DECISÃO ARBITRAL
— I —
A..., contribuinte fiscal n.º ... (doravante “o requerente”), residente na Rua ..., n.º..., em Vila Nova de Gaia, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração da ilegalidade e anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) incorporados nas Declarações Aduaneiras de Veículos (DAVs) n..os 2022/... e 2022/... .
Para tanto alegou, em síntese, que introduziu em Portugal dois veículos automóveis provenientes da Bélgica e com as primeiras matrículas registadas nesse país; que procedeu à declaração aduaneira dos referidos veículos, tendo a AT liquidado ISV pelo valor global de EUR 13.687,77, que já se encontra pago; que, porém, as referidas liquidações estão feridas de ilegalidade parcial na medida em que do montante de ISV liquidado, a parcela correspondente à componente ambiental foi calculada em aplicação de norma de direito interno que é incompatível com o disposto no art. 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Concluiu peticionando a declaração da ilegalidade e anulação parcial das liquidações de ISV incorporadas nas DAVs n.os 2022/... e 2022/..., pelo montante de EUR 1.990,58. Mais peticionou, a título acessório, a condenação na restituição do quantitativo de imposto ilegalmente pago ao abrigo de tais atos tributários, acrescido de juros indemnizatórios.
Juntou documentos e procuração forense, declarando não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 1.990,58 e procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
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Constituído o Tribunal Arbitral Singular, nos termos legais e regulamentares aplicáveis, foi determinada a notificação da administração tributária requerida para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Depois de devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta, na qual se defendeu por impugnação, sustentando em síntese que o art. 11.º do Código do ISV (CISV), na redação em causa nos presentes autos, não tem qualquer incompatibilidade com o cit. art. 110.º do TFUE.
Concluiu pela improcedência do pedido e sua consequente absolvição. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e o processo administrativo.
— II —
As partes gozam de personalidade judiciária e capacidade judiciária, têm legitimidade ad causam e estão devidamente patrocinadas nos autos.
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Apresenta-se o requerente cumulando, a título principal, pedidos de declaração de ilegalidade e anulação parcial de dois atos tributários. Ora, uma vez que a procedência de todos esses pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, nada há que obste a referida cumulação.
Vai assim admitida a cumulação dos pedidos principais.
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Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, o valor atendível, para efeitos de custas, quando se impugne um ato de liquidação será o da importância cuja anulação se pretende.
Ora, o valor que o requerente atribuiu à presente arbitragem, tendo presente o regime legal aplicável, foi de EUR 1.990,58, valor que não foi objeto de impugnação por parte da requerida. Na ausência de quaisquer outros elementos factuais que permitissem fixar à causa um valor diferente daquele que resulta do acordo das partes, não se antevê motivo para corrigir o montante indicado pelo requerente.
Fixo assim à presente arbitragem o valor de EUR 1.990,58.
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Fixado que está o valor da causa e uma vez que a requerente optou por não proceder à designação de árbitro, dispõe o presente Tribunal Arbitral Singular de competência funcional e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 5.º, n.º 3, do RJAT).
É o presente Tribunal Arbitral também competente em razão da matéria por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.
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De ofício, o Tribunal Arbitral suscitou a possibilidade de vir a ser formulada questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à questão da incompatibilidade do art. 11.º do CISV com o art. 110.º do TFUE.
Depois de notificadas, ambas as partes se pronunciaram.
Importa decidir.
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Do direito nacional aplicável
O regime do ISV encontra-se previsto no CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de junho. À data dos factos tributários discutidos na presente arbitragem estava em causa a redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
Do art. 2.º do CISV, relativo à incidência objetiva do imposto, resulta:
1 — Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:
a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;
[...]
Estabelece o art. 3.o do CISV, no que concerne à incidência subjetiva:
1 — São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.
[...]
Quanto ao facto gerador do ISV prevê o art. 5.º do CISV:
1 — Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.
2 — [Omissis]
3 — Para efeitos do presente código entende-se por:
a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado- membro da União Europeia em território nacional;
[...]
À introdução no consumo de veículos usados que sejam objeto de admissão no território nacional aplicam-se as taxas previstas no art. 7.º do CISV, que, quanto às taxas do imposto, consagra, nas alíneas a) e b) do n.º 1, a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, entre outras categorias de veículos, aos veículos automóveis de passageiros. Além do cit. art. 7.º, também o art. 11.º do CISV estabelece as taxas aplicáveis aos veículos usados, que, na redação introduzida pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2021), dispõe, para o que ora releva, o seguinte:
Artigo 11.º
Taxas – veículos usados
1 — O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
TABELA D
Componente cilindrada
Tempo de uso Percentagem de redução
Até 1 ano.............................. 10
Mais de 1 a 2 anos ............. . 20
Mais de 2 a 3 anos ............... 28
Mais de 3 a 4 anos ............... 35
Mais de 4 a 5 anos ............... 43
Mais de 5 a 6 anos ............... 52
Mais de 6 a 7 anos ............... 60
Mais de 7 a 8 anos ............... 65
Mais de 8 a 9 anos ............... 70
Mais de 9 a 10 anos.............. 75
Mais de 10 anos ................... 80
Componente ambiental
Tempo de uso Percentagem de redução
Até 2 anos............................. 10
Mais de 2 a 4 anos ............... 20
Mais de 4 a 6 anos ............... 28
Mais de 6 a 7 anos ............... 35
Mais de 7 a 9 anos ............... 43
Mais de 9 a 10 anos ............. 52
Mais de 10 a 12 anos ........... 60
Mais de 12 a 13 anos ........... 65
Mais de 13 a 14 anos............ 70
Mais de 14 a 15 anos ........... 75
Mais de 15 anos............ 80
2 — Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
[...]
Da jurisprudência europeia
Com referência ao art. 11.º do CISV, a Comissão Europeia instaurou no TJUE uma ação por incumprimento (trata-se do Proc.º C-200/15) que veio a culminar no Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão c. Portugal, EU:C:2016:453.
Nesse aresto concluiu o TJUE que “[a] República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.° TFUE.”
Para assim decidir, ponderou o referido aresto (Ac. Comissão c. Portugal [2016], par. 23-26):
Conforme resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados‑Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados‑Membros (v., designadamente, acórdãos de 18 de janeiro de 2007, Brzeziński, C‑313/05, EU:C:2007:33, n.° 27, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 34).
Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C‑101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.° 25).
Assim, a cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, acórdãos de 9 de março de 1995, Nunes Tadeu, C‑345/93, EU:C:1995:66, n.° 20, e de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, EU:C:2001:109, n.° 23).
Para efeitos da aplicação do artigo 110.° TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados comprados no mercado nacional, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar‑se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado‑Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C‑74/06, EU:C:2007:534, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
Na sequência deste aresto, o Estado Português alterou a redação do referido art. 11.º do CISV, através da Lei n.º 42/2007, de 27 de dezembro, alargando as percentagens de redução previstas nesse preceito legal.
Porém, essa alteração legislativa não foi, ainda assim, julgada compatível com o Direito Europeu, motivando a propositura, por parte da Comissão Europeia, de uma nova ação por incumprimento (Proc.º C-169/20) que veio a culminar no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão c. Portugal, EU:C:2021:679, no qual o Tribunal do Luxemburgo concluiu: “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”
Ainda antes da prolação deste acórdão o n.º 1 do art. 11.º do CISV foi novamente alterado pelo legislador nacional por intermédio da Lei n.º 75/2020, de 31 de dezembro, que introduziu uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respetivas percentagens.
Posição das partes
O requerente sustenta que o Estado Português, com a nova redação dada ao art. 11.º do CISV pelo art. 391.º da Lei n.º 75/2022, persiste no incumprimento ao disposto no art. 110.º do TFUE, fundamentando esta sua posição nas seguintes alegações:
— As percentagens de redução aplicadas à componente ambiental são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes de imposto;
— Tal esquema legislativo consente que a Administração fiscal possa cobrar um imposto sobre veículos admitidos de outros Estados-membros com base num valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação superior àquela que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional, de modo que o valor utilizado pela Administração como base para a tributação da admissão de veículos usados não reflete fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional;
— Daí que o montante de imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional;
— O que, em síntese, corresponde a uma violação ao disposto no art. 110.º do TFUE.
Por seu turno, a requerida sustenta a sua posição nas seguintes alegações:
— Ao ser estabelecida legalmente a tabela de desvalorização relativamente ao imposto resultante da componente ambiental, ficou afastada a ilegalidade e a desconformidade da legislação nacional face ao primado do direito comunitário;
— No Acórdão Comissão c. Portugal [2021], o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, desiderato já plenamente atingido com a alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020;
— A fixação das taxas obedece aos objetivos de política fiscal e ambiental, entre outros, prosseguidos pelo Governo, desconhecendo-se a existência de qualquer jurisprudência europeia que vede aos Estados-membros a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental);
— Dessa forma, a nova redação do n.º 1 do art. 11.º do CISV, dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, já incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão Comissão c. Portugal [2021] (C-169/20), porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de um desconto/redução sobre a componente ambiental do ISV.
— A redação do art. 11.º do CISV, tal como aplicada nas liquidações objeto da presente arbitragem tributária, cumprindo com o disposto nos arts. 110.º e 191.º do TFUE, inexistindo qualquer discriminação na tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros.
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Como é sabido, a interpretação dos princípios e demais preceitos de Direito da União cabe, em exclusivo, ao TJUE, estabelecendo-se nos tratados um mecanismo de cooperação com os tribunais nacionais destinado a assegurar, precisamente, a uniformidade da aplicação do direito europeu em todo o território da União. A pronúncia expressa do Tribunal do Luxemburgo acerca de qualquer questão controvertida de Direito da União apenas será dispensável nas situações em que (i) a questão não seja necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; (ii) o TJUE já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou (iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (cfr. Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit c. Ministero della Sanità, EU:C:1982:335).
Não obstante o historial jurisprudencial acima descrito, em face da constante evolução legislativa no plano do direito interno, continua a verificar-se uma ausência de diretrizes claras e inequívocas por parte da alta jurisdição europeia quanto à compatibilidade com o Direito da União por parte do regime interno de determinação do imposto devido pela admissão no mercado português de veículos automóveis provenientes de outros Estados-membros. E essas diretrizes apenas podem vir da jurisprudência europeia, e não dos tribunais nacionais. Salvo nas situações verdadeiramente excecionais elencadas no Acórdão Cilfit, é vedado aos tribunais nacionais abalançarem-se desembaraçadamente, e por sua própria conta, a interpretar preceitos de Direito Europeu na ausência de um qualquer diálogo interjurisdicional com o Tribunal do Luxemburgo e sem prévias coordenadas claras e inequívocas por banda da justiça europeia. É que, afinal de contas e como se disse, é ao Tribunal de Justiça, e não aos tribunais de direito interno, que cabe em exclusivo a tarefa de interpretar as normas e princípios de Direito Europeu.
À luz do exposto, afigura-se que a questão da conformidade da atual redação do art. 11.º, n.º 1, do CISV com o art. 110.º do TFUE é, ainda, uma questão controvertida que persiste em reclamar a interpretação uniformizadora do Tribunal de Justiça, cuja pronúncia não pode assim ser dispensada.
Desse modo, deverá ser formulada questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, no sentido de averiguar da conformidade do art. 11.º, n.º 1, do CISV, na redação dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o disposto no art. 110.º do TFUE.
É o que se decidirá a final.
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Com a formulação de pedido de reenvio prejudicial dirigido ao TJUE, fica prejudicada a continuação da tramitação da causa, impondo-se, por conseguinte, a suspensão da presente instância. De resto, isso mesmo resulta, ainda que de modo não completamente inequívoco, do art. 23.º do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (Protocolo n.º 3 anexo ao TFUE), que faz referência à “decisão do órgão jurisdicional nacional que suspenda a instância e que suscite a questão [prejudicial] perante o Tribunal de Justiça.”
Daí que, por força deste art. 23.º do Estatuto do Tribunal de Justiça, há que afastar a aplicação do art. 21.º do RJAT que impõe, nas arbitragens tributárias, um prazo limite de seis meses (sucessivamente prorrogável até um máximo total de um ano), para a prolação da decisão arbitral final.
Assim, mesmo nas arbitragens tributárias (em que o exercício do poder jurisdicional está excecionalmente sujeito a um prazo perentório de caducidade), pode ter lugar a suspensão da instância arbitral, e consequente suspensão da contagem do prazo a que se refere o art. 21.º do RJAT, nos casos em que tenha sido formulado pedido de reenvio prejudicial ao TJUE.
Em todo o caso, atendendo a que o prazo atualmente curso está a poucos dias de expirar, afigura-se conveniente proceder, desde já, à terceira e última prorrogação do mesmo, de modo que, quando vier a ser proferida a decisão do TJUE acerca da questão prejudicial ora submetida, este Tribunal Arbitral não se veja confrontando com contingências de tempo especialmente apertadas.
— III—
Assim, pelos fundamentos expostos, decido:
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Dirigir ao Tribunal de Justiça da União Europeu a seguinte questão prejudicial:
No âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, o n.º 1 do art. 11.º deste Código (na redação que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), ao não desvalorizar a componente ambiental na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada no cálculo do valor de imposto aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, é incompatível com o art. 110.º do TFUE ?
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Ao abrigo do art. 21.º, n.º 2, do RJAT, proceder à prorrogação por mais dois meses do prazo máximo de duração da presente arbitragem;
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Suspender, com efeitos imediatos, a presente instância arbitral, incluindo a contagem do prazo a que se refere o art. 21.º do RJAT, até que seja recebida nos presentes autos a decisão que o Tribunal de Justiça vier a proferir acerca da questão prejudicial referida em a); e
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Consequentemente, determinar aos serviços administrativos do CAAD que procedam à passagem de carta dirigida à Secretaria do Tribunal de Justiça, com o pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado integral dos presentes autos, incluindo cópias da petição inicial do requerente e da resposta da requerida, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão arbitral.
Dê-se conhecimento ao Conselho Deontológico (art. 11.º, n.º 3, do Código Deontológico do CAAD).
Notifiquem-se as partes.
CAAD, 23/06/2023,
O Árbitro,
(Gustavo Gramaxo Rozeira)