SUMÁRIO:
1. A Autoridade Tributária tem a possibilidade de revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja legalidade foi suscitada, praticando, quando necessário acto tributário substitutivo ao abrigo do disposto no artigo 13.º do RJAT.
2. Tendo a Requerente declarado que pretende o prosseguimento da lide, apesar de satisfeitos todos os pedidos constantes do PPA estamos perante uma inutilidade superveniente da lide aplicável por força do artigo 277.º do CPC alínea e) ex vi do artigo 29.º do RJAT.
3. A Requerente é responsável pelas custas.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 05-07-2022, decide o seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., e com sede na Rua ..., ..., ..., salas ... e ... ..., Pombal, ...‐...Pombal, (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista a:
a. para se pronunciar sobre a ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (cf. Documento 1), formado em 30 março de 2022, e, consequentemente, dos actos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”), no montante global de € 49.558,75, que aqui se juntam (cf. Documento 2) e se dão por reproduzidos.
a) Seja declarado ilegal o indeferimento tácito formado em 30 de março de 2022 ao abrigo do artigo 78.º da LGT;
b) Sejam parcialmente anulados os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de AIMI abaixo identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito com as seguintes consequências;
i) Com referência ao acto tributário de liquidação de IMI relativo ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 13.482,34;
ii) Com referência ao acto tributário de liquidação de IMI relativo ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 12.054,47;
iii) Com referência ao acto tributário de liquidação de IMI relativo ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 11.989,09;
iv) Com referência ao acto tributário de liquidação de IMI relativo ao ano 2019, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 12.032,84
c) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de € 49.558,75 (quarenta e nove mil quinhentos e cinquenta e oito Euro e setenta e cinco cêntimos) relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
A título subsidiário, e sem prescindir, requer que:
c) Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-05-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 15-06-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-07-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 22-09-2022 em que requer a declaração da extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT uma vez que: «Por Despacho de 31 de maio de 2022 da Subdiretora Geral do Património da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 168.º e do n.º 3 do artigo 171.º do Código do Procedimento Administrativo, foram anulados com efeitos retroativos os atos de fixação do valor patrimonial (VPT) dos prédios urbanos identificados no mapa junto em anexo. A revogação dos atos de avaliação dos VPT dos imóveis em causa nos presentes autos foi comunicada ao CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT, a 02.06.2022».
Por despacho de 16-12-2022, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e Alegações das Partes.
Em 16-12-2022 com efeito a partir de 07.01.2023, 05-03-2023 e 05-05-2023 foi prorrogado o prazo de prolação da sentença por dois meses em nome da necessidade de integrar a harmonização jurisprudencial de que deu notícia a Requerida em 05-04-2023.
Foi cumprido o contraditório.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
a. A Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI (cf. Documento 2):
i. Liquidações com os n.os 2016 ..., 2016 ..., 2016 ... referentes ao ano 2016, no montante total de € 63.502,66;
ii. Liquidações com os n.os 2017..., 2017 ..., 2017 ... referentes ao
ano 2017, no montante total de € 58.100,84;
iii. Liquidações com os n.os 2018 ..., 2018 ..., 2018 ... referentes ao
ano 2018, no montante total de € 54.711,28;
iv. Liquidações com os n.os 2019..., 2019 ... e 2019... referentes ao ano 2019, no montante total de € 51.321,05.
b. A AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de IMI referente a estes anos.
d. A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respectivas liquidações de IMI supra identificadas.
e. A Requerente não se conformando com a posição da AT quanto aos actos tributários de liquidação do IMI sub judice, apresentou ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, Pedido de Revisão Oficiosa destes actos tributários.
f. A Requerente solicitou a devolução do valor de € 49.558,75 (quarenta e nove mil quinhentos e cinquenta e oito Euro e setenta e cinco cêntimos) indevidamente cobrados.
g. Por Despacho de 31 de maio de 2022 da Subdiretora Geral do Património da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 168.º e do n.º 3 do artigo 171.º do Código do Procedimento Administrativo, foram anulados com efeitos retroativos os atos de fixação do valor patrimonial (VPT)dos prédios urbanos identificados no mapa junto em anexo e anuladas as respetivas liquidações.
h. A revogação dos atos de avaliação dos VPT dos imóveis em causa nos presentes autos foi comunicada ao CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT, a 02.06.2022.
i. A Requerente, chamada a pronunciar-se, veio ao processo requerer o prosseguimento dos autos.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.
Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente e Requerida.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
i. Saber se a AT pode rever oficiosamente as liquidações em IMI feitas em erro.
ii. Saber se a Requerente pode requerer o prosseguimento dos autos tendo sido satisfeita a sua pretensão.
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende em resumo:
a. Que os imóveis considerados como «terrenos para construção» foram objeto de avaliação pela AT nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 onde constaram os critérios previstos no artigo 38.º do CIMI tendo as liquidações sido feitas em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
b. A aplicação do artigo 38.º do CIMI feita pela AT é ilegal, foi feita em erro sobre os pressupostos de direito e de facto e deve ser anulada.
A AT defende por exceção:
c. i) Já procedeu à revisão oficiosa dos valores patrimoniais e anulou as liquidações respetivas identificadas no processo com efeito retroativo.
ii) Praticou os actos ao abrigo do artigo 13.º do RJAT e no período aí previsto pelo que nada há a fazer sendo de declarar a extinção da instância e a condenação em custas da Requerente.
iii) Por força do artigo 168, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) a correção da base de incidência do imposto, i. e., a correção do ato de avaliação da qual resulta a fixação do VPT efetuadas há menos de cinco anos podem ser objeto de anulação administrativa, bem como já se verificou a revisão dos atos de avaliação do VPT e das correspondentes liquidações.
d. A Requerente não respondeu às exceções.
3.2. Saneamento do processo:
Quanto às exceções invocadas pela Requerida:
i) Inutilidade superveniente da lide por satisfação do pedido formulado no período previsto e nos termos regulados no artigo 13.º do RJAT.
ii) Por força do artigo 168, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) a correção da base de incidência do imposto, i. e., a correção do ato de avaliação qual resulta a fixação do VPT efetuadas há menos de cinco anos podem ser objeto de anulação administrativa, bem como já se verificou a revisão dos atos de avaliação do VPT e anulação das liquidações.
3.3. Apreciação da questão.
O artigo 13.º n.º 1 do RJAT prevê um mecanismo de revisão oficioso dos actos ilegais praticados pela AT permitindo - no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral - a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja legalidade foi suscitada, praticando, quando necessário acto tributário substitutivo.
A utilização desta possibilidade de rever a posição e cumprir o seu poder/dever de repor a legalidade deverá ser comunicada ao presidente do CAAD.
O dirigente máximo do serviço da administração tributária tem o dever de notificar o sujeito passivo – artigo 13.º n.º 2 do RJAT.
Em caso de silêncio do SP ou manifestação de interesse em prosseguir o procedimento o mesmo prosseguirá em relação a este último acto.
A Autoridade Tributária cumpriu os seus deveres de comunicação tendo o Requerente reafirmado o seu interesse na prossecução na esfera administrativa e no processo do CAAD mesmo depois da resposta da Autoridade Tributária.
Ora, feita pela Autoridade Tributária a reapreciação dos actos praticados e tendo a mesma procedido à revogação com efeitos retroativos das avaliações feitas ao abrigo do artigo 38.º do CIMI dos terrenos para construção e procedido igualmente à revogação das liquidações efetuadas nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 deixou de ter objeto o pedido arbitral.
Estamos perante uma situação de inutilidade superveniente da lide prevista e regulada no artigo 277.º alínea e) do CPC.
Procede assim, de facto e de Direito a posição da AT assumida na Resposta feita no presente PPA.
5. Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide declarar a extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 49.558,75 (quarenta e nove mil quinhentos e cinquenta e oito Euro e setenta e cinco cêntimos).
Custas: Vai a Requerente condenada em custas nos termos do artigo 97.º -A , n.º 1, alínea a do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º , n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária por ser sua a responsabilidade no decaimento da instância ao solicitar o seu prosseguimento mesmo depois de ver satisfeitos os seus pedidos, sendo o montante das custas fixado em 2142,00 (dois mil cento e quarenta e dois) Euro.
Registe e Notifique.
Lisboa, 2 de julho de 2023
O Árbitro
(Vasco Branco Guimarães)