Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 636/2022-T
Data da decisão: 2023-03-10   
Valor do pedido: € 48.916.208,00
Tema: Imposto de selo da verba 17.3.4 da Tabela Geral- compatibilidade com a proibição de cobrança de impostos indiretos sobre as operações de reunião de capitais, salvo o imposto sobre entradas de capitais previsto na Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 18/2/2007, quando aplicado às comissões cobradas pela colocação de títulos negociáveis-legitimidade processual.
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Sumário:

1-Para efeitos da proibição da cobrança de impostos indiretos sobre operações de reunião de capitais prevista no nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, de 12/2/2007, consideram-se reunião de capitais as entradas de capital e os empréstimos ou prestações de serviços, efetuadas no âmbito das entradas de capital.

2-No caso de imposto de selo da verba 17.3.4. da Tabela Geral ter sido cobrado através de repercussão legal pelo intermediário financeiro à entidade emitente que assim suportou o respetivo encargo económico, apenas esta pode beneficiar da restituição do imposto com fundamento na alegada violação dessa Diretiva. 

 

DECISÃO ARBITRAL

                                                          

I – Relatório

 

  1. Requerente

 

A..., S.A., com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º , ...-... Lisboa, doravante designado por a Requerente.

 

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

 

Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral

 

3.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 24/10/22 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Banco Requerente optado pela não designação de árbitro

 

3.2.A 22/11/ 2022, a Requerida indicou como sua representante processual a jurista Carla Pereirinha.

 

3.3. Despacho de 16/12/2022 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou para árbitro presidente o prof Nuno Cunha Rodrigues e para árbitros vogais os juristas José Joaquim Sampaio Nora e António Barros Lima Guerreiro; 

 

3.4 A 3/1/2023; o Presidente do CAAD, nos termos do nº 7 do art. 11º do RJAT, comunicaria às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

 

3.5. A 3/2 /2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar aos autos o processo administrativo (PA);

 

3.6- A 6/2/2023, o CAAD notificaria a Requerente da Resposta da AT e da junção do PA.

 

3.7- A 7/2/2023, o Presidente do Tribunal Arbitral despacharia, com fundamento nos princípios de celeridade, simplificação e informalidade que regem o processo arbitral, no sentido de dispensar a reunião prevista no art. 18º do RJAT, bem como a produção de alegações, e estabelecer como data limite da decisão 8/3/2023.

 

3.8- A 13/2/2023, a Requerente juntaria aos autos documentação relativa ao processo arbitral 2008/2021- T que corre no CAAD e originaria o reenvio prejudicial para o TJUE no proc. C-335/22, em que se discutiria questão idêntica à controvertida nos presentes autos, e requereria, invocando os princípios da igualdade e da justiça, a produção de alegações ou alternativamente a suspensão do processo até à decisão do reenvio prejudicial do proc. C-335/22.  

 

3.9. Na mesma data, o presidente do Tribunal Arbitral, nos termos do art. 120º do CPPT, aplicável “ex vi” da alínea c) do nº 1 do art. 29º do RJAT, marcaria a apresentação de alegações simultâneas no prazo de 10 dias.

 

3.10- A 16/2/2023, a Requerente solicitaria, dada a complexidade das matérias envolvidas, a ampliação desse prazo para 30 dias.

 

3.11. Na mesma data, o Presidente do Tribunal Arbitral, invocando a autonomia processual consagrada na alínea c) do art. 16º do RJAT, ampliaria o prazo das alegações sucessivas para 20 dias, contados desde 13/2/2023, remetendo a decisão sobre o pedido de reenvio prejudicial para o momento oportuno

 

3.12.A Requerente alegou a 8/3/2023.e a Requerida alegou a 9/3/2023.

 

4. Pedido

 

A Requerente pretende a anulação:

 

i) Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., de 11/7/2022, da autoria do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes (UGC), por subdelegação de competências

                

(ii) Mediatamente, das liquidações de imposto de selo objeto dessa reclamação graciosa, realizadas através das Guias Mensais de Pagamento n.º..., n.º ..., n.º..., n.º ..., n.º ..., n.º ..., n.º ... e n.º ... e da Declarações Mensais de imposto de selo n.º..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ... e n.º..., nas quais foi indevidamente liquidado e pago imposto de selo de € 489.162,08 sobre comissões de colocação de valores mobiliários.

 

Requer ainda o reembolso do imposto indevidamente liquidado, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, contabilizados desde a prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa até esse reembolso se efetuar

5. Saneamento

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas.

Não foram invocadas quaisquer nulidades ou anulabilidades de que o Tribunal deva conhecer de imediato.

 

 

6  a).Posição do Requerente

 

Para a Requerente, a verba 17.3.4. da Tabela Geral deve ser objeto de uma interpretação restritiva que a compatibilize com a proibição da alínea b) do nº 1 do artº. 5º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, e o  seu efeito direto.

 

A fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa de que a proibição dessa norma só compreenderia as entidades que procedessem diretamente à colocação no mercado de valores mobiliários, sem recurso a intermediários financeiros, violaria, não apenas a sua letra, como o seu espírito, expresso a 2) e 3) do Preâmbulo dessa Diretiva, de acordo com os quais, respetivamente os impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais, o mesmo se aplicando a outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos, e consequentemente, ser do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indiretos que incidam sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, fatores suscetíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais

 

Caso fosse seguido o entendimento sustentado pela AT no presente processo arbitral, os Estados-membros deixariam de ter qualquer efetiva obrigação de isentar de imposto de selo as prestações de serviços efetuadas no âmbito das entradas de capitais para qualquer das sociedades de capitais elencadas no Anexo I dessa Diretiva

 

 A proibição passaria a abranger apenas, quando muito, a emissão “stricto sensu” e a entrada em circulação dos títulos, incluindo formalidades diretamente conexas com tais operações, como, entre outras, o registo da emissão dos valores mobiliários no livro de registo, o registo dos titulares das eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pelas sociedades.

 

Segundo a Requerente não seria sequer legalmente possível a colocação de valores mobiliários por oferta pública sem recurso a um intermediário financeiro, por incompatível com o art. 113º do Código dos Valores Mobiliários (CVM).

 

Adicionalmente, conforme decorreria do chamado princípio da exclusividade consagrado no nº 2 do art. 8º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICS), aprovado pelo art. 1º do DL nº 298/92, de 31/122, a participação “em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos” prevista na alínea f) do nº 1 do art. 4º, apenas poderia ser exercida pelas instituições de crédito e pelas sociedades financeiras a operar em Portugal, não podendo, assim, as operações de reunião de capitais por oferta pública ser, segundo a Requerente, realizadas diretamente pela entidade emissora.

 

Assim, é facto assente que, “ nos casos previstos no art 113.º do CVM, não estamos perante um ato facultativo, ou um ‘luxo’, a que as Emitentes se deram ao contratar um intermediário financeiro para proceder à colocação dos valores mobiliários, pois é uma operação obrigatoriamente intermediada por intermediário financeiro”.

 

Mas, mesmo nas operações onde a intermediação financeira é facultativa, entende a Requerente que “a aplicação da Diretiva 2008/7/CE impede a aplicação de imposto de selo sobre as comissões de colocação, até porque estamos perante operações de financiamento complexas em que não é suposto os emitentes atuarem sozinhos no mercado, sob pena de tornar inexequível a reunião de capitais pretendida. Por motivos óbvios, não é essa, sequer, a prática dos mercados financeiros, havendo nestas operações sempre a intervenção de um intermediário financeiro”.

 

Ainda que subsistissem dúvidas, impor-se-ia, para a Requerente, a suspensão da presente instância e a submissão das questões à apreciação do TJUE, nos termos da alínea a), primeiro parágrafo, do art. 267º do TFUE.

 

 

6 b ) – Posição da Requerida

 

 

A Requerida começa por suscitar a questão prévia da não coincidência dos montantes das faturas, Guias Mensais de pagamento e Declarações Mensais de imposto e os valores cujo reembolso a Requerente peticiona nos seguintes termos:

 

a) Fatura ZBF 1/0090003807, € 769,24, com valor reclamado € 634,06 e valor na declaração n.º ... de € 635,68;

 

b) Fatura ZBF 1/0090003979, € 865,38, com valor reclamado € 734,37 e valor na declaração n.º ... de € 737,06;

 

c) Fatura ZBF 1/0090004180, € 423,08, com valor reclamado € 358,94 e valor na declaração n.º ... de 358,24;

 

d) Fatura ZBF 1/0090004201, € 5.054,14, com valor reclamado € 5.054,14 e valor na declaração n.º ... (e não na declaração n.º 47520) de € 5.005,16;

 

e) Fatura ZBF 1/0090004282, € 7.211,54, com valor reclamado € 6.215,77 e igual valor na declaração n.º...;

 

f) Fatura ZBF 1/0090004413, € € 7.788,46, com valor reclamado € 6.908,95 e valor na declaração n.º ... de € 6.905,89.

 

Assim, caso vier a ser procedente o presente pedido de pronúncia apenas pode ser considerado para efeitos de eventual reembolso do imposto, o montante total de €489.109,34, em conformidade com o valor declarado e pago pelo Requerente, e não o montante superior de €489.162,08 constante do pedido de pronúncia arbitral.

 

Sustenta também a Requerida a legalidade da fundamentação do indeferimento impugnado, uma vez que, em sua opinião, a proibição da alínea b) do nº 1 do nº. 5º da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, e o seu efeito direto, apenas se dirigirem à colocação de valores mobiliários efetuada  pelo próprio emitente e  não por  terceiros, intermediários financeiros.

 

Cita para esse efeito a seguinte passagem da Decisão Arbitral nº 853/2019-T:

 

“Em Portugal, a possibilidade de uma sociedade comercial proceder à emissão de obrigações encontra-se prevista no quadro do artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), sendo a emissão de papel comercial disciplinada pelo DL n.° 69/2004, de 25 /3 – que regula a disciplina aplicável aos valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial - na versão resultante do DL n.° 29/2014, de 25/2.

 

O enquadramento fiscal do papel comercial, em sede de IRS e IRC, encontra-se previsto Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários, publicado pelo DL n.° 193/2005, de 7/12, e alterado pela Lei n.° 83/2013, de 9/12. Tudo isto permite concluir ser legítimo, a qualquer sociedade comercial, recorrer à emissão de obrigações ou papel comercial como forma de financiamento, não estando estas operações sujeitas a imposto de selo, como resulta - de forma clara e inequívoca, reitere-se - quer da Diretiva, quer da Tabela Geral de Imposto de selo (atendendo à não incidência).

                             

Face ao exposto, a Requerente não se encontrava - nem se encontra - impedida de proceder diretamente à emissão de papel comercial beneficiando, nesse caso, da não-tributação em sede de imposto de selo.

 

Caso a Requerente optasse por proceder diretamente à emissão de obrigações beneficiaria da isenção não apenas sobre a emissão, stricto sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo; o registo dos titulares das obrigações; eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade.

 

A parte final do nº 2 do art. 5.º da Diretiva 2008/7/CE corrobora, aliás, este entendimento quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público (que pode ser mais ou menos restrita).»

 

Mais recentemente, cita a Requerida, a decisão arbitral proferida no processo 574/2021-T, diz, em sentido idêntico:

 

«(…) a Diretiva visa é isentar os próprios, não os terceiros que prestam serviços aos próprios emitentes, e menos ainda quando o que está em causa são fluxos out bound. A admitir-se o alastrar da isenção, então poderiam reclamar idêntico tratamento não apenas os intermediários financeiros obrigados a pagamento do Imposto do Selo por serviços prestados a propósito da emissão, mas também os obrigados a pagamento de qualquer outro imposto indireto suportado em última instância pelos emitentes de dívida – por exemplo, por serviços de aconselhamento jurídico ou económico, de publicitação/marketing da colocação de títulos, de design dos títulos físicos ou dos materiais promocionais, etc. – e onde quer que os interessados na emissão tivessem a sua sede (ie, qualquer que fosse a soberania tributária a ter em conta para a operação de financiamento).

 

Note-se aliás que a alínea e) do n.º 1 do art- 6.º da Diretiva 2008/7/CE permite expressamente aos Estados-membros a derrogação da proibição de impostos indiretos quando estes tenham “carácter remuneratório”. Ou seja, na verdade, quando se configurem como “taxas”, ie, quando constituam contraprestação de um bem ou serviço Ora, se a própria imposição tributária que se traduz na remuneração direta de um serviço é legítima, por maioria de razão a será a imposição tributária que incide, de forma indireta, sobre a prestação de um serviço por parte de um terceiro”

 

II. Fundamentação .

1-Factos provados.

 

1-A Requerente está integrada no grupo dos contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, nos termos previstos no artº. 68.º-B da LGT, cujo acompanhamento permanente e gestão tributária competem à Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), de acordo com o disposto no Anexo I do Despacho da Diretora-Geral da AT n.º 977/2019, de 28/1, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 19, Parte C, de 28/172019.

 

2-A Requerente é um banco de investimento que opera em Portugal desde 1983, tendo sido constituída, originalmente, como Sociedade de Investimentos sob a denominação de “B..., S.A.R.L.”.

 

3-Em 1986, a Requerente seria integrada no Grupo C..., com a designação de “D..., S.A.”.

 

4- A Requerente, então “D..., S.A.”, seria transformada no “E..., S.A.” e autorizada a constituir-se e iniciar a sua atividade como Banco de Investimento, através da Portaria n.º 366/92, de 23/11, publicada no Diário da República - II Série - n.° 279, de 3/12. Mais tarde, passaria a designar-se por “F..., S.A.”(F...), desenvolvendo a sua atividade no âmbito do conglomerado financeiro encabeçado pelo G..., S.A, que detinha a maioria do seu capital.

5- Segundo comunicado do Banco de Portugal da mesma data o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou, a 3/8/2014, aplicar ao G..., S.A. uma medida de resolução. A generalidade da atividade e do património do G..., S.A. seria, assim, transferida, de forma imediata e definitiva, para o H..., devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos. Os depósitos seriam plenamente preservados, bem como todas as obrigações não subordinadas”.,

6- Na sequência dessa medida, também segundo comunicado do Banco de Portugal da mesma data, deste vez 7/9/2015, o “I...”, banco de investimento de direito chinês, adquiriu a totalidade do capital social do “F..., S.A.”, tendo a denominação social do Banco sido alterada de F... para “A..., S.A.”, o ora Banco Requerente.

7-No presente, a Requerente opera através da sua sede em Lisboa, bem como de sucursais e subsidiárias no estrangeiro, possuindo todas as indispensáveis licenças e autorizações das autoridades portuguesas, bancos centrais e demais agentes reguladores, para operar em Portugal e nos países onde atua.

 

8-A Requerente tem como objeto social “o exercício da atividade bancária, compreendendo todas as operações permitidas aos bancos, nos termos previstos por lei (…) [e] a aquisição de participações em sociedades com objeto diferente”, sendo uma instituição de crédito regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, licenciada como Banco pelo Banco de Portugal, com o código de IF 47, e registada como intermediário financeiro junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários(CMVM), com o número de registo 108 (ver  informação pública disponibilizada pelo Banco de Portugal e pela CMVM, bem como na certidão permanente com o código ...)”.

 

9-No âmbito da sua atividade, no período a que se reporta o presente pedido, a Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de colocação de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (obrigações, papel comercial e outros valores mobiliários que a Requerente optou por não identificar), mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes.

 

10-Em concreto, durante o período em causa, entre 1/1/2020 e 31/12/2021, a Requerente prestou serviços de colocação no mercado  de valores mobiliários  às seguintes sociedades comerciais de direito estrangeiro, todas emitentes desses valores mobiliários: (i) J…Ltd; (ii) K… Limited; (iii) L… Limited; (iv) M… Limited; (v) N… Limited; (vi) O… Co., Ltd; (vii) P…; (viii) Q… Ltd; (ix) R..., Ltd.; (x) S…; (xi) T..., Ltd; (xii) U… Limited.; (xiii) V… Limited; (xiv) W…. Ltd.; (xv) X…; (xvi) Y... Ltd; (xvii) Z… Co.,(xviii) AA... Ltd. .Apenas nos casos mencionados a iv) e  vii), a colocação foi com tomada firme.

 

11- No âmbito destes serviços de colocação a Requerente obrigou-se perante essas sociedades a desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários por estas emitidos (obrigações, papel comercial), recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, e podendo, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com a emitente ou o alienante. Esses serviços não compreendem a emissão de valores mobiliários, mas apenas diligências preparatórias visando a sua subscrição.

 

12 -Entre as mencionadas datas, a Requerente cobrou às sociedades emitentes, como consta da faturação junta ao processo que integra os Docs. nºs 16º a 35 anexos à Petição Inicial(PI), entre outras comissões, comissões de colocação de títulos negociáveis e sobre estas liquidou e também cobrou o imposto de selo da verba 17.3.4 da Tabela Geral  à taxa de 4%,, no valor total de € 489.162,08, dos quais € 428.403,19 respeitaram a 2020 e €  60.758,89 a 2021.

 

13- As faturas em que foi liquidado imposto de selo, emitidas na forma legal, mencionam as operações em causa o IVA não ser devido não estarem abrangidas pela incidência do IVA prevista no na alínea a) do nº 6 do artº. 6º do CIVA, por os emitentes  dos títulos não residirem em território nacional.

 

14-O Quadro anexo ao art. 23º da Petição Inicial (PI) relaciona o montante das comissões de colocação cobradas, o imposto de selo que a Requerente considera indevidamente ter autoliquidado e a data de entrega das guias de pagamento ou declarações mensais de pagamento de imposto de selo.

 

15- No Quadro anexo ao art. 24º da PI a Requerente relaciona, através da identificação dos emitentes, as emissões abrangidas, ao nº das faturas dos serviços prestados e o tipo de oferta pública ou privada em que cada emissão se integra.

 

16 – Relativamente às faturas emitidas à L... Limited, a que se referem os Docs. 18 e 19, , a Requerente esclareceria que a emitente das obrigações é a entidade BB... Group a que se refere o Doc. nº 38 anexo à PI, o que se deve ao facto de tais  emissões de obrigações terem sido coordenadas pelo intermediário financeiro L.. Limited e ter ficado acordado que o banco  Requerente  faturaria uma parte da sua comissão de colocação a essa entidade, que, por sua vez, imputaria todos os custos ao emitente.

 

17- A Requerente não juntou ao processo os contratos de comercialização ao abrigo do qual esses serviços foram prestados, não constando do presente processo arbitral que tais faturas tenham sido objeto de qualquer retificação.     

 

18- A 22/4/2022, nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT, a Requerente reclamaria junto da UGC as autoliquidações efetuadas, reclamação que seria indeferida pelo referido despacho do Chefe de Divisão da Justiça Tributária a 11/7/2022.

 

19- Posteriormente, a 19/5/2022, no processo arbitral n.º 208/2021-T, interposto pela Requerente do presente processo arbitral, A..., SA, relativamente a factos  idênticos aos alegados por esta na PI, mas abrangendo o período entre 1/9 e 31/12/2008, foi, a 19/5/2022, entendido  promover o reenvio prejudicial nos termos do mencionado artº. 267º do TFUE, para que o TJUE se pronunciasse sobre as seguintes  questões:

1) A alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, do Conselho, de 12/2, pode ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação em imposto do selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – emitidos por diversas sociedades comerciais, compreendendo tais serviços a obrigação de o Requerente desenvolver os seus melhores esforços, identificando e contactando os investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?

2) A resposta à primeira questão difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou apenas facultativa?

20- Esse reenvio prejudicial originaria no TJUE o proc. C-335/2022.  

21-Logo a seguir, a 23/5/2022, no âmbito do proc. arbitral nº 574/2021-T, interposto pelo mesmo Requerente relativamente a fatos de natureza idêntica mas abrangendo o período de tributação entre 1/1 e 31/12/2019,  foi entendido em sentido oposto, de que a alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, não  pode ser interpretada no sentido de que se opõe à tributação em imposto do selo de comissões por serviços de intermediação financeira prestados por um Banco relativos à colocação em mercado de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial , seja a prestação desses serviços financeiros obrigatória ou facultativa, não tendo o Tribunal Arbitral, aplicando a conhecida teoria do ato claro,   procedido ao reenvio prejudicial por entender que a resposta à questão não suscitaria qualquer dúvida. 

22- A 20/6/2022, o CAAD, no âmbito do proc. 646/2021-T entendeu proceder a novo reenvio prejudicial para o TJUE para que se pronunciasse sobre as seguintes questões:

-  Devem as operações de (i) oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações ser consideradas como ‘operações globais’ na aceção da jurisprudência do TJUE resultante dos procs.  C-299/13 e A C-573/16?

 

- A expressão formalidades conexas a que se refere a alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços de intermediação financeira contratados acessoriamente às operações (i) de oferta para aquisição em dinheiro de obrigações, (ii) de emissão de obrigações e (iii) de oferta pública de subscrição de ações?

 

A mesma norma pode ser interpretada no sentido de que se opõe à tributação em imposto do selo de comissões cobradas por serviços de intermediação financeira, prestados por um Banco, relativos (i) à recompra de instrumentos de dívida, (ii) à emissão e colocação em mercado de títulos negociáveis e (iii) ao aumento de capital por subscrição pública das ações emitidas, compreendendo tais serviços a obrigação de serem identificados e contactados investidores, de modo a distribuir os valores mobiliários, receber ordens de subscrição ou de aquisição e, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta?

 

A resposta às questões enunciadas nos pontos anteriores difere consoante a prestação dos serviços financeiros seja legalmente exigida ou seja opcional?

 

23- A 16/10/2022, o Presidente do TJUE, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 55º do Regulamento do TJUE, determinaria a suspensão do proc. C-335/12, até à decisão do proc. C-656/2021, dada a semelhança das situações.

24- A 3/1/2023, o TJUE notificaria o CAAD para informar se, face à superveniência do Acórdão do TJUE no proc. 656/2021-T mantinha ou não interesse no reenvio prejudicial.

25- A 9/1/2023, o Presidente do Tribunal Arbitral no proc. 208/2021-T manteria a decisão do reenvio com o fundamento de estar em causa nesse processo arbitral a aplicação da verba 17.3.4., não à comercialização das unidades de participação em organismos de investimento coletivo, como no proc. 656/2021-T, mas à comercialização de obrigações e papel comercial.

26- Não se conhece qualquer decisão do reenvio prejudicial no processo C-335/2022. 

 

2. Fundamentação da matéria de facto provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do artigo 511.º do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

  1. III. Discussão de direito

 

  1. III. Discussão de direito

 

Está em causa, em primeiro lugar, a compatibilidade das alíneas a) e b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, de 12/2/2007, de acordo com as quais os Estados-Membros, relativamente aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais, não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto, a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu, bem como os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, com a tributação, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral das comissões de colocação cobradas pelos intermediários financeiros às entidades emitentes de valores mobiliários.

 

A resposta à questão depende do prévio enquadramento jurídico do contrato de colocação de valores mobiliários.

 

Pelo contrato de colocação, nos termos do nº 1 do art. 338º do Código dos Valores Mobiliários (CVM), o intermediário financeiro obriga-se a desenvolver os melhores esforços em ordem à distribuição dos valores mobiliários que são objeto de oferta pública, incluindo a receção das ordens de subscrição ou de aquisição, consoante estiverem em causa respetivamente operações no mercado primário ou secundário. Não inclui a emissão dos títulos.

 

Do contrato de colocação distinguem-se os contratos de assistência técnica, económica e financeira em oferta pública referidos no nº 1 do art. 337º, que abrangem a prestação dos serviços necessários à preparação, ao lançamento e à execução da oferta

 

Entendem-se para o efeito comissões de colocação as que constituam a contraprestação das diligências dirigidas à subscrição ou aquisição de títulos no chamado mercado primário, incluindo ações, obrigações ou papel comercial. Como a designação indica, essas prestações têm natureza remuneratória.

 

Colocação deve entender-se, à luz desse preceito legal, não apenas a emissão como também a operação através da qual os títulos (ações, obrigações, incluindo papel comercial, ou outros de natureza idêntica) são distribuídos pela primeira vez, diretamente pelas entidades que os emitiram, nos termos previstos nos arts. 338º e 339º do Código dos Valores Mobiliários (CVM)), ou vendidos em oferta pública pelos adquirentes.

 

Da redação das alíneas a) e b) daquele nº 2 do art. 5º, infere-se ser, assim, estar igualmente  abrangida pela Diretiva 2008/7/CE, por ser uma operação de reunião de capitais, a distribuição  dos títulos emitidos , quer seja efetuada  pelo próprio emitente, em caso de tomada firme da emissão, quer  seja  pelos adquirentes.

 

 Em ambos os casos, nos termos do nº 2 do artº. 290º do CVM,  a distribuição pressupõe a  ‘receção e transmissão de ordens por conta de outrem, através das quais são postos em contato um ou mais investidores com vista à realização de uma operação.

 

A colocação é, assim, um serviço de investimento, a exercer, em princípio, por um intermediário financeiro, que compreende um conjunto de atividades de promoção da distribuição dos valores mobiliários, junto de potenciais investidores.

Diferente da atividade de colocação é a subscrição consequente dos valores mobiliários, através da declaração de aceitação por parte dos investidores a quem se destina a oferta, com a consequente emissão dos títulos.

Não suscita qualquer dúvida que o serviço de colocação no mercado primário de ações ou obrigações estão sujeito e não isento de IVA.

É o que resulta da interpretação combinada das alíneas e) e f) do 27º do art. 9º do CIVA, de acordo com as quais respetivamente estão isentas as operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a ações, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efetuadas por um prazo inferior a 20 anos; e o serviços e operações relativos à colocação, tomada e compra firmes de emissões de títulos públicos ou privados.

Assim, apenas está isenta de IVA a transmissão de valores mobiliários no mercado secundário, bem como a sua colocação, tomada e compra firmes no mercado secundário que apenas ocorre relativamente aos emitentes mencionado a IV) e VIII) do Facto Provado nº 10.

Esse tem sido o entendimento da administração fiscal, expresso entre outras, na Informação Vinculativa nº 31579, sancionada por despacho do subdiretor-geral adjunto da DGCI de 6/7/2012

Com efeito, segundo o B iii), a expressão "negociação relativa a títulos" empregue nessa alínea e) do 27º do art. 9º não se refere aos serviços que se limitam a fornecer informações relativas a um produto financeiro e eventualmente, a receber e processar os pedidos de subscrição dos títulos correspondentes, sem proceder à respetiva emissão

Logo, a expressão operações relativas a títulos reporta-se às operações sobre títulos emitidos, não compreendendo a sua colocação no mercado primário,

Quando sujeitas a IVA, essas operações não estão sujeitas a imposto de selo, como  -resulta do nº 2 do art. 1º do Código do Imposto de Selo, nos termos do qual estão são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas. Essa norma reproduziria o art. 3º da Lei nº 3/86, de 17/2.

Conforme o Facto Provado nº 13, a Requerente não liquidou IVA aos emitentes por este não residirem em Portugal, não estando, assim as operações do de comercialização em causa abrangidas na incidência territorial do IVA, não estando, assim, compreendidas na norma de exclusão tributária do nº 2 do art. 1º do Código do Imposto de Selo, motivo pelo qual liquidou o imposto de selo da verba 17.3.4. da Tabela Geral, mas invoca a incompatibilidade dessa tributação com as alíneas a) ou b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE

A proibição da cobrança de outros impostos indiretos sobre as operações de reunião de capitais para além dos previstos na Diretiva 2008/7/CE não é absoluta. Seria objeto de derrogações expressas.

 

A primeira derrogação expressa consta da alínea a) do nº 1 do art. 6 º, dessa Diretiva, que compreende apenas a venda dos títulos efetuada em mercado secundário.

Segundo essa norma, com efeito, em afastamento das proibições globalmente previstas no art. 5º, os Estados-Membros, desde que tiverem preenchidas as demais condições previstas na Diretiva, podem cobrar, no âmbito das operações de reunião de capitais, impostos sobre a transmissão de valores mobiliários.

Desse modo, por expressamente abrangida por essa derrogação expressa, a venda dos títulos emitidos no mercado secundário, após a emissão ou a entrada em circulação, como já se referiu isenta de IVA, não está compreendida na proibição.

Já estão, assim, no entanto, compreendidas na proibição, ainda que não sujeitas ou isentas de IVA, as operações posteriores à emissão do cumprimento da realização das quais legalmente dependa ao início da circulação dos títulos através da sua entrada em mercado secundário. Nesse sentido, milita o Acórdão do TJUE no proc. C-573/16, que declararia a incompatibilidade com o nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE da cobrança de um imposto de 1,5% sobre a transmissão, a um serviço de compensação de transações (clearance service), de novas ações emitidas ou de ações destinadas a ser admitidas à cotação na bolsa de valores de um Estado Membro». Desenvolveria, aliás, o entendimento expresso no Acórdão no proc. C-415/02.

 

Por outro lado, essa derrogação seria ampliada pelas alíneas e) e f) do nº 1 desse artº. 6º aos direitos com carácter remuneratório e ao IVA, que admitem expressamente a tributação em imposto de selo as operações efetuadas no âmbito de reuniões de capitais, desde que preencham as caraterísticas aí previstas.

 

O facto de a operação ser efetuada no âmbito de uma reunião de capitais não impediria, assim, a incidência de direitos com carácter remuneratório e/ou IVA.

 

Esse tem sido o entendimento da administração fiscal portuguesa ao tributar, nos termos da verba 17.3.4. da Tabela Geral as comissões de subscrição de valores mobiliários em que estão em causa operações do mercado primário.

 

Ainda antes da Decisão Arbitral tomada no proc. nº 574/2021-T (Facto Provado nº 20),  relativamente a outros sujeitos passivos e a períodos anteriores, tinha sido já entendido pelas Decisões Arbitrais nºs 856/2019-T, 2/2020-T, 502/2020-T e 559/2020-T e 471/2021-T, que, em nome da teoria do ato claro, entenderam não proceder a qualquer reenvio prejudicial, os encargos cobrados  diretamente às entidades emitentes de valores mobiliários, no caso, todas de direito nacional. como as obrigações e papel comercial, por estarem abrangidas pela derrogação da alínea e) do nº 1 do art. 6º  da   Diretiva 2008/7/CE, não sendo, assim, incompatível  com o Direito Comunitário a incidência  da verba 17.3.4. da Tabela  Geral sobre esses atos. Tais encargos podem incluir juros, garantias de emissão ou comissões de colocação. Estando abrangidos pelas diversas isenções previstas no 27º do art. 9º do CIVA.

 

 É facto que, até à revogação, com efeitos a partir de 31/1/2022, do art. 113º do Código de Valores Mobiliários, efetuada nos termos da alínea g) do art. 21º e do nº 1 do art. 22º da Lei nº 99-A/2021, de 31/12, essa intermediação era obrigatória, só passando ser facultativa a partir da primeira data, o que não obstaria, no entanto, a essas pronúncias arbitrais. O facto de essa intermediação ser obrigatória não obsta, no entanto, ao carácter remuneratório das comissões de colocação.

 

   Entretanto, o CAAD, a 7/10/2021, no âmbito do processo arbitral nº 88/2021-T, decidira suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1) O nº 2 do art. 5.º. da Diretiva [2008/7] opõe‑se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos, por prestação de serviços a estas relativos à atividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?

2) O nº 2 do art. 5º, da Diretiva [2008/7] opõe‑se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referida?

Os fundamentos de facto suscitados nesse reenvio são distintos dos fundamentos de facto dos suscitados nos reenvios prejudiciais anteriores, ainda que as situações em causa sejam em parte substancialmente análogas.

Nesses casos vem suscitada a compatibilidade do direito comunitário, concretamente com a alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, da incidência do imposto de selo sobre as comissões às entidades emitentes cobradas pela comercialização da subscrição de obrigações e papel comercial, e, no caso do processo arbitral nº 88/2021-T, a compatibilidade do direito comunitário, concretamente com a alínea d) do nº 2 daquele art. 5º, das comissões cobradas pela comercialização da subscrição de unidades de participação em organismos de investimento coletivo., que são cobradas às sociedades gestão mas repercutidos legalmente aos subscritores.

Por outro lado, ao passo que, no momento dos factos, na colocação das obrigações e papel comercial, era obrigatória de intermediação por intermediário financeiro supervisionado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários(CMVM), essa intervenção não era obrigatória na colocação de unidades de participação de fundos  de investimento mobiliário, nos termos do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo(RGOIC, Lei nº 16/2015, de 24/2) 

No entanto, o CAAD não colocaria a questão de, não obstante a proibição dessa alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, o imposto de selo sobre tais comissões de subscrição estarem, ou não, abrangidas pela derrogação da alínea e) do nº 1 do art. 6º dessa Diretiva, como aliás a não colocariam os reenvios prejudiciais deduzidos nos procs. 208/2021-T e 636/2021-T. Ou seja, se não obstante a proibição estabelecida nesse nº 2 do art. 5º da referida Diretiva, tal regra geral não teria sido, no caso concreto, substituída por essa derrogação excecional. 

Sobre essa questão, eventualmente por não ter sido instado para esse efeito, o TJUE não se pronunciaria. No entanto, o CAAD, além de não admitir a eventualidade, face à legislação fiscal nacional de essas comissões estarem sujeitas e não isentas de IVA, não colocaria junto do TJUE a questão de, não obstante a proibição dessa alínea b) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE, o imposto de selo sobre tais comissões de subscrição estarem, ou não, abrangidas pela derrogação da alínea e) do nº 1 do art. 6º dessa Diretiva, como aliás a não colocariam os reenvios prejudiciais deduzidos nos procs. 208/2021-T e 636/2021-T. 

Ou seja, se não obstante a proibição estabelecida nesse nº 2 do art. 5º da referida Diretiva, tal regra geral não teria sido, no caso concreto, substituída pelas derrogações das alíneas e) e f) do nº 1 do art. 6º.  

Às questões suscitadas no reenvio prejudicial no processo arbitral nº 88/2021-T respondeu o Acórdão do TJUE no proc. C-656/21, vinculativo do Tribunal Arbitral, no sentido de a alínea a) do nº 2 do art. 5º dessa Diretiva 2008/7/CE dever ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização. Esse Acórdão seria aplicado pelo CAAD por Decisão Arbitral de 7/1/2023 e posteriormente, fora do âmbito do processo arbitral nº 88/2021-T pelas Decisões Arbitrais nos processos nºs 87/2021-T e 493/2022-T, entretanto suspensos até à decisão do proc. C-656/2021.

Esse Acórdão do TJUE seria fundamentado nos termos seguintes:

“28-Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta Diretiva, o art. 5.° da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica‑se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (Acórdão do TJUE no proc. C- 573/16)

29º-Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil a alínea a) do nº 2 do art. 5ºda Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão.

30º-  Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com a alínea a) do nº 1  do art. 5º , da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, o mesmo Acórdão nº 573/16, do TJUE).

31- Ora, uma vez que os serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção da alínea a) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais.

32-Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força dos n.os 1 a 3. do art. 1º. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artº. 87.° da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

33-Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que, a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos.

34-Além disso, uma vez que a aplicação da alínea a) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.

35-A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados‑Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais, como refere o citado Acórdão no proc. C-573/16).

36- Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista na alínea a) do nº 2 do art. 5º, da Diretiva 2008/7.

37-Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

38-Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que a alínea a) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização”.

Assim, segundo esse Acórdão, a proibição da criação de impostos sobre entrada de capital abrangeria tanto a comercialização das unidades de participação pelas próprias sociedades gestoras como a comercialização dessas unidades de participação por intermediários financeiros, aliás não imposta pelo RGOIC. 

Assim, ainda quando a intermediação não fosse obrigatória, os serviços prestados à entidade emitente continuariam segundo a jurisprudência do TJUE abrangidos pela proibição do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE

Obviamente, essa orientação do TJUE não é põe em princípio incompatível com a sujeição do imposto de selo da verba 17.3.4. da Tabela Geral, das comissões cobradas em virtude da transferência, reembolso ou resgate das unidades de participação das comissões de gestão dos OICs, exceto a parcela que constitua o incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referidas, na linha das Decisões Arbitrais nºs 107/2022-T, 741/2021- T e 742/2021-T.

No entanto, o fundamento das referidas Decisões Arbitrais nºs 856/2019-T, 2/2020-T, 502/2020-T e 559/2020- T e 471/2021-T e 574/2021- T não foi obviamente as comissões de subscrição estarem abrangidas pela alínea a) do nº 2 do art. 5º da Diretiva 2008/7/CE-

Tais Decisões Arbitrais não puseram em causa a colocação de obrigações, papel comercial e eventualmente unidades de participação em fundos de investimento estar abrangida pelas proibições do art. 5º.

Consideraria, isso sim, que, não obstante esses serviços serem prestados no âmbito de entradas de capitais, a proibição consagrada no citado art. 5º é5º é, ainda que parcialmente, derrogada pela alínea e) do nº 1 do art. 6º, dada a sua natureza remuneratória, com os fundamentos supervenientemente expostos na Decisão Arbitral nº 87/2021- T. 6º, dada a sua natureza remuneratória

Nos procs. 88/2021-T, 87/2021-T e 493/2022-T, o CAAD interpretaria o citado Acórdão do TJUE no proc. C-655 no sentido de uma imediata vinculação à anulação das liquidações impugnadas, sem averiguar da pertinência do argumento da derrogação da alínea e) do nº 1 do art. 6º dessa Diretiva. 

É fato, no entanto, que, tanto o IVA, como o imposto de selo, são impostos de base remuneratória, já que incidem sobre a contraprestação de um serviço.

A quando da adesão de Portugal à União Europeia o legislador nacional adaptaria à Diretiva 2008/7/CE várias verbas da Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo art. 1º do Decreto nº 21.916, de 28/11/1932 com ela incompatíveis.

Assim, o art. 29º da Lei nº 9/86, de 30/4, aboliria o imposto de selo sobre as obrigações, colocando consequentemente fora do campo da incidência o papel comercial. O imposto de selo sobre as ações das sociedades já tinha sido eliminado pelo art. 2º do DL nº 257/81, de 1/9. Também em cumprimento da Diretiva nº 69/335/CEE, antecessora da Diretiva 2007/7/CE, o nº 6 do art. 26º da Lei nº 30-C/92, de 18/6, isentou do imposto de selo através da redação deu à alínea a) do nº 1 do art. 145º da Tabela Geral, o reforço ou aumento do capital das sociedades de capitais referidas nesta última Diretiva.

Esses eram os casos típicos de imposto de selo sobre entradas de capital em vigor a quando da aprovação da Diretiva nº 69/335/CEE.

Na generalidade dos países de Comunidade Europeia o imposto de selo era, com efeito, um imposto sobre documentos ou títulos, como era essencialmente em Portugal antes dos Código e Tabela Geral do Imposto de Selo, aprovados pelo art. 1º da Lei nº 150/99, de 11/9.

O art. 120º- A da anterior Tabela Geral., antecessor da verba 17.3.4, da Tabela Geral, incidia sobre as operações efetuadas por ou com a intermediação de instituições de crédito ou sociedades financeira de concessão de crédito ou prestação de garantias enunciadas, incluindo, de acordo com a sua alínea c), todas as comissões cobradas, com exceção das sujeitas a IVA, nos termos do art. 3º da Lei nº 3/86.

Tal preceito, no entanto, ao contrário do previsto nas verbas 120º e 145º da anterior Tabela Geral manteve-se integralmente em vigor após a adesão de Portugal à CEE e consequente receção do acervo comunitário.

Não se aplicaria, no entanto, como ainda hoje, às comissões cobradas em virtude da subscrição de valores mobiliários sujeitas a IVA, mas apenas às comissões cobradas pela venda de valores mobiliários emitidos.

O próprio Requerente, na faturação emitida, ao fazer menção ao nº 6 do art. 6º do CIVA, admitiria que, se entidades emitentes residissem em território nacional, as comissões em causa estavam sujeitas a IVA, o que dissipa qualquer dúvida sobre o seu carácter remuneratório, motivo pelo qual se afasta a necessidade de reenvio prejudicial, que, caso acontece, teria de ser deduzido em termos muito mais precisos que os reenvios anteriores.

Ainda assim, a decisão desse reenvio pressuporia a prova prévia da legitimidade do Requerente.

Nos procs. 88/2021-T, 87/2021-T e 493/2022-T, o CAAD, no entanto, optaria por anular de imediato as liquidações impugnadas, sem averiguar da pertinência do argumento da derrogação da alínea e) do nº 1 do art. 6º dessa Diretiva. Da posição aceite nessas Decisões Arbitrais, resultaria igualmente, caso fossem aceites todas as suas consequências lógicas. a impossibilidade de tributação em  IVA dos honorários cobrados por atos notariais celebrados por notários privados, expressamente prevista no art. 1º da Portaria nº 385/2004, de 18/4, publicada na Série B do Diário da República de 16/4/2004, apesar de expressamente admitida na  alínea f) do  nº 1 do art. 6º d mesma Diretiva  .

Por outro lado, à apresentação de novo pedido de reenvio prejudicial, porventura justificado noutras circunstâncias, opor-se-ia a ausência de fundamento do presente pedido de pronúncia arbitral.

Com efeito, nos termos dos nº 1 e 4 do art.º 9º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis por força da alínea a) do nº 1 do art.º 29º do RJAT, têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. Por natureza, por força da posição que ocupam na relação jurídico- tributária, essas pessoas dispõem do direito a uma tutela jurisdicional efetiva que justifica o direito de reclamar ou impugnar.

 

Tal acesso a uma tutela jurisdicional efetiva do pressuposto procedimental ou processual do interesse em agir.

 

Tal pressuposto processual ou procedimental, independente dos outros pressupostos processuais, cessa, por exemplo, quando a administração tributária tiver revogado oficiosamente o ato impugnado, com a consequente inutilidade superveniente da lide, ou, quando, em virtude de repercussão legal, o sujeito passivo tiver transferido para outrem o encargo tributário. A existência ou não desse pressuposto é do conhecimento oficioso do tribunal arbitral, proibido que está este de praticar atos inúteis.

 

Desenvolvendo essas normas, a parte final da alínea a) do nº 4 do art.º 18º da LGT reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.

 

Com a efetiva repercussão legal do imposto, distinta da repercussão meramente económica ou de facto, não imposta nem prevista na lei, a titularidade do interesse em agir, que é pressuposto de qualquer ação, transfere-se do repercutente sujeito passivo do imposto para o repercutido, seja este, ou não, sujeito passivo.

 

Essa doutrina reflete-se no nº 4 do art. 49º do Código do Imposto de Selo aditado pelo art. 6º da Lei nº 119/2019, de 18/9, aplicável aos factos a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

De acordo com essa norma, tanto os sujeitos passivos enunciados no art. 2.º, incluindo os intermediários financeiros referidos na alínea c) do n 1 do art. 2º , como  os titulares do encargo económico resultante das liquidações de imposto por aqueles efetuadas, em que se incluem os clientes desses intermediários financeiros referidos na alínea g) do nº 3 do art. 3º do Código do Imposto de Selo podem apresentar reclamação nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

 

De acordo com esse nº 1 do art. 131º , em  caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
 

Com a repercussão legal (e não com a repercussão voluntária ou de facto),o adquirente dos serviços de financeira substitui-se, assim, ao intermediário financeiro no exercício do direito de solicitar a restituição do imposto indevidamente pago, tal como se tivesse sido aquele a efetuar a autoliquidação. Os meios de defesa do repercutido tributário passaram a ser idênticos ao sujeito passivo propriamente dito: a impugnação judicial depende de prévia reclamação para o diretor de finanças a deduzir nos dois anos seguintes à declaração mensal do imposto de selo em que a liquidação tiver sido incorporada. Mas obviamente com a repercussão do imposto cessa a legitimidade do repercutente para, em seu nome, reclamar da autoliquidação.

 

Assim, a legitimidade do intermediário financeiro para reclamar da autoliquidação apenas se mantém quando, no momento próprio, ainda que em consequência de erro de interpretação da lei, ele não tiver repercutido legalmente o imposto que lhe vier a ser exigido posteriormente. Caso tiver repercutido o imposto, já não pode reclamar nos termos do nº 1 do art. 131º do CPPT.131º do CPPT, a não ser que prove entretanto ter reembolsado o imposto através da emissão de nota de crédito.

 

Seria, aliás, absurdo que o repercutente pudesse engrandecer o seu património através da reivindicação da restituição de um imposto que efetivamente não pagou, mas foi suportado por um terceiro, o repercutido.

 

Este enquadramento é inteiramente aplicável aos casos em que o dever de restituição do imposto indevidamente cobrado resulta da violação das normas do direito comunitário como resulta dos seguintes extratos do Acórdão do TJUE no proc. C-191/12.

 

22. Importa recordar, a este respeito, que resulta de jurisprudência constante que o direito a obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos às pessoas pelas disposições do direito da União, tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Os Estados‑Membros são, assim, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados em violação do direito da União (nº 24 do Acórdão do TJUE C‑591/10 e jurisprudência aí referida.


23. Portanto, o Estado‑Membro deve, em princípio, reembolsar a totalidade do IVA que o sujeito passivo tenha sido impedido de deduzir em violação do direito da União.

24. Daqui decorre que o direito à repetição do indevido destina‑se a resolver as consequências da incompatibilidade do imposto com o direito da União, neutralizando o encargo económico que indevidamente onerou o operador que, afinal, o veio a suportar efetivamente (nº 23 do Acórdão do TJUE no proc. C-94/10 e jurisprudência aí referida).

 

25- Todavia, por via de exceção, essa restituição pode ser recusada quando conduza a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito. A proteção dos direitos garantidos nesta matéria pela ordem jurídica da União não impõe a restituição de impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando se prove que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente sobre outras pessoas (nº 18 do Acórdão do TJUE no proc. C-398/09 e jurisprudência aí referida).

 

26 Na falta de regulamentação da União em matéria de pedidos de restituição de impostos, cabe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro prever em que condições podem ser efetuados, sem prejuízo, porém, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.

 

27 A este respeito, tendo em conta a finalidade do direito à repetição do indevido, como recordada no n.° 24 do presente acórdão, o respeito do princípio da efetividade manda que as condições de exercício da ação de repetição do indevido sejam fixadas pelos Estados‑Membros de acordo com o princípio da autonomia processual, de forma a que o encargo económico do imposto indevido possa ser neutralizado.


28 Por conseguinte, um Estado‑Membro pode recusar o reembolso de uma parte desse imposto com o fundamento de que o mesmo conduziria a um enriquecimento sem causa do sujeito passivo, na condição de o encargo económico que o imposto indevidamente cobrado fez impender sobre o sujeito passivo ter sido integralmente neutralizado.

 

Essa doutrina, aplicável ao IVA, aos impostos especiais sobre o consumo e aos restantes impostos indiretos (ver o referido acórdão do TJUE no proc. C-94/10), seria seguida pelo Acórdão do STA de 10/10/2022, proc. 0380/08.0 BEBJA 0204/14).

Também não é contrariada pelo Acórdão do TJUE no proc. C- 395/09, de acordo com cujas conclusões “As regras do direito da União relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que a repetição do indevido só pode dar lugar a um enriquecimento sem causa na hipótese de os montantes indevidamente pagos por um sujeito passivo, por força de um imposto cobrado num Estado‑Membro em violação do direito da União, terem sido repercutidos diretamente no comprador.

 Consequentemente, o direito da União opõe‑se a que um Estado‑Membro recuse o reembolso de um imposto ilegal com o fundamento de que os montantes indevidamente pagos pelo sujeito passivo foram compensados por uma poupança resultante da supressão concomitante de outros encargos, uma vez que tal compensação não pode ser entendida, do ponto de vista do direito da União, como um enriquecimento sem causa em relação a esse imposto.”

De acordo com os Fatos Provados nºs 12 a 14, a Requerente liquidou e cobrou às entidades emitentes o imposto de selo sobre as comissões de subscrição devidas em resultado da colocação de obrigações, papel comercial e outros títulos. Repercutiu, pois, diretamente esse tributo aos adquirentes dos serviços financeiros prestados, motivo pelo qual o deferimento da sua pretensão não poderia deixar de implicar enriquecimento sem causa.

Nessa medida, deixou de ter legitimidade e também interesse em agir para reclamar das liquidações efetuadas, sendo a legitimidade e o interesse em agir, questões prévias de conhecimento oficioso pelo Tribunal Arbitral.

Já nas situações que originaram as Decisões Arbitrais nºs 88/2021-T, 87/2021- T e 493/2022- T, as sociedades gestoras dos OICs suportaram economicamente o encargo do imposto, motivo pelo qual o presente Acórdão, neste aspeto, não encerra qualquer divergência com o sentido dessas Decisões Arbitrais.

 

V. DECISÃO

Termos em que o Tribunal Arbitral decide:

Declarar o Requerente parte ilegítima e carecido de interesse para requerer o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente da procedência dessas questões prévias de ilegitimidade e falta de interesse em agir, absolver a Requerida da instância.

VI - VALOR

Fixa-se o valor do processo em € 489.162.08 nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

VII – CUSTAS

Fixa-se em € 7.650,00 (sete mil seiscentos e cinquenta euros) o valor das custas, a cargo da Requerente, nos termos dos nºs 1 e 5 do art. 4º I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa.

 

Lisboa, 10 de março de 2023

 

O Árbitro-Presidente

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 

Os Árbitros-vogais

 

 

(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)

 

 

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro (relator))