DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1 – A, SA com o NIPC …, com sede social na Rua …, nºs … a …, no … apresentou, em 28/10/2013, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto - Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (RJAT)[1] em que é requerida a AT[2].
2 – O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD[3] e logo notificado à requerida na mesma data.
3 – Nos termos e para efeitos do disposto no nº1 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legal- mente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
4 – O tribunal foi constituído em 26/12/2013 tendo, em 27/12/2013, sido proferido o Despacho a que alude o artigo 17º nº1 do RJAT.
5 – Com o seu pedido a requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e por essa via a anulação dos actos tributários de liquidação do imposto do selo feita ao abrigo da verba 28 da TGIS[4], relativa ao ano de 2012,com data de 21/03/2013,conforme documentos de cobrança da segunda e terceira prestação no montante global de €19872,24;
6 – A requerente fez prova dos pagamentos; o da 2ª prestação juntou o comprovativo à petição e o da 3ª prestação por requerimento de 18/02/2014 no qual solicitou a junção aos autos que veio a ser deferida e notificada à requerida na reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, ocorrida em 20/02/2014.
7 – Numa primeira linha a requerente ataca a liquidação por considerar haver falta de fundamentação, dado que ao ser notificada de vários documentos para pagamento, identificados com diferentes números, nas notificações não foi indicado o número que referencie a respectiva liquidação, elemento considerado essencial para a sua identificação.
8 – De seguida, considera que para além da falta de fundamentação, a liquidação em causa recai sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o número … e inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo …, sendo um terreno para construção sobre o qual não existe qualquer edificação, tratando-se de um terreno coberto de silvas e mato e para o qual não estará prevista, num futuro próximo qualquer edificação.
9 – O prédio em questão foi avaliado em 2007 pela AT como terreno para construção ao qual foi atribuído o valor patrimonial total de € 2980838.01, tendo, na respectiva avaliação, sido aplicado pela AT o coeficiente de afectação de “habitação”, conforme artigo 41º do CIMI[5].
10 – Tendo em vista o valor patrimonial atribuído e o coeficiente de afectação, entendeu a AT estarem reunidos os pressupostos objectivos para a liquidação do imposto do selo previsto na verba 28 da respectiva tabela.
11 – Por último considera que sobre a mesma realidade económica incidem dois impostos diferentes – imposto do selo e IMI[6] – havendo, através da interpretação da Lei feita pela AT, dupla tributação.
12 – Termina pedindo a anulação dos actos de liquidação e a consequente restituição das importâncias indevidamente pagas acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.
13 – Na resposta a AT considera que o prédio em questão tem a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional pelo que, de acordo com a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Dezembro, o acto de liquidação objecto da presente pronúncia deverá ser mantido por consubstanciar a correcta interpretação da verba aditada.
14 – Na verdade, com esta alteração, o imposto do selo passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário atribuído de acordo com o CIMI seja igual ou superior a € 1000000,00 e desde que a sua afectação seja habitacional.
15 – Por outro lado entende que a interpretação da norma feita pela AT está adequada ao fim legislativo em vista e não será violadora de princípios constitucionais, nomeadamente da igualdade e da proporcionalidade.
16 – Também não considera ter havido vício de falta de fundamentação dado que os documentos de cobrança contêm a data da liquidação, ano do imposto, o prédio, o imposto a pagar, o valor patrimonial, a taxa e o nº da prestação a pagar, sendo revelador o facto da requerente ter identificado correctamente o prédio, o imposto, o seu valor global, bem como o valor relativo a cada prestação e ter deduzido a petição.
II- SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Em 20/02/2014, teve lugar a reunião do tribunal, de harmonia com o artigo 18º do RJAT e, ouvidas as partes, foi dispensada a produção de alegações orais ou escritas por desnecessárias. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 -As questões a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:
a) Saber se a liquidação é ilegal por falta de fundamentação, na medida em que as notificações não continham os números identificativos das mesma;
b) Saber se um terreno para construção, no qual não existem quaisquer edificações, mas que na determinação do seu valor patrimonial tributário lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional, apurando-se um valor igual ou superior a €1000000,00 cai no âmbito da sujeição a imposto do selo prevista na verba 28 da TGIS, e
c) Saber se estamos perante uma dupla tributação da mesma realidade económica, colocando em causa os princípios da igualdade e da proporcionalidade. e
d) Saber se, em caso de ser declarada a ilegalidade da liquidação, haverá lugar ou não ao pagamento dos juros indemnizatórios requeridos
2 – Matéria de facto
A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do registo Predial do … sob o número … e inscrito na correspondente matriz sob o artigo … da freguesia de …;
b) O identificado prédio não tem qualquer edificação sobre o seu solo;
c) Para feitos de avaliação patrimonial tributária realizada em 2007 foi-lhe a atribuído o valor de € 2980838.10, tendo sido usado na determinação de tal valor o coeficiente de afectação habitacional que a requerente não questionou aquando da avaliação;
d) Para a área onde se situa o terreno está a ser elaborado um plano de pormenor, não havendo ainda a concretização se as edificações a levar a efeito terão afectação exclusiva habitacional;
e) Na notificação da liquidação não é feita referência ao número da liquidação, mas no documento de cobrança constam todos os dados necessários à sua identificação;
f) Sobre o valor patrimonial do imóvel houve tributação em IMI e em imposto do selo no ano de 2012;
g) A requerente efectuou o pagamento da 2ª e 3ª prestação no valor global de 19 872,24 cuja anulação pretende e consequente restituição.
3- Do Direito
3.1 - Quanto à ilegalidade da liquidação por falta de fundamentação consagrado no artigo 77º da LGT[7], entende o tribunal que o acto de liquidação foi, ainda que sucintamente, fundamentado, na medida em que a requerente identificou todos os elementos necessários à apresentação do presente pedido de pronúncia, desde a fundamentação legal, identificação do prédio, o imposto , o seu montante global, divisão em prestações, altura do seu pagamento , efectuando-o no tempo determinado.
Ora, um acto está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal colocado perante ele, fique ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (ver a este respeito Acórdão do STA[8], processo 42180 de 20 de Novembro de 2002).
3.2- Quanto à tributação em imposto do selo de um terreno para construção, no qual não existem quaisquer edificações, mas que na determinação do seu valor patrimonial tributário lhe foi aplicado o coeficiente de afectação habitacional, apurando-se um valor igual ou superior a €1000000,00 cai no âmbito da sujeição a imposto do selo prevista na verba 28 da TGIS aditada pelo artigo 4º da Lei 55-A/2012 de 29 de Dezembro iremos fazer uma análise desta norma de incidência com vista a retirarmos conclusões:
3.2.1 – A norma aditada estabelece, com interesse para o caso em apreciação, que os prédios urbanos com afectação habitacional ficam sujeitos ao pagamento do imposto do selo à taxa de 1% que recai sobre o valor patrimonial considerado para efeitos de IMI;
3.2.2 – O CIS[9] remete para o Código do CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS);
3.2.3 – Se atentarmos então ao artigo 6º do CIMI, nele se estabelece que os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais
b) Comerciais, industriais ou para serviços
c) Terrenos para Construção
d) Outros
Do seu número dois retira-se que habitacionais “ são os edifícios ou construções para tal licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal tal fim” e, o seu número três diz que terrenos para construção “ são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”
3.2.4 – Os conceitos enumerados neste normativo permitem-nos desde já concluir que prédios urbanos habitacionais são os licenciados ou que podem ser afectos a tal fim, enquanto os terrenos para construção também eles prédios urbanos, a sua afectação só pode ser a edificação e não outra;
3.2.5- Entende o tribunal que a formulação “afectação habitacional” contida na verba 28 da TGIS, aditada pela Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, só pode abarcar os prédios habitacionais referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 6º do CIMI e não pode ser interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção cuja afectação será sempre a edificação de prédios urbanos que poderão ter, no futuro, afectação habitacional, comercial ou para serviços. No caso em apreço nos autos ainda não há a concretização se as edificações a levar a efeito terão exclusiva afectação habitacional;
3.2.6 – Pretender-se que a expressão “afectação habitacional” usada pelo legislador tem o intuito integrador de outras realidades para além das identificadas, é, no entender do tribunal, contrário ao disposto no número dois do artigo 9º do Código Civil. Se o legislador o pretendesse, tê-lo-ia dito expressamente e não o fez.
3.2.7 – A corroborar este nosso entendimento é a visita recente que o legislador, através da Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, fez à verba 28.1 da TGIS dando-lhe nova redacção, mantendo a terminologia “habitacional” introduzindo-lhe agora “o terreno para construção”, o que comprova que na redacção anterior os terrenos para construção estavam fora da tributação, dado que a norma de incidência não os contemplava.
3.2.8 – É entendimento do tribunal que o artigo 6º do CIMI estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e prédios urbanos terrenos para construção, não estando estes dentro da norma de incidência do imposto do selo prevista na verba 28 da TGIS, na redacção original da Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro.
3.3- Quanto à eventual dupla tributação e violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, entende o tribunal que o seu conhecimento fica prejudicado uma vez que do exposto resulta claro a ilegalidade da liquidação posta em crise nos presentes auto, por vício impeditivo da renovação do acto, suportando esta posição no artigo 124º do CPPT[10] aplicável ex vi artigo 29º do RJAT.
3.4 – Quanto ao pedido de juros indemnizatórios solicitados nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 43º da LGT, apreciando o pedido o tribunal entende ser evidente, face à ilegalidade do acto de liquidação, haver lugar ao reembolso do imposto do selo pago e, tendo em vista as disposições contidas nos números 1 alínea b) e 5 do artigo 24º do RJAT e artigo 100º da LGT, a requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do nº1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT.
V - DISPOSITIVO
Face ao exposto o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação do imposto do selo questionada e respectivo reembolso à requerente;
b) Declarar a obrigatoriedade da AT pagar juros indemnizatórios à requerente, à taxa legal, desde a data em que ocorreu o pagamento das prestações e a data em que ocorra o reembolso;
c) Valor do processo: € 19872,24 conforme disposto no artigo 299º nº1 do CPC[11] , 97º-A do CPPT e artigo 3º,nº2 do RCPAT[12];
d) Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em €1224,00 de harmonia com a tabela I do RCPAT .
Registe e Notifique.
Lisboa, 24 de Março de 2014
O árbitro singular
Arlindo José Francisco
***
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29,nº1,alínea e) do RJAT, com versos em branco e por mim revisto.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
[2] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira.
[3] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa.
[4] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[5] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[6] Acrónimo de Imposto Municipal sobre Imóveis
[7] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[8] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo
[9] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[11] Acrónimo de Código de Processo Civil
[12] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária