SUMÁRIO
I. As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.
II. O artº 2 do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa.
I. Relatório
A..., S.A. SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante “Requerente”, com o número de identificação fiscal português ..., residente na ..., n.°..., ..., ...-... Lisboa, Portugal, veio, em 19-09-2022, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, referente ao ano de 2021, peticionando a declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).
A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:
a) A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., S.A., instituição de crédito de direito luxemburguês com sede e efetiva administração no Luxemburgo.
b) O B... assegura a sua presença em Portugal através da Requerente.
c) Sustenta a Requerente que na sequência da pandemia de COVID-19 o Conselho de Ministros aprovou, a 4 de junho de 2020, o Programa de Estabilização Económica e Social, cuja materialização se dá, entre outras medidas, na aprovação da Lei n.° 27A/2020, de 24 de julho, Orçamento Suplementar para 2020, que vem alterar a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.° 2/2020 de 31 de março).
d) Assim, foram sendo adotadas inúmeras medidas de apoio aos mais variados setores, que importaram uma avultadíssima despesa para o Estado português.
e) As necessidades mutáveis da crise pandémica justificaram duas alterações ao Orçamento do Estado para 2020, a última das quais aprovou o ASSB, cuja criação surge da necessidade de recorrer a fontes adicionais de receita pública por parte do Estado, sendo esta “adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
f) Adicionalmente, a notada Presidência da República respeitante à promulgação do diploma onde se integra o regime que cria o ASSB alicerça-se na excecionalidade das circunstâncias vividas como um critério legitimador para soluções que nele se consagraram: “Tendo em consideração a situação excecional vivida — aliás circunstanciadamente explicitada nas cartas recebidas dos Senhores Presidente da Assembleia da Républica e Primeiro-Ministro -, que exige dispor com urgência de alterações ao Orçamento do Estado em vigor, o Presidente da Républica promulgou o diploma que procede à segunda alteração à Lei 2/2020, de 31 de março (Orçamento do Estado para 2020) e à alteração de diversos diplomas”.
g) Mais defende, que o artigo l8.° da Lei n.° 27-A 12 020 de 24 de julho aprovou o regime que cria este novo tributo, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, constante do Anexo VI (doravante «Regime do ASSB»), neles e determinando as condições da respetiva aplicação.
h) Com referência à incidência subjetiva, e seguindo à risca o desenho da CSB, foram qualificados como sujeitos passivos do ASSB: a. As instituições de crédito com sede principal e efetiva em território português; b. as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português; e c. as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
i) Com referência à incidência objetiva estabeleceu-se que o ASSB incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.
j) Nesse mesmo regime fixaram-se as regras para a quantificação da base de incidência objetiva do ASSB, as taxas aplicáveis, a forma da liquidação, e o modo do seu pagamento, através do preenchimento da declaração de Modelo Oficial (Declaração modelo 57) aprovada pela Portaria n.° 19 1/2020, de 10 de agosto.
k) Finalmente, e naquela mesma sede, foi estabelecido que o ASSB
l) é anual e que deve ser autoliquidado pelos sujeitos passivos até ao último mês de junho, com exceção dos anos de 2020 e 2021, em que o prazo de autoliquidação finda a 15 de dezembro.
m) Em relação ao ASSB dos exercícios de 2020 e 2021 fixou-se também uma base de incidência objetiva distinta, incidindo o ASSB sobre a média dos saldos finais de passivo de cada mês, relativo às contas do ano de 2020: a. Apenas do 1.0 semestre de 2020, em 2020; e, b. Apenas do 2.° semestre de 2020, em 2021.
n) Perante esta realidade, a 15 de junho de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2021, mediante a submissão da declaração relevante Modelo 57.
o) A autoliquidação efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2021, tendo sido com referência à incidência objetiva estabeleceu-se que o ASSB incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.
p) Nesse mesmo regime fixaram-se as regras para a quantificação da base de incidência objetiva do ASSB, as taxas aplicáveis, a forma da liquidação, e o modo do seu pagamento, através do preenchimento da declaração de Modelo Oficial (Declaração modelo 57) aprovada pela Portaria n.° 19 1/2020, de 10 de agosto.
q) Finalmente, e naquela mesma sede, foi estabelecido que o ASSB é anual e que deve ser autoliquidado pelos sujeitos passivos até ao último mês de junho, com exceção dos anos de 2020 e 2021, em que o prazo de autoliquidação finda a 15 de dezembro.
r) A Lei n.° 23-A12015, de 26 de março concretizou a transposição para a ordem jurídica interna da aludida Diretiva 2014/59/UE, mediante várias alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras («RGICSF»).
s) Tanto na consagração da CSB como do ASSB o legislador ignorou todo o enquadramento europeu resultante da Diretiva 2014/59/EU e da sua transposição por vários diplomas nacionais, praticamente não fazendo referência a este contexto na criação do ASSB.
t) Adicionalmente, onde o legislador do ASSB mal andou também foi em importar da CSB a fórmula discriminatória de cálculo do base de incidência objetiva que determina que os sujeitos passivos que são sucursais acabaram sempre por ser prejudicados por verem o ASSB incidir sobre o seu passivo bruto, enquanto os sujeitos passivos que são instituições financeiras residentes veem o ASSB incidir sobre o passivo líquido.
u) A Requerente não se conforma com a sua sujeição ao ASSB, que considera ser ilegal a vários títulos por violação de preceitos legais, normas constitucionais e disposições europeias.
v) Em concreto, defende a Requerente a violação da lei de enquadramento orçamental, a violação do princípio geral da não-consignação de receitas, a violação da especificação orçamental. Mais defende a violação da constituição, em especial, do princípio da igualdade. A violação do direito da união europeia, em concreto a violação da liberdade de estabelecimento e a violação da Diretiva 2014/591UE.
w) Em suma, a Requerente sustenta, sobre a violação da lei de enquadramento orçamental, e a violação do princípio geral da não-consignação de receitas, que estando perante um imposto, verifica-se a violação do princípio da não-consignação de receitas, aqui patente pela alocação da cobrança do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Sustentando pela ilegalidade da cobrança do ASSB, por violação da LEO e seus princípios enformadores.
x) Defende a Requerente sobre a violação da especificação orçamental, sustenta que os princípios da transparência e da publicidade são princípios enformadores do Orçamento do Estado, dos quais resulta a obrigatoriedade de dar a conhecer ao contribuinte um critério claro, transparente e acessível, que legitime o seu sacrifício orçamental. O princípio da especificação orçamental surge como uma concretização prática desta exigência, tratando-se de uma imposição e não uma mera faculdade. Conclui que a falta de previsão do ASSB no Orçamento do Estado para 2020 e no Orçamento Suplementar para 2020 torna impossível a especificação das receitas por ele proporcionadas, e viola o princípio da legalidade, pelo que a autoliquidação do ASSB que agora se impugna deverá ser anulada.
y) Defende a Requerente a violação da constituição, em especial, do princípio da igualdade. Sustenta, em suma, que o ASSB não respeita o critério fundamental da conformidade dos impostos com a Constituição: a incidência sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária, i.e. respeitando o princípio da igualdade. Conclui, que o ASSB constituiu efetivamente uma frontal violação da CRP, quer seja considerado como um imposto, quer seja considerado como uma contribuição.
z) Mais defende a Requerida, a violação do direito da união europeia, em concreto a violação da liberdade de estabelecimento e a violação da Diretiva 2014/591UE.
aa) Sobre a violação da liberdade de estabelecimento, alega que o regime do ASSB cria efetivamente uma discriminação entre bancos que operem em Portugal através de uma sociedade residente em Portugal e bancos que operem através de uma sucursal. Que, das regras de determinação da base de incidência do ASSB decorre uma situação de manifesta e inadmissível discriminação fundada na residência das entidades sujeitas àquele tributo, e, mais, que a interpretação da Diretiva no sentido de dar respaldo à putativa legalidade do ASSB sempre seria ela própria ilegal por violação do Tratado Funcionamento da União Europeia e pelo favorecimento de restrições criadas ao livre movimento.
bb) Sobre a violação da Diretiva 2014/591UE, defende a Requerente, que o ASSB consubstancia um tributo sui generis, não previsto na Diretiva, que, digamo-lo desde já, viola o regime de contribuições consagrado na referida Diretiva e que perverte o objetivo final de criação da Diretiva e do regime harmonizado europeu. O ASSB cria uma oneração em tudo semelhante à da Diretiva, e, por isso, o ASSB viola a Diretiva 20 14/59, pois esse tributo, apesar de ser determinado por referência à mesma base tributária prevista para as contribuições criadas pela referida Diretiva, não está associado ao financiamento das necessidades de resolução das instituições financeiras, nem cumpre com as respetivas regras, tendo como consequência uma duplicação (e, em certos casos, triplicação) da tributação destas entidades. Nessa medida, a Diretiva impede a criação de um tributo como o ASSB.
cc) Mais defende, o regime da ASSB e a Portaria n.° 19 1/2020, de 10 de agosto, se mostram ilegais por violação do direito da União Europeia, cabendo anular a autoliquidação impugnada que foi emitida com base naquele regime e na referida Portaria.
dd) Termina a Requerente peticionando, pela anulação da decisão de indeferimento da Reclamação graciosa apresentada e, mediatamente, pela anulação do ato subjacente de autoliquidação do ASSB referente ao passivo apurado no ano de 2021 e pago pela Requerente, por vícios de violação de Lei, incluindo constitucional, e por violação do Direito da União Europeia, devendo a AT ser condenada ao reembolso e pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.° da LGT, pelo ASSB pago pela Requerente, por motivo exclusivamente imputável à AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 10-01-2023, e subsequentemente notificado à AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 28-02-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 20-03-2023, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
A Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 02-05-2023, alegando, em síntese, o seguinte:
a) A Requerida, não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto. Nem o podia fazer, posto que é o próprio legislador que anuncia, logo no artigo 1.º do regime que criou o ASSB, que este se destina a aproximar “a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, assumindo-se assim que, no cômputo global da carga fiscal incidente sobre este sector, existe uma vantagem associada à “isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras”.
b) Significa, portanto, que, relativamente à natureza deste tributo, quaisquer dúvidas que houvesse ficam à partida esclarecidas pelo próprio legislador - este é um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
c) Conceptualmente, o ASSB foi configurado como um imposto sobre operações inerentes às atividades financeiras realizadas pelas instituições de crédito, tendo subjacente o desiderato de tributar indiretamente este setor.
d) Em suma, o ASSB assume a mesma natureza do imposto cuja isenção visa compensar (IVA), a de imposto indireto, propondo-se alcançar a manifestação de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito e instrumentos derivados através das operações financeiras abrangidas pela incidência do imposto.
e) Ora, sendo o IVA uma das fontes de financiamento da segurança social, através da consignação de uma parcela da sua receita (IVA social, regulado pelo artigo 8.° do Decreto Lei n.° 367/2007, de 2 de novembro, que estabelece o quadro de financiamento do sistema de Segurança social).
f) E encontrando-se os serviços financeiros em larga medida isentos de IVA, é uma opção natural e coerente do legislador, na sua preocupação permanente com a sustentabilidade e estabilidade da segurança social e com a necessidade de diversificação das fontes de financiamento desta, a de criar o ASSB como compensação daquela isenção e de consignar a sua receita ao FEFSS.
g) Sobre a alegada violação do princípio geral da não consignação de receitas, defende a Requerida, ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO. Pelo mesmo motivo também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.
h) Sobre a alegada violação da especificação orçamental, o ASSB foi aprovado no âmbito do Orçamento Suplementar de 2020 pela Assembleia da República, verificando-se assim que este órgão soberano, concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020. E o ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS.
i) Sobre a alegada violação da Constituição, em especial do princípio da igualdade, sustenta que não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT-10, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.
j) Sobre a alegada violação do direito da união europeia, e da violação da liberdade de estabelecimento, defende a Requerida, o regime do ASSB não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º do Tratado Sobre o Funcionamento da EU. Não existe um tratamento discriminatório, na medida em que o tratamento conferido pelo legislador ao delimitar a incidência objetiva é o mesmo para os todos os sujeitos passivos abrangidos pelo ASSB, não constituindo, portanto, qualquer violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49º do TFUE.
k) Sobre a alegada violação do direito da união europeia, e da violação da diretiva 2014/59/EU, sustenta a Requerida, que o imposto adicional de solidariedade em questão não é abrangido pelo âmbito de aplicação da DRRB e não está em conflito com as suas disposições. O ASSB não está relacionado com os mecanismos nacionais de financiamento das medidas de resolução. E não se verifica uma situação de dupla tributação.
l) Mais sustenta quanto à questão da dupla tributação, a Requerente não faz prova nenhuma dos factos que alega (ónus que a si competia, nos termos do art.º 74.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 342.º do Código Civil), o que por si só impede que se possa concluir pela alegada dupla tributação.
m) Quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, defende que deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP.
n) Termina a Requerida, peticionando que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
Por despacho de 25-05-2023, as partes foram notificadas da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em virtude do pedido de dispensa de audição de prova testemunhal. No mesmo despacho foram as partes notificadas para apresentar, alegações escritas (facultativas), concedendo-se um prazo simultâneo de 15 (quinze) dias. Foi concedido à Requerida prazo para exercer o direito ao contraditório quanto ao requerimento apresentado pela Requerente, podendo fazê-lo juntamente com as suas alegações escritas no prazo concedido. Fixou-se o dia 30-06-2023 como data-limite para a prolação e notificação da decisão final. Por fim notificada a Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.°3 do artigo 4° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributaria, e comunicar o pagamento ao CAAD.
A Requerente apresentou alegações em 14-06-2023, e a Requerida em 15-06-2023 apresentou as suas alegações escritas.
II. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de autoliquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, contado da data de notificação do indeferimento da reclamação graciosa apresentado.
O processo não enferma de nulidades.
III. Matéria De Facto
§3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:
A. A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., S.A., instituição de crédito de direito luxemburguês com sede e efetiva administração no Luxemburgo. O B... assegura a sua presença em Portugal através da Requerente. Cf. PPA.
B. Em 15 de Junho de 2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2021, no valor de 1.923,01€, mediante a submissão da declaração modelo 57, identificado pela guia n.º ... tendo procedido ao respetivo pagamento. Cf. PPA.
C. A Requerente interpôs reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação, ao qual foi atribuído o ...2022..., notificada do indeferimento da reclamação graciosa por meio do ofício n.º ...-DST/2022 datado de 09-12-2022.
D. Inconformada com o ato de autoliquidação, a Requerente apresentou no CAAD, em 10 de Janeiro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral com vista a anulação da referida liquidação ASSB.– cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
§3.2. Factos não provados
Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.
§3.3. Fundamentação da matéria de facto
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
IV. Matéria de Direito
§4.1. Delimitação das questões a decidir:
Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
a) A anulação da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) referente ao período de tributação de 2021 e, consequentemente, a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.
b) E o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
§4.2. Sobre a ilegalidade da autoliquidação de ASSB referente ao período de tributação de 2021
Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal a apreciação da legalidade da autoliquidação de ASSB para o ano de 2021.
A Requerente, alegou que se verificam vários vícios sobre a autoliquidação designadamente, a violação da lei de enquadramento orçamental, a violação do princípio geral da não-consignação de receitas, a violação da especificação orçamental. Mais defende a violação da constituição, em especial, do princípio da igualdade, a violação do direito da união europeia, em concreto a violação da liberdade de estabelecimento e a violação da Diretiva 2014/591UE.
A Requerida, contra-alegou em suma, que não se verificam os vícios alegados, não se verificando a violação da Constituição e do direito comunitário.
Importa analisar a legislação e regulamentação nacional, aplicáveis a esta matéria, nomeadamente o Regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB).
Assim, o adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.
Conforme resulta destes normativos, o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2) e tendo como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1).
Tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º
O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3).
O n.º 4 desse artigo 4.º esclarece ainda que [a] base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.
Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º referem-se, respetivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o artigo 9.º, sob a epígrafe “Consignação da Receita”, declara que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
Com este enquadramento coordena-se a disposição transitória do artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 27-A/ 2020, com o seguinte teor:
Artigo 21.º
Disposição transitória
1 — Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
(…).
Por último, importa referir que a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, em consonância com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, limita-se a assinalar que “[é] igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”
Face ao regime legal gizado, a primeira questão a apurar prende-se com a natureza jurídica do imposto do ASSB, embora as partes concordem em qualificar o tributo como imposto.
Assim, quanto a esta questão a jurisprudência já se pronunciou, e tem vindo a decidir estar perante um imposto, vejam-se as decisões arbitrais proferidas pelo CAAD nos processos 504/2021-T de 16 de maio de 2022, 598/2022 de 21 de março de 2023, e 599/2022 de 25 de abril de 2023, as quais perfilhamos.
Realçamos a decisão proferida no processo número 598/2022 21 de março de 2023, atendendo ao relevante enquadramento legislativo e doutrinal ali efetuado, e donde resulta a seguinte conclusão:
“(…), o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).”
Na mesma linha, veja-se a decisão arbitral n.º 599/2022 de 25 de abril de 2023, de onde se extrai: “O ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é que esta é uma como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica.”
Subscrevendo a posição tomada pela jurisprudência elencada, conclui-se estar perante um imposto.
Passemos assim de seguida à análise das restantes questões e vícios submetidos à apreciação do Tribunal, iniciando pela questão da violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, não seguindo, desta forma, a ordem descrita pela Requerente no PPA.
Assim, a Requerente, alegou, que o ASSB não respeita o critério fundamental da conformidade dos impostos com constituição: a incidência sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária. E não tributa a capacidade contributiva e incide de forma desajustada sobre um determinado grupo de contribuintes que acabam por suportar sectorialmente o que deveria ser imposto a todos os contribuintes.
A Requerida, contra-alegou, referindo que a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este atualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras.
Neste sentido, cumpre apreciar a questão da violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
O Tribunal Constitucional tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, particularmente no acórdão n.º 142/2004, onde consignou que “(…) princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 217/15, e o Acórdão n.º 695/2014, de onde se extrai o seguinte: “o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento.”
O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo».
O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional Processo n.º 1265/2013).
Resulta da exposição normativa supra elencada, que o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, previsto nos artigos 1.º e 2.º, tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
Mais se refere, que o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, se carateriza como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro. (cf. Decisão arbitral n.º 598/2022 de 21 de março de 2023)
A jurisprudência pronunciou-se, concretamente, sobre a questão da violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva do ASSB, mais recentemente nas decisões tomadas nos tribunais arbitrais, considerou que o ASSB, viola o princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e viola o princípio da capacidade contributiva, tendo decidido como inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a) e artigo 2 da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, se não vejamos
Compulsando a decisão arbitral n.º 598/2022 de 21 de março de 2023, extrai-se: não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o sector bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação.
Mais refere: Encontrando-se a medida legislativa descrita como sendo um tributo destinado a compensar a isenção de IVA de que beneficia o setor financeiro, não se compreende que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva. E não é tido em devida consideração, na aplicação da medida, que as isenções previstas na Diretiva, e transpostas para o direito interno pelo artigo 9.º do Código do IVA, são de carácter obrigatório, e, no que se refere aos serviços e operações financeiras previstos no artigo 135.º da Diretiva, essas isenções são motivadas pelas dificuldades práticas de apuramento do valor acrescentado e de aplicação do imposto, e não por qualquer propósito de favorecimento fiscal. O legislador desconsidera ainda que a isenção simples, que é aplicável ao caso, não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, que acaba por suportar a incidência do imposto através das suas aquisições. Além de que não se tem em linha de conta que essa isenção, no direito nacional, já é contrabalançada pelo imposto do selo, que abrange a generalidade das operações financeiras, tal como sucede, em geral, na legislação dos Estados Membros, em que as operações relativamente às quais se afasta a aplicação da diretiva, são sujeitas a impostos especiais (cfr. Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, citado, pág. 317).
Em todo este condicionalismo, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
No mesmo sentido, veja-se a decisão Arbitral n.º 599/2022 de 25 de abril de 2023, decidiu no seguinte sentido: Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária. Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.
No caso do ASSB, não se observa uma relação direta entre a incidência real do imposto e os fatores que possam indicar uma maior capacidade contributiva. Como mencionado anteriormente, o critério de distribuição do imposto nesse caso baseia-se em uma lógica de solidariedade que parte do pressuposto equivocado de que as instituições de crédito podem suportar um aumento da carga fiscal devido à sua isenção de IVA nos serviços financeiros que prestam.
Na sequência do périplo normativo e jurisprudencial, importa sublinhar que a definição legal da incidência subjetiva do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário não cumpre a exigência constitucional de generalidade, violando assim o princípio constitucional da igualdade tributária.
A falta de correspondência clara entre o ASSB e um índice concreto de avaliação da capacidade contributiva coloca em questão a viabilidade constitucional desse imposto, uma vez que impede o estabelecimento de qualquer relação causal entre o objeto da tributação imposto aos contribuintes e um efetivo aumento de capacidade contributiva. Isso é especialmente problemático quando não está em consideração uma contrapartida relacionada à prevenção de riscos sistêmicos nos quais as instituições de crédito possam estar envolvidas, mas sim uma medida exclusiva de geração de receita.
Perante o exposto, conclui-se que as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1 alínea a) do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Bem como o artº 2 do anexo VI a que se refere o art. 18º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa.
Em consequência, o ato de autoliquidação de ASSB relativo ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, são ilegais.
V. Questões de Conhecimento Prejudicado
Face à solução a que se chegou, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.
§4.4. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago
Peticiona ainda a Requerente, o pagamento de juros indemnizatórios.
A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios —nos termos do artigo 43.ºn.º 4 e artigo 35.º n.º 10 da LGT, sendo que este último artigo remete para o disposto no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil, que por sua vez remete para a Portaria 291/2003 de 8 de abril em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo — decorre da aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que prevê a obrigação da Requerida de reconstituir a legalidade do ato objeto do litígio, tal dever compreendendo: (i) a obrigação de reembolso do montante indevidamente pago, e (ii) o pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento indevido efetuado pela Requerente até à data em que o reembolso do imposto pago indevidamente seja efetivamente efetuado.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de autoliquidação do ASSB, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
VI. Decisão
Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Singular:
a) Declarar ilegais e anular o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao período de tributação de 2021, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;
E em consequência:
b) Ordenar a devolução à Requerente dos referidos montantes, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados da data do seu pagamento até efetivo e integral reembolso.
VII. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.923,01, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.
VIII. Custas Arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 306,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, atendendo à procedência do pedido
Registe e notifique-se.
Notifique-se o Ministério Publico nos termos do artigo 17.º n.º3 do RJAT.
Lisboa, 29 de junho de 2023
O Árbitro,
Pedro Guerra Alves,