Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2023-T
Data da decisão: 2023-07-27  IVA  
Valor do pedido: € 116.035,47
Tema: IVA – Inutilidade Superveniente da Lide.
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Sumário:

I. Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação que havia impugnado.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Rita Guerra Alves e
Joaquim Silvério Dias Mateus, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. A Requerente A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na...–..., ..., ...-... ..., vem requerer a constituição do presente Tribunal Arbitral para impugnar as seguintes liquidações de IVA:
    1. período 12T/2020, com o n.º 2020..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38o e n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, no dia 30/12/2022;
    2. período 03T/2021, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38o e n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, no dia 30/12/2022;
    3. período 06T/2021, com o n.o 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º e n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, no dia 30/12/2022;
    4. período 09T/2021, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas nos termos do n.º 3 do artigo 38o e n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, no dia 30/12/2022;
    5. período 12T/2021, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38o e n.º 1 do artigo 39o do CPPT, no dia 30/12/2022;
    6. período do mês 01 de 2022, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º e n.º 1 do artigo 39o do CPPT, no dia 30/12/2022;
    7. período do mês 02 de 2022, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38o e n.o 1 do artigo 39o do CPPT, no dia 30/12/2022;
    8. período do mês 03 de 2022, com o n.º 2022..., e respetiva demonstração de acerto de contas que, tendo sido expedidas no dia 27/12/2022, se consideram notificadas, nos termos do n.º 3 do artigo 38.º e n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, no dia 30/12/2022,

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 27 de março de 2023 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  2. O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros.
  3. Em 17 de Maio de 2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de os recusar, nos termos conjugados do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de Junho de 2023.
  5. Para fundamentar o seu pedido alegou o Requerente que a AT fez correções de IVA nos períodos identificados não reconhecendo a dedução de IVA relativo as várias operações.
  6. Em 6 de Junho de 2023 foi proferido despacho tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.
  7. A Requerida não apresentou resposta.
  8. Em 17 de Julho de 2023, mediante requerimento, veio a Requerida informar que o ato objeto de impugnação havia sido revogado pelo Subdiretor Geral do IVA, conforme Informação n.º 2023 002393 da Direcção de Serviços do IVA.
  9. Neste sentido requereu a inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (“CPC”), atenta a extinção do objecto do pedido de pronúncia arbitral.
  10. Em 22 de Julho de 2023 foi solicitada pronúncia por parte do Requerente, que, em 26 de Julho de 2023, veio declarar não se opor à revogação pela Requerida do ato aqui impugnado, motivo pelo qual não mantém o interesse no prosseguimento dos presentes autos.

 

II – SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.
  2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.o e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. O processo não enferma de nulidades.

 

III – DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

  1. Com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)  Em 30 de Março de 2023 a AT foi notificada por e-mail da apresentação do pedido de pronúncia arbitral;

b)  Em 6 de Junho de 2023 o Tribunal Arbitral ficou constituído;

c)  Em 26 de Junho de 2023 foi revogado o acto de liquidação objeto do presente processo por despacho proferido pelo Subdirector-geral do IVA;

d)  A AT deu conhecimento da revogação do ato mediante requerimento apresentado em 17 de Julho de 2023.

 

III.1.2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre da aplicação conjugada do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Da inutilidade superveniente da lide

  1. Tendo sido revogado o ato de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.
  2. A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277o do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
  3. É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.a edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
  4. Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um ato que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, já que a AT reconheceu o ato de revogação anulatória.
  5. Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do ato tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar extinta a instância;
  2. Absolver a Requerida da instância;
  3. Condenar a Requerida nas custas do processo, no valor de € 3.060,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 116.035,47, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 27 de julho de 2023

 

O Árbitro Presidente,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Rita Guerra Alves)

 

O Árbitro Vogal

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)