Sumário:
I – A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;
II – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;
III – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A…, S.A., contribuinte n.º … … … , com sede na Rua …, Guimarães (adiante designada por A… ou Requerente), veio requerer, em 27-02-2023, a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação sobre a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referente ao período de outubro a dezembro de 2022, no montante total de € 702.477,76, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Fundamenta a Requerente o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos e, no contexto da sua atividade, com base nas declarações de introdução no consumo, procedeu à liquidação conjunta do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), relativos aos meses de outubro a dezembro de 2022, sendo o montante correspondente à CSR de € 702.477,76.
A Requerente pagou os montantes de CSR liquidados dentro dos prazos de pagamento voluntário, ou seja, em 30-11-2022 (liquidação de outubro), em 29-12-2022 (liquidação de novembro) e em 31-01-2023 (liquidação de dezembro).
A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.
E, por conseguinte, a CSR deve considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.
O TJUE tem reconhecido aos Estados-membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte. No entanto, esta exceção apenas é admitida em termos muito estritos, sendo necessário que se verifique a efetiva repercussão do imposto, que não poderá ser presumida, e mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra, maior ou menor, do volume de vendas.
Cabe, assim, à Autoridade Tributária o ónus da prova da repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do contribuinte, incorrendo o indeferimento do pedido de revisão em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A Autoridade Tributária (adiante designada por Requerida), na sua resposta, suscita as exceções dilatória da incompetência do tribunal em razão da matéria, da incompetência do tribunal em razão da causa de pedir e da ilegitimidade da Requerente.
Quanto à matéria de fundo, considera que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-lei n.º 380/2007, de 13/11, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objetivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma, que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
Verificando-se assim o “motivo específico” que constitui a razão de ser da CSR.
Por outro lado, o reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte apenas é admissível quando não produzam o enriquecimento sem causa. No caso, a carga fiscal resultante da incidência da CSR é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, o que resulta da própria a estrutura tributária da CSR, pelo que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR configuraria uma situação de enriquecimento sem causa.
Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Na resposta à matéria de exceção, a Requerente refere que a CSR não apresenta a estrutura comutativa própria das contribuições e constitui em substância um imposto, sendo que a jurisprudência tem reconhecido a competência contenciosa dos tribunais arbitrais para apreciarem a legalidade de pretensões relativas à CSR.
Por outro lado, o pedido arbitral da Requerente tem por objeto a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação impugnados, na parte que respeitam à CSR, não tendo sido peticionada a fiscalização abstrata da legalidade de quaisquer normas jurídicas, sendo que a adequação do meio processual afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir.
Quanto à invocada ilegitimidade ativa, afirma-se que a contribuição foi liquidada à Requerente na sua qualidade de sujeito passivo e contribuinte direto, que integra a relação jurídico-tributária, encontrando-se demonstrada a sua legitimidade processual ativa, bem o interesse legítimo em agir para efeito obter o reembolso do imposto indevidamente cobrado.
3. Por despacho arbitral de 30 de junho de 2023, considerando-se não haver novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAR, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de exceção.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 10 de maio de 2023.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
O pedido é tempestivo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
II – Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
5. A Autoridade Tributária começa por suscitar a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, defendendo a este propósito o entendimento expresso no acórdão proferido no processo arbitral n.º 714/2020-T, que teve por objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).
É esta pois a questão que primeiramente cabe analisar.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
6. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 365/2008).
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
7. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
8. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
9. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.
Trata-se, nestes termos, de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
Por todas as considerações anteriormente expendidas, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral – como é o caso do acórdão proferido no Processo n.º 714/2020-T - que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a Contribuição sobre o Sector Energético.
Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.
Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir
10. A Autoridade Tributária suscitou ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo e a sua própria conformidade constitucional.
A arguição assenta num evidente equívoco.
A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de outubro a dezembro de 2022, invocando como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo, não tendo suscitado em termos processualmente adequados a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respetivo regime jurídico.
Mas ainda que o tivesse feito, importa reter que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204.º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280.º, n.º 1).
A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por suscitação das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstrata da constitucionalidade (artigo 281.º da CRP).
Por outro lado, o referido artigo 204.° da Constituição, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e o artigo 280.°, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais. E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (entre outros, o Acórdão n.º 181/2007, de 8 de março de 2007, Processo n.º 343/2005).
Como é bem de ver, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o tribunal arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204.° da Constituição.
Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.
As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição)
A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.
Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com Diretiva europeia, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.
Ilegitimidade da Requerente
11. A Autoridade Tributária alega ainda que se verifica a ilegitimidade processual da Requerente tendo em consideração que o mecanismo de liquidação da CSR representa uma forma de substituição tributária, porquanto a contribuição é devida pelos sujeitos passivos de ISP como contrapartida pela utilização dos serviços prestados aos utentes das vias rodoviárias, e, nesse sentido, é suportada pelo consumidor final do combustível.
Para a apreciação desta questão, interessa considerar o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT. Segundo o n.º 1, “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Por sua vez, o n.º 4 consigna que “têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”
Também o artigo 18.º da LGT, no seu n.º 3, define como sujeito passivo da relação tributária a “pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”. Acrescentando o n.º 4, alínea a), que não é sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias”.
Da conjugação destas disposições, conclui-se que o contribuinte, seja o contribuinte direto, substituto ou responsável, tem legitimidade processual para propositura do processo judicial tributário por ser aquele que se encontra vinculado ao cumprimento da prestação tributária.
A substituição tributária, a que se refere o artigo 20.º da LGT, pressupõe a deslocação da obrigação tributária do contribuinte direto - que se encontra abrangido pelas normas de incidência do imposto - para um terceiro que é devedor dos rendimentos sujeitos a tributação e a quem incumbe a dedução de uma parcela desses rendimentos aquando do seu pagamento para entrega ao Estado. A responsabilidade do substituto tributário – como especifica o artigo 28.º da mesma Lei - traduz-se na obrigação de dedução das importâncias que estiverem sujeitas a retenção e da sua entrega nos cofres do Estado que, uma vez satisfeita, desonera o substituído do pagamento dessas importâncias.
É patente que a repercussão da CSR no consumidor final, por efeito do disposto no artigo 2.º da CIEC, na redação dada pela Lei n.º 24/E/2022, de 30 de dezembro, não corresponde a uma forma de substituição tributária, visto que não é o consumidor final que responde pela prestação tributária, e, por outro lado, é a própria lei que exclui do conceito de sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.
Sendo a Requerente, enquanto depositário autorizado, sujeito passivo do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, de acordo com a norma de incidência subjetiva constante do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, e, consequentemente, responsável pelo pagamento da CSR, como resulta do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007, não pode deixar de concluir-se que, na qualidade de contribuinte direto, é titular da relação jurídica tributária e parte legítima no processo.
A alegada exceção da ilegitimidade ativa é também improcedente.
III - Fundamentação
Matéria de facto
12. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
A) A A…, é uma sociedade que tem como objeto social, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
B) No contexto da sua atividade, e com base nas declarações de introdução no consumo por esta realizadas, a Administração Tributária procedeu a atos de liquidação conjunta de Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativos aos meses de outubro a dezembro de 2022.
C) A Requerente suportou um montante global de € 2.403.997,41, correspondente a atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, e um montante parcelar de € 702.477,76, correspondente aos atos de liquidação de CSR, de acordo com o quadro que segue:
MÊS DE INTRODUÇÃO
NO CONSUMO
(ANO 2022)
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REGISTO DE LIQUIDAÇÃO
|
DATA DO
REGISTO DE
LIQUIDAÇÃO
|
TERMO DO PRAZO
PARA PAGAMENTO
VOLUNTÁRIO
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ISP
E OUTROS
(EUR)
|
CSR
(EUR)
|
TOTAL LIQUIDADO
(EUR)
|
ANEXOS AO
PEDIDO
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Outubro
|
…
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14/11/2022
|
30/11/2022
|
313.654,85
|
117.747,72
|
431.402,57
|
Docs. n.º 1+9+12
|
Novembro
|
…
|
12/12/2022
|
30/12/2022
|
530.540,03
|
255.311,20
|
785.851,22
|
Docs. n.º 2+10+13
|
Dezembro
|
…
|
17/01/2023
|
31/01/2023
|
857.324,78
|
329.418,84
|
1.186.743,62
|
Docs. n.º 3+11+14
|
TOTAL
|
1.701.519,66
|
702.477,76
|
2.403.997,41
|
|
D) Tendo em vista fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi emitido pela Autoridade Tributária o despacho DI n.º 2023…, na sequência do qual foi elaborada a Informação nº …-Norte…/2023, da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do processo administrativo e é do seguinte teor:
“1 - Breve enquadramento da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, teve como fim onerar os automobilistas pela utilização da rede rodoviária, tendo o consumo de combustíveis como medida indireta dessa mesma utilização.
Esta finalidade e a identificação de quem era o encargo do imposto ficou expressa logo na proposta de Lei n.º 153-X, apresentada à Assembleia da República em 3 de julho de 2007 onde se dizia claramente que “pretende-se, portanto, repercutir nos respetivos utilizadores os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional, tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível”.
A mesma intencionalidade se encontra na Lei n.º 55/2007, no n.º 1 do art.º 3.º nos seguintes termos: “A contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.”
Isto é, embora o sujeito passivo seja o que se encontra definido para efeitos do imposto petrolífero e energético, o encargo da contribuição recai sobre o consumidor do combustível.
Não restam grandes dúvidas da intenção do legislador em fazer recair o encargo do imposto sobre o consumidor final se atentarmos que a criação da CSR foi acompanhada de uma redefinição das taxas do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) de forma a não provocar um agravamento do preço dos combustíveis junto do consumidor final. Também o benefício fiscal previsto no art.º 93.º-A do CIEC aplicável ao consumo de gasóleo por parte de profissionais reforça o entendimento de que este é devido pelo consumidor final porquanto este é reembolsável ao consumidor e não ao comercializador como faria sentido que o fosse se sobre este recaísse o encargo do imposto.
2 - Dos procedimentos adotados pela A…
A A… enquanto revendedor de combustíveis é sujeito passivo de ISP e CSR, sendo que regista os impostos/contribuições a que os produtos petrolíferos estão sujeitos na conta SNC 311 – Imposto sobre Produtos Petrolíferos, ou seja, uma subconta da conta 31 – Inventários.
Assim sendo, o ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas como, aliás, não podia deixar de ser tendo em conta quer a sua definição teórica, quer o seu enquadramento normativo (NCRF 18).
É sobre o custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR que a A… terá que aplicar uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta (-) que lhe permita aferir da viabilidade e continuidade do negócio. Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente sob pena de, não só o negócio não ser viável como até incorrer em ilegalidade (venda abaixo do seu preço de custo).
A segregação, entre ISP e CSR, é feita nas guias de entrega de imposto onde é feita a separação entre os montantes devidos a título de ISP e de CSR.
3 - Do conceito de Custo das Mercadorias Vendidas e respetivo tratamento contabilístico
Conceptualmente, o sistema de inventário permanente pressupõe o conhecimento a qualquer momento do valor das mercadorias em stock pelo abatimento ao mesmo em cada operação de venda ou acréscimo em cada operação de compra. Ou seja, a cada operação, é possível saber o valor das compras, stock e custo das mercadorias vendidas.
No sistema de inventário permanente, é necessário que a empresa contabilize, de forma imediata, todas as compras, e abata ao stock de mercadorias todas as vendas, pelo seu custo, ou seja, há o registo das aquisições e das saídas de forma imediata ou concomitante, com a ocorrência física desses factos.
Assim, tem-se a qualquer momento o valor de todas as compras do período, o valor de todas as saídas do período (o custo das mercadorias vendidas), bem como o valor do stock inicial e do stock final.
No que respeita ao custo das mercadorias vendidas, este deverá compreender todos os gastos incorridos com a compra (armazenamento, transporte, impostos, seguros e outros) das mercadorias até que estejam no ponto de venda, prontas a serem comercializadas.
Analisemos o tratamento contabilístico previsto na NCRF 18 – Inventários, evidenciando alguns aspetos importantes da norma para o caso em análise:
-
parágrafo 9: os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o mais baixo;
-
parágrafo 10: o custo dos inventários deve incluir todos os custos de compra, custos de conversão e outros custos incorridos para colocar os inventários no seu local e na sua condição atuais;
-
parágrafo 11, os custos de compra de inventários incluem o preço de compra, direitos de importação e outros impostos (que não sejam os subsequentemente recuperáveis das entidades fiscais pela entidade) e custos de transporte, manuseamento e outros custos diretamente atribuíveis à aquisição de bens, de materiais e de serviços. Os descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos na determinação dos custos de compra;
-
parágrafo 34: “Quando os inventários forem vendidos, a quantia escriturada desses inventários deve ser reconhecida como um gasto do período em que o respetivo rédito seja reconhecido.”;
-
parágrafo 35: “A quantia de inventários reconhecida como um gasto durante o período, que é muitas vezes referida como o custo de venda, consiste nos custos previamente incluídos na mensuração do inventário agora vendido, nos gastos gerais de produção não imputados e nas quantias anormais de custos de produção de inventários.”
Face ao tratamento contabilístico plasmado na NCRF 18, podemos concluir que:
-
A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável das entidades fiscais pela entidade que procede à sua liquidação (como é o caso por exemplo do IVA, quando o mesmo nos termos do respetivo código é dedutível), constituindo consequentemente uma componente do custo de compra dos inventários. Neste sentido, tal como corretamente procedeu o sujeito passivo, a CSR deve ser contabilizada na conta 31 – compras, pois o custo de compra dos inventários deve incluir esta componente.
-
Os custos previamente incluídos na mensuração do inventário, ou seja, o valor reconhecido na conta 31 – compras é reconhecido como gasto do período (conta 61 – CMV) no momento (no período de relato) em que aqueles inventários são vendidos. Daqui resulta, que o procedimento adotado pelo sujeito passivo encontra-se em conformidade com o tratamento contabilístico consagrado na NCRF 18.
-
Assim, como a CSR é um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são alienados, esta contribuição é repercutida no custo dos inventários, pelo que será a entidade que adquire à A… aqueles combustíveis que suportará (ou o repassará, se os revender) o encargo com aquela contribuição. Consequentemente, a CSR não diminui o resultado do período apurado pela A… (na medida em que faz parte do custo das mercadorias vendidas), antes pelo contrário, pois ao estar incluída na base à qual a A… irá aplicar a sua margem de lucro, poderá contribuir para um acréscimo dos resultados apurados por esta entidade.
Em suma, o tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF 18, traduz a realidade dos factos: o resultado apurado pela A… não é diminuído pela existência da CSR (pois a CSR é incorporada no custo dos combustíveis) refletindo que esta contribuição consubstancia a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, e, consequentemente, constitui encargo do consumidor do combustível (que, relativamente aos combustíveis vendidos não é a A… mas os utilizadores dessas rodovias).
4 – Apresentação de contabilização a título exemplificativo
De seguida exemplifica-se o processo genérico de contabilização da CSR aquando da venda de combustível ao cliente final:
Dados:
1) Compra de € 60 de combustível;
2) Pelo pagamento de € 50 de ISP + CSR relativo a estes combustíveis;
3) Entrada do combustível adquirido em inventário (€ 60 + € 50);
4) Venda de 80% do combustível adquirido por € 120;
5) Saída de inventário com o consequente reconhecimento do Custo das Mercadorias Vendidas. De salientar que o custo do combustível vendido é de € 88 (80% x 60 + 80% x 50) (-);
6) Apuramento do Resultado Líquido do período.
311x - Compra Combustível
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243x - IVA
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221 - Fornecedores
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(1) 60
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60 (3)
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(1) 13,8
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27,60 (4)
|
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73,80 (1)
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311x - ISP + CSR
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32 - Mercadorias
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71 - Vendas
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(2) 50
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50 (3)
|
|
(3) 60
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48 (5)
|
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(6) 120
|
120 (4)
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|
|
|
(3) 50
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40 (5)
|
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611 - CMV
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211 - Clientes
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81 - Resultados
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(5) 48
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88 (6)
|
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(4) 147,60
|
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|
(6) 88
|
120 (6)
|
(5) 40
|
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Em suporte ao que acima foi dito junta-se, em anexo, documentação de transações reais acompanhada da respetiva contabilização e que se pode sistematizar da seguinte forma:
a) Aquisição de combustível (Gasóleo A, Gasolina 95 e Gasolina 98) a um fornecedor intracomunitário (anexo 1):
Contabilização da fatura 2022/FK/0000… de 04-11-2022 do fornecedor B… España, SA relativa à venda de Gasóleo A (€ 19.513,25), Gasolina 95 (€ 8.044,60) e Gasolina 98 (€ 2.540,93). Sendo um fornecedor intracomunitário compete à A…, além do exercício do direito à dedução, proceder à liquidação do IVA correspondente:
311x - Compra Mercadorias
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2432 - IVA Dedutível
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221xxxx – B… Petroleum
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19 513,25
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4 488,05
|
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|
30 098,78
|
8 044,60
|
|
|
1 850,26
|
|
|
|
|
2 540,93
|
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584,41
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2433 - IVA Liquidado
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|
|
4 488,05
|
|
|
|
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|
|
|
1 850,26
|
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584,41
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b) Venda de combustível (gasóleo, gasolina 95 e gasolina 98) a um cliente nacional (anexo 2):
Venda de gasóleo simples (€ 34.236,20), gasolina 95 (€ 16.758,32) e gasolina 98 (€ 5.365,14), no valor total de € 56.359,66, ao cliente C…– Energias Unipessoal, Lda:
211xxx – C…
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|
711xxx - Vendas
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|
2433 - IVA Liquidado
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56.359,66
|
|
|
|
27.834,31
|
|
|
6.401,89
|
|
|
|
|
13.624,65
|
|
|
3.133,67
|
|
|
|
|
4.361,90
|
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1.003,24
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c) Entrega de ISP nos cofres do Estado:
Contabilização do pagamento do ISP respeitante ao mês de novembro de 2022.
2783 - Estimativa ISP
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3114 - Estimativa ISP
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785.851,22
|
|
785.851,22
|
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5 – Peso da CSR no Custo das Mercadorias Vendidas (CMV)
Com base em informação recolhida para anos anteriores, uma vez que as demonstrações financeiras da A… para o ano de 2022 ainda não se encontram disponíveis e não existindo alterações substanciais quer no enquadramento da CSR quer no modelo de negócio prosseguido pela A…, o peso da CSR no CMV situar-se-á entre os 9 e os 11%. Este elevado peso da CSR no total do CMV, associado à diminuta margem bruta apurada pela A… inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão da CSR no preço de venda dos combustíveis.
A análise deste indicador deve ter em atenção que a CSR varia em função dos combustíveis que estejam em causa (por exemplo, a CSR no caso do gasóleo é de 111€/KLT (0,111/Litro) e no caso da gasolina é de 87€/KLT (0,087/Litro) e que os diferentes combustíveis têm preços distintos (a gasolina é mais cara que o gasóleo), pelo que o mesmo pode oscilar consoante o peso de cada um dos combustíveis no total de combustíveis vendidos. Assim, se por exemplo no ano n a A…vendeu 40% de gasóleo, 50% de gasolina e 10% de GPL e no ano n+1 vendeu 30% de gasóleo, 60% de gasolina e 10% de GPL, tal significa que o peso da CSR no total do CMV será naturalmente distinto em n e em n+1.
Resta realçar o elevado peso da CSR no total do CMV.
6 – Do peso dos impostos no preço de venda dos combustíveis
Com base em informação recolhida para anos anteriores, uma vez que as demonstrações financeiras para o ano de 2022 ainda não se encontram disponíveis e não existindo alterações substanciais quer no enquadramento da CSR quer no modelo de negócio prosseguido pela A…, o peso dos impostos no CMV situar-se-á acima dos 50%. Este elevado peso dos impostos no total do CMV, associado à diminuta margem bruta apurada pela A… inviabiliza qualquer argumentação no sentido da não inclusão dos impostos no preço de venda dos combustíveis.
Esta análise assume relevância na medida em que o procedimento contabilístico adotado pela A… aquando da contabilização das guias de pagamento mensais é feito pelo total da guia não discriminando cada uma das verbas em causa (CSR, ISP, taxa de carbono). Do ponto de vista contabilístico o tratamento dado à CSR é exatamente o mesmo que é dado ao ISP. Assim sendo, se os impostos são tratados como um todo e têm um peso superior a 50% do total do CMV, não faz qualquer sentido considerar que os impostos (nos quais se inclui a CSR) não são incluídos no preço de venda dos combustíveis, pois tal conduziria a um preço de venda muito inferior ao Custo das Mercadorias Vendidas.
7 – Margem bruta da A…
Na ausência das demonstrações financeiras para o ano de 2022, foram solicitadas à A…, a título exemplificativo, quatro faturas de compra e quatro faturas de venda de combustível nas quais foi apurada uma margem de comercialização média de 5,17%.
Esta margem de comercialização é confirmada pelo exemplo de uma transação real de gasóleo cuja documentação se junta em anexo (anexos I e II) e que pode ser assim sintetizada:
Venda
|
Litros
|
Valor
|
P. unit s/ Iva
|
FT2022I/…
|
18.999
|
27.834,31
|
1,465041
|
Compra
2022/FK/…
|
18.999
|
|
1,027067
|
IEC por Litro
|
|
|
0,362
|
CMVMC p/ Ltr
|
|
|
1,389067
|
Margem
|
|
|
0,076
|
% Margem
|
|
|
5,186%
|
A margem apurada difere ligeiramente da média encontrada nas faturas analisadas porquanto para esta contribuíram, para além da venda de gasóleo exemplificado acima declarada, vendas de gasolina e gasóleo em períodos diferentes. A margem apurada não varia em função do ISP + CSR porque estes mantêm-se constantes uma vez que são calculados por quantidade (litro) de produto vendido e não pelo preço do mesmo.
Desta margem de comercialização (5,186%) resulta claro que o ISP e a CSR estão incluídos no CMV porquanto a margem apurada não permitiria absorver o impacto do peso da CSR (em análise no caso concreto). Caso assim fosse, a sociedade estaria recorrentemente a incorrer em prejuízos por cada venda efetuada, e a vender abaixo do preço de custo total do produto que nos termos da normalização contabilística (e no caso em análise) inclui o valor dos impostos suportados.
Mais uma vez se verifica que a CSR é incluída no custo da mercadoria vendida, e assim repercutida no consumidor, porquanto as margens de comercialização apuradas não permitem a acomodação da CSR
8 – Da Lei nº 5/2019
Em 5 de janeiro de 2019 foi publicada a Lei n.º 5/2019 com o objetivo de estabelecer um “Regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor”.
Dispõe o n.º 1 do art.º 16.º da supracitada Lei n.º 5/2019 que:
“1 - As faturas do GPL e dos combustíveis derivados do petróleo a apresentar pelos comercializadores dos postos de abastecimento aos consumidores devem conter os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores totais e desagregados faturados, designadamente os seguintes:
a) Taxas discriminadas;
b) Impostos discriminados;
c) Quantidade e preço da incorporação de biocombustíveis.
(…)”
Da leitura deste artigo resulta que o alvo dos deveres de informação nele preconizados são os consumidores de combustíveis e a obrigação de prestar essa mesma informação recai sobre os “comercializadores dos postos de combustíveis”.
No caso da A…, esta não explora postos de combustíveis com venda direta aos consumidores. Essa operação de venda a retalho está a cargo de outras empresas do grupo empresarial em que a A… se insere como seja a D… –… SA.
Assim, ao não fazer parte dos “comercializadores dos postos de combustíveis”, a A… não se encontra abrangida pelas obrigações de informação a constar das faturas emitidas estabelecidas pela Lei n.º 5/2019.
A D… que, como atrás foi dito, é uma das empresas, dentro do grupo empresarial A… que explora postos de combustíveis e, assim sendo, é-lhe aplicável o disposto no art.º 16º da Lei nº 5/2019.
Resulta da análise à faturação da D…, com exemplo que se junta em anexo (anexo III), que esta empresa está a dar cumprimento ao estatuído na citada Lei n.º 5/2019 informando o consumidor dos impostos e taxas que concorrem para a formação do preço final do combustível.
Assim, de acordo com os elementos da fatura em anexo, foram repercutidos no consumidor, sob a designação genérica de ISP, 0,303€/Litro. Este valor, tendo em atenção a legislação em vigor à data, decompõe-se da seguinte forma: 0,13259 €/litro a título de ISP propriamente dito, 0,111 €/litro a título de CSR e 0,05920 €/litro a título de taxa de carbono.
Esta repercussão do ISP/CSR no consumidor por parte da D… decorre da “repassagem” do imposto que havia suportado na aquisição de combustível à A…, ou seja, o encargo do imposto é suportado e deduzido (via CMV) sucessivamente por todos os intervenientes na cadeia de comercialização até ao consumidor final que é quem o suporta efetivamente.
9 - Conclusões
Ao longo da presente informação foram apresentados os factos, bem como os respetivos argumentos que nos permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis alienados pela A….
Em primeiro lugar é de salientar que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica.
Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A… vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento por parte da A… que esta (tal como os restantes impostos: ISP e taxa de carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos combustíveis.
Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional.
A A… trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo, não lançando de forma individualizada cada uma dessas grandezas. Considerando que a carga fiscal representa mais do que 50% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do produto.
Em suma, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A… mas de quem adquire os combustíveis, tal como se resulta do procedimento contabilístico adotados pelo sujeito passivo, o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilístico aplicável. Acresce que, atendendo à margem bruta apurada pela A… e ao respetivo peso da CSR no preço de venda dos combustíveis não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal conduziria à prática de preços de venda inferiores ao respetivo custo.
Adicionalmente, refira-se que a D…, que é uma das empresas, dentro do grupo empresarial A…, que explora postos de combustíveis e, adquire à A… o combustível que comercializa (é um cliente desta).
De acordo com o art.º 16º da Lei nº 5/2019, discrimina a CSR na faturação que emite aos seus clientes, pelo que se trata de uma “repassagem” do imposto que havia suportado na aquisição de combustível à A…, facto que demonstra também que a CSR constitui encargo não da A…, mas dos consumidores finais do combustível”.
E) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário do imposto liquidado.
F) O pedido arbitral deu entrada em 27 de fevereiro de 2023.
Factos não provados
Não se provou que tenha havido efetiva repercussão, parcial ou integral, da contribuição de serviço rodoviário liquidada pela Requerentes nos consumidores finais.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
13. A questão que vem primeiramente colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118 e tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.
Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à atual Infraestruturas de Portugal, S.A. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
À luz do regime jurídico sucintamente exposto, a Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118.
Em contraposição, a Autoridade Tributária sustenta que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” ou a “razão de ser” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a uma mera finalidade de natureza orçamental.
Suscita-se ainda a divergência entre as partes quanto ao direito ao reembolso do imposto suportado pelo sujeito passivo em face possível repercussão do imposto no consumidor final.
Conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o direito europeu
14. Analisando a primeira questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:
Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial requerido no âmbito do Processo n.º 564/2020-T, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (parágrafo 27).
No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE, na parte que mais releva, formula ainda as seguintes considerações:
“29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (-).
31. Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à
IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32. No entanto, como foi salientado no n.° 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (-)”.
15. Revertendo à situação do caso, o que se constata é que a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis. Ademais, o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado.
Tal como alega a Autoridade Tributária, a atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro. Nas bases da concessão igualmente se prevê que, entre outros rendimentos, a Contribuição de Serviço Rodoviário constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Como resulta com clareza do despacho do Tribunal de Justiça proferido em reenvio prejudicial, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a consignação à Infraestruturas de Portugal, S.A., e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.
Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
Reembolso da contribuição indevidamente liquidada
16. A segunda questão em debate respeita a saber se o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte é admissível quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem causa.
Quanto a esta matéria, e para considerar apenas os aspetos mais relevantes em apreciação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos.
“38. (…) Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (-).
39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (-).
40. Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.
(…)
42. Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (-).
43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (-).
(…)
45. Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (-).
46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (-).
47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (-)”.
Como sublinha ainda o TJUE, “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
17. No caso vertente, não há prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, podia traduzir-se numa situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.
Para efetuar essa demonstração, a Autoridade Tributária limita-se a juntar uma informação interna dos serviços que parte de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido.
Com efeito, a informação em causa faz apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas quando os impostos imputáveis à aquisição devam incorporar esse custo. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.
Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
Ora, como resulta com evidência do despacho proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial e outra jurisprudência nele citada, não é admissível a prova da repercussão de impostos indiretos através de presunção. E, como se refere no parágrafo 45, acima transcrito, mesmo que exista uma obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo do produto, essa obrigação, por si só, não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido. Não podendo extrair-se, por conseguinte, do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas, quando este custo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo a incidência do imposto, que a totalidade do imposto tenha sido repercutida no consumidor final.
Resta acrescentar, tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.
Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.
No sentido expostos nos antecedentes n.ºs 14., 15., 16. e 17. se pronunciaram os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 564/2020-T e 24/2023-T.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
18. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, incidentes sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de CSR impugnados;
-
Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 702.477,76, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação de CSR a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 10.404,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 15 de julho de 2023
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha (relator)
A Árbitro vogal
Sílvia Oliveira
A Árbitro vogal
Eva Dias Costa
(Vencida, com declaração de voto em anexo)
Declaração de voto
Embora concorde com os fundamentos de facto e de direito e com o sentido do decisório, votei vencida quanto ao objecto do pedido de pronúncia – e consequências na decisão - e quanto ao valor do p.p.a. e custas, pelos p.f. motivos que passo a expor:
A Requerente identifica com objecto do p.p.a. “actos de liquidação”, “que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, referentes ao período decorrido entre Outubro e Dezembro de 2022, cuja anulação, por ilegalidade, requer, sendo certo que a sua discordância incide apenas sobre “a parte que respeita ao montante total de € 702.477,76 liquidado a título de CSR”.
Esses actos de liquidação, que estão juntos ao p.p.a. e ao processo administrativo, junto pela AT, são os seguintes: …, de 2022-11-14, referente ao período 2022/10, no valor de 402.431.57€, …, de 2022-12-12, referente ao período 2022/11, no valor de 785.851,22€, …, de 2023-01-17, relativa ao período 2022/12, no valor de 1.186.743,62, e todos emitidos pela Alfândega de Braga.
A própria Requerente, apesar de, no início do seu p.p.a., não identificar correctamente, a meu ver, o objecto, vem depois, no artigo 19.º, juntar uma tabela que é elucidativa do destaque artificial que faz, nos actos de liquidação, da CSR, e que aqui reproduzo:
O quadro – que tem correspondência com as liquidações juntas ao p.p.a e pela AT, com o processo administrativo – confirma que, e embora a rúbrica relativa à CSR seja identificável na demonstração das liquidações em causa, as liquidações são, cada uma delas, unitárias quanto aos vários tributos e valores delas constantes. Do que decorre que só unitariamente podem ser objecto de pedido de pronúncia arbitral, sem prejuízo da possibilidade de cumulação de pedidos que o artigo 3.º do RJAT confere e que a Requerente utilizou.
Com efeito, o objecto do p.p.a. não pode deixar de ser as liquidações de imposto como um todo, ainda que a Requerente entenda que a ilegalidade atinge apenas uma parte delas e se conforme com as restantes. A circunstância de as liquidações em causa conterem diferentes tributos não altera a situação. Assim acontece, por exemplo, com liquidações de IRC que incluem tributações autónomas e derramas: se a discordância do sujeito passivo disser respeito a um destes impostos extraordinários/municipais, é impossível destaca-lo da liquidação de IRC, que tem de ser atacada globalmente.
No caso concreto, a parcela das liquidações relativa à CSR não é destacável dos actos de liquidação e, por isso, não é autonomamente sindicável por meio do p.p.a.. A Requerente cinge a sua discordância quanto aos actos de liquidação à parcela relativa à CS e o Tribunal, dando-lhe razão, reconhece a ilegalidade que afecta os actos de liquidação na sua totalidade e, consequente, não pode deixar de os anular totalmente – nunca parcialmente. A resposta afirmativa do Tribunal arbitral à questão colocada pela Requerente relativa à CSR - que convocam unicamente a análise dos elementos e documentos carreados aos autos e a melhor interpretação e aplicação da lei - necessariamente importa a ilegalidade daquelas três liquidações e a sua consequente anulação.
Uma anulação parcial significaria que o Tribunal estaria, implicitamente, a efectuar uma nova qualificação e qualificação da matéria colectável e do tributo, substituindo-se à AT na prática de um acto que é da sua exclusiva competência.
Isto, porque anular parcialmente um acto de liquidação equivaleria, no fundo, a praticar um acto de liquidação novo, substitutivo, o que, naturalmente, não cabe na competência do CAAD. Só A Administração Tributária pode praticar actos de liquidação.
O CAAD sindica actos de liquidação como um todo e, achando-lhes ilegalidades que fundamentem a respectiva anulação, ainda que as ilegalidade os afectem apenas parcialmente, como acontece amiúde, caberá depois à AT, nos termos do prescrito no artigo 24.º, n.º 1, alínea 1), praticar – se estiver em tempo – os actos destinados a repor a legalidade, nos exactos termos da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, designadamente, as liquidações substitutivas, expurgadas da ilegalidade declarada pelo Tribunal arbitral.
Não posso, portanto, concordar com o colectivo quer quanto À identificação do objecto do p.p.a., quer quanto à decisão anulatória, quando ela se cinge aos “actos de liquidação de CSR” que, a meu ver, não existem como tal. Não há, no meu entender, pelas razões expostas, actos de liquidação autónomos de CSR impugnáveis.
Consequentemente, discordo também da decisão quanto à fixação do valor do processo. Na verdade, O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97º-A, do CPPT, ex vi artigo 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e corresponde ao valor da (s) liquidação(ões) impugnada(s).
Pelo que deveria ser, a meu ver, o correspondente ao total das três liquidações impugnadas, o valor do p.p.a.. O valor das liquidações impugnadas é, nas causas submetidas ao CAAD, o valor económico do pedido, independentemente do valor da discordância concreta, porque as circunstâncias e condicionalismos futuros relativos à prática dos actos substitutivos, escapam, depois, ao controlo do Tribunal, que desconhece, assim, qual é o concreto efeito económico da procedência do p.p.a. para o sujeito passivo. O valor do processo te, obviamente consequências quanto às custas, pelo que discordo também do colectivo quanto ao valor das custas fixado.
A Árbitro vogal,