SUMÁRIO:
I – Numa fusão inversa os direitos e obrigações da sociedade incorporada transmitem-se para a sociedade incorporante, nos termos do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais.
II – Os gastos de financiamento incorridos antes da fusão pela sociedade incorporada são dedutíveis após a fusão na determinação do lucro tributável da sociedade incorporante, nos termos do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Mariana Vargas e João Gonçalves da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal..., com sede na rua ..., n.º ..., ...-... ... (“Requerente” ou “A...”) apresentou, em 18 de Outubro de 2022, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2022... e de Juros Compensatórios n.º 2022..., e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., referentes ao exercício de 2017, no montante total a pagar de € 223.703,09.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 20 de Outubro de 2022 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 13 de Dezembro de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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“(...) o thema decidendum nos presentes autos (...) encontra[-se] perfeitamente delimitado: saber se, no contexto de uma fusão, os gastos decorrentes de encargos assumidos pela sociedade incorporada previamente à fusão continuam a ser dedutíveis (…) ou não (…), agora na esfera da sociedade incorporante, depois da fusão produzir os seus efeitos”;
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“(...) a redacção do artigo 23.º do CIRC não possui a dimensão normativa que a Requerida lhe pretende imputar, não decorrendo da norma, designadamente, nenhuma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos como pressuposto da dedutibilidade dos primeiros”;
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“(...) os encargos foram incorridos pela B... antes da fusão ter ocorrido – devendo, assim, a sua dedutibilidade ser aferida na perspectiva daquela sociedade”;
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Acresce que, na perspectiva da Requerente, não podem “ser ignorados os efeitos próprios da fusão, que são distintos dos efeitos das operações de liquidação de sociedades: na liquidação ocorre o desaparecimento jurídico e económico da sociedade; na fusão, a sociedade incorporada continua, embora reestruturada, na sociedade resultante da fusão, quer na perspectiva da sociedade (prossecução da actividade), quer na óptica dos sócios (igual empenho naquelas actividades) – ou seja, no âmbito da fusão, há uma modificação jurídica, com continuidade económica”;
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“(...) e assim, por força dessa continuidade, os capitais alheios continuam, após a fusão, a estar aplicados na exploração, e os custos a eles inerentes continuam a ser dedutíveis”;
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Com recurso à jurisprudência arbitral, sustentou a Requerente que este tem sido o entendimento da jurisprudência maioritária dos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD;
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Aludiu ainda a Requerente à decisão arbitral proferida no processo n.º 768/2021‑T, “cujo objecto corresponde às correcções que, com a mesma fundamentação, incidiram sobre o IRC da Requerente do ano de 2016 – e que foram anuladas, com fundamento na respectiva ilicitude”;
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Concluiu a Requerente que é ilegal o entendimento da Requerida nos termos do qual “«não se considera comprovado o interesse económico ou a necessidade para o desenvolvimento da actividade, da operação que lhes está subjacente», visto que a aplicação dos capitais alheios continua, após a fusão, a subsumir-se no exercício da actividade da Requerente e para a prossecução do lucro – ou seja, os capitais alheios continuam a ser aplicados (os financiamentos continuaram) e mantêm-se afectos à exploração, agora reestruturada por efeitos legais da fusão (transmissão dos direitos e obrigações para a sociedade incorporante)”.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 2 de Janeiro de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
6. Em 6 de Fevereiro de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta, tendo-se defendido por impugnação e requerido a sua absolvição do pedido, com base nos seguintes argumentos:
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Começou a Requerida por precisar que “[a] questão a dirimir na presente acção arbitral consiste em determinar se os gastos financeiros registados na contabilidade da Requerente, no montante de €1.773.407,08, suportados com a operação de financiamento para a aquisição do seu próprio capital social, gastos que esta vem suportando em virtude e por decorrência de uma operação de fusão alavancada (merger leveraged buy-out ou merger LBO), são dedutíveis para efeitos de apuramento do resultado tributável, nos termos do art.º 23.º do CIRC”;
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De acordo com a Requerida, “não se verificam os pressupostos para aceitar a dedutibilidade fiscal dos gastos, à luz do disposto no art.º 23.º do CIRC, porquanto tais gastos não geraram directamente ou indirectamente quaisquer rendimentos, nem deles resultar beneficiada a prossecução da actividade da Requerente”;
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“Inexiste, no caso concreto, balanceamento entre os gastos suportados com os encargos financeiros e os respectivos proveitos, uma vez que o financiamento em causa teve como finalidade, destino e uso, a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade B...”;
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“A afectação do empréstimo não se prende com a actividade nem com activos detidos pela Requerente que dele é agora devedora, mas sim com as participações sociais representativas do seu capital social – que estão na posse e são activos detidos pelos seus accionistas”;
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“Os gastos em causa foram incorridos pela Requerente no âmbito de uma política de interesses do Grupo e não por motivações empresariais resultantes da sua própria actividade”;
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“O financiamento obtido junto da C... BV, que originou os encargos financeiros controvertidos, não está associado qualquer activo susceptível de produzir rendimentos para a Requerente”;
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“O propósito do procedimento de inspecção que originou a correcção controvertida não consistia em validar, ou não, a dedutibilidade fiscal dos juros em análise em períodos anteriores, na esfera da B...”;
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“Não é, em qualquer parte do RIT, mencionado que os referidos gastos eram anteriormente aceites, quando contabilizados pela B... antes da operação de fusão, e que o deixaram de ser pelo facto de se ter efectivado esta última”;
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“É sempre necessário aferir casuisticamente, em cada período económico, da pertinência dos gastos relevados fiscalmente na esfera das sociedades beneficiárias, de modo a consentir apenas aqueles que cumpram os requisitos da dedutibilidade fiscal exigidos pelo disposto pelo art.º 23.º do CIRC, os quais, reitera-se, não se verificam in casu”;
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“A fundamentação que suporta os Acórdãos arbitrais invocados pela Requerente assenta, com o devido respeito, numa construção interpretativa dos pressupostos da dedutibilidade dos gastos e perdas, enunciados no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que, além não ter adesão à realidade, vai ao arrepio da ratio deste normativo”;
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“Quanto à decisão proferida no processo arbitral n.º 768/2021-T, note-se que é invocado o Acórdão do STA n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17, que não apreciou a questão controvertida nos presentes autos”;
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Acresce que a “alegada «violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões», princípio também invocado pelo Tribunal arbitral no processo n.º 768/2021-T (…) foi totalmente rejeitad[a] pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão C- 48/2018, de 15 de Julho de 2019”;
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“à luz da jurisprudência do TJUE, o regime fiscal especial aplicável às fusões não deixa de ser neutro pelo facto de os gastos financeiros que na esfera da sociedade incorporada eram considerados dedutíveis para efeito da determinação do lucro tributável deixarem de o ser na esfera jurídica da sociedade incorporante, quando o não preenchimento do requisito da indispensabilidade, previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, é induzido pelos efeitos de uma operação de fusão inversa que, por alguma razão, é designada pela doutrina por fusão contra natura”;
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“Jurisprudência que deverá ser adoptada no caso vertente, nos termos do artigo 8.º da CRP, atento o carácter vinculativo que advém da competência do TJUE, consagrada nos Tratados, para ditar a interpretação juridicamente relevante sobre o Direito da União”;
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“Aceitar a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros em causa implica a violação da proibição da assistência financeira nos leveraged buy-outs e nas fusões alavancadas, consagrada pelo legislador no n.º 1 do art.º 322.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)”;
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Nestes termos, “[a]ceitar como válido o entendimento da Requerente resulta na derrogação do artigo 23.º do Código do IRC, pois impede que o juízo de indispensabilidade dos gastos relacionados com os elementos patrimoniais transferidos deixe de ser aferido nos períodos de tributação subsequentes à fusão”;
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Concluiu assim a Requerida que “não enferma a liquidação em apreço, nem as correcções à matéria tributável, de qualquer erro ou vício, pelo que devem manter‑se na ordem jurídica”.
7. Em 7 de Fevereiro de 2023, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que a Requerente e a Requerida exerceram, respectivamente, em 22 de Fevereiro e em 27 de Fevereiro de 2023, e no qual reiteraram os argumentos anteriormente expressos.
II. SANEAMENTO
8. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
9. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente A... é uma sociedade que se dedica à produção e comercialização de bidões metálicos especialmente destinados ao uso industrial dos sectores alimentar, encontrando-se registada com o Código de Actividade Económica (CAE) principal 25910 – Fabricação de Embalagens Metálicas Pesadas;
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A Requerente está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação e adopta um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de Novembro de cada ano e fim em 30 de Outubro do ano seguinte;
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Nos períodos anteriores a 2016, a Requerente fazia parte do perímetro de um grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades;
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O grupo societário referido na alínea anterior adoptava um período de tributação diferente do ano civil, com início em 1 de Novembro de cada ano e fim em 30 de Outubro do ano seguinte;
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A sociedade dominante do grupo referido na alínea c) da matéria de facto era a B..., LDA (“B...”);
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A B... tinha como actividade principal a prestação de serviços de assessoria empresarial, administração e gestão empresarial, incluindo serviços de consultoria e acessória técnica relacionados, entre outras com a actividade industrial e comercial de quaisquer outros recipientes ou processos de embalagens para a indústria alimentar, bem como serviços de natureza administrativa, contabilística e económica;
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A B... tinha um capital social de € 100.000,00, que era detido em partes iguais pelas seguintes sociedades residentes na Holanda: C... BV e D... BV;
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A B... adquiriu à sociedade C... BV, 333.333 acções da Requerente A..., com valor nominal de € 0,01 cada;
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Pela aquisição referida na alínea anterior foi acordado o preço total de € 12.149.443,83, tendo permanecido em dívida o montante de € 6.399.444,00;
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A B... adquiriu à sociedade D... BV, 6.666.667 acções da sociedade A..., com valor nominal de € 0,01 cada;
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A C... BV adquiriu à D... BV, um crédito de € 16.542.551,00, que esta última detinha sobre a B..., correspondente a parte do preço de aquisição das acções da A... referidas na alínea anterior;
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Em resultado das operações referidas nas alíneas h) a k), a C... BV ficou com um crédito perante a B... no valor total de € 22.941.995,00;
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Em 2012, a B... obteve da sociedade C... BV um empréstimo em forma de suprimento, no montante de 22.941.995,00€, para efeitos de dilação por 10 anos do prazo de reembolso da dívida perante esta última sociedade;
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Em 21 de Junho de 2017, realizou-se uma fusão por incorporação mediante a transferência global do património da sociedade B... (sociedade incorporada) para a Requerente A... (sociedade incorporante);
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À operação de fusão foi aplicado o regime especial de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73.º e seguintes do CIRC;
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Após a operação de fusão, a Requerente passou a ter um capital social de € 100.003,00, detido em partes iguais pelas sociedades C... BV e D... BV;
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Após a operação de fusão, o empréstimo em forma de suprimentos obtido pela sociedade B..., que é referido na alínea m), passou a integrar o passivo da Requerente A...;
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Os juros do empréstimo em forma de suprimentos foram calculados trimestralmente a uma taxa anual de 10%;
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O propósito da operação de fusão entre a B... e a A... é descrito no “Projecto de Fusão” nos seguintes termos: “É actual estratégia do grupo, a nível internacional, proceder à integração e unificação das estruturas societárias locais, com vista a obter uma redução dos custos operacionais e uma maior racionalização dos recursos utilizados, com um consequentemente aumento de produtividade e rentabilidade. É, assim, com vista à concretização destes objectivos que o Grupo E... pretende concentrar, em Portugal, o negócio e actividades desenvolvidas pela A... e pela B... numa única entidade jurídica, através de operação de fusão por incorporação daquela última na A...”;
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A Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção tributária, de natureza externa e âmbito parcial (IRC e IVA), que incidiu temporalmente sobre os exercícios de 2017 e 2018;
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No relatório de inspecção tributária (“RIT”) a AT propôs correcções aritméticas ao IRC do período de tributação de 2017;
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Na sequência do RIT a AT emitiu os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2022 ... e de Juros Compensatórios n.º 2022..., bem como a respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no montante total a pagar de € 223.703,09, com data-limite de pagamento voluntário no dia 25 de Julho de 2022;
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A Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 223.703,09 liquidada pela AT;
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Em 18 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
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Factos não provados
10. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
11. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
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Dedutibilidade dos gastos de financiamento
12. O objecto do litígio no presente processo centra-se na interpretação e aplicação dos pressupostos de dedutibilidade previstos no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC, aos gastos de financiamento referidos na alínea m) da matéria de facto, que foram deduzidos no exercício de 2017 na esfera da Requerente A... .
13. À data dos factos determinava-se, ao que aqui importa, no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC, o seguinte:
“Artigo 23.º
Gastos e perdas
1 – Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 – Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:
(…)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;”.
14. Tendo presente o disposto no referido artigo, cabe então determinar se os juros do empréstimo em forma de suprimentos foram ou não incorridos/suportados pela Requerente para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.
15. Nesta análise haverá que ter em conta que os referidos gastos se consolidaram no passivo da Requerente após a operação de fusão inversa descrita na matéria de facto, através da qual os direitos e obrigações da sociedade B... (sociedade incorporada) se transmitiram para a esfera da A... (sociedade incorporante), por força do disposto no artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais.
16. Significa isto que a apreciação do preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC, tem de ser feita através de uma análise global e integrada das operações que culminaram na constituição do empréstimo sob a forma de suprimentos e no consequente pagamento de juros na esfera da Requerente. Simplificando, a análise tem de ser feita na esfera da A... tendo também em conta o propósito anteriormente evidenciado na esfera da B..., cuja essência não se alterou em virtude da simples razão da fusão.
17. Neste exercício haverá ainda que ter em consideração que a fundamentação, expressa e contemporânea, dos actos de liquidação, que se encontra vertida no RIT, não coloca em momento algum em causa que a aquisição das participações sociais pela B... descritas nas alíneas h) a l) da matéria de facto e que resultaram na dívida descrita na alínea m) da matéria de facto, nem que a posterior transmissão da dívida para a Requerente por via da fusão inversa descrita na alínea q) da matéria de facto, tenham sido efectuadas com a finalidade principal ou uma das finalidades principais de obtenção de vantagens fiscais ilegítimas, abusivas e contrárias ao objecto ou a finalidade do direito fiscal aplicável, designadamente do regime da neutralidade fiscal. Com efeito, em momento algum do RIT a AT invocou, alternativa ou cumulativamente com o artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC, a aplicabilidade das normas antiabuso consagradas nos artigos 38.º, n.º 2, da LGT e 73.º, n.º 10, do CIRC.
18. Quer isto dizer que no RIT não foi colocada em causa a substância ou racionalidade económica das operações globalmente consideradas, incluindo a dedutibilidade dos gastos de financiamento na esfera da B... (sociedade incorporada).
19. Compreenda-se que a AT não sustentou no RIT que os juros não cumpriam o pressuposto de dedutibilidade do artigo 23.º do CIRC na esfera da B... antes de operar a fusão. Pelo contrário, a AT acaba por asseverar a este respeito que “o activo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte susceptível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações).”, ou seja, acaba por asseverar que estes gastos foram incorridos pela B... para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
20. Identicamente, a AT também não contestou que a operação de fusão foi realizada com o objectivo de reduzir custos operacionais e racionalizar os recursos utilizados, centrando o negócio e as actividades desenvolvidas em Portugal numa única entidade jurídica, com vista ao aumento da produtividade e rentabilidade. Consequentemente, este é um propósito que para a AT não é alheio à Requerente A... e que terá de ser considerado na apreciação do preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º do CIRC.
21. O que se extrai do RIT é que os gastos de juros que eram anteriormente dedutíveis na esfera da B... deixaram de o ser na esfera da Requerente após a fusão, pelo facto de “a afectação do empréstimo não se prende[r] com a actividade nem com activos detidos pela sociedade que dele é agora devedora, ou seja, a A..., mas sim com activos detidos pelos seus accionistas”.
22. Segundo a fundamentação que consta do RIT, “os gastos incorridos com o empréstimo em apreciação, não são aplicados na actividade empresarial da A..., nem garantem a obtenção por parte desta de rendimentos sujeitos a IRC. (…) Daqui resulta que os referidos gastos financeiros, não têm enquadramento na definição de custos e perdas (gastos) para efeitos de determinação do lucro tributável da A..., uma vez que ficou demonstrado que a assunção dos encargos em causa não foi determinada por motivações empresariais desta entidade, mas sim no âmbito de uma política de interesses do Grupo em que as entidades A... e B... se inserem.”.
23. Ora, a verdade é que estes gastos de financiamento não só estão abrangidos pela presunção de dedutibilidade prevista na alínea c), do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, como também preenchem os requisitos do n.º 1 deste artigo. De facto, a relação causal que se estabelece entre os custos com os juros e o interesse societário de obtenção de lucros não se esgota nem deixa de existir em virtude da fusão. É que apesar de esta operação societária implicar uma modificação jurídica das sociedades fundidas, mantém-se uma continuidade económica na prossecução da actividade comercial, que ficou incrementada numa só entidade. Assim, os gastos de financiamento que eram anteriormente dedutíveis porque “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos” continuem a sê-lo na esfera da sociedade que continua a actividade da sociedade incorporada.
24. Em bom rigor, os gastos de financiamento inicialmente assumidos e deduzidos pela sociedade incorporada podem ser essenciais para a existência e manutenção da fonte produtiva da sociedade incorporante numa óptica de racionalidade de gestão – aumento de produtividade, ganhos de eficiência, melhor gestão de recursos, etc. – conforme a AT chega a reconhecer no RIT.
25. De resto, é o próprio regime da neutralidade fiscal aplicável à operação de fusão inversa aqui em análise que reconhece a continuidade da dedução de gastos de financiamento, ao determinar no n.º 2, do artigo 75.º-A do CIRC que “Os gastos de financiamento líquidos das sociedades fundidas por estas não deduzidos, bem como a parte não utilizada do limite a que se refere o n.º 3 do artigo 67.º, podem ser considerados na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária numa operação de fusão a que seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º, até ao termo do prazo de que dispunham as sociedades fundidas, de acordo com o disposto nos n.os 2 e 3 do referido artigo 67.º”.
26. A estas mesmas conclusões chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 18 de Março de 2022, no âmbito do processo n.º 768/2021-T, que se pronunciou sobre idênticas correcções feitas à Requerente, embora quanto ao exercício de 2016. Em virtude da identidade fáctico-jurídica entre ambos os processos, em virtude da concordância com a argumentação constante do processo n.º 768/2021-T e em virtude da imposição que resulta do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil para o julgador de ter em consideração nas decisões que proferir os casos que sejam análogos de forma a assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito, transcrevem-se nesta sede as conclusões a que chegou aquele Tribunal:
“3.2. Apreciação das questões
3.2.1. Questão da necessidade de balanceamento entre gastos e rendimentos e do interesse empresarial
Antes de mais, há que esclarecer que o regime de dedutibilidade de gastos previsto no artigo 23.º do CIRC, não exige o balanceamento entre gastos e rendimentos de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Na verdade, essa alegada exigência de conexão entre gastos e rendimentos foi há muito afastada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 0779/12, em que se refere:
“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”
O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27-06-2018, proferido no processo n.º 01402/17 veio a estabilizar a jurisprudência sobre esta matéria, afirmando:
O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.
Assim, é desta perspectiva da conexão dos gastos com a actividade empresarial da B... Serviços e da A... que há que apreciar a questão da dedutibilidade para determinação do lucro tributável.
3.2.2. Questão da restrição da dedutibilidade aos juros de capitais alheios aplicados na exploração
A regra geral em matéria de dedutibilidade de gastos para determinação do lucro tributável é a de que «são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» (n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).
O n.º 2 do mesmo artigo 23.º indica vários tipos de gastos que são fiscalmente dedutíveis, entre os quais faz referência expressa à dedutibilidade «juros de capitais alheios aplicados na exploração» na alínea c) do mesmo n.º 2.
No entanto, o texto do artigo 23.º é duplamente explícito quanto à natureza meramente exemplificativa dos tipos de gastos arrolado no n.º 2, em que se refere que «consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas (...)».
A alínea c) deste n.º 2 reafirma essa natureza exemplificativa ao referir gastos «de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração...».
Assim, os tipos de gastos indicados no artigo 23.º, n.º 2, do CIRC, são meros exemplos, que poderão ter o alcance de fazer presumir a conexão entre esses os gastos e o interesse da empresa ([1]), mas não afastam a relevância para determinação do lucro tributável de «todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», como se refere no n.º 1 do mesmo artigo, isto é, todos os outros gastos que satisfaçam o teste geral de serem realizados no interesse da empresa, desde que estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.
Por isso, a alínea c) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC não obsta à dedutibilidade dos encargos financeiros em causa.
De qualquer modo, é inequívoco que as despesas de financiamento em causa eram fiscalmente dedutíveis pela B... Serviços, por se tratar de capitais aplicados na sua exploração, isto é, na sua actividade visando a obtenção de lucros, o que é expressamente aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao disse que «consabidamente, o activo financeiro consistente numa participação social representa, como regra, uma fonte susceptível de produzir rendimentos tributáveis (dividendos em face da distribuição de lucros pela empresa participada, mais-valias em face da alienação das participações)». (página 32 do Relatório da Inspecção Tributária).
De resto, os encargos financeiros são mesmo um dos custos fiscais típicos elencados no n.º 2 do transcrito artigo 23.º, não havendo qualquer obstáculo a que esses encargos respeitem a financiamentos utilizados na formação ou estruturação de grupos económicos, pois trata-se de actividades que se inserem na gestão empresarial e, por vezes, são mesmo essenciais à subsistência das empresas, num mundo económico globalizado, em que a maior dimensão, com as correspondentes economias de escala, proporciona melhores possibilidades de obtenção de lucros ou é mesmo imprescindível para que eles sejam obtidos.
Sendo assim, os gastos com o financiamento utilizado pela B... Serviços na aquisição das acções da A... eram dedutíveis na esfera daquela, pois esse financiamento visou obter uma fonte susceptível de produzir rendimentos tributáveis, como reconhece a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Como se diz no acórdão arbitral de 19-05-2017, proferido no processo n.º 537/2016, com a fusão «não ocorre um desvio do financiamento, num intuito abusivo, no sentido que serve-se agora o favorecimento de interesses extra empresariais, p. ex., em benefício de um sócio».
A dedutibilidade fiscal dos encargos decorrentes do financiamento manteve-se, após a fusão, na esfera da A..., pois a fusão implica a transmissão global para a incorporante de todos os direitos e obrigações da incorporada, por força do disposto no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, e, por isso, transmitiu-se também o direito à dedutibilidade dos encargos financeiros que esta sociedade detinha.
Por outro lado, o apuramento da dedutibilidade de encargos, entendido como aferição da sua realização no interesse empresarial, tem de fazer-se tendo em conta o facto que lhes dá origem.
Na verdade, como se refere no mesmo acórdão arbitral:
Suponhamos que uma empresa X compra uma máquina de valor elevado para prosseguir uma nova actividade – e financia-se junto da Banca para a comprar e que pagará 100 mil euros de juros durante 10 anos (e no final terá de amortizar o capital). Imagine-se agora que a empresa conclui, no final do 4º ano, que essa actividade não é rentável, pois não há mercado para os produtos produzidos pela máquina, pelo que decide abandonar a produção e a máquina é desligada e “abandonada”. Claro que terá de continuar a pagar os juros anuais de 100 mil euros. Mas será que esses juros, a partir do 5º ano, não serão dedutíveis ao rendimento fiscal, por se advogar que não são aplicados na exploração ou que não são indispensáveis para os proveitos ou manutenção da fonte produtora?
Ora, aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objecto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento. Os encargos financeiros continuam a ser dedutíveis, ainda que o investimento se tenha gorado ou se tenha revelado como um mau negócio ou uma decisão empresarial infrutífera – pois, e é isso que importa, os capitais alheios estiveram ligados a um investimento que no momento inicial foi aplicado na exploração.
E se isto é assim, independentemente da ocorrência de qualquer fusão (mas no desinvestimento económico), sê-lo-á ainda com mais propriedade em caso de fusão, em que, como se viu, não há uma decisão subjectiva de qualquer desinvestimento, mas apenas a objectiva transmissão de direitos e obrigações, por efeito legal desse instituto do direito comercial.
Assim, assente que os encargos com o financiamento eram fiscalmente dedutíveis, para efeitos de IRC, na esfera da B... Serviços, com a sua fusão por incorporação transmitiu-se para a A... esse direito a deduzi-los, por força do disposto no artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.
A subsistência do direito a deduzir os encargos de financiamento da sociedade incorporada explica-se também pela realidade económica subjacente à fusão por incorporação, que o Supremo Tribunal Administrativo explica no acórdão de 13-04-2005, processo n.º 01265/04, citado pela Requerente:
«A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA (...) – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão».
Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.
Por outro lado, está-se perante uma fusão a que é aplicável o princípio da neutralidade (como se refere no Relatório da Inspecção Tributária) e o entendimento referido é o que se compagina com esse princípio, previsto, em primeira linha, na Directiva 2009/133/CE do Conselho de 19 de Outubro de 2009, que se reconduz a que «essas operações não deverão ser entravadas por restrições, desvantagens ou distorções resultantes em particular das disposições fiscais dos Estados-Membros» (Considerando 2), mas que é também um princípio de direito interno, enunciado no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-04-2005, proferido no processo n.º 01265/04, e no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10, também invocado pela Requerente.
Deixando «de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Directiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único», como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-01-2019, proferido no processo n.º 02176/15.3BEPRT 0915/17 ([2] ), em que considerou ser uma «consistente motivação» a fundamentação da decisão que aí era objecto de recurso, que sintetizou nestes termos:
Em suma, sentença analisou a questão da dedutibilidade dos referidos custos à luz da fundamentação que alicerçava as impugnadas correcções, tendo julgado que os encargos assumidos pela sociedade incorporada e que por força da fusão passaram a ser suportados pela sociedade incorporante podiam relevar como custo fiscal para a determinação da matéria colectável desta, porquanto o momento temporal para aferir da sua admissibilidade é determinado pelo instante em que são gerados e não pelo momento em que são suportados; e visto que a incorporada tinha o direito de os relevar na sua matéria tributável, esse direito persistia, ope legis, na esfera jurídica da incorporante, sendo que entendimento diverso redundaria na violação do princípio comunitário da neutralidade fiscal das fusões.
Assim, na linha desta jurisprudência, a questão da dedutibilidade tem de ser apreciada não em face da conexão do financiamento com o interesse empresarial da incorporante, mas sim da transmissão para esta de todos os direitos da incorporada, determinada pelo artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, inclusivamente o direito a dedução dos encargos com financiamento de longo prazo, que é exigida pelo princípio de direito europeu e direito nacional da neutralidade das fusões.
Trata-se de um regime especial de dedutibilidade de encargos que, por ser exigência de um princípio de Direito da União Europeia, se sobrepõe às normas de direito interno, inclusivamente ao artigo 23.º do CIRC, por força do preceituado no n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
Para além disso, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 73.º a 75.º da sua Resposta, o regime de dedução de encargos propugnado pela Requerente tem expresso apoio no artigo 75.º-A, n.º 2, do CIRC, que estabelece o seguinte:
Artigo 75.º-A
Transmissão dos benefícios fiscais e da dedutibilidade de gastos de financiamento
2 – Os gastos de financiamento líquidos das sociedades fundidas por estas não deduzidos, bem como a parte não utilizada do limite a que se refere o n.º 3 do artigo 67.º, podem ser considerados na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária numa operação de fusão a que seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º, até ao termo do prazo de que dispunham as sociedades fundidas, de acordo com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 67.º
Assim, a transmissibilidade para a sociedade incorporante do direito que a sociedade incorporada tinha a deduzir gastos de financiamento líquidos não deduzidos, não é uma distorção do princípio da neutralidade, antes é um dos direitos previstos para o concretizar.
E, por ser este um regime especial sobre a dedutibilidade de gastos, ele prevalece, no seu específico campo de aplicação, sobre as regras gerais do artigo 23.º do CIRC.
Assim, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de erro de interpretação do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do CIRC, que constitui vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito que justifica a sua anulação.”
27. Em face de tudo o exposto, conclui-se que a Requerente tinha efectivamente direito a deduzir na determinação do lucro tributável os gastos de financiamento anteriormente evidenciados, na medida em que os mesmos cumpriam os critérios estabelecidos para o efeito no artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC.
28. Por conseguinte, julgam-se ilegais os actos de liquidação contestados nos presentes autos, impondo-se a respectiva anulação em conformidade.
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Reembolso do imposto e juros indemnizatórios
29. No pedido arbitral que formulou a Requerente solicitou ainda o reembolso do imposto indevidamente pago, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos conjugados dos artigos 137.º, n.º 6 do CIRC, 61.º do CPPT, 43.º e 100.º da LGT.
30. Uma vez que se julgaram ilegais e que se determinou a anulação dos actos de liquidação emitidos pela AT, impõe-se a devolução à Requerente do montante de € 223.703,09 que foi indevidamente pago, em conformidade com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
31. No que respeita aos juros indemnizatórios, estes apenas são devidos na medida em que se verifique um “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
32. Conforme acima se verificou, a ilegalidade dos actos de liquidação contestados nos presentes autos deveu-se a erro de direito exclusivamente imputável à AT, que procedeu a uma errada interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC. Assim sendo, são devidos juros indemnizatórios à Requerente desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente;
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Condenar a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago no montante de € 223.703,09;
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Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 223.703,09.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Julho de 2023
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
O Árbitro Adjunto,
Mariana Vargas
O Árbitro Adjunto,
João Gonçalves da Silva