimativas trimestrais e dos ajustamentos no final do ano.
Síntese da posição da Requerente
A Requerente não percebe as correções oficiosamente efetuadas pela AT, já que procedeu em conformidade com as normas contabilísticas e fiscais aplicáveis ao apuramento e reconhecimento das diferenças cambiais dos saldos em dívida de clientes.
Os ajustamentos cambiais dos saldos com clientes com e sem registo de operações comerciais, foram feitos pela Requerente de forma trimestral. No final do ano, a Requerente procedeu ao ajustamento cambial dos saldos em dívida para encerramento de contas e apuramento do lucro tributável, tendo por base o câmbio no final de ano. Desta forma, as variações cambiais refletidas nos resultados e no lucro tributável da Requerente, são apenas as que decorrem da variação da taxa de câmbio oficial de final de ano face à taxa oficial de câmbio do final do ano precedente.
Do RIT não resulta, de forma lógica e direta, qual o raciocínio que está na raiz da quantificação divergente das diferenças do câmbio, ou que crítica é assacada ao cômputo realizado pela Requerente. É manifestamente obscuro o que possa decorrer de “mapas justificativos no decurso do próprio RIT”, sendo evidente que eles não são auto-explicativos, carecendo por isso de justificação, a qual, porém, não existe; razão pela qual não pode ver-se cumprido o dever de fundamentação com a (mera) inclusão de mapas justificativos ininteligíveis, dos quais não é possível (ao menos, de forma clara e esclarecedora) perceber onde radicam as diferenças para o cálculo da Requerente, nem quais as suas causas, ou mesmo em que é que o cálculo da Requerente não traduz o cumprimento das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis, ou porque motivo o novo cálculo a que procede a AT corresponde a um melhor cumprimento das normas contabilísticas e fiscais aplicáveis.
Perante a fundamentação insuficiente, omissa, e de escasso esclarecimento contida no RIT, é de concluir a verificação de um vicio de fundamentação que determina ser o ato em crise anulável (também) quanto às correções de € 41.444,59 e € 132.404,50 relativas, respetivamente, à desconsideração das diferenças cambiais desfavoráveis em saldos sem e com registo de operações comerciais no período. Assim sendo, o ato de liquidação é nesta parte ilegal, por ausência da fundamentação devida e violação do disposto no artigo 77.º da LGT, nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo, e por fim, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, o que o torna anulável.
Esta falta de fundamentação praticada pela AT no RIT volta a acontecer em sede de indeferimento da reclamação graciosa, já que a AT se limita a replicar o exposto na fundamentação do ato de liquidação em crise, sem atender aos argumentos e à prova documental carreados pela Requerente (como, aliás, já havia feito em sede de exercício de audição prévia ao RIT) – vício autónomo do ato de segundo grau que expressamente se invoca.
Análise e apreciação do Tribunal Arbitral
Quanto às diferenças cambiais desfavoráveis em saldos sem e com registo de operações comerciais no período de 2017, a posição da Requerente consiste, no essencial, em alegar vício de falta fundamentação, que, no seu entender, é insuficiente, omissa, e de escasso esclarecimento. Mais uma vez não está em causa qualquer divergência entre Requerente e Requerida quanto ao regime contabilístico e fiscal aplicável a estas variações cambiais, sendo ambas as Partes concordantes em que as variações cambiais são de registar contabilisticamente e, consequentemente, relevantes para efeitos do apuramento do lucro tributável sujeito a IRC.
Relativamente à alegada falta de fundamentação, cumpre relembrar que a exigência de fundamentação dos atos tributários decorre, nomeadamente, dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e 77.º da LGT. Quanto aos requisitos de fundamentação estabelece o artigo 77.º da LGT:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Relativamente ao RIT que antecedeu a emissão da liquidação de IRC n.º 2021..., a Requerente diz não compreender os cálculos que foram efetuados pela AT e em que medida os mesmos divergem dos seus próprios cálculos. A este propósito, interessa trazer à colação o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 31 de outubro de 2006 e proferido no processo n.º 122/04:
“No caso “sub judice” a liquidação impugnada foi precedida de uma acção de fiscalização que deu origem ao relatório da inspecção tributária junto aos autos e em devido tempo dado a conhecer ao impugnante. É através da inspecção efectuada que se confirma, corrige ou determina a matéria colectável, objecto de liquidação. Assim, embora as liquidações “stricto sensu” constituam os actos tributários por excelência, devem ser analisadas em conjunto com o relatório da inspecção tributária, da qual são uma consequência, sendo este um acto administrativo preparatório daquelas. O acto tributário tem uma inevitável componente de liquidação, pois constitui o acto finalizador de determinação da dívida fiscal (...) O conceito de acto tributário contem em si o conceito de liquidação, ao completar o momento de quantificação da dívida, nos casos em que a lei o exige (...). Saldanha Sanches “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2a ed. Lex, 2000, pp. 115. Veja-se, na jurisprudência, o sumário do Ac. do STA de 20 de Fevereiro de 2002, in “Antologia de Acórdãos do STA e TCA”, n° 2, 2002, pp 200. e segs. com o seguinte teor: A fundamentação tem que ser expressa, clara, suficiente e congruente. Se do Relatório da fiscalização, é possível conhecer o iter cognoscitivo que levou a AF à prática do acto, este está fundamentado. É nesta visão de conjunto que o impugnante encontrará a fundamentação dos actos tributários (Cfr. Art.° 63 n.° 1 do R.C.P.I.T. (…) Analisado o conteúdo do relatório unto aos autos, e sua articulação com a liquidação devidamente notificada ao contribuinte, após procedimento de revisão, verifica-se que o acto tributário se encontra devidamente fundamentado, sem ambiguidades nem obscuridades, nem qualquer contradição.(…)”
E tal como referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24 de maio de 2012, processo n.º 00731/09.0BEPNF:
“está suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa”.
Interessa ainda notar que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do ato, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de novembro de 1998, processo n.º 31339).
É também incontroverso, atenta a jurisprudência maioritária, que a fundamentação é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo suficiente quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra, e possa optar pela adoção dos meios de defesa, administrativos ou contenciosos, com vista à impugnação do ato (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de maio de 2018, processo n.º 0572/17, e Decisão Arbitral proferida no processo n.º 109/2016-T CAAD).
Uma liquidação de imposto não sofre do vício de falta de fundamentação quando a Autoridade Tributária apresenta, no relatório de inspeção tributária que procedeu a emissão da liquidação de imposto, de forma percetível para um destinatário normal, o método, os passos e os elementos que utilizou para calcular as variações cambiais relevantes, de modo a que seja possível ao sujeito passivo conhecer o iter cognoscitivo que levou a AT a efetuar correções ao lucro tributável do sujeito passivo (incluindo as razões de facto e/ou direito que as fundamentaram), e a que ao sujeito passivo seja permitido exercer plenamente o seu direito de contestar a legalidade da liquidação de imposto. Tendo a AT cumprido o seu dever de fundamentação no RIT que precede uma liquidação de imposto (nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT), cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar os erros de facto e/ou de direito cometidos pela AT no cálculo das variações cambiais relevantes.
Regressando ao caso em apreço: da leitura do RIT afiguram-se suficientemente claros os passos lógicos e cálculos que levaram ao apuramento das variações cambiais por parte da AT. Vejamos.
A AT indicou, para cada conta com saldos em USD e sem registo de operações comerciais, o respetivo saldo de abertura a 1 de janeiro de 2017 (identificado no primeiro quadro infra como “novo saldo, em Euros”), o qual tem em consideração os elementos fornecidos pela própria Requerente, correspondendo logicamente os saldos de fecho no final do exercício de 2016 aos saldos de abertura para o exercício de 2017. Abaixo reproduz-se o quadro constante do RIT relativamente aos saldos sem registo de operações comerciais no período:
Tomando como exemplo o cliente “O...”, verifica-se que o “novo saldo, em Euros” foi encontrado da seguinte forma: o valor em USD a receber pela Requerente no final de 2016 de USD 425.424,98 foi convertido em Euros, aplicando a taxa de câmbio à data de fecho (1,0541), o que resulta num “novo saldo, em Euros” de 403.590,73 para o exercício de 2017.
De forma a apurar as variações de câmbio relevantes à data do balanço do período de 2017 (encerramento de exercício), a AT apresenta o quadro com a taxa de câmbio no final de 2017, conforme se reproduz de seguida:
Verifica-se, ainda dando como exemplo o cliente “O...”, que, sendo a taxa cambial de fecho de 1,1993, o “novo saldo, em Euros” é de € 354.727,74 (valor em USD dividido pela taxa de câmbio), o que representa uma desvalorização cambial de € 48.862,99, ou seja, a diferença entre o saldo inicial de € 403.590,73 e o saldo final de € 354.727,74.
Conclui-se, assim, que, relativamente aos clientes sem registo de operações comerciais, e com base na informação prestada pela Requerente à AT no decorrer do processo inspetivo (nomeadamente, os saldos finais a 31 de dezembro de 2016, que serão naturalmente os saldos iniciais a 1 de janeiro de 2017, e a taxa de câmbio a 31 de dezembro de 2017), a AT apurou os saldos finais a 31 de dezembro de 2017 em Euros (moeda funcional), bem como a desvalorização cambial ocorrida no período.
Não há dúvida que a diferença de câmbio é constituída pela diferença entre o valor escriturado do saldo à data de início do período (que coincide com o valor escriturado do saldo à data de fecho do período precedente por aplicação da taxa de câmbio de fecho deste último) e o valor do mesmo saldo à data de fecho do período (por aplicação da taxa de câmbio de fecho deste último).
Relativamente aos saldos em que existem operações comerciais no período (por exemplo, a emissão de nova fatura para um dado cliente), os cálculos da AT tiveram de ser ajustados em conformidade, uma vez que se verifica um movimento no saldo durante o exercício de 2017.
Tomando como exemplo o cliente L..., cujo saldo em dívida, segundos os elementos fornecidos pela Requerente, era de USD 150.286,95 (Anexo I, pág. 31, do RIT):
Sendo a taxa de câmbio no final de 2016 de 1,0541, o saldo de abertura de 2017, em Euros, seria então de 142.573,72. Conforme os elementos fornecidos pela Requerente, verificou-se para este cliente a emissão de uma fatura em 1 de setembro de 2017, cujo contravalor em Euros foi de € 206,62 (cf. Anexo I, pág. 40, do RIT). A AT usou o câmbio à data (1.192), tendo assim achado o valor de USD 246,29, o que deve acrescer ao valor da dívida em USD, ou seja 150.286,95 + 246,29 = 150.533,24, conforme se vê então no quadro apresentado pela AT no RIT:
Desta forma, aplicando a taxa de câmbio de final do ano (2017) ao saldo em USD, o novo saldo em Euros é de € 125.517,59, o que determina uma desvalorização cambial de € 17.262,75 (que corresponde à diferença entre o novo saldo de € 125.517,59 e o saldo de abertura de € 142.573,72, acrescido do valor da fatura de € 206,62).
Conclui-se, assim, que, também relativamente aos clientes com registo de operações comerciais, e com base na informação prestada pela Requerente à AT no decorrer do processo inspetivo (nomeadamente, os saldos finais a 31 de dezembro de 2016, que serão naturalmente os saldos iniciais a 1 de janeiro de 2017, os extratos de conta, de onde se retiram os movimentos de faturas, notas de crédito e recebimento, e a taxa de câmbio à data de fecho), a AT apurou os saldos finais a 31 de dezembro de 2017 em Euros (moeda funcional), bem como a desvalorização cambial ocorrida no período.
Do exposto resulta que, quer num caso, quer no outro, o método e os cálculos apresentados pela AT no RIT são percetíveis para um destinatário normal, que, atento ao teor do RIT, poderia também compreender e apreender a razão de ser e os fundamentos da emissão da liquidação de IRC contestada. Nesta medida, o Tribunal Arbitral conclui que o RIT permite identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso da AT para chegar ao valor total das correções, dando a conhecer à Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro. Resta ao Tribunal Arbitral concluir que a AT cumpriu o seu dever de fundamentação relativamente à liquidação de IRC n.º 2021..., de 25 de outubro de 2021 (nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT).
É também evidente que a Requerente teve conhecimento da fundamentação deste ato de liquidação, o que lhe permitiu vir discuti-lo através da reclamação graciosa, bem como na presente ação arbitral, e assim exercer plenamente o seu direito de contestar a legalidade da liquidação de imposto.
Em consequência, não procede o vício de falta de fundamentação que a Requerente imputa à liquidação de IRC n.º 2021..., na parte relativa às diferenças cambiais desfavoráveis em saldos sem e com registo de operações comerciais no período de 2017. Por último, cabe referir que, tendo a AT cumprido o seu dever de fundamentação da liquidação de imposto em apreço, cabia à Requerente o ónus de demonstrar os erros de facto e/ou de direito cometidos pela AT no cálculo das variações cambiais relevantes, o que não logrou fazer.
Relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022..., assiste razão à Requerente quando defende que, por força do princípio do inquisitório contido no artigo 58.º da LGT, a AT tem o dever de analisar os elementos juntos pela Requerente no decorrer do procedimento de reclamação graciosa com vista a fazer prova dos factos que alega, e que uma conduta omissiva da AT neste âmbito resultaria numa violação do referido principio do inquisitório e do dever de descoberta da verdade material.
Todavia, ao contrário do que defende a Requerente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022... também não enforma o vício de violação do princípio do inquisitório e do dever de descoberta da verdade material.
A este propósito, cumpre relembrar que a liquidação controvertida teve origem num procedimento de inspeção no âmbito do qual a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia sobre o projeto de correções operadas pela AT, o que veio efetivamente a fazer, e que os argumentos invocados pela Requerente foram devidamente valorados pelos AT no RIT. De facto, da leitura do RIT resulta que a AT analisou os elementos contabilísticos, quadros, e Acordos de Fixação de Câmbio apresentados pela Requerente, bem como as explicações oferecidas pela Requerente na sequência de pedido de esclarecimentos. Da leitura do RIT resulta também que a AT informou a Requerente da sua análise.
Sucede que, no decorrer do procedimento de reclamação graciosa, a Requerente não invocou factos novos nem apresentou elementos probatórios ou argumentos inovadores capazes de abalar a análise e conclusão a que a AT havia chegado no decorrer do procedimento de inspeção, limitando-se a Requerente, no essencial, a repetir a argumentação invocada no âmbito do procedimento inspetivo.
Considerando as diligências efetuadas pela AT no decorrer do procedimento inspetivo e do procedimento de reclamação graciosa torna-se claro que a AT observou devidamente o princípio do inquisitório porquanto analisou os elementos declarados, procurou obter esclarecimentos junto da Requerente, e procedeu à verificação e valoração das justificações apresentadas pela Requerente. Não se deteta qualquer diligência que devesse ter sido realizada e não o tenha sido. Nesta medida, consideram-se como efetuadas todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e para a descoberta da verdade material atendendo aos artigos 58.º a 75.º da LGT. Com este fundamento, improcede o vício formal do procedimento da reclamação graciosa invocado pela Requerente.
Por último, note-se que o princípio do inquisitório não significa que AT se encontra sujeita a uma obrigação ilimitada de prova, não lhe sendo exigível provar factos cuja prova constitui ónus dos contribuintes, como resulta claríssimo do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12 de janeiro de 2012, proferido no processo nº 00624/05.0BEPRT:
“O princípio do inquisitório encontra, como se sabe, a sua justificação na prossecução do interesse público imposto à Administração Tributária e no dever de imparcialidade que norteia toda a actividade administrativa (artigos 266º, nº 1, da CRP e 55º da LGT). Como é evidente, esta obrigação da Administração de averiguar a verdade material não retira aos contribuintes o seu dever de colaboração na produção de provas, como resulta do artigo 59º da LGT. No entanto, como tem vindo a ser entendido, a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, pode ser fundamento de ilegalidade do acto tributário ou em matéria tributária. Porém, sem prejuízo daquilo que ficou dito, deve ter-se presente o seguinte, por forma a evitar cair num erro que pode ser fatal na apreciação destas questões: o princípio do inquisitório não obriga a Administração a investigar, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova, pretensões sem o mínimo de suporte probatório. Por outras palavras, e no que toca ao alcance de tal princípio, “a previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela Administração é valorada processualmente contra ela (art. 74.º, n.º 1, da L.G.T.)” Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 1999, Vislis Editores, pág. 192.”.
No caso em apreço, em momento algum a Requerente procurou abalar o método ou os elementos considerados pela AT nos cálculos, argumentando unicamente que não os entendia e que, nessa medida, o ajustamento não deveria proceder. Acontece que, tal como referido supra, estando os passos dados pela AT devidamente identificados, afigurando-se lógicos para um destinatário médio, caberia ao Requerente o ónus de demonstrar em que passo, ou em que elementos, a AT se equivocou, o que a Requerente não logrou fazer.
A verdade é que, relativamente às diferenças cambiais desfavoráveis em saldos sem e com registo de operações comerciais no período de 2017, a Requerente não identificou o erro da AT, nem contestou os saldos de abertura ou os saldos de fecho, nem as taxas de câmbio assumidas pela AT (com base na informação prestada pela Requerente).
Em suma: analisadas a liquidação de IRC n.º 2021..., de 25 de outubro de 2021, conjuntamente com o RIT, e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022..., conclui-se que, na parte relativa às diferenças cambiais desfavoráveis em saldos sem e com registo de operações comerciais no período de 2017, as mesmas se encontram devidamente fundamentadas, sem ambiguidades nem obscuridades.
Improcede assim, também quanto a este ajustamento, o pedido de anulação formulado pela Requerente.
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Tributação autónoma sobre despesas de representação
Síntese da posição da AT no RIT
Nas subcontas de deslocações e estadas foram registados viagens e alojamentos em nome de terceiros não remunerados pela Requerente (seja a esposa de um gerente, ou pessoas que pertencem ao quadro de outras empresas do grupo), que beneficiaram de viagens e/ou alojamentos pagos pela Requerente. Os gastos, no montante de € 16.542,58, constituem “despesas de representação” e estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 20%, no montante de € 3.308,52, nos termos do artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC.
É de rejeitar o argumento da Requerente de que se tratam de despesas incorridas no exercício da atividade empresarial direta da empresa, e não de “despesas de representação”. O artigo 88.º, n.º 7, do Código do IRC refere despesas suportadas com “clientes ou fornecedores ou ainda com quaisquer outras pessoas ou entidades”. Acresce que a Requerente não juntou o contrato de prestação de serviços que alega ter celebrado com a sociedade T..., S.A. (por não existir um contrato formal), pelo que não se entende a alegação da Requerente de que a AT tem conhecimento deste contrato.
Síntese da posição da Requerente
As despesas com deslocações e estadas dos colaboradores da sociedade C... Lda. não têm em vista a representação da Requerente perante terceiros, como sejam clientes ou fornecedores, mas antes custear as deslocações de funcionários de uma sociedade integrante do mesmo grupo de sociedades, a C..., que presta serviços de administração e de gestão (faturados) à Requerente, tendo as referidas despesas sido incorridas no quadro destes serviços. Tratam-se, assim, de despesas acessórias à prestação dos serviços referidos, ou seja, despesas incorridas no exercício da atividade empresarial direta da Requerente.
Neste sentido, as despesas em causa não podem enquadrar-se no conceito de “despesas de representação” para efeitos do n.º 7 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação vigente em 2017), em especial, porque o único motivo pelo qual a AT assim as qualifica é por entender que são incorridas com terceiros à sociedade. Porém, os funcionários D..., E... e F..., não eram verdadeiramente terceiros à Requerente – pelo menos perante o conceito de “despesas de representação” – porquanto integravam os quadros de outra sociedade do Grupo LL... (a C...).
Conclui-se, assim, que as despesas controvertidas têm, exatamente, uma finalidade estritamente empresarial e não aproveitam, de modo algum, a terceiros à sociedade ou ao grupo de sociedades, mas antes a colaboradores do mesmo grupo empresarial, sendo incorridas no âmbito do desempenho de serviços de administração e de gestão (faturados) à Requerente.
Se a AT reconhece que o objetivo da tributação autónoma é tentar evitar que o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens e serviços que geraram custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, então a Requerente não percebe de que forma as despesas supra identificadas (decorrentes do exercício de funções administrativas e de gestão) podem ser qualificadas de despesas sem finalidade empresarial ou uma qualquer forma de remuneração de terceiras entidades – sendo, por isso, a tributação autónoma parcialmente ilegal, por violação de lei e erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser parcialmente anulada.
Mais uma vez, a fundamentação, ainda que agora extensa, é ininteligível, até porque as explicações dadas pelo sujeito passivo não foram consideradas pela AT quer no ato de primeiro grau (neste caso, as proferidas no direito de audição, de qua a AT mais uma vez fez letra morta), quer no ato de segundo grau (agora, as constantes da reclamação graciosa à qual a AT fez ouvidos de mercador).
Análise e apreciação do Tribunal Arbitral
A liquidação de IRC contestada inclui tributação autónoma no valor total de € 3.308,52, correspondendo este valor a despesas que a AT qualificou como sendo de representação, no total de € 16.542,58. A Requerente não contesta a totalidade destes valores.
Cumpre notar, em primeiro lugar, a falta de coerência entre o valor das despesas que a Requerente pretende contestar (cfr. artigos 107.º e 108.º do PPA) e o valor da tributação autónoma que a Requerente pretende contestar (cfr. artigos 109.º e 110.º do PPA). Senão vejamos.
Da leitura dos artigos 107.º e 108.º do PPA resulta que a Requerente pretende contestar a legalidade da tributação autónoma que incidiu sobre despesas no montante de € 7.830,68, sendo a tributação autónoma sobre este valor de € 1.566,14 (por aplicação de uma taxa de 20%, nos termos do artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC, na redação em vigor em 2017). Sendo o valor total da tributação autónoma de € 3.308,52 (20% de € 16.542,58), isto significa que a Requerente não pretendeu contestar o valor de € 1.742,38 (correspondente à diferença entre € 3.308,52 e € 1.566,14).
Todavia, da leitura dos artigos 109.º e 110.º do PPA retira-se que a Requerente pretendeu contestar tributação autónoma no montante de € 1.494,54, e aceitou tributação autónoma no montante de € 1.813.98 (correspondente à soma de € 1.028,78 e € 785,20).
Para efeitos de apreciar a legalidade da tributação autónoma operada oficiosamente pela AT, o Tribunal Arbitral assumirá, como valor contestado pela Requerente, o valor das despesas indicadas como contestadas no PPA (cfr. artigos 107.º e 108.º do PPA), no valor de € 7.830,68, sendo a discriminação a seguinte: (i) € 912,32, valor correspondente a cinco despesas com D...; (ii) € 6.029,50, valor correspondente a sete despesas com E...; e (iii) € 888,86, valor correspondente a duas despesas com F... (uma de € 168,90, e outra de € 719,96).
Isto significa que o Tribunal Arbitral assumirá que a Requerente contestou tributação autónoma no valor de € 1.566,14. Significa também que a Requerente não contestou as despesas de (i) KK..., quadro da MM..., Lda. (€ 130,90), (ii) U..., quadro da W..., S.A. (€ 4.653,00), (iii) X... (€ 3.242,00), (iv) II... (€ 344,00), e (v) e três outros colaboradores não identificados (€ 342,00).
Em segundo lugar, interessa sublinhar que o Tribunal Arbitral deu como provado que: “Em 2017, os serviços administrativos e de gestão da Requerente eram assegurados pela C... Lda., com o NIF ..., sociedade esta que integrava o mesmo grupo de sociedades da Requerente, e que faturava os referidos serviços como prestações de serviços à Requerente”.
Estabelecidos os valores contestados pela Requerente e mencionada a factualidade relevante, interessa apreciar a posição das partes.
As Partes contendem sobre se os custos incorridos pela Requerente com deslocações e estadas de colaboradores da sociedade C... Lda. (i.e., de uma sociedade do mesmo grupo empresarial) (1) constituem despesas incorridas no exercício da atividade empresarial direta da Requerente, não sujeitas a tributação autónoma (como sustenta a Requerente), ou (2) se estão em causa “despesas de representação” para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação vigente em 2017), caso em que estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 20% (como sustenta a Requerida).
A posição manifestada pela AT no RIT é sustentada no argumento de que as despesas que deram origem a tributação autónoma foram incorridas com terceiros não remunerados da Requerente, que beneficiaram de viagens e alojamentos a expensas da Requerente, assumindo, por isso, tais despesas a qualificação de “despesas de representação” para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação vigente em 2017).
A Requerente defende que as despesas contestadas constituem despesas de deslocação e estada com colaboradores da sociedade C... Lda. (do mesmo grupo de sociedades da Requerente), no âmbito de um contrato de prestação de serviços administrativos e de gestão entre esta sociedade e a Requerente, em virtude da execução dessas funções, pelo que não foram realizadas a favor de terceiros e, consequentemente, não constituem “despesas de representação” para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC (na redação vigente em 2017).
Constituem “despesas de representação” para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC, as despesas “suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades” (sublinhado nosso). O objetivo da sujeição destas despesas a tributação autónoma é tentar dissuadir as empresas de utilizar, para fins não empresariais, bens e serviços que geram custos fiscalmente dedutíveis, e de pagar remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes.
Nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de outubro de 2022, proferido no processo n.º 979/12.0BESNT: “As despesas de representação, a que se refere o n.º 7, do artigo 81.º do CIRC, são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde esta não se encontra presente, logo, fora da sua atividade principal.”
Convocando também uma passagem relevante da Decisão Arbitral proferida no processo nº 161/2018-T, de 3 de janeiro de 2019:
“Parece claro que as despesas de representação são gastos motivados por razões empresariais mas que, de algum modo, possam aproveitar a terceiros externos à sociedade ou ao grupo de sociedades, sendo esse o caso do pagamento de refeições, despesas decorrentes de convites e pagamento de bilhetes para espetáculos a pessoas com as quais a empresa tem ou pretende vir a ter relações comerciais.
Não são de qualificar como despesas de representação os gastos incorridos com viagens e estadia de administradores e colaboradores para participarem em reuniões de liderança ou em assembleias gerais, da própria sociedade ou de sociedades participadas, por serem deslocações diretamente relacionadas normal atividade empresarial. Como o não são os gastos decorrentes de reuniões de confraternização quando apenas envolvam administradores e colaboradores, e não outras pessoas estranhas à empresa”.
No caso sub judice, a AT não explica, quer no RIT, quer no presente processo arbitral, em que medida a informação que foi recolhida junto da Requerente lhe permite concluir que, no que respeita às despesas alvo de litígio, se trataram de “despesas de representação” da Requerente para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC, entendendo-se estas como aquelas que se destinem a aproveitar terceiros externos à Requerente, e que são incorridas fora da atividade empresarial normal da Requerente. Incluídas neste conceito de “despesas de representação” encontram-se despesas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos a terceiros externos à empresa com vista a promover a imagem empresarial junto de tais terceiros externos à empresa (e.g., fornecedores ou clientes).
In casu, o Tribunal Arbitral deu como provado que as despesas com deslocações e estada de colaboradores da C... Lda. foram assumidas pela Requerente visto que as despesas foram incorridas no quadro da prestação de serviços comerciais pelos ditos colaboradores à Requerente. Na inquirição, as Testemunhas A, B e C reforçaram a existência de uma relação de prestação de serviços entre a C... Lda. e a Requerente, sendo que as despesas em questão se trataram dos custos incorridos na prestação desses serviços (nomeadamente, viagens) e que foram faturados diretamente à Requerente. Assim, estão em causa despesas incorridas pela Requerente na prossecução da sua atividade normal, e não de despesas incorridas pela Requerente com ofertas unilaterais a terceiros externos à Requerente com o intuito de promover a imagem empresarial da Requerente.
Conclui-se, assim, que as despesas contestadas pela Requerente não se enquadram no conceito de “despesas de representação” para efeitos dos n.ºs 7 e 14 do artigo 88.º do Código do IRC.
Salvo o devido respeito, a argumentação expendida pela AT, quer no RIT, quer no presente processo arbitral, está sobretudo orientada para pôr em causa a existência de uma efetiva prestação de serviços pela C... Lda. à Requerente, alegando a inexistência de contrato escrito ou outra documentação que corporize essa prestação de serviços. Contudo, com base na prova produzida, o Tribunal Arbitral deu como provado que a C... Lda. prestava serviços à Requerente, não sendo exigido contrato escrito para o efeito.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral considera procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC n.º 2021..., na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas de representação que foi contestada pela Requerente, no montante de € 1.566,14.
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Dos juros compensatórios
Dispõe o artigo 35.º da LGT que os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto. Estes juros são aplicáveis por ocasião da omissão de declarações ou de apresentação de documentos, ou da falta de autoliquidação ou insuficiente liquidação, bem como da falta de participação em qualquer ocorrência ou situação que tive como consequência o atraso da liquidação.
A liquidação de IRC n.º 2021..., no valor de € 3.739,62, inclui tributação autónoma sobre despesas de representação no montante de € 3.308,52 e juros compensatórios no montante de € 431,10.
Resulta da presente Decisão Arbitral a anulação de tributação autónoma no montante de € 1.566,14 e, consequentemente, dos juros compensatórios liquidados sobre este montante.
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Dos juros indemnizatórios e do reembolso do imposto indevidamente pago
Nos termos do artigo 43.º. n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT.
Conforme decidido, a AT fez uma errada interpretação das normas de tributação autónoma contidas no artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC (na redação em vigor em 2017), padecendo a liquidação de IRC n.º 2021... de erro de direito imputável à AT. Deste erro resultou o pagamento de imposto (€ 1.566,14) e juros compensatórios em montante superior ao legalmente devido.
Desta forma, deve a Requerente ser reembolsada do valor pago em excesso (€ 1.566,14, acrescido de juros compensatórios), bem como os correspondentes juros indemnizatórios calculados com base nesse valor, contados desde a data do respetivo pagamento indevido (2 de novembro de 2021) até à data do processamento da respetiva nota de crédito (cfr. artigo 43.º, n.º 1, da LGT e artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
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DECISÃO
Termos em que se decide julgar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente e, consequentemente:
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Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2021..., no montante de € 1.566,14 (tributação autónoma sobre despesas de representação), acrescido dos juros compensatórios liquidados sobre este montante;
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Declarar ilegal e anular parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022..., na parte relativa à tributação autónoma sobre despesas de representação;
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Condenar a AT a reembolsar o montante de tributação autónoma e juros compensatórios pago indevidamente pela Requerente;
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Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios sobre o montante a reembolsar à Requerente (a título de tributação autónoma e juros compensatórios), desde 2 de novembro de 2021 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 286.902,48.
Relativamente ao valor da causa, reproduz-se, na parte relevante, o Despacho Arbitral de 19 de maio de 2023 emitido por este Tribunal Arbitral:
“(1) À luz da jurisprudência refletida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-01-2019, processo n.º 62/18.4BCLSB, não é de considerar o valor da poupança fiscal, à taxa de 22,5%, decorrente da aceitação de prejuízos fiscais (€ 285.336,34), como pretende a Requerente.
(2) A interpretação sugerida pela Requerente no requerimento que apresentou em 15-05- 2023 foi também rejeitada pelo Supremo Tribunal Administrativo em 14-10-2020, por Acórdão proferido no processo n.º 062/18.4BCLSB, no qual se pode ler:
“a utilidade económica do pedido a não é aferível pelo valor que a recorrente encontrou mediante a aplicação de uma tax a ao montante das correcções impugnadas o qual sempre seria meramente hipotético porquanto não corresponde efectivamente a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios.
De resto, é por demais evidente que os prejuízos apurados até poderão nunca vir a ser relevantes para a prática de qualquer acto de liquidação, ficando a sua eventual relevância dependente de em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for legalmente admissível fazer o reporte dos prejuízos vir a ser apurado lucro tributável sem recurso a métodos indirectos e não existirem prejuízos referentes a outros períodos de tributação anteriores que excedam esse lucro tributável”.
(3) Tal como resulta deste Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o valor da utilidade económica do pedido, para efeitos do artigo 10.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, é determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT: “o RJAT não congloba um critério de determinação do valor dos litígios visando os casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável, por não ser possível confinar a utilidade económica desses pedidos, sendo forçoso concluir que a menção ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 visou conformar o valor dos litígios segundo as regras constantes do CPPT, mormente a ínsita na al. b) do art. 97º-A do CPPT da qual resulta que a atribuição ao valor da causa corresponde ao das correcções impugnadas.”
(4) Seguindo também de perto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul supra identificado, o Tribunal Arbitral considera que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, “a utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa”.
(5) Pelo exposto, fixa-se ao processo o valor de € 286.830,88, correspondente à soma de € 1.494,54 (valor contestado a título de tributação autónoma alegadamente indevida), e € 285.336,34 (valor das correções realizadas pela AT e contestadas no pedido de pronúncia arbitral, o qual passará a integrar a esfera de direitos da Requerente se esta obtiver ganho de causa), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).”
Note-se que, para efeitos deste Despacho Arbitral de 19 de maio de 2023, o Tribunal Arbitral considerou o alegado pela Requerente no artigo 124.º do PPA (em que é indicado o montante de € 1.494,54 como tributação autónoma indevida). Todavia, na presente Decisão Arbitral, com base no alegado pela Requerente nos artigos 107.º e 108.º do PPA, o Tribunal Arbitral assumiu que a Requerente pretendeu contestar a legalidade da tributação autónoma que incidiu sobre despesas no montante de € 7.830,68, sendo a tributação autónoma sobre este valor de € 1.566,14 (por aplicação de uma taxa de 20%, nos termos do artigo 88.º, n.ºs 7 e 14, do Código do IRC, na redação em vigor em 2017).
Assim, o Tribunal Arbitral determina a alteração do valor da causa de € 286.830,88 para € 286.902,48, não tendo esta alteração qualquer repercussão no valor das custas arbitrais.
Note-se ainda que, sendo a tributação autónoma materialmente distinta da tributação das empresas em sede de IRC, porquanto a primeira incide sobre gastos empresariais e a segunda sobre o lucro tributável da empresa, embora reguladas normativamente em sede de IRC (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2016), o Tribunal Arbitral calculou o valor da causa (€ 286.902,48) somando (a) o montante da tributação autónoma contestado pela Requerente (€ 1.566,14) ao (b) montante das correções em sede de IRC contestado pela Requerente (€ 285.336,34).
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, ficando € 5.173,39 a cargo da Requerente e € 28,61 a cargo da Requerida, na proporção do respetivo decaimento (a Requerida obteve vencimento quanto às correções em sede de IRC que a Requerente contestou; a Requerente obteve vencimento quanto à tributação autónoma que contestou).
Notifique-se.
Lisboa, 8 de agosto de 2023
Árbitra Presidente
Rita Correia da Cunha
Árbitro vogal
Jorge Belchior de Campos Laires
Árbitro vogal
Vasco António Branco Guimarães