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Sumário:
1.Ocorrendo uma nova definição, pelo sujeito passivo, dos critérios de dedução de IVA aplicados a anteriores autoliquidações, tal equivale à invocação de erro de direito, a que não é aplicável o regime do artigo 78º, nº 6, do Código do IVA, que visa apenas os lapsos calami.
2. Da conjugação dos artigos 98º, nº 2 e 22º, nº 2, do Código do IVA, resulta que o prazo de exercício do direito à dedução do imposto, em caso de erro de direito, é de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, podendo ser exercido mediante a correção do erro cometido, em declaração de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 30.11.2022, a Requerente A..., com o número de identificação fiscal ... e sede na rua ..., nº ..., em Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o valor acrescentado (doravante “IVA”) nº 2020 ... e do correspondente ato de liquidação de juros compensatórios nº 2020 ... .
A Requerente peticiona, ainda:
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A anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu reclamação graciosa apresentada com vista à anulação dos atos tributários identificados.
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A restituição do IVA que considera indevidamente pago, no valor de 30.589,83 €, decorrente da liquidação adicional nº 2020 ... .
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A restituição do IVA que considera indevidamente corrigido da conta corrente a seu favor, no valor de 281.429,40 €, que decorreu, também, da mesma liquidação adicional.
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A restituição “dos montantes pagos” referente à liquidação de juros compensatórios.
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O pagamento pela Requerida de juros indemnizatórios, ao abrigo do art. 43º da LGT, em particular do seu nº 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foram designados árbitros os signatários, que comunicaram ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 10.02.2023.
3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, foram, em síntese, os seguintes:
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No âmbito de inspeção tributária ao ano de 2016, em cumprimento da ordem de serviço nº OI 2018..., realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras (DIBIF), da Unidade de Grandes Contribuintes, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à análise das regularizações de IVA efetuadas pela Requerente na declaração periódica de dezembro de 2016.
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Neste procedimento inspetivo e na sequência de solicitação da Requerida a Requerente prestou a informação dos motivos subjacentes à mencionada regularização bem como da informação de suporte aos cálculos efetuados que permitiram o apuramento do valor do IVA a recuperar no montante de € 312.019,93.
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No relatório final de inspeção tributária foi proposta a correção do IVA no montante de € 312.019,93, tendo nesta sequência a Requerida emitido a liquidação adicional de IVA nº 2020..., de 3.03.2020, a qual implicou a anulação do valor que se encontrava em conta-corrente a favor da Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de € 281.430,10, e a um valor a pagar adicionalmente pela Requerente de € 30.589,83.
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Esta correção respeita ao IVA que a Requerente regularizou a seu favor na declaração periódica de dezembro de 2016, após ter detetado que, por erro, tal montante não tinha sido incluído na declaração de dezembro de 2014, em conformidade com os procedimentos que tinha implementado nesta área de negócio.
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A Requerente atuou no pleno respeito das normas legais aplicáveis em matéria de exercício de direito à dedução do IVA incorrido em aquisições de bens e serviços necessários à realização das suas operações ativas.
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A Requerente não alterou retroativamente o método de dedução pois apenas utiliza, neste âmbito, o método da afetação real.
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A Legislação em vigor não impõe qualquer formalismo a utilizar quando se procede à correção dos valores que foram objeto de dedução devendo pelo exposto ser aceite o procedimento efetuado pela Requerente.
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Ademais, podendo a dedução de IVA em apreço ter sido, de acordo com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, efetuada por via de reclamação por erro na autoliquidação, e uma vez que a Requerente procedeu à referida dedução no prazo aplicável à referida reclamação por erro na autoliquidação (2 anos), deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reconhecido a mesma avaliando o respetivo mérito, sob pena de violação do princípio da neutralidade, pilar base do mecanismo do IVA.
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Decorre da jurisprudência nacional, em situações em tudo semelhantes ao caso concreto, que pode o sujeito passivo regularizar a seu favor imposto relativo a IVA que apurou a seu favor em resultado da revisão dos valores de IVA dedutíveis por aplicação do método da afetação real, no prazo de quatro anos, e através da inclusão desses montantes em declaração periódica de IVA de um período de imposto posterior,
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A dedução efetuada pela Requerente é legítima e tempestiva, pois de todas as normas invocadas pela Requerida para sustentar a ilegalidade da dedução efetuada pela Requerente, com base na intempestividade de tal dedução, apenas duas delas fixam prazos de caducidade para o exercício do direito à dedução, concretamente, o nº 6 do artigo 78º do Código do IVA e o nº 2 do artigo 98º do Código do IVA e, em ambos os casos, quer o erro cometido pela Requerente tenha sido material ou de cálculo, ou de direito, os prazos aí previstos foram respeitados pela Requerente.
4. A Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:
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O direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista vem regulado no artigo 23.º a 26.º do Código do IVA, normativos que resultaram da transposição para a ordem interna do artigo 173.º e seguintes da Diretiva IVA.
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No caso em apreço, a Requerente utiliza a metodologia de afetação real, ao abrigo do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA, facto que os serviços de inspeção não ignoravam.
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Sem que restem dúvidas, é evidente que a alteração em apreço efetuada pela Requerente ocorreu no âmbito da metodologia de afetação real, a que se refere o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA.
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Uma tal alteração não cabe no conceito de “erros materiais ou de cálculo”, a que alude o artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA, nem tem cabimento em qualquer outra norma do mesmo artigo.
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Por seu turno, o TJUE tem reiterado que o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.
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No entanto, o direito à dedução do IVA depende da verificação de requisitos ou condições, tanto substantivos como formais (Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe, C8/17, n.º 30).
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Além disso, “(…) a possibilidade de exercer o direito a dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa” (Acórdão de 12 de julho de 2012, SEM Bulgaria Transport OOD, C284/11, n.º 48).
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Recentemente, no Acórdão de 30 de abril de 2020, caso CTT, processo C661/18, o TJUE declarou que:
“1) O artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo.
2) Os artigos 184.° a 186.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual é recusada a um sujeito passivo que efetuou deduções de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que incidiu sobre a aquisição de bens ou de serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, segundo o método baseado no volume de negócios, a possibilidade de, após a fixação do pro rata definitivo em aplicação do artigo 175.º, n.º 3, desta diretiva, retificar essas deduções aplicando o método da afetação, numa situação em que:
– ao abrigo do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, o Estado-Membro em causa autoriza os sujeitos passivos a efetuar deduções de IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução;
– no momento em que optou pelo método de dedução, o sujeito passivo ignorava de boa-fé que uma operação que considerava isenta, na realidade, não o estava;
– o prazo geral de caducidade fixado pelo direito nacional para regularizar as deduções ainda não terminou; e
– a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução”.
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Conforme o entendimento de Serena Cabrita Neto, Leonardo Marques dos Santos & Priscila Santos (in “A Regularização do IVA em Caso de Erro no Apuramento do pro rata: Questões Processuais”, Cadernos IVA 2015, Coordenação de Sérgio Vasques, p. 362):
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“(…) o sujeito passivo dispõe, em tese, de três momentos para proceder à regularização do apuramento do pro rata: (i) por via de correção na declaração, até a apresentação da declaração do último período do ano a que respeita, e, noutro âmbito de actuação, por via dos meios de tutela administrativa disponíveis, i.e., (ii) através da reclamação graciosa, no prazo de dois anos após a autoliquidação e, (iii) através do pedido de revisão do acto tributário, com prazos mais alargados, que podem ir até quatro anos a contar da data de apresentação da autoliquidação que se pretende corrigir”.
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Segundo estes autores (in Op. Cit., p. 362), “[e]m regra, a regularização deve seguir os termos do artigo 78.º do Código do IVA, no entanto, os mecanismos previstos no referido preceito legal não são aplicáveis à regularização do apuramento do pro rata, aqui em análise, quando o mesmo seja efectuado após a declaração do último período do ano a que o imposto respeita”.
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Note-se que, à luz dos princípios supra enunciados, a regularização do apuramento do pro rata tem de haver-se como similar à revisão dos critérios de dedução que aqui está em causa.
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Independentemente da questão de não se aceitar a alteração do critério de dedução com efeitos retroativos, não se considera admissível que a correção às deduções efetuadas, a final, no período 2014, se faça na declaração periódica referente ao período 2016, conjuntamente com as regularizações anuais desse período, nos termos do artigo 23.º e seguintes do Código do IVA.
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Assim, e para além da controversa questão que se prende com a correção retroativa dos critérios de dedução, existe também a questão do correto período a que se devem reportar as regularizações (último período do ano a que respeitam e não um período subsequente a esse).
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Poder-se-ia admitir que a ora Requerente tivesse apresentado declaração periódica de substituição para o período 2014-12, a qual, não sendo aceite e liquidada, poderia ser convolada no meio adequado, conforme se indica no artigo 59.º, n.º 5 do CPPT. Contudo, tendo a Requerente procedido à regularização de IVA respeitante ao último período 2014 conjuntamente com as regularizações anuais referentes ao último período 2016, na declaração referente a este último período de tributação, não tem aplicação tal disposição legal, nem qualquer outra, que permitisse convolar o meio utilizado no meio próprio, nos termos do artigo 52.º do CPPT.
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Como a revisão oficiosa só pode ser instaurada oficiosamente com base em erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória ou duplicação de coleta – o que não foi manifestamente o caso –, a Requerente teria de, no prazo estipulado no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT, apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão da autoliquidação, ou alternativamente, declaração periódica de substituição, para o período 2014-12, o que não fez.
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Aqui chegados, conclui-se que o meio usado pela Requerente para a regularização do IVA em apreço não foi o adequado e não era possível a convolação, tal como aventa a Requerente, sendo que a decisão arbitral n.º 278/2018-T é bem explícita relativamente às opções ao dispor dos sujeitos passivos.
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A citada decisão arbitral acolhe a jurisprudência fixada no Acórdão do STA, de 18-05-2011, no processo n.º 0966/10.
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Face ao que, tudo visto e ponderado, os atos tributários que vêm contestados não merecem qualquer censura, motivo pelo qual devem ser mantidos intactos na ordem jurídica.
5. Por despacho arbitral de 22.05.2023 foi determinado o seguinte:
“Uma vez que a questão dos autos é de Direito e não foi requerida a audição de testemunhas, dispensa-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT) e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).
Tendo também em conta que há jurisprudência sobre a questão sub judicio e, prima facie, se não afigura útil a repetição em alegações das razões já expostas, dispensam-se aquelas – a menos que qualquer dos intervenientes manifeste entendimento contrário no prazo de 5 dias, caso em que se fixará prazo para alegações simultâneas. “
Nenhuma das partes manifestou entendimento contrário à determinação de dispensa de alegações.
6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem.
7. Cumpre solucionar as seguintes questões:
1) Ilegalidade dos atos tributários objeto do processo.
2) Direito da Requerente à restituição do imposto.
3) Direito da Requerente à restituição de juros compensatórios.
4) Direito da Requerente à restituição do IVA que considera indevidamente corrigido da conta corrente a seu favor, no valor de 281.429,40 €,
5) Direito da Requerente a juros indemnizatórios.
II – A matéria de facto relevante
8. Consideram-se provados os seguintes factos:
8.1.A Requerente é uma instituição financeira que tem como atividade principal a descrita no nº 1 do artigo 4º do Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, incluindo a locação financeira.
8.2.A Requerente realiza simultaneamente operações que conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado incorrido e operações que não conferem esse direito, pelo que é qualificada, para efeito desde imposto, como sujeito passivo misto.
8.3.Para efeitos de determinação do direito à dedução de imposto relativamente a imposto suportado relativamente a bens e serviços de utilização mista a Requerente utiliza o método da afetação real, com recurso a um coeficiente de utilização específico.
8.4.A Requerente, no âmbito da sua atividade, disponibiliza aos seus clientes, terminais de pagamento automático (“TPA´s”), permitindo aos clientes/comerciantes, a utilização de soluções de pagamento automático dos bens transmitidos e/ou serviços prestados, através de cartões de crédito ou de débito.
8.5.Como remuneração por tal disponibilização, a Requerente fatura aos seus clientes uma tarifa mensal, previamente negociada, bem como os montantes associados à instalação do equipamento e comunicações, entre outros, aos quais acresce o correspondente IVA, à taxa legal em vigor.
8.6.Face a uma política comercial diferenciada no tratamento de cada cliente a quem são disponibilizados os TPA´s, verifica-se a existência de situações em que a Requerente não procede à faturação de qualquer montante, pelo que a Requerente procede à dedução do IVA incorrido tendo em consideração as variáveis associadas a esta área de negócio.
8.7.Decorrente da análise de procedimentos internos, a Requerente verificou em 2016, com referência a dezembro de 2014, que o valor de IVA dedutível que tinha refletido nas suas declarações não era o correto, nomeadamente no que respeitava ao imposto recuperável relativo à área de negócio dos TPA´s, tendo apurado que o montante de IVA suscetível de dedução com referência a dezembro de 2014, na área de negócio dos TPA´s, ascendia a € 322.974,75 e que o valor incluído na declaração de IVA desse período ascendeu apenas a € 10.954,82, do que resultou a não dedução do diferencial, no montante de € 312.019,93.
8.8.A Requerente procedeu à regularização do diferencial mencionado no ponto que antecede, no montante de € 312.019,93, a seu favor, na declaração de IVA submetida com referência ao período de dezembro de 2016.
8.9.No âmbito da inspeção tributária ao ano de 2016, em cumprimento da Ordem de serviço nº OI 2018..., realizada pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras (DIBIF), da Unidade de Grandes Contribuintes, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à análise das regularizações de IVA efetuadas pela Requerente na declaração periódica de dezembro de 2016.
8.10.No âmbito do procedimento inspetivo e na sequência de solicitação da Requerida, a Requerente prestou a informação dos motivos subjacentes à mencionada regularização, bem como, da informação de suporte aos cálculos efetuados, que permitiram o apuramento do valor do IVA a recuperar no montante de € 312.019,93.
8.11.A Requerente, foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, no âmbito do qual a Autoridade Tributária e Aduaneira propôs a correção do IVA no montante de € 312.019,93.
8.12. A Requerente, que não exerceu o direito de audição prévia, foi notificada do relatório final de inspeção tributária, no qual se propôs a correção de IVA constante do projeto de relatório.
8.13.Do relatório final de inspeção tributária, consta, além do mais, o seguinte:
(…)
(…)
(…)
(…)
8.14.Na sequência do relatório de inspeção tributária, a Requerida emitiu a liquidação adicional de IVA nº 2020 ..., de 3.03.2020, a qual implicou a anulação do valor que se encontrava em conta-corrente a favor da Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de € 281.430,10, e a um valor a pagar adicionalmente pela Requerente de € 30.589,83.
8.15. Emitiu ainda a Requerida, como ato consequente da liquidação referida no ponto anterior, liquidação de juros compensatórios, no valor de 3.521,23 €.
8.16. Tendo a Requerente apresentado reclamação graciosa destes atos tributários, em 7.08.2020, foi a mesma notificada de decisão final de indeferimento datada de 2.11.2020, através da plataforma “VIA CTT”, tendo a Requerida mantido a totalidade das correções em sede de IVA.
8.17. Em 21.12.2020 a Requerente apresentou recurso hierárquico, tendo sido notificada da decisão final de indeferimento datado de 16.08.2020, através da plataforma “VIA CTT”, tendo a Requerida mantido a totalidade das correções em sede de IVA.
8.18. Em 22.04.2020 a Requerente pagou o valor da liquidação referida no ponto 8.14. do probatório.
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que a Requerente tenha pagado o valor da liquidação de juros compensatórios, mencionada no ponto 8.15. do probatório.
9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados não emerge discordância das partes relativamente à matéria de facto dada como provada, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.
No que respeita à matéria de facto não provada, a decisão resulta, por um lado, do facto da Requerente não ter alegado expressa e claramente tal pagamento e, por outro, de não ter sido junto aos autos qualquer documento comprovativo do mesmo, ao invés do que ocorreu relativamente ao valor da liquidação de imposto, cujo documento foi junto pela Requerente, como doc. nº 5.
-III- O Direito aplicável
10.Afigura-se pertinente começar por enquadrar juridicamente o erro que originou as regularizações em causa no presente processo tanto mais que, numa primeira linha de argumentação, a Requerente o qualifica como erro material ou de cálculo previsto no artigo 78º, nº 6 do Código do IVA, ao passo que, diferentemente, a Requerida o qualifica como erro de direito.
Sobre o tema, escrevem Alexandra Martins-Pedro Moreira (“REGULARIZAÇÕES DE IVA” in CADERNOS IVA 2014, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, pags. 66-67):
“Com o nº 6 do artigo 78º do Código do IVA, consideramos que o legislador pretendeu visar, única e exclusivamente, os lapsos calami na transposição dos elementos das facturas para a contabilidade e desta para as declarações periódicas de IVA.
Não obstante, este tem sido um território de exercícios de interpretação extensiva por parte da autoridade tributária e Aduaneira, a qual aí tem subsumido os erros de direito na liquidação e dedução do imposto.
O erro de cálculo ou de escrita encontra-se, desde logo, perfeitamente delimitado na doutrina juscivilística. De acordo com Pedro Pais de Vasconcelos:
“Sucede com alguma frequência que o declarante faz constar algo de errado na sua declaração, não porque tenha sofrido de uma falsa percepção da realidade (erro-vício), nem porque se tenha enganado na expressão (erro-obstáculo), mas porque se enganou nas contas, porque errou uma operação de cálculo. O mesmo sucede também com frequência quando o declarante erra ao escrever.[…]O Código Civil, no artigo 249º, estabelece para o erro de cálculo ou de escrita um regime diferente da anulabilidade: o da correcção do erro”.
Ora não nos parece que um erro de direito, em que, por força de uma incorrecta interpretação da lei, o sujeito passivo ou liquide imposto a mais ou a menos, seja possível de ser configurado como um mero de cálculo ou de escrita”.
Referem, ainda, estes autores:
“Por erro de enquadramento referimo-nos às situações em que os sujeitos passivos, por uma incorrecta interpretação dos factos ou errónea aplicação do direito, liquidem ou deduzem imposto a mais ou a menos” (ob. cit. pag. 69).
Este tem sido, também, o entendimento da jurisprudência maioritária (cfr. Entre outras, as decisões arbitrais do proc. 117/2013-T de 6.12.2013 e do proc. 649/2017-T de 28.05.2018 e os acórdãos do STA, de 28.06.2017, proferidos no proc. 01427/14., de 7.04.2021, no processo n.º 835/13, de 12.05.2021, proferido no processo n.º 1023/15, e o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 23.11.2022, proferido no processo 021/21.0BALSB).
No caso dos autos, conforme resulta do teor esclarecimento prestado pela Requerente à Requerida, de 6.11.2018, constante do anexo 15 do relatório de Inspeção Tributária (ponto 8.13 do probatório) ocorreu uma nova definição dos critérios de dedução no âmbito do método de afetação real, que a Requerente entende traduzir a realidade vigente (o que não foi posto em causa pela Requerida). À luz da doutrina e jurisprudência referidas, tal equivale a alegar a ocorrência de um erro de direito nos critérios usados nas primitivas deduções.
Há, pois, que concluir que, no caso, não é aplicável o artigo 78º, nº 6 do Código do IVA.
Vejamos então se é aplicável o prazo previsto no art. 98º, nº 2 do mesmo código, como a Requerente alega subsidiariamente, tendo ainda presente que no relatório de inspeção tributário é alegado que o artigo 23º, nº 6, do CIVA se opõe a que um sujeito passivo que tenha optado por um método de cálculo de direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista, possa alterar retroativamente o método utilizado recalculando a dedução inicialmente efetuada, respeitante a exercícios anteriores e que o mesmo preceito não autoriza que o alegado erro em causa seja corrigível através de dedução do imposto em declaração periódica referente a período subsequente, no caso o período de dezembro de 2016.
O nº 6, do art. 23º do CIVA, tem o seguinte teor:
“ A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”
Sobre esta norma escrevem Alexandra Martins e André Areias (in “Os Prazos para a Regularização de Erros: Análise à Luz dos Princípios da Efectividade e Equivalência”, Cadernos IVA 2017, Coordenação de Sérgio Vasques, p.49):
“Em síntese, a referida disposição legal (artigo 23º, nº 6) prevê o exercício do direito à dedução por parte dos sujeitos passivos mistos, não se podendo falar, nos casos regulamentados nesta norma, de uma verdadeira correção ou regularização da dedução realizada pelo sujeito passivo. Os ajustamentos constante desta norma não derivam da ocorrência de um qualquer erro, mas antes do facto de a percentagem de dedução utilizada num determinado ano ser calculada provisoriamente com referência às operações realizadas no ano anterior, o que, determinando-se os valores definitivos do ano e a correspondente percentagem de dedução, pode originar a necessidade de proceder a ajustamento ao IVA deduzido se a percentagem estimada (provisória) e a definitiva (apurada com base nos dados reais do ano em causa) divergirem. No entanto, os indicadores utilizados para os cálculos provisórios e definitivos são os corretos.
Importa concluir que a hipótese normativa do artigo 23º, nº 6 não se dirige, nem contempla os casos de erro, mas tão só o normal e recorrente procedimento de cálculo do direito à dedução parcial, cuja metodologia passa pela adopção temporária de um indicador provisório (a percentagem do ano anterior) que é substituído, no final do ano, pelo indicador real.”
Deste modo, não se afigura que o art. 23º, nº 6, do Código do CIVA que tem como finalidade regular o exercício do direito à dedução em situações normais, se possa retirar qualquer proibição de retificar qualquer erro de que as liquidações possam enfermar. Acresce que, como a própria Requerida reconhece, a dedução do imposto pelo sujeito passivo foi sempre efetuada com base no método da afetação real, não tendo havido mudança de um dos dois métodos legalmente previstos para o outro.
Improcede, pois, a argumentação da Requerida fundada no art. 23º, nº 6, do Código do CIVA.
Do mesmo modo, também não resulta do art. 22º, nº 2 do mesmo Código, na atual redação, impedimento a que um erro seja corrigível através de dedução do imposto em declaração periódica referente a período subsequente, uma vez que a norma estabelece que “- Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento o IVA que fizer parte das declarações de importação.”
Quanto ao argumento da Requerida de que “O disposto no nº 2 do art. 98º do CIVA e o prazo de quatro anos não tem aplicabilidade à presente situação, pois que o que se encontra em causa nesta norma é o exercício pela “primeira vez” do direito à dedução do imposto.”, também não se afigura procedente.
Como se assinalou no acórdão do STA de 07-04-2021, proc. 0835/13.4BELRS: “Uma derradeira nota, para expressar não vermos como, a partir da letra do art. 98.º n.º 2 do CIVA, se pode defender, como a rte, uma interpretação, restritiva, (…). Objetivamente, esse normativo, além do direito à dedução, menciona, de forma expressa e alternativa, o direito ao reembolso do imposto entregue em excesso!...”
Efetivamente, para além de inexistir qualquer elemento interpretativo que aponte no sentido de que o nº 2, do art. 98º do CIVA se deve aplicar apenas ao exercício pela “primeira vez” do direito à dedução do imposto, se dúvidas houvesse, da própria norma se retira expressamente, pela positiva, a conclusão contrária, face ao segmento da mesma mencionado no acórdão que acaba de se referir.
O que acaba de concluir está em linha com o que escrevem, ainda, Alexandra Martins e André Areias (in “Os Prazos para a Regularização de Erros: Análise à Luz dos Princípios da Efectividade e Equivalência”, ob. cit, Coordenação de Sérgio Vasques, pags.52-53):
“A leitura conjugada do artigo 98º, nº2, como o artigo 22º, nº 2, ambos do Código do IVA, encaminha-nos para a conclusão, correcta, de que o prazo de exercício do direito à dedução é de quatro anos, já que o mesmo pode ser exercido na “declaração do período ou de período posterior” àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, e de que, no decurso desse prazo de quatro anos, os erros praticados podem ser corrigidos, pelos menos nas situações que não se enquadrem nos prazos especiais encurtados (dois anos) do artigo 78º do Código do IVA. Aliás, essa é a única conclusão compatível com o entendimento do TJUE de que o direito à dedução não pode, em princípio, ser limitado e de que o mesmo se exerce relativamente à totalidade do imposto que tenha onerado as operações efectuadas pelos sujeitos passivos o que implica a consagração de regimes de regularização que permitam a estes a correcção das suas deduções num prazo razoável quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, independentemente daquelas alterações terem origem em erro material ou de erro de direito ou enquadramento.
Por outro lado, essa leitura é a única que permite a rectificação de uma dedução erroneamente realizada (ou não realizada) em virtude de um incorrecto enquadramento jurídico das operações, já que as normas do artigo 78º do Código do IVA, especialmente consagradas para a rectificação das deduções de IVA dos sujeitos passivos, apenas prevêem situações de facturas inexactas e de erro material ou de cálculo e não casos de erro de direito ou de enquadramento.
Ou seja, ainda que o artigo 98º, nº 2, do Código do IVA consagre um prazo geral de quatro anos para o exercício do direito à dedução, nele se devem compreender quaisquer deduções, sem distinções formais ou valorativas entre deduções iniciais e regularizações das deduções, uma vez que, conforme referido, o direito à dedução é indivisível e deve ser exercido na sua plenitude.” [nosso destaque].
Na mesma linha, escrevem Cláudia Reis Duarte-Marina Coentro Ribeiro (Cadernos IVA 2019, Coordenação de Sérgio Vasques, p.109-111):
“(…) parece claro que a lei estabelece (i) um regime e um prazo regra para o exercício do direito à dedução (…); e (ii) vários regimes (e diferentes prazos de exercício do direito à dedução) para vicissitudes que sobrevenham ao momento da ocorrência da operação e que determinem um valor diferente de imposto a deduzir, previsto nos artigos 78º e 98º, nº 2, do CIVA.
Em qualquer caso, parece-nos certo que no decurso do prazo de caducidade, e sem prejuízo dos casos especialmente previstos no artigo 78º do CIVA, tal direito pode ser exercido a todo o tempo, com a duração última do prazo de 4 anos.
Não se ignora que alguma jurisprudência vem decidindo em sentido diverso, e afirmando que o momento para o exercício do direito à dedução se limita à declaração do período em que foi recebida e, decorrido o período no qual o sujeito receba a fatura sem que tal direito à dedução haja sido exercido, o correspondente IVA deixaria de poder ser deduzido.
Não pode contudo ignorar-se a letra expressa da lei, além de que essa não parece ser a intenção do legislador, que introduziu, a partir de 2003, a menção expressa à possibilidade de dedução do IVA em período posterior ao da emissão da fatura, por alteração legal ao artigo 22º, nº 2, do CIVA, alteração que, entendemos, visava precisamente deixar claro que, dentro do prazo de caducidade legalmente previsto no artigo 98º, nº 2, do CIVA, e sem prejuízo das situações expressamente previstas no artigo 78º do CIVA, o sujeito passivo poderá exercer o direito à dedução a qualquer momento.
(…) ficando agora cristalino que a dedução pode ser exercida na declaração do período em que é recebida a fatura; ou, na falta de exercício nesse momento, em declaração de período posterior, com as limitações e prazos especialmente previstos para as situações especialmente consagradas no artigo 78º do CIVA ou, fora de tais situações, com a limitação temporal do prazo de 4 anos estabelecido no artigo 98º, nº 2 do CIVA”
É certo que, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-05-2011, proferido no proc. 0966/10, se considerou o seguinte:
“(…) deste artigo 22.º infere-se que a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto. (…) o n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º, limite máximo este que, como resulta da parte inicial daquele n.º 2, será aplicável quando não existir norma especial que fixe um limite inferior ou superior.
A tese defendida pela Impugnante, que se reconduz a que o sujeito passivo que efectuou dedução tempestivamente com erros tivesse um tratamento jurídico mais penalizador, a nível de prazo para efectuar devidamente o direito à dedução (um ano, com possibilidade de autorização até quatro anos, se a Administração Tributária entender que se está perante um caso «devidamente justificado»), do que aquele que nem sequer efectuou a dedução no prazo (que disporia de quatro anos, mesmo que o erro não fosse «justificado»), seria manifestamente incongruente, pois neste segundo caso está-se perante uma mais intensa inobservância do regime legal que, a ser fundamento de tratamento distinto, justificaria o estabelecimento para estas situações de um regime menos favorável e não mais benevolente.
5 – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.”
Porém, no acórdão arbitral de 19.12.2014, proferido no proc. 502/2014-T, face à nova redação do nº 2, do art. 22º do CIVA e perante circunstancialismo fáctico idêntico ao dos presentes autos, já se considerou que:
“A invocação pela Autoridade Tributária e Aduaneira do referido acórdão do STA proferido no processo n.º 0966/10 não se justifica, pois, embora o acórdão seja de 2011, fez-se nele aplicação do regime do IVA vigente em 2003, como nele expressamente se refere.
Ora, o regime vigente em 2003 era substancialmente diferente do posterior a 01-01-2004, no que concerne à possibilidade de exercício do direito à dedução, em face da alteração introduzida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, no artigo 22.º, n.º 2, do CIVA.
Na verdade, na redacção vigente até esta alteração legislativa, o artigo 22.º, n.º 2, do CIVA, estabelecia que «Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação» (redacção do Decreto-Lei n.º 166/94, de 9 de Junho).
À face desta redacção de 1994, não havia qualquer suporte legal para afirmar que, fora dos casos previstos em normas especiais, o sujeito passivo de IVA pudesse exercer o direito à dedução em declarações de períodos posteriores, como se entendeu no acórdão do STA de 18-05-2011, proferido no processo n.º 0966/10, que fez aplicação da legislação vigente em 2003, como nele expressamente se refere.
Na redacção dada àquele n.º 2 do artigo 22.º pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro), passou a estabelecer-se o seguinte: «Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação».
A enorme diferença está na possibilidade de dedução do IVA não só na declaração do período de recepção dos documentos, mas também em declaração «de período posterior», sem qualquer restrição.
Com efeito, no pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como se tem de presumir, por força do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, o uso da expressão «de período posterior», sem artigo definido, e não «do período posterior» revela que não se exige sequer que o IVA seja deduzido na declaração do período imediatamente seguinte ao da recepção dos documentos, sendo permitida na declaração de qualquer período posterior, sem prejuízo, naturalmente, dos limites especiais e geral, designadamente os que constam dos artigos 78.º e 92.º, n.º 2.
(…)
Assim, não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º, n.º 6, nem existindo qualquer regime limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º, n.º 2, do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10 (neste ponto com plena actualidade), fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso. ».”
(…)
E foi este o entendimento perfilhado nas decisões arbitrais 138/2018-T, 529/2018-T e 549/2018-T, também perante circunstancialismo de facto idêntico aos dos presentes autos.
Não se desconhece jurisprudência arbitral em sentido diverso (cfr. decisões arbitrais, proferidas nos processos 185/2014-T, 549/2016-T, 278/2018-T).
Porém, ainda na linha da jurisprudência que também aqui se perfilha, pode ler-se no esclarecedor acórdão do STA, de 12-05-2021, proferido no proc. 01023/15.0BELRS, ainda perante quadro factual idêntico ao do presente processo, o seguinte:
“IV. O IVA, tal qual delineado originariamente pela 6.ª Directiva, é um imposto que assenta numa lógica de tributação plurifásica pelo valor acrescentado introduzido pelos agentes económicos nas diferentes fases do circuito produtivo e que tem por objecto a generalidade das transacções, correspondendo assim a uma base tributável muitíssimo alargada e a um sistema operativo onde o direito à dedução do IVA suportado a montante por um agente económico deve, salvo quando expressa e justificadamente se estabeleça em sentido contrário, ser sempre assegurado.
O direito à dedução configura, por isso, a espinha dorsal de todo o sistema, e sem a sua geral aceitação, o IVA não configuraria, em bom rigor, um imposto “sobre o valor acrescentado”.
Daqui decorre, desde logo, que qualquer restrição injustificada ao exercício do direito à dedução do IVA suportado pelos contribuintes é, por definição, contrária ao sistema de IVA e aos princípios de Direito Europeu que o enformam.
Isso não significa que, por razões de tutela da segurança dos créditos fiscais e da estabilidade das relações tributárias, não se possa exigir uma fixação de um prazo limite para o exercício de tal direito, conquanto um tal limite seja “razoável” – a expressão pode encontrar-se no Acórdão proferido em 21 de janeiro de 2010, no Processo C-427/08, pelo Tribunal da União Europeia (caso Alstom Power).
V. Assim, por um lado, temos o direito à dedução e à proteção do princípio da neutralidade. E este princípio impõe que o IVA não deva induzir os contribuintes a certos comportamentos económicos, como forma de reacção aos diferentes encargos tributários, cabendo a cada sujeito decidir, independentemente de quaisquer considerações de ordem fiscal, qual a melhor forma de prosseguir os seus interesses - sobre as distorções ao princípio da neutralidade em IVA, veja-se José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, CEF, Lisboa, 1991, ps. 52 e ss.
Mas, por outro lado, razões pragmáticas de controlo e segurança jurídica, exigem que o exercício do direito á dedução se processe dentro de uma janela temporal razoável.
VI. Para tal exercício do direito à dedução, o legislador português fixou, no Código do IVA, dois conjuntos de prazos para o efeito, consoante tal exercício se processe em termos normais ou patológicos, distinção esta que bem se compreende, se atentarmos à metodologia de auto-liquidação que rege a cobrança deste imposto.
Assim, o primeiro conjunto de prazos (situações normais) encontra-se regulado nos artigos 22.º e seguintes – sendo especialmente relevante in casu o artigo 23.º, n.º 6 do Código do IVA – e reporta-se aos casos de relacionamento normal entre o contribuinte e a Administração Fiscal na exigibilidade do imposto; nestes casos, o exercício regular do direito à dedução é regulado consoante o método de dedução adotado, e deve ser exercido num período mais curto (naturalmente), contado a partir do momento em que o imposto se torne exigível.
Já o segundo conjunto de casos reporta-se às situações patológicas, em que o exercício do direito à dedução foi inquinado por erros, falhas ou lapsos e, por conseguinte, pressupõe prazos mais longos para a respectiva correcção, devidamente adequados às circunstâncias imponderadas que estão na sua base. Tais prazos encontram-se regulados pelos artigos 78.º, n.º 6 (sob a elucidativa epígrafe “regularizações”) e 98.º, n.º 2 do Código do IVA (sob a epígrafe “revisão oficiosa”), e são de dois e quatro anos, respetivamente.
Como, ainda muito recentemente, recordou o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão proferido a 16 de Dezembro de 2020, no Processo n.º 940/07: “II-O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, em conformidade com o consignado nos artigos 7.º e 8.º do CIVA, sem prejuízo do disposto nos artigos 71.º, e 91.º, consagrando este último normativo um prazo máximo para o exercício do direito à dedução, ou seja, decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.” (disponível em www.dgsi.pt).
VII. Cabe, portanto, apurar se é no domínio das situações normais ou das situações patológicas que se situa a factualidade do presente caso.
Tudo isto foi, devida e extensamente, esclarecido pela sentença ora recorrida, onde se sublinhou que os casos nos autos nunca poderiam configurar situações normais, apenas se devendo discutir acerca dos prazos aplicáveis às situações patológicas – na doutrina, veja-se, entre outros autores, Alexandra Martins / André Areias, “Os Prazos param a Regularização de Erros: Análise à Luz dos Princípios da Efetividade e Equivalência”, Cadernos de IVA – 2017 (Coord.: Sérgio Vasques), Almedina, 2017, ps. 53 e s..
Ora, julgamos inevitável concluir, à semelhança do que fez a sentença recorrida, que é patológico o presente circunstancialismo.
É que, como logo resulta do ponto D da matéria de facto provada e que já não cabe a este Supremo Tribunal questionar, “Na sequência de uma revisão interna de procedimentos, o Autor identificou, todavia, duas situações em que havia uma ligação direta e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados e em que não era devida a aplicação do método do pro rata de dedução (conforme invocado pelo Impugnante e não contrariado pela AT).”
Tal significa que nos encontramos diante regularizações respeitantes a recuperação de imposto incorrido em períodos de tributação anteriores, por revisão dos pro ratas então apurados e por implementação do método da afetação real; uma substituição, portanto, de métodos de apuramento da base tributável, por incorreta aplicação de um deles (o método pro rata, no caso), entendido por indevido - em termos não contestados pela própria AT.
Assim sendo, é de concluir que é no domínio das situações patológicas que se situa o presente debate, pelo que apenas restará clarificar qual dos dois prazos patológicos concretos se considera aplicável in casu; e, para tal efeito, quer os Tribunais Centrais Administrativos quer este Supremo Tribunal, já tiveram inúmeras ocasiões para fixar os termos em que tal aplicação tem lugar.
VIII. E há, agora, que segregar tal leitura jurisprudencial, em termos gerais e concretos.
Em geral, logo no recente Acórdão proferido em 17 de Junho de 2020, no Processo n.º 413/13, esclareceu este Supremo Tribunal, em termos que reputamos de lapidares, que: “I - A lei distingue prazos para o exercício do direito à dedução de IVA ou de reembolso de imposto entregue em excesso: - como regra, quatro anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução ou do pagamento em excesso (art.98º nº2 CIVA); - no caso de correcção de erros materiais ou de cálculo, dois anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução, sendo facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo e obrigatória quando resultar imposto a favor do Estado (art. 78.º n.º 6 CIVA).” (disponível em www.dgsi.pt). Ainda mais recentemente, em 7 de Abril de 2021, relativamente ao Processo n.º 835/13, também se esclareceu neste Supremo Tribunal que: “O prazo aplicável para reclamar do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) entregue em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.” E da mesma data consta o Acórdão proferido no Processo n.º 1056/15, onde se pode ler: “II - O prazo para proceder à retificação do imposto dedutível, em caso de erro material ou de cálculo, é o previsto no n.º 6 do artigo 71.º do Código do IVA, na redação da Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 (que corresponde ao n.º 6 do artigo 78.º), ou seja, de dois anos.” (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Mas importa sublinhar que, já anteriormente, logo em 28 de Junho de 2017, se podia ler no Acórdão lavrado no Processo n.º 1427/14, que: “O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).
Existe, por isso, uma sedimentada separação das situações patológicas de exercício do direito à dedução e dos seus respectivos prazos: por um lado, os erros materiais ou de cálculo, para os quais vigora o prazo de dois anos; por outro lado, os erros de Direito, relativamente aos quais vale o prazo de quatro anos.
IX. Vertendo agora à situação concreta dos autos, o auxílio jurisprudencial revela-se novamente precioso, por suficientemente cristalino.
É assim que, no Acórdão deste Supremo Tribunal, propalado em 7 de Abril de 2021, no processo n.º 2315/14, se pode ler que: “I - A errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito. II - A correcção da autoliquidação efectuada com base nesse erro de direito pode ser objecto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos arts. 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º da LGT, no prazo de quatro anos, não tendo aplicação o prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art. 78.º do CIVA.” (disponível em www.dgsi.pt).
Mas também nas instâncias imediatamente inferiores se denota esta convergência de análise. Assim, em acórdão lavrado em 5 de Março de 2020, no Processo n.º 412/12, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, pode igualmente ler-se: “II - Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do método (designadamente, o método de dedução directa integral - o sistema de débitos directos - método de afectação real). III - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 2, actual artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.” (disponível em www.dgsi.pt). De igual modo, também o Tribunal Central Administrativo Sul esclareceu, por acórdão proferido em 28 de Setembro de 2017, no Processo n.º 263/16, que: “2) Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do acto tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorrecta aplicação do pro rata.” (disponível em www.dgsi.pt).
E contra esta leitura praticamente unívoca da jurisprudência não se invoque, como faz inadequadamente a Recorrente, o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 18 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 0966/10, porquanto é cristalino que, não só se reporta a uma anterior redacção legal do artigo 22.º do CIVA, como as suas conclusões se reportam a lapsos de escrita, aqui não verificáveis: “IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.” (disponível em www.dgsi.pt, sublinhado nosso).”
Pelo exposto, há que concluir pela aplicabilidade do prazo de dedução previsto no art. 98º, nº 2, do CIVA, pelo que o direito à dedução foi exercido pela Requerente tempestivamente, não podendo o ato de liquidação de imposto objeto do processo, face à sua fundamentação, deixar de ser anulado o que implica, necessariamente, a anulação da liquidação de juros compensatórios.
11.Vem ainda a Requerente pedir a restituição:
–do imposto pago.
–dos juros compensatórios.
–do IVA corrigido da conta corrente da Requerente, no valor de 281.429,40 €,
Reclama, também, a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.
Vejamos.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação de imposto, é procedente a pretensão do Requerente à restituição do imposto pago, no valor de 30.589,83 €, por força do arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada.
Ao invés, não pode deixar de improceder a pretensão da Requerente no que respeita à restituição de juros compensatórios uma vez que não foi feita a prova do respetivo pagamento.
No que respeita à pretensão da Requerente de restituição do IVA que corrigido da conta corrente a seu favor, no valor de 281.429,40 €, estabelece o artigo 22º, nº 4 do Código do IVA, o seguinte:
“Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.”
Nas condições previstas nos números seguintes do mesmo artigo, poderá o sujeito passivo solicitar à Requerida o seu reembolso.
Assim sendo, face à anulação do ato de liquidação adicional em causa poderá a Requerente proceder à dedução nos termos nº 4 do artigo citado ou, com observância das condições previstas nos números 5 e seguintes do mesmo artigo, solicitar à Requerida o reembolso.
Não assistindo à Requerente o direito de obter a dedução ou o reembolso do valor em causa, por diferente meio do que a prevista nas normas referidas, improcede necessariamente este pedido.
No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
No caso “sub judice”, é manifesto que o ato tributário de liquidação em causa, praticado pela Requerida, sofre do vício de violação de lei, da exclusiva responsabilidade da Administração Tributária, pelo que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida a pagar juros indemnizatórios, sobre o montante do pagamento indevido de imposto, no valor de 30.589,83 € .
Questão diversa é a data a partir do qual tais juros devem ser contatados.
A Requerente reclama também o pagamento de juros indemnizatórios, “contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2016 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano.”
Sendo inequívoco que o ato tributário de liquidação de imposto cuja anulação se requer é o ato de liquidação adicional de imposto nº 2020..., de 2020-03-03, do qual resultou, para além duma correção ao crédito de imposto da Requerente de 281.429,40 €, um valor a pagar de 30.589,83 €, é desde a data deste pagamento, ocorrido em 22.04.2020, que devem ser contados os juros, como resulta do art. 61º, nº 5, do CPPT.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios que devem ser contados à taxa legal de 4 % ao ano (arts. 43º, nº 4, 35º, nº 10, da LGT e 559º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, nº 5, do CPPT).
-IV- Decisão
Assim, decide o Tribunal arbitral:
1) Decretar a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu reclamação graciosa apresentada com vista à anulação dos atos tributários identificados.
2) Decretar a anulação do ato de liquidação adicional de imposto nº 2020..., de 2020-03-03, de que resultou uma correção ao crédito de imposto da Requerente de 281.429,40 €, e um valor a pagar de 30.589,83 €.
3) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o valor de 30.589,83 €, referido no ponto anterior.
4) Julgar improcedente o pedido de restituição do IVA corrigido da conta corrente a favor da Requerente, no valor de 281.429,40 €, sem prejuízo da manutenção na ordem jurídica de tal valor em crédito de imposto a favor da Requerente, em consequência do decidido em 2).
5) Decretar a anulação do ato de liquidação de juros compensatórios consequente da liquidação adicional identificada em 2), no valor de 3.521,23 €.
6) Julgar improcedente o pedido de restituição de juros compensatórios.
7) Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios à Requerente à taxa legal de 4 % ao ano (arts. 43º, nº 4, 35º, nº 10, da LGT e 559º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril) sobre a quantia de 30.589,83 €, contados desde a data deste pagamento, ocorrido em 22.04.2020, até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, nº 5, do CPPT).
Valor da ação: 312.019,93 € (trezentos e doze mil e dezanove euros e noventa e três cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Custas pela Requerida, no valor de 5508 € (cinco mil quinhentos e oito euros), nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 31 de Julho de 2023
O Árbitro Presidente
Victor Calvete
O Árbitro Relator
Marcolino Pisão Pedreiro
O Árbitro Adjunto
Luís Menezes Leitão