SUMÁRIO:
Ocorre inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto tributário impugnado no pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Júlio Tormenta e Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em ..., Alemanha (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em 28 de Novembro de 2022, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do n.º 2 do artigo 5.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., relativo ao ano de 2021, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor total de € 251.288,04.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 30 de Novembro de 2022 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 19 de Janeiro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. No pedido de pronúncia arbitral sustentou o Requerente, em síntese, que a AT tributou ilegalmente, à taxa de 28% prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, a totalidade da mais-valia apurada, no valor de € 1.191.666,67, com a alienação da sua quota parte do Imóvel sito em Portugal, correspondente ao artigo matricial ..., situado na freguesia de ..., Cascais, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número ... . Ilegalidade esta que, de acordo com o Requerente, se deveu ao facto de não ter sido aplicado o regime previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS para os residentes fiscais em Portugal, que apenas considera para efeitos de tributação em 50% o saldo das mais-valias apuradas. No entender da Requerente, o regime jurídico descrito que fundamenta a liquidação de IRS implica uma restrição à livre circulação de capitais, incompatível com o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, razão pela qual se impunha a anulação da liquidação contestada e o reembolso da quantia indevidamente paga de € 125.644.02.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 6 de Fevereiro de 2023.
6. Na data da constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida apresentou requerimento, no qual mencionou que “(…) por despacho de 29/01/2023 da Senhora Subdiretora-Geral da DIRS, Dr.ª..., foi revogado o ato tributário impugnado, nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direção de Serviços do IRS.
Em face do exposto, solicita-se que o CAAD notifique a Requerente para declarar se pretende a extinção da instância.”.
7. Em 7 de Fevereiro de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se notificou o Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, bem como para declarar se mantinha interesse na manutenção da instância ou, pelo contrário, nada tinha a opor à sua extinção.
8. Em 16 de Maio de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foi fixado o dia 7 de Agosto de 2023 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.
9. Em 6 de Junho de 2023, o Requerente apresentou requerimento no qual veio “(…) declarar que não mantém interesse na manutenção da instância, nada tendo a opor à sua extinção, o que se requer nos termos e para os efeitos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, tudo com as legais consequências.”.
II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades. O pedido de extinção da instância será apreciado na matéria de Direito.
III. MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
11. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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Foi emitido pela AT o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., relativo ao ano de 2021, nos termos da qual se apurou imposto a pagar pelo Requerente no valor total de € 251.288,04;
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O acto de liquidação referido na alínea anterior tributou a totalidade do saldo da mais‑valia apurada com a alienação da quota parte do Requerente no Imóvel sito em Portugal, correspondente ao artigo matricial ..., situado na freguesia de ..., Cascais, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número ...;
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Em 30 de Novembro de 2022, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à AT a informar da entrada do pedido de constituição de tribunal arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído;
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Em 6 de Dezembro de 2022, os serviços tributários da AT foram notificados da apresentação do pedido arbitral, tendo a notificação sido confirmada por …;
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Por despacho de 29 de Janeiro de 2023, foi revogado o acto de liquidação de IRS n.º 2022...;
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Em 6 de Fevereiro de 2023, foi constituído o Tribunal Arbitral;
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A AT apenas deu conhecimento da revogação do acto mediante requerimento no processo arbitral em 6 de Fevereiro de 2023, após a constituição do Tribunal Arbitral.
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Factos não provados
12. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
13. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
14. Nos presentes autos o acto tributário objecto de contestação foi revogado pela AT, que apenas deu conhecimento de tal facto ao Requerente e ao CAAD após a constituição do Tribunal Arbitral. Perante esta revogação, a AT requereu que fosse determinada a extinção da instância, com a qual o Requerente concordou por não ter interesse na sua manutenção.
15. Por conseguinte, carece de sentido útil nesta fase a manutenção da lide para apreciação de um pedido que tem por objecto um acto que foi já revogado pela AT e relativamente ao qual o Requerente já obteve a plena satisfação dos efeitos pretendidos.
16. Quanto a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
17. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
18. Perante o exposto, julga este Tribunal procedente a inutilidade superveniente da lide relativamente à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, isto é, à legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar extinta a instância;
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Absolver a Requerida da instância; e
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 125.644.02.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do tribunal arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Julho de 2023
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
O Árbitro Adjunto,
Júlio Tormenta
A Árbitra Adjunta,
Adelaide Moura