Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino e Dr. Jorge Belchior de Campos Laires, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-05-2023, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., com o NIF ..., e B..., com o NIF ..., residentes na Rua ..., n.º ..., sita na freguesia de ..., do concelho de …, (doravante, designados como «Requerentes»), vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IRS identificado com o n.º 2022... e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., »«apresentada contra aquele, com as devidas consequências legais, incluindo o reembolso das quantias indevidamente pagas pelos requerentes, no período de tributação de 2021, acrescida de juros indemnizatórios vencidos e vincendos até pagamento integral dos referidos montantes».
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 01-03-2023.
Em 19-04-2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 10-05-2023.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 15-06-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
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C..., pai do aqui Requerente A... foi proprietário até 2009
d2 de ½ do prédio rústico denominado «...», que incluía Pinhal, Eucaliptal, Mato e Pastagem, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .../... (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Nesse ano de 2009, C... faleceu, e o Requerente A... adquiriu, por via sucessória, uma quota parte de 1/6 da Quinta ... (cópia de habilitação de herdeiros de C..., que consta do documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 29-05-2020, foi publicado no Diário da República, através do Despacho n.º 5922/2020 do Gabinete do Secretário de Estado da Mobilidade, uma declaração de utilidade pública – que consta do documento n.º 7 –, em que se refere o seguinte:
«Através do Decreto-Lei n.º 394-A/98, de 15 de dezembro, foi atribuída à sociedade Metro do Porto, S. A., a concessão do serviço público do sistema de metro ligeiro na Área Metropolitana do Porto, competindo-lhe a responsabilidade pelas operações de construção de infraestruturas do dito sistema.
Nos termos da base XI do anexo I daquele diploma legal, compete à mesma sociedade proceder, na qualidade de entidade expropriante, às expropriações necessárias à referida construção.
Considerando que, nos prédios discriminados no mapa anexo, se prevê a construção do referido sistema de metro, que é de manifesto interesse público, os quais se inserem no troço da extensão da Linha Amarela – Santo Ovídio a Vila d’Este.
Considerando, ainda, o previsto na Base I e na alínea h) da base VI do anexo ao diploma atrás citado e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2018, de 13 de dezembro, aprovou-se a realização do troço do sistema do metro ligeiro do Porto da extensão da Linha Amarela – Santo Ovídio a Vila d’Este.
Considerando, ainda que, no programa de trabalhos previsto se estipula que as obras se iniciem após o termo do processo de concurso já lançado, previsto para junho de 2020 e que tais obras pressupõem a posse dos bens a expropriar.
A urgência do processo de declaração de utilidade pública que ora se requer é justificada pela necessidade de cumprir os prazos fixados para concretização da referida empreitada, nomeadamente os identificados na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2018, de 13 de dezembro, pelo que se torna imprescindível a tempestiva disponibilidade dos terrenos por ela abrangidos e, como tal, dar início ao processo expropriativo dos imóveis e direitos a eles inerentes, necessários à sua execução.
Por deliberação do conselho de administração da Metro do Porto, S. A., de 18 e 19 de fevereiro de 2020, foram aprovadas as resoluções de expropriar, as quais incluem a identificação das plantas parcelares e o respetivos mapa de áreas, relativos às parcelas de terreno que se mostram necessárias para a execução da extensão da Linha Amarela – Santo Ovídio a Vila d’Este.
Nestes termos, a requerimento da Metro do Porto, S. A., e ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 3.º, 13.º, 14.º, 15.º e 19.º do código das expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, na sua redação atual, e no n.º 3 da base XI do anexo I do Decreto-Lei n.º 394-A/98, de 15 de dezembro, e ao abrigo da delegação de competências da Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2018, de 13 de dezembro, tendo em vista o início imediato das obras, determino o seguinte:
1 – Declaro a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, correspondentes às parcelas (…), PS., (…), devidamente identificadas nas plantas cadastrais e mapa de identificação, cuja publicação se promove em anexo.
2 – Autorizar a sociedade Metro do Porto, S. A., a tomar a posse administrativa dos mesmos prédios, ao abrigo dos artigos 15.º e 19.º do Código das Expropriações.
3 – Os encargos financeiros com as expropriações são da responsabilidade da sociedade Metro do Porto, S. A., para os quais dispõe de cobertura financeira, tendo prestado caução para garantir o pagamento dos mesmos.».
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A referida parcela PS-... corresponde à Quinta ...;
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O valor da indemnização devida pela Metro do Porto, S.A. ao Requerente e aos demais comproprietários da Quinta ... esteve em juízo no processo de expropriação por utilidade pública que correu termos sob o n.º .../21...T…, no Juízo Local Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca …;
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O termo desse processo ocorreu por força do acordo de transação quanto ao objeto do litígio, entre o expropriante e os expropriados, que foi homologado por sentença, datada de 28-02-2021, em que foi fixado o valor de indemnização de € 6.200.000,00 (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 30-06-2022, os Requerentes apresentaram a declaração de IRS n.º..., relativa ao ano de 2021, que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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No campo 4004 do Anexo G da mencionada declaração, os Requerentes declararam a quota-parte do valor da indemnização pela expropriação do prédio rústico, denominado Pinhal, Eucaliptal, Mato e Pastagem, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º.../... (doravante, simplesmente «Quinta ...») que o Requerente A... teve direito a receber, no montante de € 1.033.333,33 (documentos n.ºs 3, 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Com base nessa declaração foram emitidas a liquidação de IRS com o n.º 2022... e a compensação com o n.º 2022..., que se referem no documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Em 08-11-2022, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação referida, que teve o n.º ...2022... (documentos n.ºs 1 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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A referida reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 21-12-2022, proferido pelo Director de Direcção de Finanças (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O referido despacho remete para a fundamentação que consta de uma Informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
IV. APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
1. De acordo com as alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 9° do CIRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, respetivamente, as mais-valias, tal como definidas no artigo 10°, e as indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitrai ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão
2. A alínea a) do n° 1 do artigo 10° do CIRS estabelece que constituem mais-valias os ganhos obtidos que (não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais) resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, englobando-se neste conceito, não apenas a resultante de acordo de vontades entre as partes contratantes, como ainda a decorrente de decisão unilateralmente imposta, caso típico das expropriações.
3. Já a alínea b) do n° 1 do artigo 44° do CIRS menciona que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, no caso de expropriação, o valor da indemnização.
4. O reclamante identifica várias decisões (6 acórdãos do STA e duas decisões do CAAD) onde se terá decidido em conformidade com o seu pedido, em suma, que a expropriação não pode ser considerada uma alienação para efeitos de apuramento de mais valias,
5. Cumpre fazer referência ao facto de que, das decisões do STA identificadas, algumas foram proferidas antes da entrada em vigor do CIRS (em 01.01.1989), e algumas se referem a expropriações de terrenos para construção, onde o entendimento ali expresso não pode ser aplicado ao caso que aqui nos ocupa, por se tratar de um prédio rústico.
6. Quanto ao aludido n.º 4 do artigo 68°-A da LGT, que determina que a AT deve rever as orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias, quando:
a) versem sobre matéria apreciada em decisão sumária por um tribunal superior, nos termos do artigo 656° do Código de Processo Civil, ou
b) exista acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, ou
c) exista jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, manifestada em cinco decisões transitadas em julgado no mesmo sentido, sem que existam decisões dos tribunais superiores em sentido contrário igualmente transitadas em julgado, em número superior.
7. Verifica-se que, até a presente data, e tendo em conta a redação atualmente vigente da legislação aplicável, é posição da AT que, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 10°, constituem mais-valias os ganhos obtidos que. não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem, designadamente da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, englobando-se neste conceito não apenas a resultante de acordo de vontades entre as partes contratantes, como ainda a decorrente de decisão unilateralmente imposta, caso típico das expropriações.
8. Enquanto a letra da lei não for alterada, e na falta de instruções superiores em sentido contrário, designadamente, revendo o entendimento da AT á luz de jurisprudência consolidada, a AT encontra-se legalmente vinculada ao cumprimento da legislação em vigor.
9. Pelo que a liquidação de IRS referente ao ano de 2021 do ora reclamante não podia ser outra que não a que resultou da declaração de rendimentos por ele apresentada.
10. A propósito da alegação de que a alínea b) do n° 1 do artigo 44° do CIRS não significa que a expropriação por utilidade pública esteja sujeita a IRS na categoria G, cumpre dizer que esta norma constitui um elemento sistemático que contribui para a definição do alcance da norma da alínea a) do n° 1 do artigo 10° do CIRS.
11. Com efeito, na interpretação da lei importa atender a outras disposições que formam o conjunto normativo em que se integra a norma interpretada, harmonizando a unidade de tributação,
12. Segundo o n° 1 do artigo 44° do CIRS, o valor da indemnização por expropriação equivale à contraprestação recebida na alienação onerosa como valor de realização, nos casos aplicáveis, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS na categoria G.
13. Assim, a norma da alínea b) do n°1 do artigo 44° do CIRS surge como elemento sistemático que se soma à consideração da substância económica dos factos e ao princípio geral do rendimento-acréscimo para estabelecer que as expropriações estão abrangidas pela norma da alínea a) do n°1 do artigo 10° do CIRS e que as justas indemnizações recebidas em contrapartida constituem o valor de realização.
14. Acresce ainda que tem sido entendido que as normas de determinação da matéria coletável, que têm a ver com pressupostos de facto da definição da incidência real (cálculo e elementos a ponderar no estabelecimento do respetivo valor) não respeitam á mera determinação, mas sim ao desenvolvimento da incidência, integrando-se por isso nas normas de incidência.
15. Como tal, a norma da alínea b) do n° 1 do artigo 44° do CIRS desenvolve o alcance da norma da alínea a) do n°1 do artigo 10° do CIRS e concretiza a sua aplicação às transferências patrimoniais decorrentes de expropriações.
Ainda, a título informativo,
16. Da análise aos restantes valores declarados em sede de mais valias, no competente Anexo G da Modelo 3 de IRS, e após terem sido solicitados elementos relativos aos valores declarados, que foram remetidos, embora de forma incompleta, concluiu-se que os valores se mostrarão correios.
17. Os valores de aquisição resultam da divisão conforme escritura celebrada em 28.05.2020, na qual ao SPB foram adjudicados os artigos ..., ... e ... da freguesia ... .
18. Cumpre aqui esclarecer que no Anexo G da declaração de rendimentos foi indevidamente identificado, para a linha 4001, o artigo..., quando efetivamente se pretenderia indicar o artigo... . É que o artigo ... não pertencia ao SPB, aliás, conforme escritura que nos foi remetida, celebrada em 22.02.2021, ali consta que este SP B B... outorgou como procuradora dos legítimos proprietários daquele artigo ... .
19. Trata-se de um lapso perfeitamente identificável que não afetará a apreciação dos presentes autos.
20. Quanto ao montante de despesas e encargos indicado para o campo 4004 (14.024,84€), e após terem sido juntos os respetivos documentos comprovativos, verifica-se que se tratará da fatura/recibo n° 492 e emitida em 17.09.2021 pelo escritório de advogados do ora mandatário, no montante de 13.409,84€, referente a despesas e honorários [fls. 133]; e ainda um recibo verde eletrónico emitido em 19,08.2021 por um perito avaliador, no montante de 615,00€, relativo a «Serviços técnicos de apoio aos proprietários -expropriados prestados na qualidade de perito avaliador na expropriação da parcela PS-... - Quinta ... (…) necessária para a extensão da Linha Amarela - Santo Ovídio a Vila D'Este do sistema de Metro Ligeiro da Área Metropolitana do Porto» [fls. 134],
21. Ainda que a fatura relativa aos honorários pagos não identifique inequivocamente o(s) processo(s) a que dizem respeito (sem prejuízo de eventuais novos factos que venham afetar a nossa convicção), admite-se que estejam relacionados com o processo de expropriação, pelo que se poderá aceitar o montante invocado (14.024,84€) para os efeitos do artigo 51° do CIRS.
22. Aqui chegados, conclui-se que a mais valia identificada no campo 4004 do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, apresentada pelo ora reclamante, com referência ã expropriação do prédio rústico artigo ... {e não ao urbano... como, por lapso, se fez constar da dita declaração} encontra-se sujeita a tributação em sede de IRS.
23. Pelo que a liquidação aqui em crise não enferma de qualquer ilegalidade, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.
24. Considerando que foi analisada a situação em concreto apresentada pelo reclamante, e que a AT apenas se limitou, na presente decisão, a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, deverá, ao abrigo do disposto na alínea a) do n° 3 da Circular n° 13/99, de 08.07.1999, ser dispensada a audição prévia.
25. Com efeito, não se antevê como o exercício do direito de audição possa vir a alterar o sentido da decisão, pois, estando perante uma divergência de interpretação da letra da lei, redundaria em
ritual inócuo e meramente formal, pois, a intervenção do interessado no procedimento seria inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final.
26. O princípio da participação contido na LGT deve considerar, também, a sua ponderação com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, aplicáveis à administração tributária, nos termos do artigo 55° da LGT, e do artigo 5° do CPA, que prescreve a
'a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade".
27. Assim, atentos os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, aplicáveis à administração tributária, entende-se que a audiência prévia pode ser dispensada, nos termos da alínea e) do artigo 124° do CPA, aplicável ex vi artigo 2.° da LGT, conjugado com a referida Circular 13/99.
V. CONCLUSÃO
Considerando tudo quanto anteriormente foi exposto, propõe-se que seja TOTALMENTE INDEFERIDA a presente reclamação.
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Em 12-10-2022, os Requerentes pagaram a quantia liquidada (print que consta da página 59 do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 27-02-2023, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
Não há controvérsia sobre os factos dados com provados.
Não se provou que 0s Requerentes tenham efectuado o pagamento da quantia liquidada.
Não foi apresentado documento comprovativo do eventual pagamento e na «2.ª VIA PARA PAGAMENTO DE NOTA DE COBRANÇA DE IRS”, que consta do documento n.º 2 nada se refere nos locais destinados a certificar o pagamento.
3. Matéria de direito
A questão que é objecto do presente processo é a de saber se o valor da indemnização recebida pelo Requerente A..., relativa à expropriação por utilidade pública de um imóvel é relevante para efeito de mais valias, à face do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, que estabelece o seguinte, na redacção da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, vigente em 2021:
Artigo 10.º
Mais-valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;
Os Requerentes defendem em suma, o seguinte:
– podendo colocar-se a questão de saber se a expropriação configura uma alienação onerosa de direitos reais sobre o imóvel, a verdade é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e dos Tribunais Arbitrais têm sido consonantes ao pronunciarem-se em sentido desfavorável a semelhante entendimento;
– o conceito de “alienação onerosa” a que se refere no art. 10.º n.º 1, a), do Código do I.R.S não é substancialmente diverso do de “transmissão onerosa” a que se referia o n.º 1 do art. 1.º do Código do Imposto de Mais Valias, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência se pronunciou em termos de estar excluída a expropriação por utilidade pública;
– a expropriação por utilidade pública determina uma aquisição originária dos direitos por parte da entidade beneficiária da expropriação, no momento da consumação da expropriação (por utilidade pública), verificando-se a constituição de um novo direito na esfera jurídica da entidade expropriante;
– a justa indemnização paga por expropriação pública não pode ser considerada uma mais-valia para efeitos de tributação em sede de IRS, dado que a expropriação pública não implica a alienação / transmissão onerosa dos direitos reais sobre imóveis, mas sim a extinção desses direitos, constituindo-se, simultaneamente, novos direitos na esfera jurídica do seu beneficiário;
– e não se diga que o facto de a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Código do IRS prever que «para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: no caso de expropriação, o valor da indemnização» constitui base legal da incidência legal objetiva da justa indemnização por expropriação, pois esta norma é relativa à determinação da matéria colectável que não à incidência, pelo que a sua aplicação não respeitaria ainda o princípio da tipicidade e da legalidade;
– o legislador não prevê, no artigo 9º do CIRS, como “incremento patrimonial”, a indemnização decorrente da “expropriação por utilidade pública”, e que esta não é subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS, uma vez que não é qualificável como “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, ainda que numa interpretação extensiva;
– a AT, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT, tem um dever legal de rever as orientações genéricas sempre que «[e]xista jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, manifestada em cinco decisões transitadas em julgado no mesmo sentido, sem que existam decisões dos tribunais superiores em sentido contrário igualmente transitadas em julgado, em número superior».
No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o entendimento adoptado na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda o seguinte, em suma:
– a tributação de mais-valias decorrentes de expropriações de bens imóveis foi expressamente prevista pelo legislador na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS;
– a regra 17ª do nº 4 do artigo 12º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) vem estatuir que, para efeitos de IMT, o valor tributável dos bens expropriados por utilidade pública é o montante da indemnização e caso esta seja estabelecida por acordo, será o correspondente ao valor da indemnização ou o correspondente ao valor patrimonial tributário (VPT) do bem, consoante o que for maior;
– as expropriações não eram expressamente mencionadas nos artigos 2º e 8º do CIMSISSD (relativos à incidência da sisa), tal como ainda hoje não o são no artigo 2º - relativo à incidência do IMT - do CIMT (que sucedeu ao CIMSISSD);
– o legislador entendeu que as expropriações se subsumiam à regra geral constante quer do artigo 2º do CIMSISSD, quer do nº 1 do artigo 2º do CIMT, segundo os quais a sisa ou, respetivamente, o IMT “incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”;
– o nº 1 do artigo 11º da LGT manda aplicar à determinação do sentido das regras gerais os princípios gerais de interpretação das leis, designadamente os previstos no artigo 9.º do Código Civil;
– atendendo ao elemento sistemático, não pode deixar de se considerar que a consideração das expropriações como transmissões onerosas para efeitos de IMT não pode deixar de revestir idêntica natureza para efeitos de IRS;
– uma conclusão diferente colidiria de frente com o disposto no nº 3 artigo 9º do Código Civil, quando este presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas;
– no CIMSISSD e no CIMT a referência à expropriação surgia só no capítulo dedicado à determinação da matéria coletável;
– a não tributação de montante recebido a título indemnizatório, resultante de expropriação por utilidade pública, além, de violação flagrante ao princípio da justiça material, consubstancia uma violação frontal ao princípio da igualdade e dos princípios da capacidade contributiva e da justiça;
– estamos perante um acréscimo patrimonial, um ganho, que não é diferente do obtido através da venda;
– o peticionado sobre o artigo 68.º-A da LGT não tem cabimento no âmbito da competência material do tribunal arbitral, porquanto não está previsto quer no RJAT, quer na Portaria de Vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao CAAD.
3.1. Apreciação da questão
Como dizem os Requerentes, é unânime a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tanto na vigência do Código do Imposto de Mais Valias como na vigência do CIRS, no sentido de o valor da indemnização recebida por expropriação por utilidade pública de um imóvel não ser relevante para efeito de mais-valias, mesmo quando o seu valor é determinado por acordo.
Neste sentido, podem ver-se, na vigência do Código do Imposto de Mais Valias, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, em que se entendeu, sem suma, que sendo a expropriação uma forma de aquisição originária não se estava perante o preenchimento do conceito de «transmissão onerosa» para efeitos do artigo 1.º daquele Código ( [1] ), e «a justa indemnização paga na expropriação por utilidade pública não é um preço de aquisição mas uma justa ponderação do interesse público e do interesse do expropriado, por isso, não está abrangido pelos ganhos a que se refere o art. 1º do Código do Imposto de Mais Valias». ( [2] )
Na vigência do CIRS, o Supremo Tribunal Administrativo manteve esse entendimento, no sentido da não sujeição da IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com indemnizações por expropriações por utilidade pública, apesar da alteração do termo «transmissão» (utilizado no artigo 1.º do Código do Imposto de Mais Valias) para «alienação» (usado no artigo 10.º, n.º 1, do CIRS).
Afigura-se que esta alteração terminológica é, de facto, irrelevante, neste contexto, desde logo porque, como ensina CASTRO MENDES, o termo «alienação», «usa-se por vezes como sinónimo de transmissão, mas mais vulgarmente designa só a transmissão a título oneroso, mais particularmente contra dinheiro» ( [3] ) e a Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, que concedeu ao Governo autorização legislativa a para aprovar o CIRS, que veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, permite perceber que aquelas expressões são utilizadas como sinónimos, designadamente através do n.º 6 do seu artigo 13.º, em, que se estabelece que «não contam como rendimento do IRS as mais-valias resultantes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do próprio desde que o produto da alienação seja reinvestido na aquisição de outro imóvel ou de terreno para a construção de imóvel exclusivamente com o mesmo destino».
Por outro lado, e mais relevantemente, a mesma Lei n.º 106/88, estabelece expressamente, na alínea g), do n.º 2 do seu artigo 4.º, sobre a incidência objectiva, o seguinte:
2 – Consideram-se:
(...)
g) Mais-valias: os ganhos resultantes de transmissão onerosa de bens imóveis ou de partes sociais e outros valores mobiliários, da cessão do arrendamento e de outros direitos e bens afectos, de modo duradouro, ao exercício de actividades profissionais independentes, da transmissão onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não for o seu titular originário;
Por isso, tem de concluir-se que a Lei de autorização legislativa utilizou para definição do âmbito de incidência objectiva do IRS, quanto à categoria de «Mais-Valias», o conceito de «transmissão» que era utilizado no Código do Imposto de Mais Valias e que era interpretado como não abrangendo as situações de aquisição originária, em que se enquadra a aquisição através de expropriação por utilidade pública. ( [4] )
É certo que no CIRS veio a fazer-se, na alínea b) do n.º 1 do artigo 42.º da versão original do CIRS, uma referência ao valor de realização «no caso de expropriação», idêntica à que consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º deste Código, na redacção actual, pertinentemente invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Mas, tendo-se concluído que a referida lei de autorização legislativa não permitiu ao Governo estender o âmbito de incidência objectiva a situações de aquisição originária, como é a expropriação por utilidade pública, uma interpretação no sentido de o termo «alienação», utilizado no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do CIRS abranger situações de expropriação seria organicamente inconstitucional, pois a definição do sentido e da extensão da autorização é obrigatoriamente efectuada na lei autorizante (artigo 165.º, n.º 2, da CRP) e decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa estão subordinados às correspondentes leis de autorização (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), em matérias incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, como é a criação de impostos e definição da sua incidência [artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP].
Por isso, a única interpretação do termo «alienação» utilizado na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que é constitucionalmente admissível é no sentido de ele ter o alcance do termo «transmissão», reportando-se à aquisição derivada a título oneroso e, assim, excluindo do âmbito de incidência os ganhos obtidos através de indemnização por utilidade pública.
Esta interpretação é corroborada pelo próprio Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 442-A/88 em que se refere que houve a intenção de alargar «a tributação a ganhos não sujeitos ao actual imposto de mais-valias, tais como os gerados pela transmissão onerosa de qualquer forma de propriedade imóvel» e não a de estender a tributação a situações jurídicas que não configurassem uma «transmissão».
Os factos, invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, de tanto o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações como o Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis preverem tributação para situações de expropriação por utilidade pública não têm qualquer relevo para afastar a coerência sistemática da não tributação em IRS dos valores pagos como indemnização aos expropriados, pois aquela tributação não tem por objecto mais-valias, e esta recairecaindo sobre os adquirentes e não sobre os titulares dos bens transmitidos.
Finalmente, e ao contrário do defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a não tributação como rendimento dos valores recebidos como indemnização por expropriação por utilidade pública, não é incompatível com os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva e da justiça, antes é a solução imposta pela própria Constituição.
Quanto ao princípio da legalidade, já se referiu, em face dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1, alínea b), da CRP, que o sentido e extensão da Lei de autorização legislativa obstam ao alargamento da tributação de mais-valias às quantias recebidas a título de indemnização por expropriação por utilidade pública, para além de a interpretação correcta da lei conduzir à não tributação. Por isso, esta interpretação materializa o princípio da legalidade, em vez de o afectar.
No que concerne ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, é estabelecido pelo art. 13.º da CRP, mas este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [5] ) O mesmo sucede com o princípio da tributação com base na capacidade contributiva, que é um corolário do princípio da igualdade.
Num regime em que a tributação de mais-valias apenas ocorre quando elas são realizadas, como sucede com o IRS, os cidadãos que são obrigados a realizá-las, perdendo o direito de propriedade sobre os imóveis por força de um acto expropriativo, não estão em situação idêntica à dos cidadãos que, por sua livre vontade, decidem vender os seus imóveis, optando por realizar mais-valias em vez de manterem a sua propriedade.
Na verdade, perante este regime de tributação apenas de mais-valias realizadas, a generalidade dos cidadãos têm a faculdade de serem ou não tributados pelos aumentos patrimoniais resultantes da valorização das suas propriedades, bastando-lhe, se não querem ser tributados, absterem-se de as transmitirem e, para além disso, se decidirem realizar mais-valias, podem escolher o momento em que o fazem, podendo, designadamente, optar pelo momento em que lhes seja mais vantajoso realizá-las (por exemplo, optando por realizá-las num ano em que também realizem menos-valias que atenuem ou eliminem a tributação, que incide sobre o saldo, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRS).
Por isso, também para concretizar estes princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva, justifica-se que seja feita uma distinção, dando um tratamento fiscal mais favorável às situações em que o cidadão, por razões de interesse público, é colocado numa situação em que independentemente da sua vontade lhe é retirado o seu direito de propriedade.
Para além disso, não se pode olvidar que, relativamente à expropriação por utilidade pública vigora uma garantia constitucional específica do direito a uma «justa indemnização», assegurada pelo artigo 62.º, n.º 2, da CRP, que, para o ser, não poderá deixar de permitir ao expropriado obter um bem equivalente ao expropriado.
Na verdade, «impondo o princípio da justa indemnização que as indemnizações devidas por expropriação constituam uma compensação da desigualdade entre os cidadãos (perante os encargos públicos) determinada pela expropriação e assegurem uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado - o que se obtém pelo critério do valor de mercado do bem expropriado» ( [6] ), o valor da indemnização não pode ser fiscalmente onerado, pois, se o for, o expropriado não terá a compensação adequada da lesão patrimonial que lhe é provocada pelo acto expropriativo.
Por isso, sendo o valor da indemnização o que é justo pagar ao expropriado, a cobrança de IRS sobre o montante da indemnização ofende ainda o princípio da justa indemnização, garantida pelo artigo 62.º, n.º 2, da CRP, pois o pagamento de imposto tem como consequência o que o expropriado receberia, líquido de imposto, seria necessariamente menos do que o que é justo, o que é também incompaginável com o princípio da justiça invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Por isso, a interpretação defendida pelos Requerentes, que conduz à compensação plena do dano sofrido pelos Requerentes com a expropriação, é a que assegura o princípio da justiça.
Esta não tributação em sede de IRS é, aliás, comum à generalidade das indemnizações que visam compensar danos patrimoniais comprovados, como decorre do artigo 9.º, n.º 1, do CIRS, pelo que o que seria incompatível com o princípio da igualdade seria o tratamento fiscal mais desfavorável das indemnizações decorrentes de expropriações por utilidade pública.
Por isso, a interpretação defendida pelos Requerentes não viola a Constituição, acto antes é a por ela exigida.
Consequentemente, a liquidação impugnada e a decisão da reclamação graciosa que a manteve enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação e da decisão da reclamação graciosa que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelos Requerentes.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelos Requerentes.
4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
Os Requerentes pedem que, na sequência da anulação parcial da liquidação, sejam reembolsados da quantia indevidamente paga, com juros indemnizatórios.
No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece , que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, na sequência da ilegalidade parcial da liquidação, na parte correspondente à indemnização por expropriação e da decisão da reclamação graciosa, há lugar a reembolso do imposto pago que corresponde ao valor dessa indemnização.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
O erro que afecta a liquidação na parte respeitante à inclusão do valor da indemnização na matéria tributável é imputável aos Requerentes, pois foram eles que apresentaram a declaração com tal inclusão.
Por isso, quanto à liquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão dos Requerentes e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta situação de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção. ( [7] )
Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 28-10-2009, proferido no processo n.º 601/09;
– de 18-11-2020, proferido no processo n.º 2342/12.3BELRS;
– de 28-04-2021, proferido no processo n.º 16/10.9BELRS 0884/17;
– de 09-12-2021, proferido no processo n.º 1098/16.5BELRS;
– do Pleno de 29-06-2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB;
– de 13-07-2022, proferido no processo n.º 1693/09.9BELRS.
No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 08-11-2022 e foi indeferida em 21-12-2022, dentro do prazo legal previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, pelo que a partir desta data, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia a reembolsar.
Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 22-12-2022, a data em que o erro passou a ser imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante exacto a reembolsar, a condenação respectiva terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente a liquidação de IRS n.º com o n.º 2022..., na parte em que incluiu na matéria tributável o valor da indemnização de € 1.033.333,33;
-
Anular a decisão da reclamação graciosa;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso, quanto ao que for determinado em execução do presente acórdão;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão, e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente, em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 208.202,23, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 20-06-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Manuel Lopes da Silva Faustino)
(Jorge Belchior de Campos Laires)
[1] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 21-10-1987, processo n.º 4713, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-12-88, página 1089;
– de 06-12-1989, processo n.º 10397, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-92, página 1263;
– de 15-11-1990, processo n.º 5769, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-4-93, página 1216;
– de 17-01-1996, processo n.º 19846, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-3-1998, página 81.
[2] Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-1996, processo n.º 15056, publicado em Apêndice ao Diário da República de 04-12-1997, página 72.
[3] Teoria Geral do Direito Civil, volume I, 1978, página 165.
[4] Neste sentido, podem ver-se também OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Reais, 1970, página 171, e MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, 1979, volume II, páginas 794, 795 e 802.
[5] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
-
n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
-
n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
-
n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
-
n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
-
n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
-
n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.
[6] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 219/01, de 22-05-2001, processo n.º 730/00, que segue jurisprudência corrente.
( [7] ) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».