Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 181/2023-T
Data da decisão: 2023-08-03  IRC  
Valor do pedido: € 215.065,67
Tema: IRC. Promessa de compra e venda. Tradição dos bens. Transmissão onerosa. Mais-valias.
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Sumário:

I – Para efeito da aplicação do regime de mais-valias ou menos-valias realizadas, a promessa de compra e venda de um imóvel constitui uma transmissão onerosa, quando seja acompanhada da transmissão da posse para o promitente comprador.

II - Verifica-se a caducidade do direito à liquidação de imposto, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, quando se pretende tributar, em 2018, um rendimento que o sujeito passivo auferiu em julho de 2012, por efeito da transmissão onerosa de um imóvel.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., portador do cartão de cidadão n.º ... e titular do número de identificação fiscal ..., residente no ..., n.º ..., ...-... Lisboa,  apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de IRC de 2015 n.º 2018 ..., de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e de liquidação de juros moratórios n.º 2018 ..., nos valores de € 196.779,23, € 18.114,47 e € 171,57, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

Em 9 de julho de 2012, a sociedade B..., Lda. e a sociedade C..., Lda., celebraram, entre si, na qualidade de promitente vendedora e de promitente compradora, um contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, do prédio urbano sito da Ruas ..., em ..., inscrito sob o artigo ... na matriz dessa freguesia, pelo preço de € 750.000,00.

 

O valor patrimonial tributário do imóvel era de € 1.117.330,00.

 

Na data da celebração desse contrato-promessa de compra e venda verificou-se a transmissão da posse do imóvel para a promitente adquirente. 

 

No dia 5 de julho de 2012, antes da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a promitente adquirente apresentou a declaração de modelo oficial para efeitos da liquidação do IMT, tendo sido liquidado e pago o imposto no montante de € 72.626,45.

 

Em 11 de maio de 2015, foi outorgada a escritura pública de compra e venda do imóvel.

 

Por ofício datado de 28 de agosto de 2018, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa notificaram a sociedade B..., Lda. para, no prazo de 15 dias, proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2015, efetuando a correção correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor constante do contrato.

 

Em 18 de setembro de 2018, a sociedade B..., Lda. submeteu a declaração modelo 22 de IRC de substituição, tendo aí inscrito o montante de € 409.229,88 no campo 745 do quadro 7, tendo sido emitidos, na sequência, os atos tributários impugnados.

 

Os actos tributários enfermam de ilegalidade, porquanto a promessa de compra e venda, logo que verificada a tradição dos bens, constitui uma transmissão onerosa para efeitos da aplicação do regime das mais-valias ou menos-valias realizadas, de onde se conclui que a transmissão onerosa geradora da mais-valia imobiliária ocorreu no exercício de 2012, por efeito da promessa de compra e venda do imóvel, e não no exercício de 2015, quando teve lugar a outorga da escritura pública de compra e venda.

 

Pelo que os atos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 5, alínea a), do CIRC, do princípio da especialização dos exercícios, a que se refere o artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC e da orientação genérica constante da informação vinculativa que consta do documento n.º11 junto ao pedido arbitral.

 

Acresce que se verificou a caducidade do direito à liquidação, uma vez que a transmissão fiscal geradora da mais-valia imobiliária ocorreu em 9 de julho de 2012, com a promessa de compra e venda do imóvel, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos se iniciou no dia 1 de janeiro de 2013, tendo terminado no dia 31 de dezembro de 2016.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere que a promessa de compra e venda de bens apenas é considerada como transmissão onerosa, para efeito de realização de mais ou menos-valias, quando se verifique a tradição dos bens, sendo que, no caso concreto, não foi efectuada a prova da ocorrência da tradição, em julho de 2012, na data em que a sociedade C..., Lda. procedeu à liquidação do IMT.

 

Contabilisticamente, verifica-se que o imóvel sob análise se manteve afeto à atividade da sociedade B..., Lda., tendo sido objeto de depreciação até 2015 e foi apenas nesse ano que o rendimento foi reconhecido na conta SNC 7871.

 

Quanto ao argumento segundo o qual a promitente compradora procedeu ao pagamento do IMT que se mostrava devido, em 5 de julho de 2012, em resultado da alegada transmissão onerosa de imóvel, interessa considerar que o que releva, no âmbito do IRC, são os rendimentos obtidos em cada período de tributação e, no caso em análise, o reconhecimento contabilístico apenas operou em 2015. Essa circunstância demonstra que, em substância, a sociedade B..., Lda., considerou que a transmissão apenas se efetivou com a celebração da escritura de compra e venda.

 

Em necessária decorrência, não tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação, pelo decurso do prazo de 4 anos previsto no artigo 45.º da LGT, quando, em 2018, foram praticados os actos de liquidação.

 

Por outro lado, a norma do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, constitui uma norma antiabuso com a finalidade de conduzir os contribuintes a adotar um comportamento mais conforme à realidade relativamente aos valores declarados nos contratos de compra e venda de direitos reais sobre bens imóveis, corrigindo os valores de alienação/aquisição quando se verificar que o valor constante do contrato é inferior ao VPT definitivo do imóvel.

 

Apenas quando os sujeitos passivos optem por desencadear o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, isto é, façam prova inequívoca de que o preço efetivamente praticado na transmissão dos direitos reais sobre imóveis foi o valor declarado no contrato, será o valor do contrato que passará a ter relevância fiscal.

 

No caso, a Sociedade B..., Lda, não efectuou a prova de que preço efetivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário, e limitou-se a submeter a Declaração Mod.22 do IRC de substituição com a correção da diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.

 

Concluiu pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 10 de julho de 2023, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de   alegações, considerando que não existem novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30 de maio de 2023.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da caducidade do direito de acção.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.

 

  1. Em 9 de julho de 2012, as sociedades B..., Lda. e C..., Lda., celebraram, entre si, na qualidade, respetivamente, de promitente vendedora e de promitente compradora, um contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, do prédio urbano sito da Ruas ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ... da mesma freguesia, que constitui o documento n.º 4 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido.
  2. O preço acordado para a compra e venda foi de € 750.000,00.
  3. O valor patrimonial tributário do imóvel era de € 1.117.330,00.
  4. No dia 5 de julho de 2012, antes da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a promitente adquirente apresentou a declaração de modelo oficial para efeitos da liquidação do IMT.
  5. O IMT devido pela transmissão do bem imóvel foi liquidado pelo serviço de finanças no montante de € 72.626,45.
  6. O imposto liquidado foi pago pela sociedade C..., Lda., na qualidade de promitente adquirente, em 5 de julho de 2012.
  7. A promitente compradora ficou autorizada a proceder à alteração dos contratos de fornecimento de todo o tipo de serviços, água, luz, etc.
  8. As benfeitorias que o promitente comprador realizou ou venha a realizar no imóvel prometido vender ficarão a fazer parte integrante do mesmo, sem que haja lugar a indemnização ou compensação, em caso de incumprimento definitivo do contrato-promessa que lhe seja imputável.
  9. O imóvel objecto do contrato de promessa de compra e venda a que se refere a antecedente alínea A) foi prometido vender no contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 13 de janeiro de 2011.
  10.  Em 28 de outubro de 2011, as partes assinaram um aditamento ao contrato de promessa de compra e venda celebrado em 13 de janeiro de 2011, pelo qual a promitente vendedora reforçou o sinal em € 100.000,00, passou a deter a partir dessa data o imóvel prometido vender.
  11. As partes acordaram revogar o contrato de promessa de compra e venda celebrado em 13 de janeiro de 2011, substituindo-o pelo contrato de promessa de compra e venda celebrado em 9 de julho de 2012, a que se refere a antecedente alínea A).
  12. Na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda ocorreu a transmissão da posse do imóvel para a promitente adquirente. 
  13. Em 11 de maio de 2015, foi outorgada a escritura pública de compra e venda do imóvel, que constitui o documento n.º 5 junto ao pedido arbitral e aqui se dá como reproduzido.
  14. No âmbito de uma acção inspetiva em sede de IRC, referente ao exercício de 2015, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, por ofício datado de 28 de agosto de 2018, notificaram a sociedade B..., Lda. para proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição,  efetuando a correção do valor correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, conforme o disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC (documento n.º 6 junto ao pedido arbitral).
  15. O ofício é do seguinte teor:
  1. Nos termos do n.º 1 do artigo 64.º do (…) (CIRC), os sujeitos passivos que alienarem direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
  2. Dos cruzamentos efetuados através do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira, constatou-se existirem diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário definitivo dos imóveis por vós alienados e o valor constante dos respetivos contratos, sem que tal diferença conste da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC.
  3. Assim, ficam V. as Ex. as notificados, de acordo com o dever geral de colaboração previsto no artigo 59.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, para, no prazo de 15 dias, contados a partir do terceiro dia posterior ao do registo, proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de substituição, relativa ao(s) exercício(s) de 2015, efetuando a correção do valor correspondente a essas diferenças positivas, conforme consignado na alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, no campo 745 do quadro 07, do referido modelo, salvo se tiver sido efetuada a prova a que se referem os números 1 e 3 do artigo 139.º do CIRC, caso em que deve assinalar aquele valor no campo 416 do quadro 11 da mesma declaração.
  4. O incumprimento da presente notificação, no prazo estipulado, é considerado contraordenação fiscal, punível nos termos do artigo 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2011, de 5 de junho. Mais se informa do referido incumprimento, face ao disposto no artigo 59.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, far-se-ão de imediato as correcções que se mostrarem devidas com os elementos disponíveis nestes serviços.
  1. Em cumprimento dessa notificação, a sociedade B..., Lda., submeteu, com data de 18 de setembro de 2018, a declaração modelo 22 de IRC de substituição n. ... -..., relativa ao exercício de 2015, tendo aí inscrito o montante de € 409.229,88 no campo 745 do quadro 7 sob a epígrafe “diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art. 64.º, n.º 3 al. a)]” (documento n.º 7 junto ao pedido arbitral).
  2. Em 24 de setembro de 2018, a Autoridade Tributária emitiu os atos tributários de liquidação de IRC n.º 2018..., de liquidação de juros compensatórios n.º 2018 ... e de liquidação de juros moratórios n.º 2018..., nos valores de € 196.779,23, € 18.114,47 e € 171,57, respetivamente, referentes ao exercício de 2015 (documento n.ºs 2 e 3 juntos ao pedido arbitral).
  3. Em 12 de abril de 2022, o Requerente foi citado, na qualidade de revertido, para o processo de execução fiscal n.º ...2018..., instaurado, pelo Serviço de Finanças de Sintra – ..., contra a sociedade B..., Lda., para cobrança coerciva da dívida de IRC relativa ao exercício de 2015, dos respetivos juros compensatórios e dos respetivos juros de mora, no valor global de € 215.065,27  (documento n.º 8 junto ao pedido arbitral).
  4. Em 5 de maio de 2022, o Requerente procedeu ao pagamento do valor em dívida (documento n.º 9 junto ao pedido arbitral). 
  5. Em 1 de setembro de 2022, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos tributários impugnados (documento n.º 10 junto ao pedido arbitral). 
  6. Por ofício de 14 de dezembro de 2022, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida pelo Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grande Contribuintes (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral). 
  7. A informação dos serviços em que baseou a decisão de indeferimento, na parte relevante, é do seguinte teor:

            VI. Análise da reclamação

  1. O sujeito passivo não deixa de ter razão quando refere que a promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens, constitui uma transmissão onerosa para efeitos da aplicação do regime das mais-valias ou menos-valias realizadas
  2. No entanto, no caso em apreço, não provou em sede do procedimento de inspeção, nem em sede desta petição que a tradição do bem se verificou com o contrato de promessa de compra e venda, ou seja, em 2012.
  3. Em termos do CIRC e do SNC, temos a referir o seguinte
  4. O artigo 18º do Código do IRC, refere.

"Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

3 — Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1:

a) Os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que se opera a transferência de propriedade;"

  1. De acordo com os princípios contabilísticos, nomeadamente:
  2. O regime do Acréscimo, previsto no SNC (EC S22): «(...) a fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa, mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas (...)».
  3. O da substância sobre a forma: «(...) se a informação deve representar fidedignamente as transações e outros acontecimentos que tenha por fim representar, é necessário que eles sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade económica e não meramente com a sua forma legal (...)».
  4. Face à letra das normas acima descritas, resulta que:
  5. Se a propriedade do imóvel passa para a posse do promitente adquirente, na data da celebração do contrato promessa de compra e venda, é neste exercício que o alienante deve considerar o valor da venda como rendimento.
  6. Se a propriedade apenas é transferida para o adquirente, na data da escritura de compra e venda, então é neste exercício que o alienante deve considerar o valor da venda como rendimento, o que se verificou no caso em apreço, uma vez que o sujeito passivo não reconheceu a mais-valia em 2012, mas apenas em 2015.
  7. Porém, foi o próprio sujeito passivo que preparou as suas demonstrações financeiras com o apuramento da mais e menos-valia no exercício de 2015, pelo que como pode agora solicitar que o acréscimo do artigo 64.º seja em período diferente.

           Assim sendo, vejamos,

  1. A sociedade "B..., Lda", no exercício de 2015, exerce a atividade principal de "Fabricação de Artigos de Mármore e de Rochas Similares" CAE: 23701 e Secundário de "Com. Grosso Mat. Const (Exc. Madeira) e Equip Sanitário", CAE:046732.
  2. No exercício supra, por contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública em 2015-05-11, procede à transmissão onerosa do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia União das Freguesias de ..., ... e ..., sob o artigo ..., pelo preço de €750.000,00.
  3. Na declaração periódica de rendimentos (Modelo 22 de IRC), do exercício de 2015, entregue em 2016-10-17, declara no quadro 07 a mais-valia fiscal no valor de € 719.725,36 e a mais-valia contabilística de €724.284,51 .
  4. Na declaração anual de informação contabilística e fiscal, declara no quadro 06 — A Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Alienações (conta 7871), o valor de € 750.000,00.
  5. Da análise efetuada às demonstrações financeiras, nomeadamente a IES, verifica-se que o imóvel continuou registado na rubrica ativos fixos tangíveis e a ser objeto de depreciação, verificando-se que o sujeito passivo continuou a afetar o imóvel em causa à sua atividade, conforme a seguir de discrimina:

 

Descrição IES

 

 

Anos

 

2011

2012

2013

2014

2015

Imobilizado tangí\El:

 

 

 

 

 

Terreno

3.827,67 €

3.827,67 €

3.827,67 €

3.827,67 €

0,00 €

Edifício

381.880, 18 €

381.880, 18 €

381.880, 18 €

381.880,18 €

0,00 €

 

 

 

 

Depreciações acumuladas

247.357,57 €

285.545,59 €

323.733,61 €

359.088, 15 €

0,00 €

Depreciações exercício

38.188,02 €

38.188,02 €

38.188,02 €

35.354,54 €

0,00 €

 

  1. Do acima exposto não subsistem dúvidas, de que o imóvel alienado fazia parte dos ativos fixos tangíveis da sociedade "B..., Lda" e a alienação do mesmo foi contabilizada/declarada, pelo sujeito passivo, no exercício de 2015, em obediência ao disposto no n. 0 1 e alínea a) do n.º 3 do artigo 18.º Código do IRC e ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

  2. Assim sendo, é obvio que a transferência da propriedade se deu na data da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, celebrada em 2015 e não no exercício de 2012 (ano da celebração do contrato de promessa de compra e venda com eficácia real), conforme ora alegado pelo sujeito passivo, porque foi no exercício de 2015 que o rédito da venda foi contabilizado, como rendimento do exercício.

         Mais,

  1. Para fundamentar o alegado, o sujeito passivo junta, apenas, cópia do contrato de promessa de compra e venda com eficácia real (contrato este que não foi apresentado no decurso do procedimento inspetivo), isto é, não apresenta qualquer prova credível que possa atestar que a transmissão da posse/tradição se verificou no ano de 2012.
  2. Porém, da leitura realizada ao contrato de promessa de compra e venda com eficácia real, em que compareceram como primeiro outorgante A..., o qual outorga por si e na qualidade de sócio e gerente da sociedade "B..., Lda" e como segundo outorgante "D..., o qual outorga na qualidade de sócio e gerente da sociedade "C..., Lda, verificamos que do mesmo consta:

1. As partes mantêm interesse na celebração do contrato de compra e venda, do seguinte imóvel (...) Prédio urbano (...), inscrito na matriz predial urbana da freguesia..., concelho de Sintra, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário de 1.117.330,00€.

Cláusula Primeira

                                                         Preço e forma de pagamento

1. O preço global acordado da compra e venda prometida é de €750.000,00 (...), pago pela promitente compradora à promitente vendedora nos termos e prazos seguintes:

a) A quantia de € 75.000 (...), que já se encontra paga desde a celebração do contrato promessa de compra e venda, celebrado em treze de Janeiro de dois mil e onze;

b) A quantia de € 100.000 (…) já paga em 28 de outubro de 2011.

c) Nesta data é reforçado o sinal em € 100.000 (…) pago pela promitente compradora;

d) A quantia remanescente de € 475.000,00 (...) será paga em vinte e quatro prestações mensais.

Cláusula Quarta

Escritura pública

1. A escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo máximo de trinta dias contados do pagamento da última prestação.

  1. Como se pode verificar, do contrato promessa de compra e venda com eficácia real, resulta que a transferência da propriedade do imóvel (por escritura de compra e venda), ocorreria após o pagamento integral do preço acordado, sem o que não se vislumbra que a sociedade "B..., Lda" tivesse qualquer vantagem que a motivasse para uma transferência imediata e definitiva da posse sobre o imóvel, na data da celebração do contrato promessa de compra e venda.
  2. Em jeito de conclusão, de leitura ao contrato promessa de compra e venda com eficácia real e ao anteriormente exposto não resultam quaisquer evidências de que a transmissão da posse ocorreu na data do contrato de promessa de compra e venda com eficácia real, uma vez que naquela data não foi pago o preço integral da transação e a sociedade alienante não contabilizou o rendimento referente à venda, no exercício de 2012. Verifica-se que o apuramento da mais e menos-valia apenas foi registado pela empresa em 2015 e não em 201 2, conforme vem agora alegar.
  3. Face ao explicado, o sujeito passivo não pode agora alegar, para afastar o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 64º do CIRC, que a transmissão onerosa para efeitos da aplicação do regime das mais-valias e menos-valias realizadas, verificou-se na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda do imóvel com a entrega do mesmo ao promitente comprador, porque a transmissão onerosa ocorreu no ano de 2015, ano em que a propriedade do imóvel foi transmitida ao adquirente, conforme declarado e contabilizado pelo sujeito passivo, na declaração Modelo 22 de IRC e declaração anual de informação contabilística e fiscal/lES, do exercício de 2015, pelo que, neste caso, não tem aplicação o disposto no n.º 5 do artigo 46.º do Código do IRC que refere: "5 — Consideram-se transmissões onerosas, designadamente: a) A promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens;"
  4. Concluindo, atendendo que a alínea a) do n o 3 do artigo 64. 0 do Código do IRC, determina que a correção deve ser efetuada "(...) na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão", tendo o sujeito passivo imputado ao exercício de 2015, o rendimento obtido com a transmissão onerosa do imóvel, é neste exercício que têm de ser feitas as correções decorrentes da referida norma legal. E ainda,
  1. Quanto ao argumento "no momento em que os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa se questionaram quanto à necessidade de a sociedade B..., LDA, inscrever na sua declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2015, a «diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato», deveriam, desde logo, ter diligenciado no sentido de determinar esse «valor patrimonial tributário definitivo do imóvel»", também não lhe assiste razão, conforme a seguir passamos a descrever:
  2. De acordo com o artigo 13.º do CIMI, a inscrição e a atualização de prédios na matriz é efetuada com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo. Esta é, para os prédios urbanos, denominada de declaração Modelo 1 do IMI, e deve ser entregue pelos titulares de prédios novos (a inscrever na matriz predial pela primeira vez) ou pelos titulares de prédios que, não sendo novos, nunca foram avaliados e inscritos na matriz predial urbana, ou tenham sido alterados.
  3. A declaração Modelo 1 do IMI é obrigatoriamente entregue sempre que haja necessidade de avaliar um prédio urbano ou ocorram factos suscetíveis de alterar o valor patrimonial de prédios urbanos já inscritos na matriz.
  4. Esta declaração e os documentos complementares entregues permitem a avaliação e inscrição na matriz de prédios urbanos novos, omissos, melhorados, modificados e reconstruídos, a atualização do VPT e a avaliação por mudança da afetação do prédio urbano (cfr. informação vinculativa 2019000723 - IVE n.º 16093).
  5. Dos elementos existentes nos Serviços da AT, verificámos que a sociedade "B..., Lda," NIF: ..., em cumprimento do disposto no artigo 13.º, apresenta a declaração Modelo 1 do IMI nº ... (motivo: 3 - Prédio melhorado/Modificado/Reconstruído), referente ao prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo ... (atual artigo ... da freguesia União das Freguesia de ..., ... e ...) em 2009-12-16.
  6. Na sequência da entrega da declaração supra, os Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), procedem à avaliação do imóvel e através do ofício n.º..., de 2010-03-16, registado pelos Serviços dos CTT, sob o n.º RYI ... PT, notificam a sociedade do valor patrimonial tributário atribuído ao mesmo de € 1.117.330,00, bem como, para no prazo de 30 dias, requerer segunda avaliação nos termos do artigo 76. 0 do Código do IMI, caso não concordasse com o referido valor. Direito que o sujeito passivo não exerceu.
  7. Do histórico do prédio urbano, consta que o imóvel fez parte do património do sujeito passivo, até 2015-05-11 (data da celebração da escritura pública de compra e venda). Porém, por um lado, não obstante o imóvel ter sido objeto de atualizações periódicas, de acordo com o disposto no artigo 138º do Código do IMI, o sujeito passivo não reagiu contra as referidas atualizações, pelo que também não se socorreu do mecanismo que tinha ao seu dispor e que se encontrava previsto no artigo 130. 0 do atrás citado diploma legal.
  8. Daqui decorre que os Serviços de Inspeção Tributária, não têm competência para proceder à avaliação de imóveis, uma vez que esta compete ao Serviço de Finanças da área do prédio, com base em declaração apresentada pelos sujeitos passivos, conforme disposto nos artigos 37. 0 e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
  9. Donde resulta que a sociedade "B..., Lda," ao alienar o imóvel por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivo (valor que nunca foi posto em causa), não tendo acionado o mecanismo que tinha ao seu dispor, previsto no artigo 139.º do CIRC, para provar que o preço efetivo de alienação foi o constante da escritura de compra e venda, para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício de 2015, deve efetuar a correção, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o valor constante do contrato, aquando da entrega da declaração Modelo 22 de IRC.
  10. Assim sendo, não existe qualquer violação ao disposto no n.º 1 do artigo 18.º e alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC.
  11. Após apreciação dos argumentos invocados pelo Reclamante na sua petição inicial, foi, por parte desta UGC, elaborado o competente "Projeto de Decisão" junto aos autos, consubstanciado na nossa anterior Informação n.º 224-AlR3/2022.
  12. Através de ofício emanado da UGC, o Reclamante foi devidamente notificado para, querendo, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 60.º da LG T, por sua vez conjugado com o preceituado no art. 122º do Código do Procedimento Administrativo ("CPA").
  13. Decorrido o prazo então concedido para o exercício do seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, que, de acordo com o Art. 57.º A da LG T, terminou em 13-12-2022, nem o Reclamante, por um lado, veio aos autos acrescentar outros elementos que não tivessem já sido dirimidos aquando do nosso anterior "Projeto de Decisão", pois não exerceu o seu direito, nem esta UGC, por outro, descortinou também quaisquer outros elementos suscetíveis de colocar em causa as conclusões anteriormente propostas. Nestes termos,

63. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.

VII. Conclusão

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pelo Reclamante, parece-nos de indeferir o pedido inserto nos autos, em conformidade com o teor do "quadro-síntese" mencionado no introito desta nossa Informação, com todas as consequências legais, designadamente, sendo o caso, no que tange ao preceituado no art. 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo art. 100.º da LGT.

Mais se informa que, em caso de Concordância Superior, se promova a notificação do Reclamante, através de ofício nos termos do previsto nos arts. 35.º a 41º, todos do CPPT, com todas as consequências legais.

X)  O pedido arbitral foi apresentado em 17 de março de 2023.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária.

 

Os factos descritos nas alíneas D), E) e F) constam dos documentos arquivados em anexo à escritura de contrato de promessa de compra e venda e encontram-se comprovados plenamente, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, por se tratar de factos atestados com base nas perceções da entidade documentadora na escritura pública que constitui o documento n.º 4 junto ao pedido e que igualmente integra o processo administrativo junto pela Requerida.

 

Os factos descritos nas alíneas B), G), e H) encontram-se comprovados pelo teor das cláusulas 1.ª, 5.ª, ponto 2, e 6.ª, ponto 3, do contrato de promessa de compra e venda que constitui o documento n.º 4 junto ao pedido, não sendo questionados pela informação dos serviços que serviu de base à decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Os factos descritos nas alíneas C), I), J) e K) encontram-se comprovados pelo teor do considerando 1. (C) e I)), considerando 2. (alínea J) e considerando 3. (alínea K), não sendo questionados pela informação dos serviços que serviu de base à decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

O facto descrito na alínea L) encontra-se comprovado através dos elementos indiciários que, conjugadamente, constam das alíneas D), E), F), G), H) e J) da matéria de facto tida como assente.

 

Matéria de direito

 

5. Entende a Requerente que os actos tributários de liquidação de IRC enfermam de ilegalidade, porquanto o contrato promessa de compra e venda foi realizado com tradição dos bens, devendo ser considerado como uma transmissão onerosa segundo o disposto no artigo 46.º, n.º 5, alínea a), do CIRC, pelo que o facto constitutivo da mais-valia imobiliária ocorreu no exercício de 2012, quando foi celebrada a promessa de compra e venda, e não no exercício de 2015, em que teve lugar a outorga da escritura pública de compra e venda.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária alega que não foi efectuada a prova da ocorrência da tradição, em julho de 2012, e que, contabilisticamente, o imóvel continuou a ser objecto de depreciação até 2015 e foi apenas nesse ano que foi reconhecido o rendimento, pelo que a transmissão deve considerar-se como realizada em 2015, quando celebrado o contrato de compra e venda. Conclui que, nos termos do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, a correcção tributária quanto à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e valor constante do contrato, deve ser efectuada por referência ao ano de 2015.

 

Como se depreende, o que está em causa é a correcção tributária efectuada em aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, visando a diferença entre o valor patrimonial tributário do imóvel e o valor constante do contrato de compra e venda, para efeito do cálculo dos rendimentos sujeitos a tributação em mais-valias, relevando o que se deverá entender por transmissão onerosa, para esse mesmo efeito, quando se trate de promessa de compra e venda, atento o disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), do mesmo diploma.

 

Na parte que interessa considerar, as referidas disposições são do seguinte teor:

 

Artigo 46º

Conceito de mais-valias e de menos-valias

 

1 - Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

  1. Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

[…]

  1. - Consideram-se transmissões onerosas, designadamente: 
  1. A promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens;

[…].

 

 

Artigo 64º

Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

 

1-Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2- Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3- Para aplicação do disposto no número anterior:

 a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adopta o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

 

Como resulta do transcrito artigo 46.º, n.º 3, alínea a), do CIRC, para efeito da aplicação do regime de mais-valias ou menos-valias realizadas, a promessa de compra e venda constitui uma transmissão onerosa, logo que se verifique a tradição dos bens. Esse princípio está em consonância com o âmbito de incidência objectiva do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), como se decorre do disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CIMT, onde se consigna que integram o conceito de transmissão de bens imóveis, para efeito do pagamento do IMT, “as promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente”

 

Deve começar por dizer-se que não tem relevo para o caso a circunstância de as partes terem atribuído eficácia real à promessa de compra e venda, uma vez que eficácia real destina-se unicamente a permitir que o contrato promessa produza efeitos em relação a terceiros, caso em que a declaração de atribuição de eficácia real deve constar expressamente da escritura pública e ser objecto de inscrição no registo. O que significa que o contrato promessa a que seja atribuída eficácia real deixa de ter eficácia meramente obrigacional inter partes, de acordo com o princípio geral que resulta do artigo 406.º do Código Civil, e torna-se oponível erga omnes.

 

O que releva para a situação em análise é que possa considerar-se como verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos que sejam objecto do contrato. No caso vertente, consta do n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato de promessa de compra e venda que a “transmissão da posse ocorre na presente data” (ou seja, na data de 11 de julho de 2012, quando foi celebrado o contrato), acrescentando o n.º 2 da mesma cláusula que a “promitente compradora fica autorizada a proceder à alteração dos contratos de fornecimento de todo o tipo de serviços”, incluindo a água e a electricidade. E ainda nos termos da n.º 3 da cláusula 6.ª, admite-se que o promitente comprador tenha realizado ou venha a realizar benfeitorias no imóvel prometido vender, o que desde logo pressupõe que o promitente comprador entrou na posse do imóvel com a celebração do contrato promessa e poderia ter de realizar despesas que fossem indispensáveis para a conservação do imóvel ou susceptíveis de aumentar o seu valor (artigo 1273.º do Código Civil).

 

O contrato promessa de compra e venda faz ainda referência, no considerando 2., a um anterior contrato celebrado em 13 de janeiro de 2011, que foi objecto de um aditamento em 28 de outubro de 2011, pelo qual, para além de a promitente vendedora ter reforçado o sinal em € 100.000,00, passou a deter a partir dessa data o imóvel prometido vender. E embora esse contrato tenha sido revogado e substituído pelo contrato de 9 de julho de 2012, neste outro contrato, manteve-se a cláusula de transmissão da posse (cláusula 5.ª, n.º 1), bem como o reconhecimento de que o promitente comprador já se encontrava na posse do imóvel desde a referida de data 28 de outubro de 2011.

 

Cabe ainda referir que na escritura de promessa de compra se faz menção à declaração para liquidação do IMT e ao documento comprovativo da cobrança do imposto, no montante de € 72.626,45, que foi pago na própria data de 5 de julho de 2012. Sendo esse um facto que é atestado, na escritura pública, pela entidade documentadora, haverá de concluir-se que a promessa de aquisição e de alienação, tendo sido acompanhada da tradição para o promitente compradora, foi entendida como transmissão onerosa, tornando exigível a sujeição ao IMT, como prevê o artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CIMT.

 

Não pode deixar de reconhecer-se, neste condicionalismo, que a promessa de compra e venda, com tradição do imóvel, corresponde à transmissão fiscal dos bens, não apenas para efeito da incidência do imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, mas também para efeito da aplicação do regime de mais-valias e menos-valias realizadas, como prevê o artigo 46.º, n.º 5, alínea a), do CIRC (cfr., neste sentido, o acórdão do STA de 13 de julho de 2016, Processo n.º 01624/15).

 

Contrapõe a Requerida que o sujeito passivo inscreveu a mais-valia fiscal na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2015, e continuou a contabilizar depreciações relativamente ao imóvel até ao ano de 2015, além de que as partes tinham acordado o pagamento fracionado em 24 prestações da quantia ainda em dívida à data da celebração da promessa de compra e venda, daí extraindo a conclusão de que a Requerente não teria vantagem em proceder à transferência imediata e definitiva do imóvel antes ainda do pagamento integral do preço fixado.

 

Nenhuma destas considerações pode relevar para efeito da averiguação da legalidade da correcção tributária realizada pela Autoridade Tributária com base no disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC.

 

Na sequência de uma ação de inspeção, os serviços inspectivos notificaram a Requerente, nos termos do artigo 64.º, n.º 1, do CIRC, para proceder à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2015, efetuando a correção do valor correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato. Após  apresentação da declaração de substituição, a Administração emitiu os actos tributários que são objecto de impugnação no presente pedido arbitral.

 

O que se discute é se a correcção tributária enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito e se se verifica a caducidade do direito à liquidação, tendo em atenção a data em que teria ocorrido a transmissão onerosa do imóvel, que, no entender da Requerente, se reporta ao exercício de 2012, quando foi celebrada a promessa de compra e venda com tradição do imóvel.

 

Afigura-se que a questão terá de ser dirimida com base nos elementos indiciários que resultam do próprio contrato de promessa de compra e venda, e não a partir de meras presunções que se relacionam com o cumprimento das obrigações declarativas por parte do sujeito passivo, ou com a conformidade dos procedimentos contabilísticos adoptados, ou ainda com a suposta inconveniência, para o próprio promitente vendedor, de transmitir a posse do imóvel ainda antes de ter obtido o pagamento integral do preço.

 

Ainda que o valor probatório pleno do documento autêntico não abranja tudo o que se contém no documento, mas somente os factos que se referem como praticados ou percecionados pela autoridade pública (artigo 371.º do Código Civil), o certo é que todos os indicadores fornecidos pelo contrato promessa apontam no sentido de que houve lugar à transmissão da posse do imóvel, assim se compreendendo que tenha sido concomitantemente autorizada a alteração dos contratos de fornecimentos de serviços relacionados com o imóvel, com a consequente restrição de acesso ao promitente vendedor, e tenha sido efectuado, na data da celebração do contrato promessa, o pagamento do IMT.

 

As questões relacionadas com as obrigações declarativas ou contabilísticas, como seja o facto de a declaração de rendimentos relativa à mais-valia realizada apenas ter sido apresentada pelo sujeito passivo em 2015, ou ter este continuado a declarar como gastos fiscais as depreciações dos elementos do activo que já não se encontravam na sua posse, pode determinar a correcção ao lucro tributável de acordo com o princípio da especialização dos exercícios, mas nada justifica que possa servir de prova de que não ocorreu a transmissão de posse do imóvel com a promessa de compra e venda. Por outro lado, não cabe à Administração realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial do contribuinte, e, designadamente, quanto saber se o sujeito passivo teria ou não vantagem em permitir a transmissão da posse dos bens quando tinha sido acordado o pagamento fraccionado do preço.

 

Acresce que, tendo em conta o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo qual o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, é à Administração que cabe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou, e, por conseguinte, a demonstração de que a promessa de compra e venda não foi acompanhada da tradição dos bens.

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente (alínea O)), e foi já antes referido, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo, para apresentar, sob pena de contraordenação fiscal, uma declaração de substituição, para os efeitos do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC. Não se trata, portanto, da situação em que o Requerente apresentou voluntariamente uma declaração de substituição para corrigir o imposto apurado em autoliquidação anterior, mas antes a situação em que a Requerente foi intimada a apresentar uma declaração de substituição que, em caso de incumprimento, a sujeitava a contraordenação e à correcção oficiosa com base nos elementos de que os serviços pudessem dispor.

 

E, desse modo, a Requerente não se apresenta em juízo a peticionar a ilegalidade da liquidação operada com base na sua própria declaração, caso em que lhe competia o ónus da prova, mas pretende reagir contra a liquidação oficiosa, caso em que é à Administração que incumbe o ónus da prova dos factos em que se baseia a correção.

 

Caducidade do direito à liquidação

 

Concluindo que a transmissão onerosa geradora da mais-valia imobiliária ocorreu no exercício de 2012, por efeito da promessa de compra e venda do imóvel, e não no exercício de 2015, quando teve lugar a outorga da escritura pública de compra e venda, a Requerente sustenta que os atos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito e por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 5, alínea a), do CIRC, do princípio da especialização dos exercícios e do disposto no artigo 64.º, n.º 3, alínea a), do CIRC.

 

Acrescenta que se verificou a caducidade do direito à liquidação, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4, da LGT, uma vez que o prazo de caducidade se iniciou no dia 1 de janeiro de 2013, tendo terminado no dia 31 de dezembro de 2016, pelo que, tendo sido praticados os actos em 24 de setembro de 2018, tinha já transcorrido o prazo de quatro anos a se referem essas disposições.

 

Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público (n.º 2).

 

No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado ou outros que resultem do exercício da ação pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do ato administrativo, além de que a Requerente não estabelece qualquer relação de subsidiariedade entre os vícios alegados.

 

Nesses termos, em aplicação do critério geral da ordem de conhecimento dos vícios, haverá que apreciar precedentemente o vício de caducidade do direito à liquidação por ser esse que, em princípio, assegura mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, impedindo que, em caso de procedência, venha ser proferido um acto renovatório.

 

Segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, se a lei não fixar outro”. Ainda nos termos do n.º 4 desse artigo, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. 

 

Havendo indícios suficientes no sentido de a transmissão onerosa ter-se verificado no exercício de 2012, com o contrato de promessa de compra e venda do imóvel, e não tendo sido feita a prova de que a tradição dos bens ocorreu no exercício de 2015, prova que incumbe à Autoridade Tributária quando está em causa uma liquidação correctiva de rendimentos, haverá de concluir-se que se verificou a caducidade do direito à liquidação.

 

O pedido arbitral mostra-se ser procedente com o invocado fundamento.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

 

Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

  8. A Requerente pede ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda segundo o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Porém, como constitui jurisprudência consolidada do STA, nos casos em que o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, e que poderá definir-se como um vício de forma, que nada revela sobre o carácter indevido da prestação à face das normas fiscais substantivas, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica subjectiva do sujeito passivo, que justifique a atribuição de juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o direito a juros indemnizatórios, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração. A anulação de um acto de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por virtude de a notificação do acto não ter sido efectuada dentro do prazo da caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe, nessa circunstância, o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte (cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 30 de maio de 2023, Processo n.º 0410/12, e, na jurisprudência arbitral, o acórdão proferido no Processo n.º 329/2022-T).

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de IRC n.º 2018..., e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios e juros moratórios, bem como a decisão indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida;

b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso da quantia de € 215.065,67;

c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 215.065,67, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4284,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de agosto de 2023

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

Susana Carvalho Furtado

 

A Árbitro vogal

 

 

Cristina Coisinha