Sumário: Quando o sujeito passivo optou, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do CIVA.
A norma do artigo 23.º n.º 2 do CIVA, permite que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na DIVA - artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, quando estabelece que, “todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”.
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Decisão arbitral
1. Relatório
A..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante designada por “Requerente”, pessoa colectiva n.º..., com sede Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, vem apresentar pedido de pronúncia arbitral por erro na autoliquidação de IVA, referente ao ano 2020, materializada na declaração periódica de imposto com referência ao mês de dezembro daquele ano no montante de € 371.769,19 nos termos e com os fundamentos seguidamente expostos requerendo expressamente:
a) a anulação parcial da autoliquidação de IVA efetuada pela Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas ao ano 2020, materializadas na declaração periódica de imposto com referência ao mês de dezembro do mesmo ano, cuja percentagem de dedução ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos deu lugar ao montante de € 200.183,41 de IVA dedutível, percentagem essa calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente as instruções ilegais do Ofício- circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 20%;
b) Permitir à Requerente a dedução do valor do IVA não dedutido na supra referida declaração periódica de imposto, no montante global de € 371.769,19;
c) Pagar à Requerente juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, em particular do seu n.º 2, contados desde a data da entrega da declaração periódica de IVA referente a Dezembro de 2020 até à restituição do imposto pago em excesso com referência a este ano;
d) A título subsidiário, atenta a natureza institucional e a base legal em que assenta a arbitragem tributária, se e na medida em que não seja claro para o tribunal arbitral, não obstante a jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 168.º e 173.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, ou de qualquer outra norma da mesma Directiva que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso concreto, deverá então este Tribunal Arbitral promover o reenvio prejudicial das questões que entenda suscitar para o tribunal de justiça da união europeia, conforme previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), e no artigo 267.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, relativamente à consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira no cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT)
Afigura-se-nos que decorre com meridiana clareza do pedido de pronúncia arbitral, apesar de não constar expressamente do Pedido que a Requerente pretende, também, a declaração de ilegalidade e a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa oportuna e previamente apresentada (ato imediato).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 28-10-2022 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a sua designação.
O tribunal arbitral foi constituído em 03/01/2023.
A AT em 06-02-2023 apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação e juntou o PA.
Por Despacho de 09-02-2023, foi agendada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Em 03-03-2023 a Requerente pediu a junção da prova testemunhal produzida no Processo 559/2022-T.
Pedido que foi deferido por despacho de 06-03-2023.
As partes apresentaram alegações escritas, reproduzindo, no essencial as posições apresentadas nas suas peças anteriores.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, na prova testemunhal produzida e junta aos autos considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
A. Em 08-03-2022 a Requerente apresentou pedido de reclamação graciosa a que foi atribuído o n.º ...2022... . Cfr. Doc. 1 a págs 1 e segs do PA.
B. Reclamação graciosa que teve por objeto “a autoliquidação de IVA correspondente ao periodo de dezembro de 2020, na medida em que, por força da aplicação dos critéros estabelecidos no Oficio Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, a Reclamante procedeu ao cáculo do pro rata definitivo, previsto no artigo 23 do CIVA, referente a esse mesmo exercicio, excluindo do cálculo da percentagem de dedução definitwa, o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (leasing e ALD) por si celebrados, o que no seu entendimento se mostra contrário às normas de cireito interno e comunitário aplicáveis”. Cfr. pág. 134 do PA.
C. Reclamação graciosa que foi indeferida por despacho proferido a 22-07-2022 e que foi notificado à Requerente por via de correio postal registado, em 28 de julho de 2022. Cfr. doc. 1 junto com o PPA e artigo 29.º do PPA e docs. a págs. 148 e 177 do PA.
E. O fundamento desta Reclamação graciosa, assentou no entendimento da Requerente de incorreu em erro na autoliquidação do ano 2020, com referência às declarações periódicas de IVA entregues no período de janeiro a dezembro relativas a esse ano. Cfr. o art.º 1.º da Reclamação graciosa e art.º 4.º do PPA.
F. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que exerce, a título principal, actividade no âmbito da “ATIVIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS “ (CAE 64921) e o seu objeto social consiste na realização das operações descritas no artigo 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
G. A Requerente é sujeito passivo de IVA nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, a) do mesmo diploma.
H. No âmbito da sua atividade, a Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto. É o caso das operações de financiamento/concessão de crédito, e das operações relativas a pagamentos. Cfr. art.º 43 do PPA.
I. A Requerente realiza também operações que conferem o direito à dedução deste imposto enquadráveis no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 1, b) do CIVA, como as operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos. Cfr. art.º 44 do PPA.
J. A Requerente entregou ao longo do exercício de 2020, mensalmente, as declarações periódicas de IVA para os vários períodos, determinando o montante de IVA a deduzir provisoriamente, tendo procedido ao respectivo ajustamento/regularização do IVA deduzido, na declaração do último período do ano em causa, ou seja, dezembro de 2020.
K. A Requerente afirma existir erro na autoliquidação de IVA efetuada relativa ao ano 2020, em virtude de, com referência aos recursos de utilização mista adquiridos no âmbito das atividades de leasing e ALD por si desenvolvidas, não ter procedido à dedução do IVA por si incorrido.
L. A Requerente desconsiderou, no cálculo da percentagem de dedução relativa ao ano 2020, os valores relativos às amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira por si celebrados.
M. A Requerente alega que adotou esse procedimento por seguir os ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA e originou a dedução de menos IVA do que aquele a que tinha direito, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.
N. Uma vez que adquire recursos que são afetos, simultaneamente, a operações que conferem o direito à dedução e, operações que não conferem tal direito, a atividade prosseguida pela Requerente encontra-se abrangida por distintos regimes de dedução do IVA incorrido.
O. Alega a Requerente que relativamente às situações em que identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
P. É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira - relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA suportado, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente - a locação financeira -, que conferem o direito à dedução.
Q. E nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
R. Para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
S. Alega a Requerente que não lhe sendo viável determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real (critérios objetivos a que alude o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA), nas aquisições de recursos de utilização mista, aplicou o método da percentagem de dedução.
T. A Requerente procedeu ao cálculo do coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2020, em estrita consonância com o preceituado no ponto 9 do Ofício circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA.
U. Apurou um critério de dedução específica definitiva para o ano 2020 de 7%, que aplicado ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano (no montante de € 2.859.763,00) se materializou no valor de € 200.183,41 de IVA dedutível.
V. A Requerente verificou que, se no cálculo da referida percentagem de dedução tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contrato de leasing, a percentagem de dedução definitiva apurada seria de 20%. E, aplicando a percentagem de dedução de 20% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, no montante de € 2.859.763,00, constata-se que a Requerente tinha o direito à dedução do IVA no valor de € 571.952,60.
W. A Requerente descreve as diversas etapas e procedimentos que integram o referido processo, seguindo os manuais de procedimentos utilizados por todos os intervenientes do processo de leasing; cfr. Docs. 3 a 9 juntos com o PPA e depoimento das testemunhas B..., C... e D... .
X. A tramitação de um processo de leasing na esfera da Requerente inicia-se com uma proposta por parte do cliente feita junto de um seu parceiro, um ponto de venda, um stand, a que se segue a análise de risco e de uma decisão pela Direção da Requerente - culminando esta fase do processo com a emissão do contrato.
Emitido o contrato este é assinado pelo cliente.
Assim, os procedimentos da Requerente relativamente aos processos de locação financeira de veículos seguem os termos indicados nos documentos referidos e na declaração das testemunhas supra identificadas:
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Circuito de Análise e Validação de Propostas Automóvel, que inclui a atividade relativa a definição do circuito e os intervenientes na análise e validação de uma proposta;
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Processos de Legalização de viaturas: Averbamento, Termos Compromisso e Termos de Responsabilização, que inclui:
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Definição do circuito operacional a ter em conta no financiamento de um contrato auto com apresentação de um termo de compromisso;
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Definição do circuito do financiamento de viaturas de serviço e usadas de acordo com o Manual Parceiro Auto Moto - exceção, com utilização de um termo de responsabilização;
• Dar a conhecer o circuito e as regras a respeitar no averbamento e legalização das viaturas;
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Seguimento e controlos a efetuar de forma assegurar a existência da legalização da viatura.
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Liquidação de IUC’s e Coimas Associadas aos contratos de leasing e ALD;
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Pedido de Identificação de Condutores, que inclui as regras de tratamento das notificações rececionadas, por escrito ou por ficheiro, com pedido de identificação do condutor de uma viatura averbada em nome do Banco;
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Processo Sinistro e Amortização Total ou Parcial Auto;
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Termo de Contratos que define as regras e etapas relacionadas com o processo de legalização de contratos terminados, seja por rescisão do contrato ou término do contrato findo plano de reembolso das mensalidades;
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Customer Care & Rebound/ DO&EO que define as regras para a Cessão de Posição Contratual nos produtos leasing e ALD para contratos em vigor e sem atrasos à data da concretização da Cessão.
Y. A Requerente participa no processo de legalização da viatura locada garantindo o preenchimento do Modelo Único Automóvel (para viaturas) e a legalização da viatura e contacta os fornecedores para obtenção de cópia do comprovativo de legalização - depoimento da testemunha C...);
Z. No que respeita ao pagamento dos impostos das viaturas financiadas em leasing referentes a anos anteriores, a Requerente recebe da AT as notificações para pagamento de IUC e procede, seguidamente, à identificação do locatário ou contrato associado por forma a obter as guias de pagamento do imposto, disponibilizadas no Portal das Finanças e solicita, internamente, o seu pagamento e junta o comprovativo de pagamento à respetiva guia, notificando o locatário, referindo a data limite para o débito do montante de imposto liquidado.
AA. Nos casos de infrações rodoviárias que envolvam viaturas locadas, uma vez recebido o pedido de identificação do condutor, a Requerente, tendo o dever de identificar o locatário, atendendo à matrícula que consta da notificação recebida, envia uma carta ao cliente (com o original da notificação) e uma carta à entidade autuante na qual identifica o locatário (Depoimento das testemunhas B..., C... e D...);
BB. Quanto aos seguros, a Requerente, além de controlar se são pagos pelos locatários ao longo do contrato, após a receção das cartas das seguradoras, verifica a informação prestada, nomeadamente a atualização do capital seguro, o cancelamento do seguro de contratos de leasing liquidados, a cessação de contratos de seguros por falta de pagamento de prémios e pedidos de cancelamento de apólices. Quando informada pela(s) Seguradora(s) da falta de pagamento dos prémios de seguro e pedidos de cancelamento de apólices relativamente a contratos ativos, a Requerente remete notificação para a morada do cliente;
CC. Tanto o financiamento, como a gestão dos contratos, como a disponibilização dos veículos aos clientes da Requerente envolvem a afetação de recursos de utilização mista;
DD. A Requerente, a partir 21-07-2020, cobra aos seus clientes comissões e despesas referidas nos documentos que constam do sítio da
Internet:https://www...pt/documents/31514/47582/PRE-FC- 20200721.pdf/ebcef0cb-b464-2b19-fafa-a1a04fc96965?t=1595424319657;
EE. A Requerente tem (em 2023) milhares de contratos de locação financeira de veículos e de ALD em curso (depoimento da testemunha C...) que refere que o Banco depois da pandemia celebra em média 40 contratos por dia;
FF. A parte da atividade relativa ao financiamento dos contratos de locação financeira e ALD decorre durante cerca de 15 dias (depoimentos das testemunhas C... e B...);
GG. A Requerente desenvolve atividades de recuperação de valores em dívida através de contactos com os clientes (depoimento da testemunha B...);
HH. A Requerente recebe retomas e trata da venda de viaturas recuperadas por ordem judicial ou entregues voluntariamente por clientes, suportando as despesas com equipamentos para trabalhar, com correio, custos de deslocações, advogados, telefone, mobiliário afeto à actividade (depoimento da testemunha B...);
3.2. Factos não provados
3.2.1. Não ficou provado que os custos comuns da Requerente foram, sobretudo, suportados com as prestações de serviços relacionados com os atos de disponibilização de veículos automóveis, ou seja, que os recursos de utilização mista da atividade de leasing foram, sobretudo, consumidos nas tarefas e procedimentos necessários à disponibilização dos bens locados na fase após a celebração do contrato.
Não se provou a exacta medida da utilização de recursos de utilização mista pela Requerente relacionada com as operações de locação financeira para o setor automóvel, designadamente se, em 2020, foi determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos.
Assim, da prova produzida resultam os tipos de atividades desenvolvidas pela Requerente, mas não a quantificação da utilização de recursos de utilização mista afetos a qualquer delas, designadamente em 2020, a que se reporta a autoliquidação.
3.2.2. Não ficou provado que as tarefas relacionadas com as operações de locação financeira exijam a utilização de recursos técnicos e administrativos de utilização mista menos relevante que aqueles que se encontravam afetos às restantes atividades em 2020, ano marcado por medidas legislativas de combate à Covid-19, de que se destaca o teletrabalho para muitos dos trabalhadores portugueses, nos termos da legislação em vigor durante esse ano.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT).
E, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
A convicção deste Tribunal Arbitral sobre os factos dados como provados fundou-se nas alegações da Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na análise crítica da prova documental e testemunhal junta pelas partes, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, relativa à prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
Os factos que foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, nos que constam do processo administrativo e no que consta do sítio da Internet referido.
Quanto aos factos dados como provados no âmbito da ampliação da matéria de facto basearam-se nos documentos juntos pela Requerente com o PPA e na prova testemunhal referida sobre cada um dos pontos, que corroborou, em geral, a aplicação do mencionado nesses documentos.
Da audição da prova gravada, as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos que relataram.
É credível que a Requerente tenha de executar todas as tarefas indicadas nos referidos procedimentos. E, a mera impugnação desses documentos pela AT, dado terem natureza interna, não se afigura suficiente para levar o Tribunal Arbitral a duvidar da sua correspondência à realidade, já que se trata de documentos dirigidos aos próprios colaboradores da Requerente e que têm natureza interna.
Assim, não tendo sido produzida qualquer prova que abale a credibilidade dos documentos referidos, e que foi corroborada pelas testemunhas, optou-se por considerar provado que a Requerente adopta os procedimentos que deles constam.
4. Matéria de direito
4.1 Questão decidenda
A questão principal a dicidir nos presentes autos é determinar a eventual ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2022... emitida no âmbito do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente com vista à anulação do ato tributário de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao ano 2020, materializado na declaração periódica de imposto com referência a dezembro de 2020, no montante de € 371.769,19.
Assim, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente e, por objeto mediato, a autoliquidação de IVA relativa ao ano de 2020, melhor identificada no pedido, nos termos da qual, por motivo de alegado erro relativamente ao regime jurídico do direito à dedução do imposto nos recursos de utilização mista, o Banco procedeu, segundo alega, à entrega ou pagamento em excesso, pugnando a Requerente pela respetiva anulação e pelo reconhecimento de direito ao reembolso de valores que alega indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
A Requerente invoca erro na autoliquidação do IVA que concretizou na declaração periódica referente a dezembro de 2020 e que a levou, em 2022, a apresentar reclamação graciosa visando a anulação dessa autoliquidação, tendo por base os artigos 98.º n.º 6, 23.º n.º 6 do CIVA
Para dar resposta a esta questão temos de considerar o seguinte enquadramento legal plasmado quer em legislação da UE, nas decisões do TJUE, e na legislação nacional.
4.2. O enquadramento legal
Legislação da UE
Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.
“Artigo 173.º
1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações (sublinhado nosso). O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.
2. Os Estados-Membros podem tomar as medidas seguintes:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respetiva atividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efeituar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.º 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respetivo montante for insignificante.
Artigo 174.º
1. O pro rata de dedução resulta de uma fração que inclui os seguintes montantes:
a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º;
b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução. Os Estados-Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.º.
2. Em derrogação do disposto no n.º 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:
a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;
b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;
c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 135.º, se se tratar de operações acessórias.
3. Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.º de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados-Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução”.
Artigo 175.º.
1. O pro rata de dedução é determinado anualmente, fixado em percentagem e arredondado para a unidade imediatamente superior.
2. O pro rata aplicável provisoriamente a determinado ano é calculado com base nas operações do ano anterior. Na falta de tal referência, ou quando esta não seja significativa, o pro rata é estimado provisoriamente, sob controlo da administração, pelo sujeito passivo, de acordo com as suas previsões. Todavia, os Estados–Membros podem continuar a aplicar a sua regulamentação em vigor em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.
3. A fixação do pro rata definitivo, que é determinado para cada ano durante o ano seguinte, implica a regularização das deduções operadas com base no pro rata aplicado provisoriamente”.
4.3. Legislação nacional
Código IVA
O Código do IVA (CIVA):
“Artigo 23.º
Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a DirecçãoGeral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.
6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º
8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.
9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.”
Vejamos
a) Da possibilidade de alterar retroativamente o método de dedução utilizado pelo sujeito passivo.
A Requerente no pedido de reclamação graciosa supra identificado invoca que incorreu em erro “relativamente aos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária da Requerente”.
Face a esta alegação impõe-se decidir se na autoliquidação de IVA relativa a dezembro de 2020 a Requerente incorreu um erro e qual, uma vez que poderá haver lugar à aplicação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, que remete para o artigo 78.º da LGT.
O erro que a Requerente invoca diz respeito a ter seguido o disposto no Ofício circulado n.º 30108, o qual tem a natureza jurídica de regulamento interno, que não foi publicado no Diário da República e que apenas é obrigatório para os funcionários da AT.
O CIVA transpôs para o direito interno português o regime ínsito nos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da DIVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, a), do CIVA, garantindo o direito à dedução do IVA.
O direito à dedução do IVA constitui a característica chave em que se alicerça todos os mecanismos do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua atividade económica, sob condição de tal atividade estar igualmente sujeita a IVA;
Na sua essência, o regime do direito à dedução do IVA é a concretização e manifestação do princípio da neutralidade fiscal do imposto.
As decisões do TJUE assumem nestes autos um papel relevante na medida em que se tem entendido que, e como corolário da obrigatoriedade de Reenvio Prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais dos Estados-Membros quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.
Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cujas normas, harmonizadas no conjunto dos Estados-Membros da União Europeia, constam da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. É um imposto plurifásico que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir, razão pela qual o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, a “trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado” (Cfr. Xavier Basto, A Tributação do Consumo e a sua coordenação internacional, Lisboa 1991, p. 41).
O direito à dedução designado como método da dedução do imposto, método do crédito de imposto, método subtrativo indireto ou ainda método das faturas, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs, devendo garantir a neutralidade fiscal, a qual configura a característica nuclear do imposto, constituindo o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento, como é afirmado pelo no Acórdão S. Puffer, C-460/07, do TJUE de 23 de abril de 2009.
O direito à dedução é considerado como um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante, como é mencionado nos Acórdãos do TJUE nos Acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12.
O regime de deduções instituído pela DIVA tem por objetivo desonerar por completo o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA visa garantir, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA.
Contudo, resulta evidente de uma leitura atenta da lei que quaisquer correções ao cálculo do montante de dedução apurado provisoriamente durante um determinado ano civil, devem ser efetuadas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas.
Da análise do artigo 23.º do CIVA não se vê a possibilidade de qualquer entendimento que permita a um sujeito passivo que, tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos”, possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. Permite, isso sim, que a dedução efetuada ao longo do ano possa ser corrigida na última declaração periódica do ano, mas apenas pela natureza provisória da dedução do imposto.
Assim, o Sujeito Passivo tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA tendo por base uma decisão tomada no quadro legal em vigor. Assim, à data da autoliquidação de dezembro/2020 a Requerente tinha um perfeito e total conhecimento de todo a factualidade e legislação aplicável, e tomou uma decisão consciente pela autoliquidação nos precisos termos em que o fez. Os factos e a legislação aplicável não sofreram qualquer alteração posterior que possa legitimar a decisão do sujeito passivo, de com efeitos retroativos, posteriormente alterar o método de dedução do IVA, por alegado erro baseado em ter seguido as instruções não vinculativas do Oficio circulado n.º 30180, o qual pela sua natureza de regulamento interno esgota a sua eficácia no interior da AT, atendendo à obediência hierárquica dos seus funcionários, não podendo qualquer entidade externa ser por ele obrigada. No sentido do reconhecimento legal da força vinculativa meramente interna das circulares, é de fazer referência ao artigo 55.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que no n.º 1 atribuiu ao dirigente máximo de serviço competência para emissão de orientações genéricas visando a uniformização da interpretação das normas tributárias pelos serviços, e no n.º 3 determina que essas orientações genéricas devem constar de circulares administrativas e aplicam-se exclusivamente à Administração Tributária que procedeu à sua emissão.
Assim, considerando o exposto, entende este Tribunal que a Requerente não incorreu em qualquer tipo de erro ao realizar a autoliquidação em causa nos presentes autos.
Sobre a questão da não alteração retroativa do método de dedução pronunciaram-se os acórdãos proferidos nos Processos n.º 804/2021-T e no n.º 136/2018-T: “1) O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível e é delimitado pela afetação que o sujeito passivo faça dos bens e serviços destinados à sua atividade económica;
2) No caso de bens e serviços de utilização mista, a escolha do método de cálculo da dedução inicial só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução, nas condições do n.º 1 do artigo 20.º, do n.º 1 do artigo 22.º e do artigo 23.º do Código do IVA;
3) O artigo 23.º do Código do IVA não contempla a possibilidade de um sujeito passivo que tenha optado por um método de dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista poder alterar retroativamente o mesmo, recalculando a dedução inicial efetuada;
4) Este artigo prevê unicamente, no seu n.º 6, as correções ao cálculo dos coeficientes de dedução, previstas na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2, ambos do artigo 23.º do Código do IVA, sendo esta a norma utilizada pelo sujeito passivo, determinando o preceito que estas correções devem ser feitas no final do ano em que está a ser aplicada e refletidas na declaração referente ao último período do ano em causa (dezembro de 2015);
5) As regularizações previstas nos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA não podem igualmente constituir suporte para qualquer alteração retroativa do coeficiente de dedução inicialmente utilizado;
6) A escolha de um método de dedução constitui uma opção legítima do sujeito passivo que no momento da aquisição do bem ou serviço de utilização mista escolheu o método de cálculo do direito à dedução do IVA, que, no seu entender, melhor se coadunava com a sua realidade empresarial, e nunca de um erro, pelo que não é passível de enquadramento no artigo 78.º do Código do IVA;
7) Note-se que o n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA reporta-se exclusivamente a correção de "erros materiais ou de cálculo", não estando aí abrangidas correções já contempladas noutras disposições deste artigo, as que estejam reguladas por outras normas específicas da legislação do IVA (caso da regularização prevista no n.º 6 do artigo 23.º), e os erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações;
8) Ou seja, a expressão "erros materiais ou de cálculo nos registos ou declarações periódicas” abrange erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações, pelo que não constitui base legal para uma alteração retroativa do método de cálculo do direito a dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista ou para uma correção do cálculo da percentagem de dedução;
9) A regularização de imposto já deduzido também não cabe na previsão do artigo 98.º do Código do IVA, visto que esta norma alcança apenas situações de exercício do direito à dedução e não regularizações de deduções já efetuadas.
10) Por fim, salienta-se que a norma do artigo 23.º - na qual se apoia o sujeito passivo - não foi devidamente aplicada e que a regularização também não tem sustentação legal no artigo 78.º ou no artigo 92.º do Código do IVA.”
Não há dúvida que a Requerente é um sujeito passivo misto de IVA e que tem direito e aplicou o regime de percentagem de dedução pro rata previsto no artigo 23.º do CIVA.
Em 2022 a Requerente decidiu apresentar um pedido de reclamação graciosa por entender que da aplicação que realizou do regime de pro rata de IVA relativo a dezembro/2020 regularizou menos imposto daquele que teria direito.
Consideramos que o CIVA transpondo para o direito interno português o regime que consta dos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da DIVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, a), do CIVA, garante o direito à dedução do IVA.
O direito à dedução do IVA constitui a característica chave em que se alicerça todos os mecanismos do sistema subjacente a este imposto, visando libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito da sua atividade económica, sob condição de tal atividade estar igualmente sujeita a IVA;
Na sua essência, o regime do direito à dedução do IVA é a concretização e manifestação do princípio da neutralidade fiscal do imposto;
Contudo, resulta evidente de uma leitura atenta da lei que quaisquer correções ao cálculo do montante de dedução apurado provisoriamente durante um determinado ano civil, devem ser feitas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas.
Aliás, não se considera que o artigo 23.º do Código do IVA permita a um sujeito passivo misto que, tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. Permite, isso sim, que a dedução efetuada ao longo do ano possa ser corrigida na última declaração periódica do ano, mas apenas pela natureza provisória dessa dedução do imposto até à fixação do pro rata definitivo.
Assim, o Sujeito Passivo tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA.
Neste sentido o TJUE em 30-04-2020, proferiu o Acórdão no processo n.º C-661/18, concluindo:
“Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 173.º da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade, da equivalência e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução após a fixação do pro rata definitivo.”
“A fim de responder a esta questão, importa recordar que, por força do artigo 173.º, n.º 1, segundo parágrafo, da Diretiva IVA, o pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.º e 175.º desta diretiva, para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo por referência ao volume de negócios. No entanto, nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços [v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C-153/17, EU:C:2018:845, n.os 49 e 50].
No caso em apreço, é pacífico que, ao abrigo desta última disposição, o legislador português autorizou os sujeitos passivos mistos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e que os CTT tinham, portanto, a opção de efetuar as suas deduções de IVA de bens e de serviços de utilização mista através do método do pro rata ou com base no método da afetação.
A este respeito, há que salientar que, em virtude do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, a aplicação do regime de dedução do IVA por afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços é uma opção facultativa de que os Estados-Membros dispõem na organização do seu regime de tributação. No entanto, embora os Estados-Membros gozem de margem de apreciação na escolha das medidas a adotar para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, estão obrigados a exercer a sua competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais, designadamente dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade fiscal e da segurança jurídica (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 2012, BLC Baumarkt, C-511/10, EU:C:2012:689, n.os 22 e 23, e de 17 de maio de 2018, Vámos,C-566/16, EU:C:2018:321, n.º 41 e jurisprudência referida).
Quanto a estes princípios, importa recordar, antes de mais, relativamente ao princípio da proporcionalidade, que este não se opõe a que um Estado-Membro que fez uso da faculdade de conceder aos seus sujeitos passivos o direito de optar por um regime especial de tributação adote uma regulamentação que faz depender a aplicação desse regime da obtenção prévia de uma aprovação, não retroativa, por parte da Administração Tributária, e que o facto de o procedimento de aprovação não ser retroativo não torna este procedimento desproporcionado. Por conseguinte, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que recusa aos sujeitos passivos a possibilidade de aplicar, após a fixação do pro rata definitivo, o regime de dedução por afetação, não vai além do que é necessário à cobrança exata do IVA (v., por analogia com o regime de isenção das pequenas empresas, Acórdão de 17 de maio de 2018, Vámos, C-566/16, EU:C:2018:321, n.os 43 a 45 e jurisprudência referida).
Em seguida, no que se refere ao princípio da neutralidade fiscal, é certo que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros podem, em conformidade com o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112, aplicar, relativamente a uma determinada operação, um método ou uma chave de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que, em virtude desse princípio da neutralidade fiscal, esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método baseado no volume de negócios. Assim, qualquer Estado-Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução. Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA exige que as modalidades de cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas ocasionadas pela aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução [v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Volkswagen Financial Services (UK), C-153/17, EU:C:2018:845, n.os 51 e 52 e jurisprudência referida].
Daqui decorre que, contrariamente ao que sustentam, em substância, os CTT, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser interpretado no sentido de que, em cada situação, deve ser procurado o método de dedução mais preciso, a ponto de exigir que se ponha sistematicamente em causa o método de dedução aplicado inicialmente, mesmo após a fixação do pro rata definitivo.
Por um lado, essa interpretação esvaziaria de sentido a prerrogativa dos Estados-Membros, prevista no artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, de autorizar os sujeitos passivos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, uma vez que a autorização se tornaria, na prática, uma obrigação. Ora, a este respeito, basta recordar que a tomada em consideração dos princípios que regem o sistema do IVA, mas que o legislador pode validamente derrogar, não permite justificar, em todo o caso, uma interpretação que privasse de qualquer efeito útil uma derrogação expressamente pretendida pelo legislador (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Mercedes Benz Italia, C-378/15, EU:C:2016:950, n.º 42)
Por outro lado, tal interpretação seria contrária à jurisprudência segundo a qual a Diretiva IVA não impõe ao sujeito passivo que pode escolher entre duas operações a obrigação de aplicar a que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado. Pelo contrário, o sujeito passivo tem o direito de escolher a estrutura da sua atividade de forma a limitar a sua dívida fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, C-255/02, EU:C:2006:121, n.º 73)
Por fim, o princípio da segurança jurídica, quanto a ele, exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2014, Fatorie, C-424/12, EU:C:2014:50, n.º 46, e de 17 de maio de 2018, Vámos, C-566/16, EU:C:2018:321, n.º 51). Ora, como recorda acertadamente o Governo português, não se afigura razoável exigir às autoridades fiscais que aceitem, em qualquer circunstância, que um sujeito passivo possa modificar unilateralmente o método de dedução utilizado para a determinação dos montantes de IVA a deduzir.
Resulta do que precede que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo.”
Nos presentes autos o que está em causa, à semelhança do que se verificou no Acórdão proferido nos Processo n.º 804/2021-T e 611/2022-T é uma avaliação feita pelo sujeito passivo sobre o melhor método a aplicar para o cálculo das deduções relativas a bens de utilização mista após ter fixado o pro rata definitivo para o ano de 2020.
Assim, este Tribunal acompanha o Acórdão proferido no Processo n.º 804/2021-T quando refere: “Considera-se consequentemente que as alterações retroativas aplicadas pela Requerente no cálculo do direito à dedução de bens e serviços de utilização mista não têm por base quaisquer erros materiais ou de cálculo previstos no artigo 78.º nem erros de qualquer outra natureza, pois nos termos do artigo 23.º do Código do IVA o sujeito passivo fez uma opção no momento do nascimento do direito à dedução, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 22.º do Código do IVA, a qual se encontra no âmbito da autonomia de actuação permitida pelo imposto e é materializada na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo.
Nada existe na lei que permita estabelecer essa alteração posteriormente com eficácia retroactiva e o TJUE já declarou que o artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade não se opõe a que o Estado português limite a possibilidade de efectuar essa alteração.”
Face ao exposto, um Estado-Membro não está a violar os princípios acima referidos, ao limitar a possibilidade de efetuar alterações com eficácia retroativa ao método de dedução após a fixação do pro rata/dedução definitivo, que é que acontece com o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, e que o Requerente contesta pelo que deve improceder o pedido do Requerente.
E conforme à decisão proferida no Processo n.º 611/2022-T, aderimos ao aí decidido relativo à norma contida no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA o seguinte:
“Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução
(…)
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
(…)”
Da leitura e interpretação do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, na mesma existe a expressão “Sem prejuízo de disposições especiais” que vem reforçar a ideia de que o n.º 6 do artigo 23.º do CIVA é uma norma especial (“disposição especial”).
O n.º 2 do artigo 98.º do CIVA aplicar-se-á naquelas situações em que não houve registo/contabilização da fatura ao abrigo do artigo 45.º do CIVA e aí sim, devido ao princípio da neutralidade fiscal, não se coartar o sujeito passivo a exercer o direito à dedução.
Por outro lado, no artigo 78.º do CIVA nos números relevantes para o caso controvertido, os n.º 2 e n.º 6, têm subjacente a ideia de que tenha havido um registo/contabilização prévio e a base tributável ou imposto previamente registado/contabilizado vai sofrer alterações subsequentes devido aos fatores elencados nos n.ºs 2 e 6 do artigo 78.º do CIVA.
Adicionalmente, aplicar-se o n.º 2 do artigo 98.º do CIVA ao caso concreto, levanta-se a dúvida se não será posta em causa a certeza jurídica que deve nortear a relação jurídico-tributária, estando nós num ramo de Direito Público. Repare-se neste caso: no ano 1, calculou-se o pro rata provisório e o definitivo ao abrigo do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA e, portanto, a situação jurídica consolidou-se. No ano 4, o sujeito passivo vem discutir a base de cálculo do direito à dedução parcial, i.e., numa situação de pro rata, deduziu no ano 1 em termos definitivos 10%, mas, no ano 4 voltou a analisar a situação do ano 1 e chega à conclusão que afinal, o pro rata definitivo no ano 1 deveria ter sido 15%, logo haverá imposto a reembolsar referente ao ano 1. Então se é assim, os anos 2 e 3, têm os pro ratas “errados/inexatos”, havendo lugar a regularizações de imposto para mais e menos. Onde é que está a segurança jurídica e previsibilidade?
Além disso, se o próprio TJUE, conforme é salientado no Acórdão do 804/2021 e neste, admite que a legislação que temos no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA (artigo 173.º DIVA), não põe em causa, os princípios da neutralidade, efetividade e proporcionalidade.
O sujeito passivo teve 12 meses (n.º 6 do artigo 23.º do CIVA) para confirmar a exatidão dos cálculos baseado em documentação fidedigna (por ex: faturas) e na substância das operações tituladas presumivelmente pelas faturas e daí o IVA basear-se no método subtrativo indireto (conhecido como “método das faturas”). Estamos a falar de situações em que o pro rata de dedução do imposto não é 100% e por isso requer-se especiais cuidados quanto à dedução do imposto.”
Em face do exposto, é convicção deste Tribunal Arbitral que deve improceder o presente pedido de pronúncia arbitral devendo manter-se na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa em dissídio e a autoliquidação na parte contestada referente a 2020 em sede de IVA identificada no presente pedido de pronúncia arbitral.
b) Da legalidade da decisão da AT que indeferiu a reclamação graciosa, conforme ao Ofício Circulado n.º 30108
A Requerente alega que incorreu em erro na autoliquidação de IVA relativo a dezembro/2020, por ter realizado essa autoliquidação seguindo o disposto no Ofício circulado n.º 30108 de 30-1-2009.
Não obstante este Tribunal Arbitral fundamentar a improcedência do PPA, nos termos supra expostos considera que pode acrescer a essa fundamentação a análise da decisão da AT que indeferiu a reclamação graciosa numa atuação conforme ao Ofício circulado n.º 30108.
Vejamos
Jurisprudência do TJUE. O Acórdão “Banco Mais”.
O TJUE no Acórdão proferido em 10-07-2014, Processo n.º C-183/, Acórdão Banco Mais, proferido no âmbito de reenvio prejudicial, onde o TJUE
Estava em causa nesse processo a realização da atividade de crédito e de leasing automóvel por um Banco português. Ora este Acórdão refere-se ao um exercício fiscal de 2004, quando ainda não tinha sido emitido o Ofício circulado n.º 30108.
O Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”
O TJUE, refere que:
“Decorre dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o litígio no processo principal tem por objeto a legalidade da decisão da Fazenda Pública que recalcula o direito à dedução do Banco Mais no que respeita aos bens e serviços de utilização mista, por aplicação do regime de dedução previsto no artigo 23.°, n.° 2, do CIVA.
(...)
17 Ora, segundo esta disposição, conjugada com o artigo 23.°, n.° 3, do CIVA, no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, um sujeito passivo pode ser obrigado a efetuar a dedução do IVA em função da afetação real da totalidade ou de parte dos bens e serviços utilizados.
18 Assim, a referida disposição reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.°, n.° 5, primeiro parágrafo, e 19.°, n.° 1, dessa diretiva.
19 Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.°, n.° 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado‑Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva”.
(...)
29 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva se destina a permitir que os Estados‑Membros tenham em conta as características específicas próprias a determinadas atividades dos sujeitos passivos, a fim de obterem resultados mais precisos na determinação do alcance do direito à dedução (v., neste sentido, acórdãos Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.° 24, e BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.os 23 e 24).
30 Resulta do que antecede que, no que respeita, primeiro, à redação do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, segundo, ao contexto em se insere esta disposição, terceiro, aos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade e, quarto, à finalidade do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, dessa diretiva, qualquer Estado‑Membro que exerça a faculdade prevista no artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 23).
31 Com efeito, o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflitam objetivamente a parte real das despesas efetuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução (v., neste sentido, acórdão Securenta, C-437/06, EU:C:2008:166, n.° 37).
32 Para este efeito, a Sexta Diretiva não se opõe a que os Estados‑Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios (v., neste sentido, acórdão BLC Baumarkt, EU:C:2012:689, n.° 24).
33 A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal.
34 Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel”.
A decisão do TJUE nesse processo foi: “O artigo 17.º, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
No caso do leasing automóvel, o TJUE sugere que a exclusão da componente amortização do pro rata conduz a resultados mais precisos porque será a componente financiamento que consome o essencial dos custos mistos, ainda que incumba ao tribunal de reenvio verificar se assim é: “(...)A este propósito, há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal. Ora, nestas condições, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas atividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o setor automóvel.”
Jurisprudência arbitral
A doutrina arbitral que vinha sendo defendida de forma muito uniforme e que está espelhada em Acórdãos que infra se indicarão era a de que não havia norma legal que desse suporte ao entendimento da AT no sentido de permitir a modelação dos critérios de imputação dos custos mistos com exclusão de alguns valores do cálculo do pro rata de dedução.
Este entendimento dos Tribunais Arbitrais do CAAD tem sido no sentido de que mesmo existindo algum grau de liberdade na DIVA, o legislador português não fez uso da mesma, porquanto o artigo 23.º do CIVA contempla apenas dois métodos de dedução absolutamente estanques: o método do pro rata, assente no volume de negócios e expresso numa percentagem calculada de acordo com o artigo 23.º, n.º 4, e o método da afetação real, assente em indicadores objetivos e que não pode exprimir-se em percentagem alguma.
Assim, a redação do artigo 23.º do CIVA não permitiria que a AT pudesse aplicar um terceiro método, motivo pelo qual o Ofício-Circulado n.º 30108 violaria o princípio da legalidade tributária, ou seja, os métodos de dedução são “caixas fechadas”.
Foi esta a doutrina arbitral seguida, por exemplo e no essencial, nos acórdãos proferidos nos processos do CAAD n.ºs 309/2017-T, 311/2017-T, 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T, 498/2018-T, 646/2018-T, 442/2019-T10 e 907/2019-T11.
Face a esta linha de entendimento, seria, assim, sobre a totalidade das rendas (da locação financeira), sem distinção entre juro e capital, que se deveria liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário” e, consequentemente, o numerador da fração que exprime a percentagem a dedução seria constituído pelo “montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja, pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respetivo denominador seria o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras operações.
Certo que o Ofício circulado n.º 30108 - relativo às instituições de crédito que pratiquem também operações de leasing e ALD e no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, do CIVA - estabelece um coeficiente específico que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros, no entendimento de que a aplicação do pro rata geral estabelecido no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, ou seja, veio estabelecer que aqueles sujeitos passivos passassem a utilizar o método da afetação real, pelas formas previstas nos nºs 8 e 9, do citado ofício circulado.
A Jurisprudência do STA
Entre 2015 e 2020, o STA não reconhecia validade incondicional aos “coeficientes de imputação específicos” construídos por modelação do pro rata, defendendo que a sua validade dependeria sempre da demonstração de que esses critérios de imputação produzissem resultados mais rigorosos que o método da percentagem e que a aplicação de tal método da percentagem pode, por isso, gerar distorções significativas na tributação.
Todavia, em especial depois da publicação do citado “Acórdão Banco Mais”, o STA passa a anular, em sede de recurso, as decisões arbitrais ou a determinar a devolução dos processos aos tribunais tributários de primeira instância e aos tribunais arbitrais, com vista a apurar se a utilização dos bens e serviços mistos é, sobretudo, determinada pelas operações de financiamento e de gestão dos contratos de locação financeira ou, por outro lado, pela disponibilização dos veículos, sendo que, no âmbito da prova, o STA relembra que o ónus da prova cabe ao sujeito passivo (Cfr. v. g., os Acórdãos do STA nos processos n.ºs 101/19, 84/19, 87/20, 32/20, 63/20, 101/20.9BALSB12, 113/20),
A posição uniforme do STA sobre este tema está descrita no recente acórdão do Pleno do STA, proferido, por unanimidade de 23-2-2022 no Proc. nº 101/20.9BALSB (publicado em www.dgsi.pt) – que anulou a decisão arbitral proferida no processo do CAAD n.º 706/2019-T.
Assim considerou que esta questão “(...) foi já objecto de decisão em diversos arestos recentes do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., em sentido que aqui se reitera e cujos textos estão integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, orientação jurisprudencial essa que se pode, atualmente, ter por consolidada”.
Concordando-se com esta orientação jurisprudencial, tendo presente o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do C.Civil, e a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, os quais visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos Tribunais respostas diferentes, limitamo-nos a remeter, nos termos dos artigos. 663.º, n.º5, e 679.º, ambos do C.P.C, aplicável ex vi art.º 281.º, do CPPT, para a fundamentação do acórdão de 24 de Março de 2021, proferido no processo com o n.º 87/20.0BALSB, segundo o qual “nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”, para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva (...)”.
Dos acórdãos para uniformização de jurisprudência proferidos sobre a matéria concluiu-se também e designadamente, que, ao abrigo da citada legislação europeia, transposta para o artigo 23.º, n.º 2, do Código do IVA, o legislador nacional permitiu condições especiais para o cálculo do pro rata da dedução do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação, o que determina que, para o cálculo do pro rata, apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro. Uma hipótese que o STA condiciona ao facto do método aplicado garantir uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios.
Deste modo, na esteira desta jurisprudência uniformizadora do STA, os tribunais arbitrais proferiram já decisões recentes, afastando-se da tese anterior da violação do princípio da legalidade e reconhecendo como fundamento do coeficiente de imputação específico aplicado pela AT, as regras que prevêem a afetação real.
A título de exemplo, refira-se o Acórdão n.º 759/2019-T, de 5 de Setembro de 2020, concluindo que "a norma do artigo 23.°, n.º 2, do CIVA, ao permitir que Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.°, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/1 12/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno", tese acolhida também no acórdão n.º 927/2019-T, de 21 de Setembro de 2020. Proc n.º 517/2021-T
Há, por conseguinte, uma convergência da jurisprudência do TJUE, das decisões arbitrais edas decisões do STA sem prejuízo de se reconhecer que a legitimação que o STA faz dos citados métodos de imputação alternativos não é incondicional mas antes apenas admissível quando produza melhores resultados que o pro rata.
De mencionar ainda o Acordão do STA de 29-03-2023, proferido no Processo n.º 01360/16.7BEPRT em que está em causa “a interpretação e aplicação do art. 23.º do Código do IVA, que determina o método a aplicar na dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista; mais concretamente, a legalidade do método adoptado pelo ora Recorrente - e, depois, por ele questionado - na determinação do IVA dedutível relativamente aos bens e serviços de utilização mista. A questão tem vindo a ser objecto de ampla discussão e, após pronúncia pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a 10 de Julho de 2014, no processo n.º C-183/.
(...)
Tendo presentes o disposto no art. 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, cumpre-nos reafirmar o afirmado no acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB, que uniformizou jurisprudência no sentido de que “nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Pretende o Recorrente que existiria uma diferença entre a situação tratada pelo TJUE no referido acórdão proferido em 10 de Julho de 2014, no processo n.º C-183/13, e a ora sub judice, a justificar a reapreciação da questão. Mas, salvo o devido respeito, a situação em nada difere de muitas outras sobre as quais este Supremo Tribunal já se pronunciou.
Assim, não é de admitir a revista, uma vez que a questão apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Norte foi já objecto de apreciação pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo – que uniformizou jurisprudência - e o acórdão recorrido seguiu a jurisprudência que aí veio a ser firmada”.
Acórdão que acrescenta: “Note-se que o TJUE, apesar de ter dito que «incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar» se a utilização dos bens e serviços de utilização mista está sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, não impôs - nem teria competência para impor – qualquer restrição quanto aos meios de prova de que o tribunal nacional se podia servir para essa verificação, muito menos excluiu como meio de prova aquele que foi usado pelas instâncias, qual seja a presunção judicial (cfr. art. 349.º e 351.º do Código Civil).
O juízo das instâncias, de que “a utilização de bens “mistos” é, neste caso concreto, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, e não pela disponibilização de veículos”, é um juízo de facto (uma ilação de facto extraída com base nas regras da experiência) cuja sindicância está, nesta sede, subtraída à competência deste Supremo Tribunal. É o que resulta do n.º 4 do art. 285.º, que acima transcrevemos e do qual se retira que, em princípio, não cabe no âmbito do recurso de revista excepcional a sindicância do julgamento de facto, a menos que seja invocada violação de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso.
No que se refere às presunções judiciais usadas pelas instâncias, apenas se admite que o Supremo Tribunal Administrativo exerça o controlo sobre a respectiva construção ou desconstrução, sindicando se a utilização das mesmas violou alguma norma legal, se carecem de coerência lógica ou, ainda, se falta o facto base, ou seja se o facto conhecido não está provado”.
Dito de outro modo: a sucessão mais recente de Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência proferidos no âmbito de recursos interpostos de decisões arbitrais, designadamente de algumas das citadas, impõem a conclusão no sentido da posição da AT imposição de critérios de pro rata específicos e, em certos casos, mesmo obrigatórios, o que está de acordo com o conteúdo do citado Ofício circulado n.º 30108.
Deste modo, o sujeito passivo que realize operações mistas no sentido apontado e que opte pela aplicação do método de afetação real, se tiver várias despesas comuns afetas a diversas atividades, umas que conferem direito à dedução de IVA e outras que deste imposto estejam isentas, o imposto suportado relativamente a estas últimas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respetivo destino, coexistindo, de algum modo, a aplicação do método da afetação real com o método do pro rata.
Ou seja: a Administração Fiscal pode efetivamente obrigar o sujeito passivo, um Banco (como no caso dos autos), a incluir no numerador e no denominador que serve para o cálculo da percentagem da dedução, apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa atividade (leasing e ALD) quando a utilização dos bens e serviços não seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respetivos [cfr., além dos já citados e outros arestos, o Acórdão do TJUE, de 10-7-2014 – Proc nº C-183/13 (Acórdão “Banco Mais”); Ac. do STA (Pleno) da 2ª Secção de 24-2-2021, recurso nº 84/19.8BALSB; Ac do STA (Pleno) da 2.ª Sec. De 24-3-2021, recurso nº 87/20.0BALSB; Ac do STA (Pleno) da 2.ª Secção de 23-2-2022, Recurso nº 101/20.9BALSB].
Assinale-se, também, com especial realce e particularmente elucidativo, o Acórdão proferido pelo STA, no recurso n.º 052/19, de 4-3-2020, em que se consignou: “(... ) A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.0 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento). Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial. Tal como aconteceu nos arestas acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12. Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado "Cálculo do pro rata de dedução") remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, "embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23° nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA - artº 17°, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da sexta directiva, quando alise estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços”. E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, "toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.(...)”
Quanto ao ónus da prova.
Como tem sido reiteradamente decidido pelo STA, compete ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, assim o onerando (também no caso concreto) com a alegação e demonstração de que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira (leasing ou ALD ) para o setor automóvel, utilizando bens e serviços de utilização mista, esta utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos [cfr, v. g., Acórdão do STA (Pleno da 2ª Sec) de 20-1-2021, Recurso nº 101/19.1BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2.ª Sec), de 24-3-2021, Recurso n.º 87/20.0BALSB; Acórdão do STA (Pleno da 2.ª Sec. de 15-11-2017, Recurso nº 485/17].
Analisando a matéria de facto conclui-se que não ficou provado - e, como se viu, esse ónus seria do Requerente - que “(...) os custos comuns do Banco foram sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos (...)”. Ou seja, a Requerente não demonstrou que o método que utilizou na declaração inicial de IVA não era o adequado para efeitos de exercício do direito à dedução. Pelo contrário, ao ficar por demonstrar o aproveitamento dos recursos de utilização mista na mesma proporção da pretendida dedução de IVA, é circunstância, só por si justificativa da imposição da obrigatoriedade do critério adotado pela AT e definido no mencionado Ofício Circulado.
Isto porque, designadamente, dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, não resulta que o poder conferido à AT depende da verificação cumulativa das duas alíneas do citado n.º 3 (distorções de tributação e atividades económicas distintas). De todo o modo, sendo óbvia a distorção de tributação em resultado da desproporção já abordada no caso de ser sufragado o entendimento da Requerente, a verdade é que não se mostra ensaiada sequer uma tentativa de contrariar esse pressuposto, no caso de ser considerado necessário.
A Requerente sustenta que o erro em que incorreu na autoliquidação advém da ilegalidade do citado Ofício circulado.
Ora, como se analisou, da Jurisprudência uniforme e especialmente da do STA, transparece a legalidade da atuação da AT quando indefere a reclamação graciosa, e segue o disposto nesse regulamento interno, é conforme com as normas internas e comunitárias, em especial com os artigos 16.º e 23.º, do CIVA e com os artigos 174.º e 175.º, da DIVA e por outro lado a Requerente não está sujeita a seguir na autoliquidação as disposições desse Ofício circulado, nos termos expostos supra.
E, sendo esta a Jurisprudência uniforme e pacífica, não pode este Tribunal Arbitral deixar de a seguir sob pena de incumprir o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil [“(...) nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (...)”].
Também nesta perspetiva e que se soma à fundamentação expressa na anterior a) é também convicção deste Tribunal que deve improceder o presente pedido de pronúncia arbitral devendo manter-se na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa e a autoliquidação na parte contestada referente a 2020 em sede de IVA identificadas no presente PPA.
5. Juros indemnizatórios
Improcedendo o pedido de anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e do consequente autoliquidação de IVA relativo a 2020, fica prejudicada o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios.
6. Do pedido de reenvio prejudicial para o TJUE
Quanto ao pedido de reenvio prejudicial, este Tribunal considera não existirem fundamentos que justifiquem esse reenvio, uma vez que quer a Jurisprudência nacional quer a Jurisprudência do TJUE, já procederam à análise de todas as questões aqui tratadas. Assim, não se suscitam dúvidas ao Tribunal sobre o sentido da decisão a proferir, e em especial quanto a matérias que poderiam ser objeto de apreciação pelo TJUE em sede de reenvio prejudicial.
7. Decisão
Termos em que face ao exposto decide-se julgar totalmente improcedentes os pedidos, principal e subsidiário e, em consequência:
a) Manter na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa identificada no pedido;
b) Manter na ordem jurídica a autoliquidação de IVA efetuada pela Requerente nas declarações periódicas de imposto relativas a 2020 e de que resultou a aplicação da percentagem de dedução de 7% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos;
c) Indeferir o pedido subsidiário de reenvio prejudicial;
d) Julgar prejudicados os demais pedidos e questões suscitados; e
e) Condenar a Requerente Banco nas custas do processo.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €371.769,19.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.120,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Notifique-se
Lisboa, 1 de agosto de 2023
Os Árbitros
_____________
(Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro – Presidente.
Relatora - Artigo 40.º n.º 1 da LAV por inicialmente não se ter formado maioria sobre qualquer das matérias de direito em análise)
__________________
(Dr. Paulo Lourenço - Árbitro Adjunto)
Vencido conforme declaração de voto junta
_______________
Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus - Árbitro Adjunto)
Vencido conforme declaração de voto junta
Declaração de voto
Votei favoravelmente o presente Acórdão Arbitral quanto à decisão final de julgar improcedentes os pedidos formulados no PPA, com apoio na jurisprudência do TJUE e na orientação jurisprudencial do STA, também seguidas pela mais recente jurisprudência arbitral (Cfr. fundamentação constante em Matéria de Direito, ponto 4.3. b)).
Não posso, porém, deixar de manifestar a minha discordância com a primeira parte da fundamentação apresentada para sustentar a improcedência dos pedidos.
Com efeito, depois de citar diversa jurisprudência, a Exma Relatora conclui que “é convicção deste Tribunal que deve improceder o presente pedido de pronúncia arbitral devendo manter-se na ordem jurídica o ato de indeferimento da reclamação graciosa em dissídio e a autoliquidação na parte contestada referente a 2020 em sede de IVA identificada no presente pedido de pronúncia arbitral” (Cfr. Matéria de Direito, fase final do ponto 4.3. a) Da possibilidade de alterar retroativamente o método de dedução utilizado pelo sujeito passivo).
Para formar tal convicção, considera-se, em resumo, que “o Sujeito Passivo tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA”.
Mais se acrescentando, invocando outras decisões arbitrais, que a regularização no prazo de quatro anos prevista no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA não seria aqui aplicável, dado que o regime específico previsto no n.º 6 do artigo 23.º do mesmo Código se sobreporia àquele prazo.
Salvo o devido respeito, o signatário não acompanha a fundamentação utilizada no sentido de julgar a improcedência com base na alteração retroativa do método de dedução, que o sujeito passivo Requerente estaria impedido de fazer, nem com base no mecanismo da aplicação sucessiva do prorata provisório e do prorata definitivo previsto no invocado n.º 6 do artigo 23.º, nem com a inaplicanbilidade do prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Na verdade, para calcular o imposto dedutível referente aos recursos de utilização mista, nos vários períodos tributários de 2020, o Requerente utilizou o método geral supletivo da percentagem da dedução previsto no artigo 23.º n.º 1 b) do CIVA, acolhendo, embora discordando, o método específico que foi consignado no ofício circulado n.º 30108, de 30.01.2009, que determinou a exclusão da componente do capital contida nas rendas (amortizações financeiras) do numerador e do denominador da fração.
Face à referida discordância, na declaração de dezembro de 2020 e tal como previsto no final do n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, o Requerente levou às duas componentes da fração a quantia aproximada de € 45 milhões (montante correspondente às referidas amortizações), tendo procedido à regularização do imposto na quantia de € 371.769,19 que, em seu entender, deduziu a menos nos vários períodos tributários desse mesmo ano (vd. quadro apresentado no artigo 41.º do PPA).
Não obstante, como supra se referiu, não se acolher a posição do Requerente, a verdade é que as razões para tal discordância e para decidir pela improcedência dos pedidos devem ser, no entender do signatário, apenas as que se encontram descritas na parte da Matéria de Direito que se inicia pela análise da Jurisprudência do TJUE, da jurisprudência do STA e das decisões arbitrais que acolheram esta jurisprudência.
Com efeito, no entender do signatário, o procedimento seguido pelo Requerente não envolve qualquer situação de aplicação retroativa do método de dedução nem, muito menos, há lugar à aplicação do mecanismo do prorata provisório e definitivo a que efetivamente o referido preceito se refere e que foi analisado numa das decisões arbitrais invocadas, que é aplicável aos sujeitos passivos mistos que mantêm ao longo dos anos uma estrutura tributária que impõe acertos anuais nos montantes que vão sendo deduzidos, mas que não é aplicável a um acerto esporádico como aquele que é objeto do pedido arbitral em apreço.
Tão pouco se acompanha o fundamento da inaplicabilidade do prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Com efeito, como foi já amplamente decidido pela jurisprudência, o erro decorrente da aplicação do regime jurídico da dedução do IVA, a existir, é um erro de direito, sendo aplicável o prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, para a regularização/dedução do imposto pago a mais (vd., entre outros, ACD STA de 28.06.2017, Processo 01427/14).
O árbitro,
(Joaquim Silvério Mateus)
Declaração de voto
Voto favoravelmente o presente Acórdão Arbitral no que se refere à improcedência do PPA, tendo em conta a jurisprudência firmada pelo TJUE e pelo STA.
Não concordo com a fundamentação constante da alínea a) do ponto 4 do referido acórdão por entender que a Requerente não pretende alterar o método de dedução, mas incluir no numerador da percentagem de dedução algumas operações que entende não estarem fundamentalmente relacionados com as operações de financiamento.
Com efeito, a Requerente, ainda que sem concordar, seguiu as orientações administrativas constantes do ofício circulado nº 30108, de 30 de janeiro de 2009 ou seja, utilizou a afetação real prevista no nº 8 e, pelo facto de entender não ser possível a aplicação de critérios objetivos na imputação dos custos comuns, a percentagem de dedução a que se refere o nº 9, considerando no respetivo cálculo apenas o montante anual correspondente aos juros relativos à atividade de locação financeira.
Por discordar da orientação administrativa, pretende demonstrar que os custos comuns não estão diretamente relacionados com o financiamento das operações mas com outros serviços prestados, pelo que devem entrar no numerador e no denominador da referida percentagem de dedução.
É pacífico o entendimento preconizado pelo TJUE, no acórdão referente à Banco Mais, SA(Acórdão de 10 de julho de 2014-Proc. C-183/13), que vem confirmar que a AT pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira, a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, no pressuposto que a utilização dos referidos bens ou serviços está relacionada com o financiamento e gestão dos contratos.
Por outro lado, é igualmente aceitável o entendimento do TJUE, no acórdão de 18 de outubro de 2018, que sustenta que, mesmo que os custos gerais estejam refletidos somente na parte do preço que diz respeito ao financiamento, deve considerar-se que uma parte desse mesmo preço diz respeito à disponibilização dos veículos, o que significa que, ainda que parcialmente, o respetivo valor deve ser incluído no cálculo do pro rata, entrando no numerador e no denominador.
Porém, torna-se necessário demonstrar que os custos comuns suportados pelas entidades que exercem a respetiva atividade no domínio da locação financeira não estão somente relacionados com o financiamento das operações, o que nos leva para a questão do ónus da prova.
É atualmente pacífica e uniforme a jurisprudência portuguesa no que diz respeito a esta matéria. O Acórdão uniformizador do STA, de 24 de março de 2021 (Proc. 087/20.0BALSB), refere que
“Nos termos do disposto no art. 23º. Nº 2 do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu nº 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efetua operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afetação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no nº 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Aceitando, no entanto, que há determinados custos que podem não estar somente relacionados com o financiamento das operações mas igualmente com a disponibilização do veículo, é possível que possam ser incluídos quer no numerador quer no denominador da percentagem de dedução, sendo, porém, necessário efetuar tal demonstração, competindo à Requerente o ónus de efetuar essa prova.
Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 23 de março de 2022 (Proc. 066/21.0BALSB), que sustenta exatamente que “cabe ao sujeito passivo de IVA alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização de bens ou serviços mistos não é sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos de leasing e ALD, único ónus da prova que se impõe conhecer no caso”.
Tudo visto, analisada a prova documental e as declarações das testemunhas, é minha convicção que o PPA deve improceder, uma vez que a Requerente não logrou demonstrar que os custos comuns suportados não estavam sobretudo relacionados com o financiamento das operações. Finalmente, sempre com o devido respeito, manifesto igualmente a minha discordância com a inaplicabilidade ao caso concreto em apreço da norma constante do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA.
Com efeito, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que o erro decorrente da aplicação do regime jurídico da dedução do IVA, a existir, é um erro de direito, sendo aplicável o prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, para a dedução e consequente regularização do imposto pago a excesso.
Ó Árbitro Vogal
Paulo Lourenço