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Sumário:
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O regime de transparência fiscal das sociedades de profissionais referidas na subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do art. 6.º do CIRC aplica-se às atividades profissionais incluídas na tabela de atividades do art. 151º do CIRS (CAE e Tabela aprovada pela Portaria n.º 1011/2001), o que abrange as que se considerem artísticas.
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O legislador no art. 6.º, n.º 4, a), 2) do CIRC ao remeter para a lista do art. 151.º do CIRS não faz qualquer tipo de distinção quanto à natureza dos rendimentos, ou seja, não faz relevar a qualificação e categorização para efeitos de IRS dos rendimentos previstos nas als. a), b) ou c) do art. 3.º, n.º 1 do CIRS ou outras categorias de rendimentos do CIRS .
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 31 de outubro de 2022, a contribuinte A..., portadora do cartão de cidadão n.º .... ..., titular do número de identificação fiscal ..., residente na R. ..., n.º ..., ...-... ..., requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (a seguir RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na al. a), n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 07 de novembro de 2022.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a) e artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, foram designados os árbitros (Dra. Maria Fernanda dos Santos Maçãs -Presidente-Dr. João Menezes Leitão e Dr. André Festas da Silva -relator-) pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os árbitros aceite nos termos legalmente previstos.
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O Tribunal Arbitral foi constituído em 09.01.2023 e no mesmo dia proferiu um despacho a ordenar a notificação da Requerida para apresentar a sua resposta.
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A AT apresentou a sua resposta em 13.02.2023.
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O Tribunal Arbitral promoveu a organização da reunião prevista no n.º 1 do artigo 18.º em ordem à produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente e a inquirição das testemunhas D..., produtora de arte, e E..., contabilista certificada, realizou-se no dia 22.03.2023.
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A Requerente apresentou as suas alegações em 18.04.2023.
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A Requerida apresentou as suas alegações em 09.05.2023.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare ilegal os atos de liquidação adicional de IRS n.ºs 2018 ... e 2018 ..., de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018..., 2018..., 2018 ... e 2018 ... e dos atos de demonstração de acerto de contas n.ºs 2018 ... e 2018... .
I.2. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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Enquanto criadora intelectual, a A... (assim como todos os denominados artistas plásticos ou conceptuais) executa, autónoma e individualmente, a sua atividade criativa, desenvolvendo-a com recurso à sua capacidade de entender, aprender, valorar, sentir, inovar e expressar e refletindo-a numa prefiguração da forma interna e externa da visão (da obra de arte) que pretende colocar ao alcance dos sentidos.
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Por seu turno, a B..., LDA (adiante também designada por B...) (assim como qualquer sociedade de produção de obras de arte), intervém, enquanto fabricante do suporte material da obra (a jusante da atividade desenvolvida pela A...), incumbindo-lhe, em suma, desenvolver a atividade de indústria transformadora e de construção necessárias para a produção (fabricação) desses suportes e, bem assim, prestar os demais serviços necessários para que as obras de arte assim produzidas sejam instaladas, expostas e expedidas (quando vendidas).
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A A... detinha, no decurso dos exercícios de 2014 e de 2015, «pelo menos, 75% do capital social» da B... .
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Porém, já não é verdade que:
a) A atividade exercida pela A... constitua uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS
b) A A... tenha exercido essa ou qualquer outra atividade, total ou parcialmente, através da B...; e, por maioria de razão, que,
c) Mais de 75% dos rendimentos da B... tenham provindo «do exercício pela sócia A... de atividades profissionais que se encontram especificamente previstas na lista a que se refere o art.º 151.º, do CIRS».
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De acordo com o entendimento definitório subscrito pela Administração Tributária (e que a vincula internamente): «os rendimentos provenientes da propriedade intelectual previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS são rendimentos que decorrem da autoria/criações de obras do domínio literário, artístico ou científico, no exercício de uma atividade autoral independente, que têm como fonte a exploração económica dos direitos de autor, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros por parte do autor/criador intelectual, titular originário dos direitos de autor. São estes os elementos diferenciadores de outros rendimentos da categoria B, mormente, dos decorrentes de prestações de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico» (cf. Despacho IR, P 1914/2018, de 05/07/2019, proferido no âmbito do
processo n.º 1914/2018).
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Adicionalmente, atente-se no disposto no artigo 31.º do Código do IRS, no qual o legislador estabeleceu as regras subjacentes ao regime simplificado de IRS e, nesse âmbito, distinguiu, de forma cristalina, os «rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do mesmo Código» (cf. alínea b) do respetivo n.º 1) dos rendimentos «provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual» (cf. subsequente alínea d)).
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De onde se retira, em síntese, que os rendimentos derivados de direitos de autor e de direitos conexos se apartam, inexoravelmente, dos restantes rendimentos da categoria B, não sendo aqueles, portanto, assimiláveis a estes, mormente aos derivados do exercício de atividades profissionais.
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Sem prejuízo do exposto, convém esclarecer que, independentemente da natureza da atividade concretamente exercida pela A..., não é possível imputar-lhe o exercício, total ou parcial, de qualquer atividade através da B... .
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Isto, na medida em que, como foi possível demonstrar, a atividade exercida pela
B... não é compatível com as competências e com os conhecimentos que se reconhecem à A..., dedicando-se aquela à indústria transformadora e à construção e esta, exclusivamente, a uma atividade criativa, prototípica da atividade autoral independente que é atualmente exercida, no domínio das artes plásticas, pelos denominados artistas conceptuais.
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Acresce que, a atividade exercida pela A... situa-se a montante (constituindo, por sinal, uma conditio sine qua non das) e as atividades desenvolvidas pela B... localizam-se a jusante do processo criativo das obras de arte originais da autoria da mencionada A... .
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Os rendimentos da B... não têm resultado, portanto, de uma margem de lucro
putativamente acordada sobre os custos de produção das obras de arte da autoria da A... ou sobre os custos dos restantes serviços prestados pela B..., derivando, ao invés, das exposições e das vendas dessas obras de arte originais.
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Conforme observado, a alienação e a exposição das obras de artes plásticas originais da autoria da A... constituem manifestações de uma atividade de exploração económica dessas obras, pelo que os rendimentos que a B... aufere no exercício dessa atividade enquadram-se no conceito de rendimentos provenientes de direitos de autor e de direitos conexos.
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Conclui-se assim que, não sendo a B... a criadora intelectual (qualidade única e
exclusivamente pertencente à ora A...) das obras de arte (dos respetivos exemplares únicos ou originais) que aliena e expõe, os rendimentos que daí lhe advêm têm, forçosamente, consoante o caso, a natureza de mais-valias ou de capitais, não sendo tais rendimentos, deste modo, enquadráveis no conceito de rendimentos provenientes «do exercício (...) de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS» [cf. subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.ºdo CIRC].
I.3 Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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Os SIT consideraram que a artista plástica A... criou a referida sociedade para, através dela, exercer a sua atividade de artista plástica e, como tal, entendeu que aquela sociedade cumpria os requisitos legais estabelecidos na subalínea 2), da alínea a), do n.º 4 do art.º 6.º do CIRC para ser considerada uma sociedade de profissionais, sujeita ao regime obrigatório da transparência fiscal.
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Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS, não obstante a sua natureza e poderem, eventualmente, não serem reconhecidos como prestações de serviços, não afastam, por si, a sua qualificação como uma atividade prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
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Prova disso são exatamente as atividades exercidas pela Requerente sob a identidade “escultores” e “outros artistas plásticos” que constam da lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
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Torna-se irrelevante, para o efeito, a discussão de qual o enquadramento fiscal, em sede de IRS, a aplicar aos rendimentos provenientes «da exploração económica dos direitos de autor sobre as obras realizadas, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros» quando obtidos por pessoa diversa do respetivo titular originário (conforme é desenvolvido pela ora Requerente ao longo dos pontos 40.º a 47.º do ppa), quando o que importa relevar é se a atividade praticada pela Requerente através da atividade da sociedade B... está ou não consagrada na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
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Importa aqui realçar que, nos termos do art.º 67.º do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (“CDADC”), poderá o autor fruir e utilizar obra, no todo ou em parte, nomeadamente, divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, tendo o autor, de acordo com o art.º 68.º do mesmo diploma, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes, a sua exibição ou exposição em público ou qualquer forma de distribuição do original ou cópias da obra, tal como a venda, aluguer ou comodato.
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Também do RIT se retira que que as atividades exercidas pela sociedade B... (da qual a Requerente é sócia) visam a produção e criação das obras de arte da autoria da Requerente, não podendo as mesmas serem consideradas de forma autónoma, mas sim como necessárias à sua produção e criação.
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Assim, conforme evidenciado, apenas temos como comprovada a alienação de peças da autoria da Requerente, sua única criadora e única pessoa capaz de poder transmitir os direitos autorais sobre as mesmas, não detendo a sociedade essa prerrogativa dada, como se referiu anteriormente e como consta da legislação citada, o direito de autor pertencer ao criador intelectual da obra.
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Também ficou demonstrado e assumido pela Requerente que a sociedade foi criada para que a artista plástica, a Requerente, através dela exercesse a sua atividade de criação artística e de obras de arte plástica, não necessitando de recorrer a terceiros para a prestação de serviços relacionados com essa sua atividade e não existindo qualquer evidência de que tenha ocorrido qualquer transmissão dos direitos de autor para esta sociedade.
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Assim, os rendimentos que a sociedade B... registou contabilisticamente com a alienação das obras de arte, decorrem exclusivamente da atividade de produção artística exercida pela aqui Requerente e para a qual se encontra fiscalmente inscrita e possuindo enquadramento no art.º 151.º do CIRS.
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Nestes termos, ficou demonstrado que a atividade exercida pela Requerente através da sociedade B... consta da lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, e que os rendimentos obtidos pela sociedade B... provieram, em mais de 75 % (conforme demonstraram os SIT aquando da análise efetuada às rubricas de rendimentos daquela sociedade), do exercício daquela atividade profissional, não ficando afastada a aplicação do disposto na subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do art.º 6.º do CIRC.
II. SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
Inexistem questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. – MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões que compõem a lide, cumpre estabelecer a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e testemunhal e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente é uma artista plástica ou de artes visuais reconhecida pelas suas esculturas.
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A Requerente está inscrita em IRS e em IVA, como escultora (desde 25.01.2010), outros artistas (desde o mesmo dia de 25.01.2010) e como criação artística e literária (desde 15.09.2011).
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Em 2018, a sociedade B..., LDA (NIPC...), sociedade comercial por quotas, constituída nos anos de 2014 e de 2015 por dois únicos sócios pessoas singulares, a Requerente e C..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ..., Lisboa, adiante também designada por B..., foi objeto de ação inspetiva parcial aos exercícios de 2014 e 2015, em sede de IRC e IVA (ordens de serviço nºs OI2017... e OI2018..., respetivamente), da qual resultou o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que se encontra incluído no doc. n.º 7 ao pedido de pronúncia arbitral, que aqui se dá por reproduzido.
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Na sequência desta ação inspetiva à sociedade B..., em que se operou a correção do enquadramento fiscal da referida sociedade do regime geral para o da transparência fiscal, foram instauradas aos seus sócios, designadamente à Requerente, as ações inspetivas tituladas pelas ordens de serviço n.os OI2018... e OI2018..., de 10-10-2018, respetivamente para os anos de 2014 e 2015, em sede de IRS.
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O relatório final de inspeção tributária respeitante às referidas ordens de serviço n.os OI2018... e OI2018..., foi notificado à Requerente no dia 26.11.2018 e tem o seguinte conteúdo essencial, que incorpora, conforme nele se indica (III.1), transcrição do Relatório respeitante à B..., atendendo a que “no âmbito dos procedimentos inspetivos que se encontravam a realizar-se à sociedade B... LDA” “se constatou que a contribuinte A..., NIF ..., e o contribuinte C..., NIF..., eram os únicos sócios da referida sociedade, tendo cada um deles a participação, respetivamente, de 80,00% e de 20,00%, do capital social da referida sociedade” e que “se apurou que a Sociedade B... LDA, NIF..., nos exercícios de 2014 e de 2015, se encontra enquadrada no regime da transparência fiscal previsto na subalínea 2), da alínea a) do n.º 4, do art.º 6º, do CIRC”:
(…)
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A Requerente detinha, no decurso dos exercícios de 2014 e de 2015, 80% do capital social da B... .
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A B... fabrica os suportes materiais das obras de arte originais da Requerente, sendo toda a produção supervisionada pela própria Requerente.
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Todas as etapas das obras produzidas e fabricadas pela B... são acompanhadas e determinadas pela Requerente, desde o desenho até à sua conclusão.
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A atividade da sociedade B... consiste em:
Prestação de serviços de projetos e estudos de arquitetura, escultura e artes plásticas; Criação e produção de cenografias, guarda-roupa, vídeo, fotografia e joalharia.
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A sociedade B... encontrava-se inscrita/registada para o exercício da atividade de criação artística e literária, a que corresponde o CAE Principal 90030.
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A totalidade das faturas emitidas pela sociedade B... nos exercícios de 2014 e de 2015 dizem respeito a venda de “obras de arte” e/ou “peças de arte” da autoria da Requerente, a trabalhos de restauro de peças da autoria da Requerente, à participação da Requerente na ... com a construção de um pavilhão (pavilhão ...) e a exposição da obra de arte da Requerente (...).
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Nos exercícios de 2014 e de 2015 os rendimentos da sociedade B... que foram obtidos e inscritos nas contas 71, 72 e 73 (vendas de bens, prestações de serviços e variações nos inventários de produção) respeitam ao seguinte:
Exercício
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Rendimentos do exercício (cf. contas 7 dos Balancetes)
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Alienação de obras de arte (cf. contas 71)
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Exposição de obras de arte (cf. contas 721)
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Rendimentos não individualizados
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2014
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€ 4.583.881,24
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€ 3.581.530,12 (78,15%)
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€470.750,00 (10,27%)
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€ 531.601,12
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2015
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€ 3.336.627,39
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€ 2.376.501,30 (71,22%)
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€ 420.265,20 (12,60%)
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€ 539.860,89
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o que envolve as seguintes percentagens:
Exercício
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Total dos rendimentos do exercício
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Total dos rendimentos provenientes das contas 71+72+conta 73
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% dos rendimentos provenientes das contas 71+72+ 73 no total dos rendimentos do exercício
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2014
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€ 4.583.881,24
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€ 4.349.206,35
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94,88%
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2015
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€ 3.336.627,39
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€ 3.200.096,77
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95,91%
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A sede da B... constitui o local onde se encontra instalado o atelier da A..., sendo aí que são construídas/produzidas as obras de arte criadas/concebidas pela Requerente.
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Na decorrência das correções resultantes do RIT referido em 5, a Requerente foi notificada das liquidações de IRS 2014 nº 2018... de 29-11-2018, com valor a pagar de 1.283.133,42€ e IRS 2015 nº 2018... de 30-11-2018, com valor a pagar de 215.089,91€, bem como das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2018..., 2018..., 2018... e 2018 ... e atos de demonstração de acerto de contas n.ºs 2018... e 2018... .
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Em 9 de maio de 2019, a REQUERENTE apresentou, contra os identificados atos tributários, uma reclamação graciosa (procedimento n.º ...2019...), a qual foi indeferida, em 30 de dezembro de 2019, conforme doc. n.º 16 ao pedido de pronúncia arbitral que aqui se dá por reproduzido.
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Em 29 de janeiro de 2020, a REQUERENTE recorreu hierarquicamente dessa decisão de indeferimento, tendo sido posteriormente notificada da decisão final de indeferimento de 21 de julho de 2022 (procedimento n.º ...2020...) que recaiu sobre o Recurso Hierárquico, conforme doc. n.º 1 ao pedido de pronúncia arbitral que aqui se dá por reproduzido.
IV.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam do número 1 são factos públicos e notórios do conhecimento geral (art. 412º, n.º 1 do Código de Processo Civil - CPC).
Os factos que constam dos números 2 a 6, 9, 10, 14 a 16 são dados como assentes pela análise dos documentos 1 a 17 juntos pela Requerente, pelo processo administrativo e pela posição assumida pelas partes.
Os factos 11 e 12 resultaram dos balancetes juntos como docs. n.ºs 12 e 13 ao pedido de pronúncia arbitral e coincidem com as indicações materiais constantes do Relatório de Inspeção Tributária relativo à B... (vd., designadamente, o quadro 9 reproduzido no facto provado n.º 5), e foram explicitamente aceites no pedido de pronúncia arbitral (vd. alínea BB) do art. 1.º), verificando-se ainda a sua confirmação pela testemunha E... (contabilista certificada da Requerente).
Os factos que constam dos números 7 e 8 e 13 foram dados como provados com base no depoimento da testemunha D... (que se identificou como “responsável pela produção do atelier da artista A...”, fazendo todo o acompanhamento logístico e de produção das obras de arte e de exposições) e que afirmou de forma convincente e credível que a Requerente, relativamente às obras de arte que cria, concebe a ideia, a representação ou conceito, desenha, faz o esboço do objeto que quer materializar e, de seguida, intervém no processo de construção, na escolha dos materiais e na identificação dos objetos, os quais definem a dimensão da peça, acompanha a construção, a colocação dos elementos (“se o tacho é posto mais à direita mais à esquerda”), com uma equipa que trabalha com a Requerente no atelier (“que é a B...”, declarou) e decide tudo (“teve que criar uma empresa para conseguir produzir a sua obra porque uma das questões que a A... sempre teve ao longo dos anos é ter uma equipa que a acompanhasse e que seja capaz de ser autónoma na produção, fabricação da sua obra”). Mais disse a testemunha que não há obra que seja feita pela B... sem que a Requerente a acompanhe (“não há nenhuma obra que seja produzida que não seja acompanhada pela A...; mesmo se uma parte é feita numa metalúrgica, a A... acompanha sempre, acompanha todas as decisões construtivas, seja no atelier com as equipas de artesãos que trabalham e produzem, por exemplo, a obra têxtil, é ela que dá as diretivas, é ela que decide as cores, é ela que, pronto, que decide tudo; não há nada que seja feito sem que ela acompanhe”).
A testemunha E... (contabilista certificada da Requerente e da B...), de modo igualmente convincente, confirmou que, no âmbito da B..., cuja atividade caracterizou como “indústria transformadora, fabricação e produção das obras”, a Requerente acompanha a produção e tem a última palavra sobre a produção da obra (pois, como declarou, a “A... não queria estar sempre a recorrer a entidades externas e a prestadores também externos, o que ela quer é ter uma equipa interna sempre presente que faça as suas obras, que consiga estar sempre com a equipa ao pé de si”, “a A... idealiza a sua obra”, “mostra a ideia que tem à sua equipa, inicialmente de arquitetos e eles fazem o esboço da ideia, e ela vai dizendo, não, prefiro, não, quero assim”, “depois da arquitetura (...), vai para a equipa de costura, têxtil, parte da oficina”, “depois da obra estar a começar a ser feita, quando a A... vai à empresa vai averiguando, se está aquilo que ela idealiza, às vezes pode haver uma cor ou outra, ela diz não, não, esta cor não fica aqui bem, muda”, “ela tem a última palavra”, “vai acompanhando o processo”), assim também formando a convicção do Tribunal quanto aos factos provados 7, 8 e 13.
V. Do Direito
V.1. A questão decisiva em julgamento suscitada pela Requerente em relação aos atos tributários impugnados consiste em apurar se sociedade B... de que a Requerente é sócia está ou não sujeita ao regime da transparência fiscal previsto no art. 6.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, al. a), 2) do CIRC.
Em atenção a esta questão global, a Requerente invoca, no seu pedido de pronúncia arbitral, como causas de pedir para a anulação dos atos de liquidação adicional de IRS n.ºs 2018 ... e 2018 ..., de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018 ..., 2018 ..., 2018 ... e 2018 ... e dos atos de demonstração de acerto de contas n.ºs 2018 ... e 2018 ..., bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que as mantiveram, três erros nos pressupostos, a saber (cfr. art. 4.º do pedido de pronúncia arbitral): a) a atividade exercida pela Requerente não constitui uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS; b) a Requerente não exerceu essa ou qualquer outra atividade, total ou parcialmente, através da B...; c) e, por maioria de razão, mais de 75% dos rendimentos da B... não provieram «do exercício pela sócia A... de atividades profissionais que se encontram especificamente previstas na lista a que se refere o art.º 151.º, do CIRS”.
Vejamos, então, em atenção aos fundamentos de ilegalidade que assim foram alegados pela Requerente, a referida questão atinente à aplicação à sociedade B... do regime do artigo 6.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, al. a), 2) do CIRC.
V.2. A norma do art. 6.º do CIRC prevê um regime de transparência fiscal, o qual, tal como consta do preâmbulo do CIRC, visa prosseguir “(…) objetivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios (…)”
O objetivo da neutralidade fiscal implica que na tributação não seja tida em conta a forma jurídica adotada pelos sujeitos passivos, sendo tributados os respetivos sócios ou membros como se exercessem diretamente a atividade prosseguida pela sociedade.
O objetivo do combate à evasão fiscal está igualmente presente na adoção do regime de transparência fiscal, na medida em que se procura obviar, com tal regulação, que sejam constituídas sociedades apenas com a finalidade de fuga aos impostos.
O último objetivo é o da eliminação da dupla tributação dos lucros distribuídos aos sócios, na medida em que se afasta da tributação em sede de IRC as sociedades e outras entidades abrangidas por esse regime, obstando-se a que o resultado por elas apurado seja duplamente tributado: na esfera da própria sociedade ou entidade transparente e na esfera dos respetivos sócios ou membros.[1]
Aqui chegados, impõe-se determinar se se verificam, ou não, no caso sub judice, os pressupostos para a aplicação do regime da transparência fiscal.
O art. 6.º, n.º 1, al. b) do CIRC prevê o seguinte:
“1 — É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) (…);
b) Sociedades de profissionais;
(….)”
Deste modo, nas sociedades profissionais a matéria coletável apurada segundo as regras previstas no CIRC para as sociedades com sede em Portugal é imputada aos respetivos sócios pessoas singulares como rendimento tributável para efeitos de IRS.
Citando Brás Carlos: “É da essência da transparência fiscal, que a sociedade funcione, no final do exercício, como um mero ente imputador de resultados. Esta é a verdadeira natureza das sociedades sujeitas ao regime de transparência.”[2].
Nos termos do art. 20.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRS esse rendimento integra-se na categoria B do IRS.
Prossegue o art. 6.º, n.º 4, a), 2) do CIRC, estatuindo o seguinte:
“4 — Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais:
2) A sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75 %, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade;”
Assim, para efeitos de enquadramento nos conceitos transcritos importa considerar quer a qualidade e número dos detentores das partes sociais e percentagem de capital detido, quer a proveniência dos rendimentos obtidos face às diversas atividades profissionais constantes na lista anexa ao artigo 151.º do Código do IRS, assim como o facto de os sócios exercerem, ou não, a sua atividade profissional através da sociedade.
Vejamos, então, se, no caso em apreço, a sociedade B... deve ser sujeita ao regime de transparência fiscal. Para o efeito, é necessário que se verifiquem de forma cumulativa os seguintes pressupostos:
• A sociedade ter rendimentos, em mais de 75 %, do exercício de atividades profissionais;
• Essas atividades profissionais estarem especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS;
• Durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público;
• Pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade.
V.3. Importa começar por referir que a a redação em causa do artigo 6.º, n.º 4, alínea a) do CIRC foi introduzida originariamente pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, com aplicação aos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de janeiro de 2014 (art. 14.º), definindo, então, como sociedade de profissionais, não apenas a sociedade constituída para o exercício de uma actividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade, mas igualmente a sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas na lista constante do artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, em qualquer dia do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75 % do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade.
Depois, a Lei n.º 82-C/2014 de 31 de dezembro, aplicável após 01.01.2015 (art. 17.º, n.º 1), alterou o art. 6.º, nº 4, al. a), 2) do CIRC, estabelecendo a necessidade de ser considerado, para efeitos da verificação dos pressupostos pertinentes, não qualquer dia do período de tributação, mas “mais de 183 dias do período de tributação”.
Atendendo a que estas diferenças redaccionais incidem apenas sobre o requisito temporal, elemento que não suscita qualquer questão nos autos dada a factualidade provada nos n.ºs 3 e 6, da qual resulta que durante todo o ano de 2014 e todo o ano de 2015, a sociedade B..., com dois sócios pessoas singulares, detendo a Requerente 80% do capital social, não assume pertinência diferenciar, em atenção às versões legislativas ratione temporis aplicáveis, o ano de 2014 e o ano de 2015.
O legislador, com as alterações referidas, alargou o conceito de sociedade de profissionais, passando a considerar sociedades profissionais as sociedades cujos rendimentos provenham em mais de 75% do exercício de atividades profissionais previstas na lista a que o art. 151º do CIRS se refere, com o que introduziu uma nova definição de sociedades de profissionais não dependente nem da identidade de profissão dos sócios nem da exclusividade do exercício de atividades profissionais previstas especificamente na referida lista. Face à esta breve referência histórica, verificamos que a intenção do legislador foi de alargar o âmbito de aplicação do regime da transparência fiscal. A história evolutiva deste instituto faz-nos compreender o que pretendeu o legislador.
V.4. Subsumindo ao caso em apreço, começa-se por apreciar a alegação (arts. 5.º a 18.º do pedido de pronúncia arbitral) de que a Requerente não exerce uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, porquanto “a A... exerce uma atividade autoral independente, por efeito da qual cria obras do domínio artístico” e, assim, “a A... não exerce uma atividade de prestação de serviços de caráter artístico, pelo que erram os SIT quando assumem que aquela exerce uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS”.
A atividade profissional é aquela que respeita ao exercício de uma profissão, onde se insere a profissão de escultor ou de artista plástico.
Quanto à inserção da atividade profissional na lista a que se refere o art. 151º do CIRS, devemos começar por reproduzir a citada norma:
As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
Esta norma, indica, portanto, duas tabelas que elencam as atividades sujeitas a IRS:
- a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE);
- A Tabela de Atividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRS (Tabela de Atividades do IRS[3]).
Começando pela CAE, nela consta a seguinte atividade: 9003 – Criação artística e literária. A CAE 9003 inclui pintores, escultores ou escritores[4]. Com efeito, segundo as Notas Explicativas da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas, Revisão 3[5], o CAE 90030 compreende “as atividades de artistas individuais como pintores, escultores, escritores, caricaturistas, compositores, gravadores de arte ao cinzel (inclui gravadores a água forte), restauro de obras de arte (inclui objetos de coleção de museus) e outras atividades artísticas individuais similares”.
Quanto à tabela de atividades do IRS, aprovada pela Portaria n.º1011/2001 de 21 de Agosto[6], dela constam as seguintes atividades no ponto 2 “Artistas plásticos e assimilados, atores e músicos”: 2012 – Escultores; 2015 – Outros artistas.
Realçamos também a tabela de Atividades de Elevado Valor Acrescentado[7]. Embora o art. 151º não faça remissão para ela, uma vez que esta só se aplica às atividades de elevado valor acrescentado a desenvolver por residentes não habituais (art. 72º, n.º 10 e 81º, n.º 5 do CIRS), a tabela de Atividades de Elevado Valor Acrescentado tem o seguinte conteúdo:
“I - Atividades profissionais (códigos CPP):
(…)
265 - Artistas criativos e das artes do espetáculo”
De acordo com a Classificação Portuguesa de Profissões (CPP)[8] o código 265 relativo a “Artistas de artes visuais (plásticas)” inclui: “Compreende as profissões de escultor, pintor de arte, caricaturista e outros artistas das artes visuais, com especial incidência na execução de obras de arte através da escultura, pintura, desenho, criação de cartoons, gravura ou outras técnicas.”. Deste modo a atividade de escultor está expressamente prevista no código 2651.1, explicitando a CPP que este código “Escultor” “Compreende as tarefas e funções do escultor que consistem, particularmente, em: • Criar figuras representativas, abstratas e decorativas a três dimensões ou modelar formas, utilizando madeira, pedra, barro, gesso, metal e outros materiais e técnicas diversas; • Esboçar, se necessário, a obra e fazer um modelo à escala, num material mais manejável, inspirando-se num original ou na imaginação e sentido estético; • Talhar ou moldar, recortar e soldar e/ou montar objetos, combinando massas, superfícies e linhas de forma a obter a obra previamente concebida”.
Face ao exposto, verificamos que a atividade profissional de escultor, de execução de obras de arte através de escultura, ou de artista plástico consta especificamente da CAE, da Tabela de Atividades do IRS e da Tabela de Atividades de Elevado Valor Acrescentado.
V.5. Retomando ao caso em juízo, importa ter presente que o requisito atinente à proveniência dos rendimentos do exercício de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS previsto na subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do art. 6.º do CIRC concerne imediatamente a própria sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, ou seja, no caso em apreço, à B... . Como a Requerente observa nas suas alegações (n.º 4), a “aplicação do regime da transparência fiscal às sociedades de profissionais pressupõe, desde logo: (...) Que a atividade exercida pela sociedade seja suscetível de ser qualificada como uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS; e (...) Que (pelo menos) um dos sócios seja uma pessoa singular que exerça a mesma atividade profissional que é exercida pela sociedade”.
Ora, a este respeito, há que observar que, nas suas alegações (vd. n.ºs 6.º-1 e B.1.), de modo distinto do que ocorreu no pedido de pronúncia arbitral onde tal questão não foi especificamente suscitada (vd. acima o ponto I.2), a Requerente aditou a consideração, como “1.º erro sobre os pressupostos de facto e de direito”, de que a “B... exerce uma atividade industrial e de construção (e não, portanto, uma atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS)”.
Deixando de lado a admissibilidade processual da suscitação apenas na fase das alegações desta questão, é suficiente assinalar que esta alegação carece de sustentação em atenção aos factos dados como provados: a B..., que fabrica os suportes materiais das obras de arte originais da Requerente (facto provado n.º 7), tem como atividade a prestação de serviços de projetos e estudos de arquitetura, escultura e artes plásticas e a criação e produção de cenografias, guarda-roupa, vídeo, fotografia e joalharia (facto provado n.º 9), encontra-se registada para o exercício da atividade de criação artística e literária, com o CAE Principal 90030 (facto provado n.º 10) e a totalidade das faturas que emitiu nos exercício de 2014 e 2015 respeitam à venda de “obras de arte” e/ou “peças de arte” da autoria da Requerente, a trabalhos de restauro de peças da autoria da Requerente, e à participação da Requerente na ... com a construção de um pavilhão e a exposição da obra de arte da Requerente (facto provado n.º 11). A B... é, pois, como a própria Requerente a caracteriza nas alíneas L, M, N, O do art. 1.º do pedido de pronúncia arbitral, uma “empresa de produção de obras de arte”, “uma sociedade de produção de obras de arte”, que desenvolve a “atividade de prestação de serviços necessários à produção (fabricação), exposição e venda das suas [da Requerente] obras de arte originais”. Assim, as atividades materiais de indústria e construção a que a Requerente se reporta (atividades de costureiros, carpinteiros, serralheiros, eletromecânicos, eletricistas), as quais, diga-se, não encontram registo como tais nas contas 71, 72 e 73 – cfr. facto provado n.º 12) não possuem qualquer autonomia própria, mas são antes operações necessárias à produção ou exposição dos objetos de arte.
Conclui-se, pois, que a B..., de que a Requerente, nos anos em consideração, é sócia na percentagem de 80% do capital social, exerce as atividades de escultura e artes plásticas, designadamente a produção (fabricação), exposição e venda das obras de arte originais da Requerente, atividades de escultura e artes plásticas que estão especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, designadamente no ponto 2 (artistas plásticos e assimilados, atores e músicos), códigos 2012 (escultores) e 2015 (outros artistas), da lista aprovada pela portaria n.º 1011/2001.
V.6. Observe-se, seguidamente, que é destas atividades que provieram em mais de 75%, nos exercícios de 2014 e 2015, os rendimentos da B..., conforme foi dado como provado nos factos n.ºs 11 e 12.
Na verdade, mais de 75% dos rendimentos da sociedade resultaram da atividade profissional (escultura) associada à Requerente e às suas obras de arte, constituindo, pois, rendimentos derivados do exercício de atividades artísticas, especificamente de vendas das obras de arte da autoria da Requerente (conta 71), de prestações de serviços relacionadas com exposições, projetos e restauro de peças da Requerente (conta 72) ou ainda dos proveitos relacionados com as variações nos inventários de produção em produtos acabados e intermédios (conta 73). Este facto, como se indicou, resulta do quadro 9 do Relatório de Inspeção (vd. facto provado n.º 5), cujos valores não foram postos em causa, e foi confirmado pela testemunha E... (contabilista certificada da Requerente). Esta testemunha confirmou que só a Requerente procura e utiliza os serviços da B... .Os museus que recorrem à sociedade estão relacionados com obras da Requerente.
Pela análise dos balancetes (contas 71, 72 e 73) em 2014, 94,88% dos rendimentos da B... provieram do exercício de atividades de escultura e artes plásticas (vendas e exibições de obras) respeitantes às obras de arte da A... e em 2015 essa percentagem subiu para 95,91%.
Depois, cabe assinalar que resulta da factualidade dada como provada que as atividades realizadas pela B... de produção (fabricação), exposição e venda das obras de arte da autoria da Requerente, que a B... faturou e de que provieram os seus rendimentos (vd. os indicados factos provados n.ºs 11 e 12), são decididas e conformadas pela própria Requerente, que assim exerce as suas atividades profissionais de escultora ou artista plástica e de artes visuais (vd. os factos provados n.ºs 1 e 2) através da B... .
Repare-se, na verdade, que ficou dado como provado nos n.ºs 7, 8 e 13 que a fabricação pela B... dos suportes materiais das obras de arte originais da Requerente constitui uma produção supervisionada pela própria Requerente e que todas as etapas das obras produzidas e fabricadas pela B... são acompanhadas e determinadas pela Requerente, desde o desenho até à sua conclusão, e que é no atelier da Requerente, instalado na sede da B..., que são construídas as obras de arte concebidas pela Requerente. Deste modo, a B... “produz (fabrica) a obra de arte original, procede à montagem da instalação e executa a encenação, com recurso às suas equipas de produção” (alínea F. do art. 1.º do pedido de pronúncia arbitral) nos termos e segundo as orientações estabelecidas pela Requerente, que desenvolve, assim, pela estrutura societária da B..., a sua atividade criativa, mas também profissional de produção de obras de arte originais.
A Requerente realiza, pois, mediante a sociedade B... de que é sócia, a sua atividade artística de produção de obras de arte, de exteriorização e materialização das suas criações de artes plásticas. Para recorrer à citação em que a Requerente e o RIT coincidem (vd. alínea C) do art. 1.º do pedido de pronúncia arbitral e n.º 1.º-10 das alegações): “Todas as etapas das obras são acompanhadas por si, desde o desenho até à sua conclusão porque sabe que por mais que haja explicações, é o artista que conhece a obra e sabe exatamente o que pretende e onde quer chegar”.
E bem se compreende que toda esta atividade concreta e material de produção das obras de arte originais, ainda que realizada no âmbito da B..., seja determinada e ordenada pela Requerente, porquanto, nos termos do art. 1.º, n.º 1 do CDADC, consideram-se obras “as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas”, e, assim, ainda que a obra não se confunda com a sua exteriorização no suporte material, a criação intelectual do domínio artístico tem sempre de “encarnar numa determinada maneira de expressão”[9], tem de traduzir-se num “objeto identificável com suficiente precisão e objetividade”[10], sendo a expressão formal criativa que constitui a situação jurídica protegida pelo Direito de Autor, pela qual o “autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, direta ou indiretamente, nos limites da lei” (art. 67.º, n.º 1 do CDADC). A fixação externa da obra num suporte material estável é, aliás, particularmente relevante para as obras de escultura (cfr. art. 2.º, n.º 1, al. g) do CDADC), porquanto nestas não há obra sem uma primeira encarnação[11], o original, comummente designado como exemplar único.
Observa-se, pois, que a Requerente, por intermédio da sociedade B... em que é titular de uma quota de 80% do capital social, desenvolve a atividade profissional especificamente prevista na lista a que se refere o art. 151.º do CIRS de escultora ou artista plástica (códigos 2012 (escultores) e 2015 (outros artistas) indicados na Portaria n.º 1011/2001).
Daí que, como significativamente se declara no pedido de pronúncia arbitral (alínea Y do art. 1.º; cfr. também art. 26.º), “a A... optou (...) por permitir que fosse a B... a faturar as exposições e as vendas das obras de arte originais da sua autoria, mediante prévia certificação dos respetivos exemplares únicos (produzidos por essa B...) como obras de arte da sua autoria”. Efetivamente, os rendimentos registados contabilisticamente na B... (cfr. factos provados n.ºs 11 e 12), que são atinentes à alienação, restauro e exposição de obras de arte, decorrem da atividade de produção artística exercida pela Requerente, que é, portanto, desenvolvida por intermédio da B... .
V.7. Comprovado materialmente que a B... tem rendimentos, em mais de 75 %, do exercício da atividade profissional de artes plásticas especificamente prevista na lista a que se refere o art. 151.º do CIRS e que a Requerente, titular de 80% do capital social da B..., exerce essa atividade profissional através da B..., importa assinalar que a argumentação essencial em que a Requerente centra as suas alegações de não exercício da sua atividade profissional, total ou parcialmente, através da B... e que, por maioria de razão, mais de 75% dos rendimentos da B... não provieram «do exercício pela sócia A... de atividades profissionais que se encontram especificamente previstas na lista a que se refere o art.º 151.º, do CIRS”, concerne especificamente a uma questão de qualificação e categorização dos rendimentos obtidos pela B... (cfr. os factos provados n.ºs 11 e 12).
Essa argumentação prende-se com invocação de que a Requerente exerce “uma atividade autoral independente, por efeito da qual cria obras do domínio artístico”, que é “geradora de rendimentos de propriedade intelectual/de rendimentos de direitos de autor e de direitos conexos”, pois “tanto a venda como a exposição de obras de arte originais constituem manifestações do exercício dos direitos patrimoniais compreendidos do direito de autor” e “os rendimentos derivados da alienação e da exploração de obras de artes plásticas assumem a natureza de rendimentos provenientes da propriedade intelectual [cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS], considerando-se como tais os provenientes de direitos de autor e de direitos conexos (cf. n.º 5 do cit. artigo 3.º do CIRS)”.
Nesta base, sustenta a Requerente (vd. arts. 17.º, 38.º e segs., 45.º a 47.º do pedido de pronúncia arbitral e n.ºs 15, 28, 32, 81 das alegações) que o art. 6.º, n.º 4, alínea a), subalínea 2, do CIRS, ao referir o exercício de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS apenas considera os rendimentos empresariais e profissionais “auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior” (al. b) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS), o que exclui os “provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário” (al. c) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS), não podendo igualmente ser considerados como rendimentos provenientes de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do CIRS os rendimentos da B... de alienação e exposição das obras de artes plásticas da autoria da Requerente, pois, porque obtidos por pessoa diversa do respetivo titular originário, revestem “a natureza de mais-valias ou de capitais, consoante o facto que lhes dê origem se consubstancie, respetivamente, numa alienação ou numa cessão ou utilização temporária de direitos da propriedade intelectual”, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS e da alínea m) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS.
Vejamos, então, se esta matéria conceitual ou qualificativa tem enquadramento no disposto na subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do art. 6.º do CIRC, o que exige, evidentemente, a sua devida interpretação.
No que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer, por remissão do art. 11.º, n.º 1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9.º, n.º 1 do C.C. estabelece o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Também como refere Oliveira Ascensão, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei remete para a lista prevista no art. 151º do CIRS onde expressamente consta a atividade de escultor e artista plástico, não dependendo essa remissão da classificação dos rendimentos dentro da categoria B do IRS ou do seu enquadramento como rendimentos de outras categorias para efeitos de IRS. Pelo que, salvo melhor opinião, o legislador pretende submeter a situação sub judice ao regime de transparência fiscal independentemente de se tratar de rendimentos classificados pela al. a), b) ou c) do art. 3º, n.º 1 do CIRS. O legislador não distingue.
O legislador no art. 6º, n.º 4, a), 2) do CIRC ao remeter para a lista do art. 151º do CIRS não fez qualquer tipo de distinção quanto à natureza dos rendimentos, ou seja, não distinguiu os rendimentos previstos nas als. a), b) ou c) do art. 3º, n.º 1 do CIRS ou previstos noutras categorias, como mais-valias ou rendimentos de capitais do IRS. A possível inserção dos rendimentos em alguma das classificações previstas nesta normas do CIRS não afasta a sua qualificação como uma atividade prevista na lista a que se refere o art. 151º do CIRS.
Na verdade, o que importa relevar é que a atividade está consagrada na lista a que se refere o art. 151º do CIRS, sendo irrelevante, para a aplicação do regime da transparência fiscal, a sua qualificação dentro dos rendimentos da categoria B ou em outras categorias do CIRS. Pelo que, na ausência de qualquer motivo justificativo, aplicando o brocardo latino ubi lex non distinguir, nec nos distinguere debemus (“onde a lei não distingue, não deve o intérprete fazê-lo”), não devemos considerar que os rendimentos que possam ser integrados na al. c), n.º 1, do art. 3º do CIRS ou que possam ser enquadrados na alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º ou na alínea m) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, não estão incluídos na lista a que refere o art. 151º do CIRS.
Esta solução tem inteira razão de ser e justificação sistemática porquanto a estatuição jurídica decorrente da aplicação do regime da transparência fiscal previsto no art. 6.º do CIRS é, como se disse, segundo estabelece o n.º 1 deste preceito, a imputação no rendimento tributável dos sócios pessoas singulares da matéria coletável determinada nos termos do Código do IRC, imputação essa que, por força do art. 20.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, consiste na integração das respetivas importâncias como rendimento líquido na categoria B.
Como tal, quando está em causa a aplicação do regime de transparência fiscal relativamente a sócios pessoas singulares da entidade transparente, a matéria coletável determinada nos termos do Código de IRC é imputada aos sócios, integrando-se, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS como rendimento líquido da categoria B (art. 20.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRS).
Deste modo, o que caracteriza o regime de transparência fiscal é, para utilizar uma formulação expressiva de Saldanha Sanches[12], que o sócio “vai ser tributado com uma transformação do rendimento da sociedade num rendimento que lhe é imputado”.
Não se trata, pois, aqui, ao contrário do que parece sustentar a Requerente, de uma transformação do rendimento da sociedade em categorias de rendimento para efeitos de IRS.
De facto, para a determinação de que a sociedade B... deve ser sujeita ao regime de transparência fiscal, não releva a direta qualificação e termos da categorização em IRS dos rendimentos que, em teoria, seriam individualmente obtidos por uma pessoa singular; precisamente, esses rendimentos não foram obtidos por uma pessoa singular, mas por uma sociedade comercial sujeita, como sociedade profissional, à transparência estabelecida pelo art. 6.º do CIRC. Por isso, o que está em jogo é a imputação à Requerente do rendimento líquido, assente no lucro, como diferença entre rendimentos (proveitos, ganhos) e outras componentes positivas e gastos (custos, perdas) e outras componentes negativas, obtido pela sociedade B..., LDA, ou, para ser tecnicamente exato, a imputação da matéria coletável determinada por aquela sociedade em atenção ao seu tratamento como entidade transparente, nos termos do n.º 1 do art. 6.º do CIRC.
Esta aplicação das regras do IRC é um “instrumento essencial na definição do regime” da transparência fiscal: como acima se antecipou, as “entidades transparentes são “centros unitários de referência” para calcular os valores de base que deverão ser imputados aos seus sócios ou membros, cálculo que se faz observando as disposições do Código do IRC”, complementando o CIRS (art. 20.º, n.ºs 1 e 2) esta disciplina “ao estabelecer, no caso de os sócios ou membros serem pessoas singulares, qual a categoria de rendimentos em que são integrados os valores imputados”[13].
E a matéria coletável que é imputada por força da transparência fiscal integra a categoria B do IRS como rendimento líquido (cfr. arts. 20.º, n.ºs 1 e 2 e 28.º, n.º 1, do CIRS) justamente porque os gastos e perdas dedutíveis já foram subtraídos em sede de determinação da base tributável de acordo com as regras do IRC.
Recorde-se, aliás, que, em sede de IRC, as diferenciações existentes para efeitos do apuramento da matéria coletável não assentam na origem ou fonte dos rendimentos obtidos, com uma correspondente categorização dos rendimentos, tal como se observa em sede de IRS com as diferentes categorias de rendimentos, em que se identificam e individualizam modalidades de realidades económicas que envolvem a perceção de um rendimento, mas baseiam-se na natureza e atividade do sujeito passivo de IRC (cfr. art. 3.º do CIRC).
O rendimento proveniente de uma sociedade profissional imputado nos termos do regime da transparência fiscal, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do CIRC, conjugado com o artigo 20.º, n.º 1 e 2 do CIRS, é objeto de liquidação e tributação em IRS, nos moldes que resultam da sua determinação em IRC, mediante o seu enquadramento como rendimento líquido da categoria B – o que a lei, justamente, qualifica como “imputação especial”.
Assim, não há aqui “um problema autónomo de determinação da matéria colectável, porque esta já foi determinada pelas regras do CIRC”- e daí que o art. 28.º, n.º 1 do CIRS exclua dos modos de determinação da matéria colectável da categoria B os casos de transparência fiscal (“A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º”)[14].
Na síntese dos acórdãos do TCA Sul de 14.01.2021, proc. n.º 179/06.8BEALM e de 10.02.2022, proc. n.º 949/09.5BELRS: “quando estamos perante sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, designadamente sociedades de profissionais, como sucede in casu, estas não são tributadas em sede de IRC (cfr. art.º 12.º do CIRC: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC”). No entanto, a sua matéria coletável é apurada nos termos do CIRC, sendo ulteriormente imputada aos sócios e tributada de acordo com o regime aplicável a esses mesmos sócios (IRC ou IRS). Caso os sócios sejam pessoas singulares, a tributação é feita ao nível da categoria B do IRS”.
Por tudo isto, a argumentação desenvolvida pela Requerente quanto à distinção, em atenção às diversas alíneas do n.º 1 do art. 3.º do CIRS ou aos arts. 5.º e 10.º das categorias de rendimentos aplicáveis às pessoas singulares entre rendimentos que decorrem da autoria/criações de obras do domínio literário, artístico ou científico, rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual e rendimentos de prestação de serviços de carácter científico, artístico ou técnico carece de aplicação e justificação para a situação dos autos, dado que se trata aqui da imputação de rendimentos obtidos no âmbito da sociedade de profissionais sujeita à transparência fiscal relativamente à qual opera a resposta especial e precisa do art. 20.º, nºs 1 e 2 do CIRS.
A aplicação do regime de transparência fiscal das sociedades de profissionais definidas na subalínea 2) da alínea a) do n.º 4 do art. 6.º do CIRC não depende, portanto, do enquadramento dos resultados fiscais da sociedade comercial profissional considerada entidade transparente nas categorizações próprias da tributação em IRS, mas diretamente de os rendimentos obtidos provirem de atividades profissionais especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
V.8. Resta sintetizar o enquadramento da situação sub judice no disposto no art. 6.º, n.º 4, a), 2) do CIRC.
O regime de transparência fiscal aplica-se às atividades profissionais incluídas na tabela de atividades (CAE e Tabela do IRS), o que abrange as que se considerem artísticas[15].
A sociedade B... teve rendimentos, em mais de 75 %, provenientes do exercício das atividades profissionais de escultura e artes plásticas especificamente previstas na lista a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
Durante a totalidade dos exercícios de 2014 e 2015 os sócios da B... foram apenas dois (A... e C...). Assim, nestes exercícios, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não foi superior a cinco, nem nenhum deles era uma pessoa coletiva de direito público.
Por fim, 80 % do capital social era detido pela Requerente que exerceu a atividade de escultora e artista plástica, pelo menos parcialmente, através da sociedade.
Em conclusão, verificam-se todos os pressupostos previstos no art. 6º, n.º 1, al. b) e n.º 4, al. a), 2) do CIRC, estando a B... sujeita ao regime da transparência fiscal, o que implica a imputação à Requerentes, nos exercícios em causa de 2014 e 2015 da matéria coletável determinada naquela sociedade, como se promoveu com as liquidações adicionais de IRS sindicadas.
Destarte, julga-se improcedente o presente pedido arbitral.
VI) DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:
a) Julgar integralmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS n.ºs 2018 ... e 2018 ..., de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2018 ..., 2018 ..., 2018 ... e 2018 ... e dos atos de demonstração de acerto de contas n.ºs 2018 ... e 2018 ... e em consequência absolver a Requerida do pedido;
b) Condenar a Requerente nas custas do processo face ao decaimento.
Fixa-se o valor do processo em €1.500.791,62 (um milhão, quinhentos mil, setecentos e noventa e um euros e sessenta e dois cêntimos) nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €20.196,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, de 4 de Setembro de 2023
A Presidente do Tribunal Arbitral
( Fernanda Maçãs )
O Árbitro vogal - relator
(André Festas da Silva)
O Árbitro vogal
(João Menezes Leitão)
[1] Cf. DGCI, Código do IRC Comentado e Anotado, 1990, p. 95-6.
[2] In A.F. Brás Carlos, Sociedades de Profissionais: Nota sobre a Circular 8/90 da DGCI, Fisco n.º 19, de Abril de 1990, p. 9.
[3] D.L. n.º 381/2007 de 14 de Novembro e Portaria n.º 1011/2001 de 21 de Agosto.
[4] Neste sentido Cf. Ricardo da Palma Borges e António Freitas Vilar, O artista à luz do CIRS e das Convenções para evitar a dupla tributação, apud A tributação das actividades artísticas, aspectos essenciais, Almedina, 2023, pág. 33
[5] Publicadas conforme Deliberação n.° 786/2007, do Instituto Nacional de Estatística, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 92, de 14 de Maio de 2007, págs. 12516 e segs.. Vd. Instituto Nacional de Estatística, Classificação Portuguesa das Actividades Económicas Rev.3, Lisboa, 2007, pág. 261.
[6] Foi recentemente alterada pela Portaria n.º 23/2022, de 07/01 em termos que não relevam para os autos.
[7] Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro, alterada pela Portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho.
[8] Publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010.
[9] Vd. Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra, 1992, p. 60.
[10] Vd., entre muitos, o acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2018, Levola Hengelo, C‑310/17, n.° 40.
[11] Vd. ainda Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 63.
[12] Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 3.ª ed., p. 294.
[13] As citações pertencem ao texto clássico de Maria de Lourdes Correia e Vale/Manuel Henrique de Freitas Pereira, “Não aplicação do regime de transparência fiscal às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)”, in Fisco, n.º 17 (Fev 1990), p. 39.
[14] Vd. Xavier de Basto, IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra, 2007, p. 167.
[15] Neste sentido cf. Rui Marques e Sónia Martins Reis, A tributação das actividades artísticas em sede de IRC: subsídios para a sua compreensão, apud A tributação das actividades artísticas, aspectos essenciais, Almedina, 2023, pág. 81
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