SUMÁRIO:
1) A liquidação objecto de Impugnação Judicial/de Pedido de Pronúncia Arbitral pode ser alvo de anulação administrativa na pendência da lide até ao encerramento da fase da discussão. 2) A anulação administrativa da liquidação corresponde à antiga “revogação-anulação” cfr., respectivamente, Novo versus Antigo CPA. 3) A ocorrência de anulação administrativa da liquidação na pendência da lide determina inutilidade superveniente da mesma (rectius impossibilidade) e, na respectiva medida, extinção da instância, cfr. art.º 277.º, al. e) do CPC. 4) Tendo pela anulação administrativa sido determinada a anulação do acto em crise com as legais consequências, a impossibilidade superveniente - da lide em que tanto fora peticionado, e em que o mais peticionado não cabia nos poderes do Tribunal - é total. 5) A medida da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide (total/parcial) não é afectada por ao Tribunal caber decidir sobre custas. 6) Neste contexto, e para efeitos de custas em sede de Arbitragem Tributária, é de considerar iniciada a lide ou demanda com a apresentação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A... e B..., casados entre si e doravante em conjunto “Requerentes” ou, quando em separado, “Requerente marido” / “Requerente mulher”, e contribuintes fiscais números ... e..., respectivamente, ambos com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., em Lisboa, vieram, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Peticionam, assim, a declaração de ilegalidade de acto de liquidação de tributos, mais concretamente de IRS, reportado ao ano de 2020.
À liquidação em crise, com o n.º 2021..., de 20 de Julho de 2021, corresponde um valor a pagar de € 18.848,34 (resultante do montante de € 44.363,19 apurado a título de “Imposto relativo a tributações autónomas” subtraído do montante de € 25.514,85 de retenções na fonte - cfr. Demonstração de Liquidação de IRS junta pelos Requerentes). Que foi apurado na sequência da apresentação pelos Requerentes da competente Declaração Modelo 3.
Em Junho de 2021, os Requerentes, com dupla nacionalidade, a saber, Portuguesa e dos Estados Unidos da América (EUA), inscritos em Portugal desde 2019 como Residentes Não Habituais (“RNH”), apresentaram conjuntamente a sua Declaração Modelo 3, reportada a 2020, e aí optaram – no respectivo Anexo L, Quadro C.2 - pelo método da isenção quanto à eliminação da dupla tributação internacional. Tendo a Requerente mulher obtido no estrangeiro rendimentos, mais-valias mobiliárias de fonte norte-americana, tudo conforme também então declararam – Anexo J, quadro 9.2 A, código G01.
Notificados, depois, da respectiva liquidação (“a Liquidação”), constataram não ter sido aplicado qualquer mecanismo para eliminação ou atenuação da dupla tributação internacional. Como entendem que deveria ter sido.
Como também expõem, as mais-valias em questão já foram tributadas nos EUA. Em Maio de 2021 haviam apresentado nesse país as suas declarações de rendimentos referentes a 2020. E a Requerente mulher declarou, então, os rendimentos que auferiu nesse ano das ditas mais-valias. Foram, em consequência, tributados nos EUA, o que sucedeu em razão tão só da sua nacionalidade, e suportaram imposto sobre os rendimentos que declararam (imposto no montante de USD 22.676,00).
Não se conformam com a Liquidação. Procederam, ainda assim, ao respectivo pagamento (€ 18.848,34). Mais apresentaram Reclamação Graciosa (RG), a 23.12.2021, pugnando pela anulação daquela por vício de violação de lei.
Notificados do projecto de indeferimento da RG, exerceram direito de audição prévia. Após o que foram notificados, a 02.01.2023, da decisão de indeferimento.
Vêm, assim, nos presentes autos arbitrais, pugnar pela ilegalidade da decisão de indeferimento da RG e pela anulação seja desta, seja da subjacente Liquidação. Bem assim, pela devolução das quantias pagas e pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
Conforme expõem, o apuramento do montante do rendimento de mais-valias não foi questionado pela Requerida AT. Divergem quanto a ser ou não devida tributação em Portugal. Entendendo os Requerentes que não o é, e que ocorreu uma situação de dupla tributação internacional. A Requerida deveria, desenvolvem, ter aplicado o método de isenção previsto no art.º 81.º, n.º 5, al. a) do CIRS. E as referidas mais-valias, não deveriam, assim, ter sido sujeitas a tributação efectiva em Portugal. Mais, ainda que assim não se entendesse (no que não concedem), sempre se imporia aplicar o método do crédito de imposto, cfr. art.º 81.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS.
A decisão de indeferimento e a liquidação devem ser anuladas por vício de violação de lei: foi violado o Protocolo anexo à CDT PT-EUA, o art.º 81.º, n.º 5, al. a) do CIRS e, subsidiariamente, os n.ºs 1 e 2 do mesmo art.º 81.º.
Além da devolução do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, deve ainda ser emitida nova liquidação de IRS conforme aos referidos dispositivos legais, o que originará um reembolso de IRS de € 3.215,96, que requerem o Tribunal ordene.
Requerem por fim a condenação da Requerida nas custas do processo.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 20.03.2023
e notificado à AT.
Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.
As Partes foram notificadas da designação de árbitro por comunicação de 12.05.2023 e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Por comunicação do CAAD de 30.05.2023, com despacho do Presidente do CAAD, os Requerentes foram notificados de despacho da Requerida, de 18.05.2023, de revogação do acto em crise.
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído a 30.05.2023, e por despacho do Tribunal da mesma data a Requerida foi notificada para apresentar Resposta, solicitar prova adicional querendo, e para juntar o PA.
Por requerimento de 12.06.2023, os Requerentes vieram aos autos informar (como já antes telefonicamente antecipado ao CAAD a 30.05.2023, expõem) que não se opunham à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide apenas quanto à peticionada anulação da decisão de indeferimento da RG e da liquidação, “pretendendo, sem embargo, o prosseguimento dos autos até que seja proferida decisão” acerca do que aí identificam, a saber, sobre imputabilidade da inutilidade da lide, direito a juros indemnizatórios e pagamento das custas do processo. Pedem, assim, a concluir, a instância seja julgada apenas parcialmente extinta.
No referido despacho, nos autos, da Subdirectora Geral da DSIRS de 18.05.2023, lê-se, entre o mais, “Revogo o ato contestado”. E da Informação integrante, entre o mais e a final, consta que após apreciação do Pedido de Pronúncia Arbitral se afigura o mesmo dever ser procedente, pelo que se propõe a revogação do acto. Mais que deverão ser pagos juros indemnizatórios.
Face ao que antecede, e consequente apreciação de eventual inutilidade superveniente da lide, por despacho de 15.06.2023 o Tribunal notificou a Requerida para se pronunciar, querendo, sobre o requerimento dos Requerentes de 12.06.2023. Considerando que os Requerentes já haviam sido notificados do despacho da Requerida de 18.05.2023, de revogação do acto, e já sobre o mesmo, e suas consequências para a lide, se haviam pronunciado nos autos (no dito requerimento), nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC (aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1 do RJAT)[1] o Tribunal não os notificou então para o mesmo efeito, por manifestamente desnecessário (e cfr. também art.ºs 6.º, n.º 1 e 130.º do CPC).
Decorrido o respectivo prazo, a Requerida não apresentou Resposta. E por requerimento de 12.07.2023 veio informar aos autos da comunicação dos seus Serviços competentes no sentido de estar a ser concretizado o despacho de revogação do acto. Mais deu nota de que tomou conhecimento da revogação a 24.05.2023 e nessa mesma data a comunicou nos autos. Nada aduziu especificamente sobre inutilidade superveniente da lide.
Por despacho de 14.07.2023, o Tribunal dispensou a reunião do art.º 18.º do RJAT e a produção de alegações, e indicou a data de 21.07.2023 para prolação da decisão arbitral.
*
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.
O Processo não enferma de nulidades e o Pedido é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (v. art.º 102.º, n.º 1, al. b) do CPPT).
Vem invocada, como já supra, matéria de excepção. A saber, da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Que os Requerentes defendem ser meramente parcial.
Cabe desde já apreciar, então, se se verifica causa de extinção da instância. E, em caso afirmativo, se essa extinção será total ou, diferentemente, parcial.
2. Matéria de facto
Mostram os autos o seguinte:
a) A 17.03.2023 os Requerentes apresentaram requerimento de constituição do Tribunal Arbitral e submeteram o Pedido de Pronúncia Arbitral na origem dos presentes autos; (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD)
b) A 20.03.2023 o Presidente do CAAD aceitou o Pedido e automaticamente foi enviado email à Requerida a comunicá-lo e a informar do número de processo atribuído; (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD)
c) A 27.03.2023 a Requerida foi notificada do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA); (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD)
d) A 28.03.2023 a Direcção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso (DSCJC) da Requerida tomou conhecimento do PPA; (cfr. despacho de 18.05.2023 da Requerida)
e) A 18.05.2023, por despacho da Subdirectora Geral da DSIRS, a Requerida revogou a liquidação em crise; (cfr. despacho de 18.05.2023 da Requerida)
f) A 24.05.2023 a Requerida inseriu no Sistema de Gestão Processual do CAAD o despacho referido na alínea anterior; (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD)
g) Do despacho da Requerida referido nas alíneas anteriores, e Informação integrante do mesmo, consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“Revogo o ato contestado.
(...)
II – Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral
Pela comunicação (...), vem a Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso (DSCJC), informar que o contribuinte A..., NIF ..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral no CAAD, ao qual foi atribuído o número de processo 171/2023-T, tendo aquela unidade orgânica tomado conhecimento do pedido em 2023-03-28.
O pedido apresentado no CAAD tem por objeto a decisão e indeferimento, proferida na reclamação graciosa n.º (...), respeitante à liquidação de IRS no..., do período de tributação de 2020.
(...)
B – Pedido de Pronúncia
Após a leitura e análise da matéria objeto do pedido de pronúncia arbitral, informa-se que o contribuinte apresentou, em suma, os seguintes argumentos:
(...)
ii – Do nosso parecer
1. Antes de mais, importa discorrer sobre os factos e o direito, não controvertidos nos
presentes autos.
(...)
20. Sendo assim, não militam razões, que obstem à aplicação do método de isenção, aos rendimentos inscritos no anexo J, da declaração modelo 3 vigente no ... - 2020 - ... - ... .
21. No que concerne aos juros indemnizatórios, sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto, contabilizados à taxa decorrente da norma do artigo 43.º, n.º 4 da LGT.
IV – Conclusão
Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o pedido formulado pelo autor, deverá ser procedente.
Do mesmo modo, deverão ser pagos juros indemnizatórios.
V – Proposta de decisão
Por tudo o exposto, propõe-se a revogação do ato de contestado. Deve remeter-se esta informação à DSCJC. (...).”
h) Do despacho da Requerida referido nas alíneas anteriores foram notificados os Requerentes por comunicação do CAAD, com despacho do seu Presidente, de 30.05.2023, a fim de se pronunciarem, querendo, sobre o não prosseguimento do procedimento; (cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD)
i) A 30.05.2023 os mandatários dos Requerentes anteciparam ao CAAD telefonicamente o interesse destes no prosseguimento parcial dos autos; (cfr. requerimento dos Requerentes de 12.06.2023)
j) A 30.05.2023 o Tribunal Arbitral foi constituído e, por despacho deste da mesma data, a Requerida notificada, entre o mais, para, em 30 dias, apresentar Resposta;
k) A 12.06.2023 os Requerentes interpuseram nos autos um requerimento e, por despacho do Tribunal de 15.06.2023, a Requerida foi notificada para se pronunciar, querendo, sobre o teor do mesmo;
l) Do requerimento dos Requerentes referido na alínea anterior consta, entre o mais:
“ (...) não se opõem à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide apenas no que se refere ao pedido de pronúncia arbitral sobre a (i)legalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º...2021... e, nessa medida, da liquidação de IRS n.º 2021..., de 20 de Julho de 2021, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil ("CPC"), aplicável ex-vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), pretendendo, sem embargo, o prosseguimento dos autos até que seja proferida uma decisão acerca da imputabilidade de tal inutilidade superveniente da lide, do direito dos Requerentes à percepção de juros indemnizatórios e da condenação da Administração Tributária no pagamento das custas incorridas com o processo arbitral, (...).” [sublinhado como no original]
m) Por requerimento de 12.07.2023 a Requerida veio aos autos informar da comunicação recepcionada na mesma data dos seus Serviços competentes, Divisão de Justiça Contenciosa, que aí transcreve e da qual consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):
“(...) A Informação da DSIRS n.º 183/2023 de 09.05.2023, com despacho de revogação proferido em 18.05.2023, em anexo, refere no ponto IV - Conclusão que “(…) Do mesmo modo, deverão ser pagos juros indemnizatórios.”.
Pelo exposto, esta DJC já se encontra a concretizar na integra o despacho de revogação do ato contestado, estando já na fase de recolha do DC para a qual se aguardam orientações solicitadas à DSIRS no âmbito recolha do mesmo. (...)”
n) No mesmo seu requerimento de 12.07.2023 (v. al. anterior) a Requerida fez notar que “tomou conhecimento da revogação do ato a 24/05/2023, data em que deu conhecimento de tal ato ao Tribunal Arbitral, tal como consta da plataforma do CAAD”.
3. Do Direito
3.1. Inutilidade/impossibilidade superveniente da lide
Vejamos, então.
Defendem os Requerentes que a Liquidação na origem dos autos incorre em vício de violação de lei, pelos motivos que expõem (cfr. supra, Relatório). E, por assim ser, vêm peticionar, nesta sede contenciosa, arbitral, que o Tribunal - cuja constituição para o efeito requereram - declare a ilegalidade do acto de segundo grau que confirmou a Liquidação na Ordem Jurídica e, bem assim, a ilegalidade do acto de primeiro grau, a Liquidação. Anulando-os a ambos, em consequência.
Neste contexto peticionam, ainda, a devolução das quantias que consideram indevidamente pagas (€ 18.848,34), acrescidas de juros indemnizatórios.
Mais requerem, no seu PPA, o Tribunal “ordene o processamento de um reembolso de IRS no valor de EUR 3.215,96”.
E, por fim, a condenação da Requerida AT nas custas do processo arbitral.
Como se viu, a Requerida, por despacho de 18.05.2023, procedeu à revogação da Liquidação.
Inseriu no Sistema de Gestão Processual do CAAD o despacho em questão, a 24.05.2023.
Decorria, pois, o prazo para constituição do Tribunal Arbitral.
Que se veio a constituir a 30.05.2023.
Constituição que havia sido requerida, ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT, a 17.03.2023.
Determina o legislador - no art.º 277.º, al. e), do CPC, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT -, que configura causa de extinção da instância, entre outras, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Ora, como se sabe e bem se compreende, entre os elementos essenciais da causa – na ausência dos quais a mesma carecerá de condições de existência/validade - encontramos, precisamente, o seu objecto. Que se alcança pela conjugação entre pedido e causa de pedir.
Sem prejuízo do que antecede, poderá também perspectivar-se o próprio acto em crise como o objecto (stricto sensu) da acção.
Sendo que, nestes autos de processo Arbitral, os Requerentes vêm submeter ao Tribunal pretensão de anulação do acto administrativo de liquidação supra melhor identificado[2], tendo por causa (fundamento) a alegada violação de lei do mesmo.
A Requerida, como visto já, veio revogar aquele acto, o acto em crise, a Liquidação. Independentemente da questão terminológica implicada, a que de seguida atentaremos, aquele último acto decisório, administrativo, destina-se a extinguir os efeitos do acto seu objecto, a Liquidação.
A terem sido extintos os efeitos da Liquidação, ocorrerá impossibilidade superveniente da lide, por deixar de existir o seu objecto. Quando o objecto da causa, no decurso da mesma, se extinga, vimo-lo já, ocorre impossibilidade superveniente da lide.[3] Causa de extinção da instância.[4]
Apreciemos então se tal efectivamente sucede nos autos.
Diz-nos o legislador, no art.º 165.º do CPA[5], versão actual, que a revogação é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro acto por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, e que o acto administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro acto com fundamento em invalidade constitui anulação administrativa (cfr., respectivamente, n.ºs 1 / 2 do artigo).
Temos, pois, que o legislador, pelo Novo CPA[6], passou – diferentemente do que sucedia no anterior CPA - a distinguir com conceitos diferenciados as duas realidades ali subjacentes, subjacentes à eliminação do acto: no primeiro caso - “revogação” - eliminação fundada em razões de oportunidade, e, no segundo – agora não já “revogação” mas sim “anulação administrativa” -, eliminação fundada na desconformidade do acto à Ordem Jurídica.
No primeiro caso - “revogação” - poderá assim também dizer-se, destruição de efeitos fundada em razões extrínsecas ao acto, enquanto que no segundo - “anulação administrativa” - fundada, ao invés, em razões que são intrínsecas ao acto que vem a ser anulado.
E às referidas duas figuras concede o legislador tratamento distinto. Entre o mais no que aos respectivos efeitos - v. art.º 171.º do CPA - e consequências se refere. A revogação por regra produzindo efeitos para futuro. Já a anulação comportando em geral efeitos retroactivos, ex tunc, com as demais consequências - cfr., desde logo, art.º 172.º do CPA.
Ora, muito embora o legislador tributário, no art.º 79.º da LGT, tenha referido acto decisório de “revogação”, e não tendo estabelecido os critérios de qualificação da invalidade dos respectivos actos objecto daquele, não deixará de ser de convocar a disciplina do CPA na matéria (v. também art.º 29.º, n.º 1, al.s c) e d) do RJAT e art.ºs 2.º, al. c) da LGT e 2.º al. d) do CPPT).
No sentido da aplicação do regime do CPA à revogação prevista no art.º 79.º da LGT já se pronunciou o STA, entre outros, no Acórdão de 15.03.2017, proc. 449/14, como também o TCA Sul no Acórdão de 14.10.2021, proc. 23/16.8BELRS.
No caso dos autos, e por tudo o que antecede, não pode deixar de considerar-se estarmos perante um acto de “anulação administrativa” no sentido do n.º 2 do art.º 165.º do CPA. O acto objecto da - como tal referida no despacho da Requerida e no art.º 79.º da LGT - revogação é um acto vinculado, e a revogação (revogação-anulação; e na actual terminologia expressa do CPA “anulação administrativa”) vem determinar a eliminação, a destruição dos efeitos, desse outro acto, a Liquidação (o acto aqui em crise, objecto do presente processo), – ex tunc e com fundamento em invalidade, cfr. supra.
É, pois, uma anulação administrativa (cfr. art.º 165.º/2 do CPA), aquilo de que aqui se trata.
A Requerida, pelo referido acto decisório superveniente, destruiu os efeitos jurídicos do primeiro acto (a Liquidação), eliminando-o da Ordem Jurídica.
Poderia a Requerida fazê-lo, operar a anulação administrativa nos termos em que o fez?
Revertendo novamente, e no enquadramento que ficou exposto, ao disposto pelo legislador no CPA, determina-se no respectivo art.º 168.º, n.º 3, que quando o acto tenha sido objecto de impugnação jurisdicional a anulação administrativa pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
E dispõe, por outro lado, o n.º 1 do art.º 172.º, igualmente do CPA, que: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, a anulação administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, (...).”
Não só o referido Diploma Legal, já se viu, é de aplicação subsidiária também em sede de processo arbitral tributário como, ainda, este processo traduz, como se sabe, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial[7]. Pelo que, mais uma vez, não se vêm razões senão para que também aqui a regulamentação em causa seja de convocar.
Pois bem.
Nos autos, sendo certo que quando a Requerida procedeu à anulação - e mais veio da mesma informar no Sistema de Gestão Processual do CAAD -, não se encontrava ainda constituído o Tribunal Arbitral, certo é também que não estava ainda encerrada a fase da discussão - cfr. art.º 168.º, n.º 3 do CPA.
A revogação da Liquidação é de 18.05.2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral havia sido submetido a 17.03.2023, e por despacho de 30.05.2013 a Requerida viria a ser notificada, pelo Tribunal, nesta mesma data constituído, para apresentar Resposta em 30 (trinta) dias (v. al.s a), e) e j) – 2., supra).
A anulação teve, assim, lugar em tempo.
E, diga-se, não deixou também de ficar cumprido o art.º 13.º do RJAT, máxime no seu n.º 3, não tendo a Requerida, enquanto na pendência da lide, e já transcorrido o prazo do n.º 1 do mesmo dispositivo, vindo praticar um novo acto.
Por outro lado, se dúvidas houvesse, o acto era passível de anulação administrativa: a Liquidação mantinha-se na Ordem Jurídica e não configurava acto ferido de nulidade - v. art.º 166.º, n.º 1 do CPA.
Acresce, também se dúvidas houvesse, que a anulação pode ser determinada e só em momento posterior, sendo o caso, ser praticado novo acto administrativo - v. art.º 172.º, n.º 1 do CPA.
Isto sem prejuízo de, como também em outros dispositivos legais, tributários, desde logo o art.º 100.º da LGT, e como também determina aquele mesmo art.º 172.º, n.º 1 do CPA, em a Requerida anulando, dever reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.
E, assim:
Resta ao Tribunal em alguma medida matéria sobre a qual haja que decidir?
Não resta, adiante-se já, sobre o que decidir. A Liquidação já não existe na Ordem Jurídica (como assim também não, consequencialmente, o despacho que, indeferindo a RG, confirmara aquela). A lide carece, in totum, de objecto. A pretensão dos Requerentes - naquilo a que ao Tribunal, do peticionado pelos mesmos, competiria decidir - não pode mais ser satisfeita. A saber, inexiste Liquidação e foram acauteladas pelo acto que a eliminou da Ordem Jurídica as respectivas consequências legais (reconhecido o pagamento indevido e direito a juros indemnizatórios, cfr., entre o mais, art.º 100.º da LGT). V. al.s g) e m) – 2., supra.
Ocorre impossibilidade superveniente, total, da lide. Carecida que ficou de objecto.
Defendem os Requerentes, diferentemente e como expõem no seu requerimento de 12.06.2023, que a inutilidade da lide é apenas parcial. Que ela ocorre apenas no respeitante aos pedidos de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários (indeferimento da RG e Liquidação) e que deverá prosseguir para efeitos de decisão quanto a imputação da inutilidade, juros indemnizatórios e custas.
Porém sem que lhes assista razão.
Senão vejamos.
Os Requerentes haviam:
-
por um lado, peticionado, no seu PPA, também, a condenação da Requerida a devolver-lhes o montante a que, pelo que contabilizam, terão direito a título de reembolso de IRS uma vez processada pela Requerida uma liquidação conforme aos normativos legais que a Liquidação em crise violou, e
-
por outro lado, invocado, no seu requerimento de 12.06.2023, que se verifica inutilidade superveniente da lide apenas parcial e ao Tribunal cabe ainda decidir seja quanto à imputabilidade da inutilidade da lide, seja quanto a juros indemnizatórios e condenação em custas.
Vejamos,
Quanto a a):
Os Requerentes vieram requerer a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo do art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
O Regime da Arbitragem Tributária foi concebido pelo legislador como um meio alternativo de resolução conflitos em matéria fiscal, ainda que só para determinados tipos de litígios.
Muito embora o legislador no art.º 2.º, n.º 1, al.s a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais constituídos sob a égide do CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é entendimento assente que a sua competência abrange os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários. Em coerência com o sentido da respectiva autorização legislativa, onde se lê, entre o mais, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (...)”[8].
Assim também, tal como em processo de impugnação judicial, estamos em sede de contencioso essencialmente de mera anulação, cfr. art.º 99.º e 124.º do CPPT (o que não se opõe, como também assente, aos poderes para condenar em juros indemnizatórios, concomitante devolução de quantias indevidamente pagas, e indemnização por garantia indevida).
Ora, e sempre sem prejuízo dos já referidos deveres que à Requerida incumbem em decorrência da anulação, a decisão arbitral tributária assume, como a decisão dos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, um carácter cassatório, de eliminação, total ou parcial, da Ordem Jurídica do acto impugnado.
Não pode, pois, o Tribunal condenar a Requerida AT na prática de um acto substitutivo do acto anulado. Nem pode, bem se vê, àquela substituir-se na prática de tal acto (substitutivo). A uma tal possibilidade se opondo, desde logo, o princípio da separação dos poderes (cfr. art.ºs 2.º e 111.º da CRP).
Anulado o acto em crise (no caso, por acto administrativo), cabe à Requerida o poder-dever de daí retirar todas as consequências legais. Cfr., entre o mais, art.ºs 172.º, n.º 1 do CPA e 100.º da LGT.
Não cabia, assim, na competência do Tribunal Arbitral proceder a uma (nova) liquidação e assim ordenar o processamento de um reembolso de IRS, quantificado pelos Requerentes em € 3.215,96, como peticionado a final no PPA (e cfr. também artigos 64.º- 65.º do PPA).
Não resulta, pois, afectada a ocorrência de impossibilidade superveniente da lide total.
Quanto a b):
Quanto a imputabilidade da inutilidade da lide
Deve começar por dizer-se que aquilo que os Requerentes têm em vista, neste particular, é a questão da distribuição da responsabilidade pelas custas do processo. Em conformidade expõem no requerimento de 12.06.2023 assim: “(...) atendendo a que a inutilidade superveniente se deve considerar imputável à Administração Tributária, os Requerentes pretendem o prosseguimento da presente instância até que seja proferida uma decisão acerca da sua responsabilidade pelas custas incorridas com o processo (...)”; “(...) não restam dúvidas de que é imputável à Administração Tributária a inutilidade superveniente e, consequentemente, a responsabilidade pelo pagamento das custas (...)”.
A este respeito, diga-se, sempre o Tribunal teria que pronunciar-se, independentemente de se decidir, ou não, pela ocorrência da invocada excepção. Que, em se verificando, determina a extinção da instância.
Dito de outro modo, e como bem se compreende, não será por ao Tribunal sempre competir proceder à repartição das custas (e, nessa medida, necessitar aferir da responsabilidade das partes na inutilidade) que deixará de se decidir - a ser o caso, como se viu ser - pela ocorrência de inutilidade, rectius impossibilidade, integral, da lide. V. entre o mais, o art.º 536.º do CPC.
Não resulta afectada, por aqui, a ocorrência de impossibilidade superveniente da lide total.
Quanto a juros indemnizatórios
Referem os Requerentes, no seu requerimento de 12.06.2023, pretender o prosseguimento da instância até ser proferida decisão acerca da responsabilidade pelas custas (cfr. já supra) “e, bem assim, acerca do direito dos Requerentes a juros indemnizatórios – o qual (...) não foi concretizado na decisão de revogação do acto tributário (...)”; deve o Tribunal “declarar apenas parcialmente extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide (...) pronunciando-se adicionalmente acerca do direito dos Requerentes à percepção de juros indemnizatórios”; “(...) com a consequente condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios (...)”.
Pois bem.
Contrariamente àquele que parece ser o entendimento dos Requerentes, consta do acto administrativo anulatório o reconhecimento pela Requerida do vício de violação de lei incorrido na Liquidação que, por isso, elimina da Ordem Jurídica. Aí se lendo, como vimos, e entre o mais (v. al. g), 2. supra): “(...) No que concerne aos juros indemnizatórios, sendo manifesta a violação de lei, é entendimento dos serviços determinar o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, por pagamento indevido de imposto (...)”.
Não assiste, assim, razão aos Requerentes quando defendem caber ao Tribunal condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios – alegadamente por o direito à percepção dos mesmos não ter sido concretizado na decisão de revogação. Como bem se compreende, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, sendo a Requerida a entidade competente para apurar concretamente e determinar o pagamento aos Requerentes do montante devido a título de juros indemnizatórios, aplicando os dispositivos legais convocáveis, tudo em cumprimento do acto anulatório. No qual, expressamente, reconheceu serem os mesmos devidos (e v., também, al. m) – 2. supra).
Não resulta, pois, afectada a ocorrência de impossibilidade superveniente da lide total.
*
Aqui chegados.
Por tudo o exposto, verifica-se impossibilidade superveniente da lide, que é total.
A impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância. Que assim será declarada pelo Tribunal.
3.2. Responsabilidade por encargos do processo
Neste particular, da imputabilidade da inutilidade superveniente da lide, segundo defendem, à Requerida, - e tendo em vista a repartição das custas do processo, que consideram dever recair sobre a mesma -, pronunciaram-se os Requerentes (requerimento de 12.06.2023) dizendo que uma vez que a revogação ocorreu após o termo do prazo de 30 dias do art.º 13.º, n.º 1 do RJAT a mesma constitui fundamento de inutilidade superveniente da lide. E, assim, deve ser proferida decisão a condenar a Requerida no pagamento das custas do processo, nos termos do art.º 536.º, n.º 3 in fine.
Atentemos.
Concluímos, acima, que se verifica impossibilidade superveniente total da lide.
Superveniente, pois. Sendo que nada do que se disse vem prejudicado pelo facto de a revogação da Liquidação (e, bem assim, a sua comunicação nos autos) ter ocorrido em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral.
Porque assim o vemos?
Porque há um momento em que a instância, a demanda, se inicia.
Independentemente de estarmos em sede de Arbitragem Tributária. E mais sendo este um meio alternativo de resolução jurisdicional de litígios em matéria tributária, cfr. art.º 1.º do RJAT (e v. lei de autorização – v. supra notas 7 e 8).
E esse momento, o momento em que há-de entender-se os Requerentes terem intentado a demanda, desde logo para efeitos de custas, deverá ser o da instauração do processo arbitral. Cujos efeitos o legislador pretendeu, logo na lei de autorização - cfr. n.º 4, al. d), art.º 124.º, LOE 2010 - definidos em harmonia com os efeitos previstos para a dedução de impugnação judicial.
Sendo que esta norma reflectiu-a depois o legislador, por sua vez, no RJAT, no art.º 13.º, sob a epígrafe “Efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral”, no seu n.º 5, assim: “Salvo quando a lei dispuser de outro modo, são atribuídos à apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral os efeitos da apresentação de impugnação judicial (...)”.
Ora,
Estabelece o legislador, no CPC[9], Capítulo I – “Começo e desenvolvimento da instância”, no art.º 259.º, assim:
“Artigo 259.º - Momento em que a ação se considera proposta
1. A instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 144.º.
2. Porém, o ato da proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário.”
Pois bem.
A instância inicia-se com a apresentação da peça processual inicial em juízo.
E continua com a comunicação da mesma à parte contrária.
Volvendo ao nosso caso.
Os Requerentes deram entrada, no CAAD, o Centro de Arbitragem Administrativa a funcionar sob a égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a um pedido de constituição de tribunal arbitral tributário.
Por efeito da apresentação desse mesmo pedido - no qual se inclui, cfr. art.º 10.º, n.º 2 do RJAT, também, o próprio Pedido de Pronúncia Arbitral – a Requerida AT foi chamada ao processo. Foi-lhe comunicado o pedido de constituição do Tribunal e o número de processo atribuído.
No caso, verificou-se que a Requerida procedeu à revogação do acto impugnado na sequência da apresentação do referido pedido. Notificada que foi do mesmo, como aliás resulta do próprio acto de revogação: “(...) Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o pedido formulado pelo autor, deverá ser procedente. (...)” (v. al. g), 2. supra).
É certo, vimo-lo, que não havia ainda então sido constituído o Tribunal Arbitral.
Ainda assim, foi somente na sequência da notificação/citação que a Requerida revogou o acto colocado em crise pelos Requerentes. Fê-lo, assim, perante uma pretensão formulada em juízo, da qual tomou conhecimento. Instaurada/iniciada a instância. Pendente, pois.
Bem se sabe que o processo arbitral tem início na data da constituição do Tribunal Arbitral - cfr. art.º 15.º do RJAT (e v., também, art.º 21.º do RJAT). Não obstante, a partir da referida notificação/citação (do pedido de constituição do tribunal arbitral) passou a estar na disponibilidade da Requerida AT prosseguir, ou, diferentemente, revogar o acto, como fez. O domínio sobre o prosseguimento da acção passou a estar, naquele momento, na disponibilidade da Requerida. Tendo optado por revogar o acto será necessariamente a ela Requerida imputável a inutilidade - superveniente - da lide/demanda. Que deverá considerar-se, assim, e desde logo para efeitos de custas, já então iniciada. Instaurada.
Em coerência, v. também como no art.º 10.º, n.º 1, do RJAT o legislador estabeleceu prazos, os prazos para a apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral – com remissão para o artigo em que no CPPT se determinam os prazos para a apresentação da impugnação judicial. Prazos, sempre, para a propositura, a instauração, da acção, pois.
Na terminologia do RJAT, insista-se, prazos para a “apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral” (cfr. art.º 10.º, n.º 1 do RJAT; e, v. também, em conexão, o art.º 13.º, n.º 5 e a implicada, em ambos os dispositivos, caducidade do direito de acção).
A “apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral” (na expressão do legislador no RJAT, e que corresponde à “instauração do processo arbitral” na terminologia utilizada pelo legislador na Lei de autorização) não se confunde, pois, com o “início do processo arbitral” nos termos do RJAT[10] (este sim coincidente com o momento da constituição do Tribunal Arbitral, um momento posterior). Ainda assim, é determinante desde logo para efeitos de custas em sede de inutilidade ou impossibilidade da lide. Pois que é aí que se deve entender proposta a acção, que por sua vez é o que conta para a pendência da causa.
4. Decisão
Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.
5. Valor do processo
Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 22.064,30, valor indicado pelos Requerentes e a que a Requerida se não opôs.
6. Custas
Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerida - cfr. também art.º 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC (e não sendo, em todo o caso, imputável aos Requerentes a anulação do acto depois de iniciada a lide, tudo como supra – 3.2).
Lisboa, 20 de Julho de 2023
O Árbitro,
(Sofia Ricardo Borges)
[1] Este como, bem assim, quaisquer outros Diplomas Legais a que façamos referência na presente com vocação de aplicação.
[2] (num primeiro momento do acto de segundo grau - indeferimento da RG - que o manteve na Ordem Jurídica).
[3] “A impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa.” – Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Volume III, p. 368.
[4] Assim, também de conhecimento oficioso.
[5] Aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.
[6] Aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07.01
[7] Cfr., entre o mais, o n.º 2 da Lei de Autorização (Lei n.º 3-B/2010, de 28.04, art.º 124.º)
[8] V. art.º 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28.04.
[9] (e v. art.º 2.º, al. d) do CPPT, bem como art.º 29.º, n.º 1, al.s a) e e) do RJAT)
[10] Como, aliás, assim também nos termos da Lei de autorização – v. n.º 4 al. d) versus al. g).